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primeiro número na íntegra - Áskesis

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tenho investigado o modo pelo qual egressos de inter<strong>na</strong>ção psiquiátrica são mantidos em<br />

comunidade após se tor<strong>na</strong>rem usuários de serviços extra-hospitalares de saúde mental. Diria<br />

que o tema desenvolvido por mim no mestrado, a divisão, negociação e delegação de encargos<br />

pelo cuidado desses egressos, entre profissio<strong>na</strong>is, familiares e vizinhos no contexto da<br />

implantação dos Centros de atenção Psicossocial / CaPS, parte de constatações do próprio R.<br />

Castel acerca da história da psiquiatria e do asilo, um conflito entre as autoridades jurídicas e<br />

médicas que termi<strong>na</strong> com a assunção de responsabilidade da medici<strong>na</strong> sobre os destinos dos<br />

alie<strong>na</strong>dos mentais, isolando-os em hospícios.<br />

Segundo Castel (1978b), a medici<strong>na</strong> toma o encargo pelo cuidado – e controle – do dito<br />

“louco” <strong>na</strong> França do fi<strong>na</strong>l do século XvIII, quando sedimenta a prática do seqüestro e inter<strong>na</strong>ção<br />

do, agora, “alie<strong>na</strong>do mental”, a partir da consolidação de um estatuto jurídico de tutela<br />

para o mesmo: assim, enquanto no contexto do estado absolutista a família, a justiça e a<br />

administração municipal dividiam as responsabilidades pelo louco, que circulava entre a rua,<br />

a casa, a prisão e o hospital, a partir do advento da sociedade liberal e do estatuto da tutela<br />

ele seria “protegido” em uma instituição específica, o hospício, tendo em vista a ameaça que<br />

representava para o regime republicano em processo de instalação. ou seja, quando do advento<br />

da psiquiatria, o louco, sob a condição de doente mental e tutelado, tor<strong>na</strong>-se objeto do<br />

monopólio do saber médico – seus atos, pensamentos e afetos passam a ser si<strong>na</strong>is e signos de<br />

sintomas e síndromes4 .<br />

a partir do pós-guerra, questio<strong>na</strong>-se o isolamento – como também os “maus-tratos” – no<br />

hospício e procura-se dissolver este monopólio médico, favorecendo a permanência do então<br />

“portador de transtorno mental” em sua casa, vizinhança, comunidade, cidade, através<br />

da partilha dos cuidados com familiares e vizinhos principalmente, formulando outro saber<br />

para tanto, a “atenção psicossocial” (SIlva, 2005a). essa tecnologia psicossocial estabelece<br />

continuidades com o que R. Castel denomi<strong>na</strong> instrumentos de gestão de populações (CaStel,<br />

1983) ou ainda gestão dos riscos (CaStel, 1986), <strong>na</strong> medida em que pode ser pensada como<br />

uma tentativa de evitar inter<strong>na</strong>ções psiquiátricas via acompanhamento da trajetória de vida<br />

dos usuários de serviços extra-hospitalares de saúde mental, mobilizando os recursos locais<br />

para lidar com os episódios de crise psicopatológica, gerando “parceiros” do movimento pela<br />

reforma psiquiátrica, tais como familiares e vizinhos, mas também associações de moradores<br />

de um dado bairro, pastores e funcionários de centros culturais. a prática reformista é permeada<br />

por discursos em torno da responsabilidade, uma intensa responsabilização do sujeito pela<br />

própria condição, assim como do serviço pela população adscrita a um dado território (SIlva,<br />

2005b), um fenômeno que também guarda continuidades com aquilo que Castel (1978c; 1983)<br />

expõe como prática dos serviços públicos ligado à distribuição de seguro social.<br />

Para não me prolongar muito <strong>na</strong> descrição dos resultados de minhas pesquisas, devo<br />

adiantar minha principal inquietação com os estudos de R. Castel, relativa à questão da proteção<br />

social. as contribuições de R. Castel permitiam não só a historicização e des<strong>na</strong>turalização<br />

de fenômenos como a tutela do paciente psiquiátrico, mas também a percepção da relação<br />

4 “a loucura colocou um desafio à sociedade <strong>na</strong>scida <strong>na</strong>s convulsões da queda do antigo Regime. e a sociedade<br />

o aceitou porque estava em jogo a credibilidade de seus princípios e do equilíbrio de seus poderes. Negócios<br />

burgueses e sérios de ordem, de justiça, de administração, de fi<strong>na</strong>nças, de discipli<strong>na</strong>, de polícia e de governo,<br />

nos quais o pathos da loucura seria propriamente deslocado. os debates em que o louco era objeto só colocaram<br />

em ce<strong>na</strong> os “responsáveis” encarregados de controlá-lo. Começaremos, portanto, a a<strong>na</strong>lisar essa divisão de<br />

responsabilidades e a interrogar as responsabilidades dessa partilha no momento em que ela se institui <strong>na</strong> crise<br />

revolucionária.” (CaStel, 1978, p. 22, grifo meu)<br />

<strong>Áskesis</strong> | v. 1 | n. 1 | jan/jul - 2012 | p. 64 – 81 | 66

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