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primeiro número na íntegra - Áskesis

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de técnicas psicologizantes em instituições sem função terapêutica, gerando uma “reperso<strong>na</strong>lização<br />

negativa”, <strong>na</strong> qual a pessoa do pobre é a origem de todas suas carências (CaStel,<br />

1978c, p. 60). o candidato ao seguro social, “beneficiário”, passa a ter que ser “merecedor”<br />

do mesmo (CaStel, 1978c, p. 53-54), de modo que essa nova tecnologia constrói categorias<br />

como famílias desestruturadas, entre outras, além de instaurar uma situação de dependência<br />

completa, <strong>na</strong> qual o candidato fica a errar de serviço em serviço, oferecendo-se a qualquer tipo<br />

de humilhação (CaStel, 1978c, p. 54).<br />

essa interpretação sobre o sistema público de distribuição de seguros sociais permite ao<br />

autor formular um modelo que pode ser estendido para outras “estratégias gover<strong>na</strong>mentais”,<br />

levando-o a descrever e a<strong>na</strong>lisar os “acts” da gestão Kennedy <strong>na</strong> década de 60 (CaStel, 1978c,<br />

p. 56-67). haveria um acento sobre a participação da comunidade e iniciativas orientadas à<br />

comunidade e uma suspeita sobre a capacidade de instituições clássicas de assistência (grandes<br />

hospitais, mas também asilo, por exemplo) manterem seu encargo, gerando uma massa de<br />

especialistas competentes lançando-se rumo ao desbravamento de novas fronteiras, promotores<br />

entusiastas de programas profetizando o fim da miséria (CaStel, 1978c, p. 57). Concluindo,<br />

o autor nota que o “direito” à proteção social envolve se expor a todo tipo de humilhação<br />

(CaStel, 1978c, p. 58).<br />

em continuidade com essa descrição e análise da atuação dos especialistas envolvidos<br />

<strong>na</strong> implantação de políticas sociais, Castel (1983) mostra uma mudança <strong>na</strong> tradição de medici<strong>na</strong><br />

mental e do trabalho social, da atuação sobre o sujeito, <strong>na</strong> relação terapêutica, sobre seu<br />

sofrimento ou sintoma, para a atuação sobre fatores de risco, através de exames, sobre probabilidades<br />

de alguém se tor<strong>na</strong>r perigoso: novas formas de gestão de população são geradas no<br />

pós-guerra, centradas <strong>na</strong> categoria “risco”, privilegiando estratégias preventivas com base em<br />

saberes epidemiológicos (CaStel, 1983, p. 119). a psiquiatria passa a se ocupar de populações<br />

de risco e menos com sujeitos perigosos, mantendo continuidades e descontinuidades com o<br />

eugenismo. Desenvolvem-se práticas de gestão e administração de riscos e menos práticas<br />

clínicas de alívio do sofrimento: lida-se com o que é mais provável de ocorrer, constituindo uma<br />

nova modalidade de vigilância, ocupando-se com correlações estatísticas e cálculo de probabilidades,<br />

no sentido da prevenção (CaStel, 1983, p. 123).<br />

Uma das implicações práticas e políticas dessa tecnologia do risco é a perspectiva de<br />

uma gestão autônoma de populações, formulada a partir de um diagnóstico de “handcap”,<br />

um acompanhamento e proteção contínuos de sua existência (CaStel, 1983, p. 124). o autor<br />

chega a supor que tal tecnologia de gestão se conjuga com as sociedades neoliberais de modo<br />

estreito, operando sobre a base da vulnerabilidade e constituindo algo como uma ordem pós-<br />

-discipli<strong>na</strong>r (CaStel, 1983, p. 126): seria possível que às populações programarem-se a si mesmas,<br />

o saber da informática, de modo que os indivíduos vem a ser inscritos em seu territórios,<br />

uma certa <strong>na</strong>turalização do social. a prevenção dos riscos como tecnologia de intervenção<br />

gover<strong>na</strong>mental instalaria a uma geografia social, um fluxo populacio<strong>na</strong>l dos capazes e incapazes,<br />

prevendo trajetórias sociais através da avaliação científica dessa capacidade (CaStel,<br />

1983, p.127).<br />

levando em conta essas duas contribuições, já podemos notar pelos menos duas coisas:<br />

<strong>primeiro</strong>, a crítica contundente de Castel à ação gover<strong>na</strong>mental e as tecnologias dos especialistas;<br />

segundo, essa crítica direcio<strong>na</strong>-se tanto à responsabilização individual (delineando a<br />

exposição do sofrimento como moeda de troca nos serviços públicos ligados ao seguro social)<br />

quanto à prevenção (levar em conta mais as probabilidades e riscos a partir de exames do que<br />

a queixa de sofrimento a partir da relação médico-paciente). assim, vemos uma continuidade<br />

<strong>Áskesis</strong> | v. 1 | n. 1 | jan/jul - 2012 | p. 64 – 81 | 73

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