Cultura de Bancada, 19º Número
Cultura de Bancada, 19º número, lançado a 12 de outubro de 2023
Cultura de Bancada, 19º número, lançado a 12 de outubro de 2023
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encheu, e os cânticos iam-se seguindo, bem
como alguma pirotecnia ia sendo aberta
esporadicamente. O nervosismo era grande
face à importância do jogo, mas o que
realmente prendia o olhar eram as bancadas.
Quando o jogo se aprontava para começar
e todo o estádio entoa o horto magiko de
forma ensurdecedora, senti a pele arrepiada
e senti que mais um sonho estava cumprido.
Ainda assim fomos lá enquanto Ultras,
para dignificar o nosso símbolo e apoiar a
equipa, portanto não havia espaço para mais
contemplações. Ainda que sabendo ser uma
tarefa difícil, fizemos tudo para nos fazermos
ouvir e cantamos durante todo o encontro.
Depois do “tesão” inicial, a montanha
acabaria por parir um rato, e o apoio vocal
dos gregos mostrar-se-ia verdadeiramente
desapontante. Minutos e minutos sucessivos
sem se fazerem ouvir e, quando arrancavam
com um cântico, faziam-no com força, mas
apenas durante alguns segundos. Posso
dizer que foi, sem sombra de dúvida, a maior
desilusão da minha vida, e a prestação dos
locais foi demasiado fraca para se comparar,
por exemplo, com aquilo a que assisti dos
Delije no Marakana de Belgrado.
O golo que garantiu o apuramento
foi marcado já nos minutos finais, o que
provocou uma onda de euforia entre nós, e
uma épica descida da bancada, ainda que os
locais arremessassem inúmeras garrafas e
outros objectos da bancada superior, facto
que viria a originar um golpe na cabeça de
uma rapariga da Cruz Vermelha presente
na bancada. Entre festejos e “trocas de
galhardetes”, deu-se um sururu com um
elemento do Panathinaikos que, pelo porte e
pela pinta, deixava transparecer que género
de ligações teria, elemento esse que contou
com o auxílio de alguns stewards com quem
também escalou a tensão. A situação viria a
acalmar-se sem a intervenção dos polícias
presentes, que em nenhum momento se
preocuparam com o sucedido.
Finalizado o jogo, a preocupação
era só uma: trazer a faixa de volta para
casa. A saída acabaria por se dar sem
problemas de maior, e eu, junto com vários
outros companheiros regressaríamos nessa
mesma madrugada, com escala feita em
Colónia, não sem um sobressalto causado
pela polícia que queria reter um dos nossos
membros porque o seu cartão de cidadão
não estava em situação regular (o mesmo da
fronteira entre a Croácia e a Sérvia). Depois
de muita conversa a situação lá se resolveu,
e os restantes companheiros voariam no dia
seguinte, chegando ao mesmo tempo que
a equipa, que foi recebida no Aeroporto
Francisco Sá Carneiro por centenas de
bracarenses em festa, festa essa que se
prolongaria na chegada a Braga.
Tantas e tantas vezes as pessoas
que me rodeiam e que comigo se vão
cruzando perguntam-me o que me/nos leva
a fazer tantos sacrifícios, a abdicar de tanto,
a despender de tanto dinheiro e tanto tempo
em prol de um clube e de um grupo. Pensando
no assunto, e olhando em retrospectiva, com
estes dias que foram de verdadeira azáfama
e correria, com tanto sacrifício e tão pouco
descanso, dou por mim a perguntar o mesmo
a mim próprio, se não é já hora de acalmar
e dosear o “ímpeto”. Só que a resposta que
vem de dentro é invariavelmente a mesma: é
isto que me motiva a levantar da cama todos
os dias e é isto que me faz genuinamente
feliz. As peripécias, os contratempos, o
sacrifício, o companheirismo e a crença
de que lutamos por algo maior do que nós
próprios motiva-me, todos os dias, a seguir
em frente. Exausto, de carteira vazia, mas
absolutamente realizado. Assim se vive Ultrà!
Por J. Sousa
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