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Revista Dr Plinio 243

Junho de 2018

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Publicação Mensal Vol. XXI - Nº <strong>243</strong> Junho de 2018<br />

Contrastes divinamente<br />

harmônicos


José Luiz Bernardes Ribeiro (CC3.0)<br />

Segurança<br />

sobrenatural<br />

Samuel Holanda<br />

H<br />

á determinadas figuras que nasceram para<br />

nos dar o exemplo da segurança sobrenatural<br />

em si mesma.<br />

Assim vemos Santa Germana Cousin, pobre, órfã<br />

de mãe, escrofulosa, magérrima, com a mão direita<br />

deformada, desprezada por todos, até por seu próprio<br />

pai. Ela poderia, levada pela vergonha, procurar fugir<br />

ou ser uma pessoa revoltada. Entretanto, portou-se<br />

com extrema dignidade e levou sua vida na segurança<br />

de quem tem um valor: ela é batizada, filha de Deus.<br />

A segurança, a paz e a tranquilidade fundadas na Fé<br />

desta Santa pastora, diante de uma situação própria a<br />

acabrunhar, nos ensinam que o nosso grande título, a<br />

grande razão de nossa ufania é de sermos católicos.<br />

Que Santa Germana nos dê a graça dessa enorme<br />

segurança de que nosso verdadeiro e único título de<br />

glória é sermos filhos da Santa Igreja Católica Apostólica<br />

Romana.<br />

(Extraído de conferência de 15/6/1967)<br />

Didier Descouens (CC3.0)<br />

Catedral de Lisieux, França<br />

Morte de Santa Germana - Igreja de Santa<br />

Maria Madalena, Pibrac, França


Sumário<br />

Publicação Mensal Vol. XXI - Nº <strong>243</strong> Junho de 2018<br />

Vol. XXI - Nº <strong>243</strong> Junho de 2018<br />

Contrastes divinamente<br />

harmônicos<br />

Na capa, imagem venerada por<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, desde sua infância,<br />

na Igreja do Sagrado Coração<br />

de Jesus, em São Paulo.<br />

Foto: Luis C. R. Abreu<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - 2595-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Editorial<br />

4 Majestade e bondade infinitas<br />

Piedade pliniana<br />

5 Confiança cega em Nossa Senhora<br />

Dona Lucilia<br />

6 A bondade de Dona Lucilia<br />

Sagrado Coração de Jesus<br />

10 O zelo por tua casa me devora!<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Antônio Pereira de Sousa, 194 - Sala 27<br />

02404-060 S. Paulo - SP<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pigma Gráfica e Editora Ltda.<br />

Rua Major Carlos Del Prete, 1708<br />

São Caetano do Sul – SP, CEP: 09530-000<br />

Tel: (11) 4222-2680<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 200,00<br />

Colaborador........... R$ 300,00<br />

Propulsor.............. R$ 500,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Hagiografia<br />

14 Mártir vigoroso, varonil,<br />

de alma inquebrantável<br />

Calendário dos Santos<br />

18 Santos de Junho<br />

A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

20 O princípio de subsidiariedade<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

31 Altaneria e estabilidade sacrais<br />

Última página<br />

36 “Sede devotos do meu Imaculado Coração...”<br />

3


Editorial<br />

Majestade e<br />

bondade infinitas<br />

Ardoroso devoto e apóstolo do Sagrado Coração de Jesus, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> sentia-se arrebatado pelos<br />

sublimes contrastes harmônicos que reluziam na mentalidade do Homem-Deus, ressaltando<br />

principalmente aqueles que a Revolução procurou deturpar ao longo dos séculos. Entre esses<br />

estão a misericórdia e o perdão coexistindo com a justiça e a combatividade, como se verá na presente<br />

edição 1 .<br />

Outro magnífico exemplo é a aliança entre a majestade e a bondade, comentada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em certa<br />

ocasião 2 .<br />

A majestade é o ápice da grandeza. Porém, não é qualquer ápice da grandeza que define a majestade.<br />

A majestade é a grandeza daquele que está colocado em tal situação que, numa ordem de coisas<br />

perfeita, que possui todos os elementos necessários para viver e ser como ela deve, ele é o primeiro<br />

e a chave de cúpula, fora da qual todo o resto se esvai.<br />

Entre todas as impressões que eu experimentava na Igreja do Coração de Jesus, ocasionadas pelo<br />

culto, pela liturgia, pelos cânticos, pelo órgão, pelo ambiente de recolhimento, estava, sobretudo, o<br />

enlevo pela pessoa de Jesus, Nosso Senhor, enquanto mostrando o seu Coração aos homens.<br />

Entusiasmava-me a majestade de Nosso Senhor com os braços abertos, naquela imagem no alto da<br />

torre, como também na imagem do Sagrado Coração de Jesus que se encontra à direita do altar-mor.<br />

Imagem muito tocante, nobre, com o Coração de Jesus exprimindo muita bondade. Entretanto,<br />

tanta grandeza misteriosa que, para mim, parecia emanar do vermelho particularmente bem escolhido<br />

do seu manto, dos ornatos dourados, mas, sobretudo, de sua cabeça, os cabelos e, mais do que tudo,<br />

do olhar e dos traços fisionômicos. Nosso Senhor me parecia tão majestoso e tão bom, tão infinitamente<br />

superior a mim e, ao mesmo tempo, com tanta pena e tão voltado para mim, tão misericordioso,<br />

que eu pensava: “Majestade é esta! Como eu gosto desta majestade!”<br />

Quando dei acordo de mim, na ladainha do Coração de Jesus, com aquela invocação “Cor Iesu,<br />

majestatis infinitæ, miserere nobis”, adotei-a e a inscrevi entre as minhas invocações prediletas, desde<br />

logo, porque é uma coisa magnífica!<br />

No teto da igreja vem a mesma majestade expressa por uma pintura que representa Nosso Senhor<br />

aparecendo a Santa Margarida Maria Alacoque, com os dizeres impressos em letras douradas sob<br />

fundo verde: “Eis o Coração que tanto amou os homens, e por eles foi tão pouco amado.”<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo tão majestoso na aparição, mas sempre com uma bondade levada ao<br />

último limite do excogitável! Esse equilíbrio entre a majestade e a bondade me encantava e me dava<br />

a ideia de que o padrão mais alto da majestade era Ele, pois sendo o Rei dos reis e Senhor de todos<br />

aqueles que têm domínio, era natural que se concebesse n’Ele uma majestade dessa elevação.<br />

1) “O zelo por tua casa me devora!”, p. 10-13.<br />

2) Conferência de 29/10/1985.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

Flávio Lourenço<br />

Virgem do Amparo - Medina del Campo, Espanha<br />

Confiança cega em<br />

Nossa Senhora<br />

ÓSanta Senhora do Amparo! Ponde na minha alma, totalmente carecedora de méritos<br />

e de forças, uma graça pela qual este vosso escravo confie em Vós cegamente<br />

durante a vida inteira. Que faça desta confiança cega o caminho pelo qual realize a<br />

minha vocação e chegue até Vós no Reino de Maria e no Reino dos Céus.<br />

Bem sabeis como, incontáveis vezes, ser-vos-ei tão infiel que desmerecerei completamente<br />

o favor de ter sido chamado por Vós. Ponde, porém, em minha alma a convicção de que,<br />

de antemão, já perdoastes tudo, até o inimaginável, certo de que, depois de cada miséria,<br />

Vós abrireis para este filho as portas de uma misericórdia nova, mais rica e mais insondável<br />

do que a anterior.<br />

Dai-me a graça de fazer um ato de confiança sempre que veja uma infidelidade em mim<br />

ou nos outros. De maneira que a vida deste filho e escravo vosso seja um longo e ininterrupto<br />

ato de confiança em Vós. Amém.<br />

5


Dona Lucilia<br />

A bondade<br />

de Dona<br />

Lucilia<br />

Flávio Lourenço<br />

Em Dona Lucilia havia uma<br />

apetência de espírito para o<br />

sobrenatural, porque ela queria<br />

ter sua principal relação com<br />

Deus, e todos os outros afetos<br />

dela eram decorrentes desse<br />

primeiro afeto. No fundo, quem<br />

ela mais amava era Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo. A bondade<br />

dela a conduzia a considerar as<br />

pessoas com muita elevação,<br />

envolvendo-as de doçura e afeto.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

6<br />

Vista parcial da Abadia de Cluny, França


Dona Lucilia foi a última<br />

semente da árvore da<br />

Idade Média que, ao cair<br />

no solo, fez germinar o futuro. Ela<br />

é uma alma profundamente medieval,<br />

mas não apenas enquanto<br />

uma síntese do passado.<br />

Era chamada a ser, sobretudo,<br />

esse começo do futuro.<br />

Uma bondade<br />

que ultrapassa<br />

a medieval<br />

Por exemplo, no tocante<br />

à bondade. Não se pode<br />

dizer que a bondade dela<br />

fosse estritamente medieval.<br />

A Idade Média está ali<br />

dentro, mas é uma bondade<br />

que ultrapassa a medieval,<br />

é um desenvolvimento<br />

da que existia naquele período<br />

histórico. A bondade de<br />

Dona Lucilia é feita de uma<br />

elevação de espírito que multiplica<br />

a bondade pela bondade.<br />

Custo a realizar como é que existia<br />

na Idade Média a bondade debaixo<br />

desse ponto de vista.<br />

Em mamãe havia uma tendência,<br />

uma apetência do espírito para um<br />

contato com Deus, porque ela queria<br />

ter sua principal relação com um<br />

Ser tão elevado, nobre e sublime, e<br />

todos os outros afetos dela eram decorrentes<br />

desse primeiro afeto. No<br />

fundo, o que ela amava era Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo.<br />

Isso conduzia a que toda a bondade<br />

que ela tivesse fosse constituída<br />

de um modo de considerar<br />

os outros com uma elevação<br />

muito alta, envolvendo<br />

de doçura e afeto a pessoa a<br />

quem ela considerava. Esse<br />

afeto descia dessa eminência,<br />

por assim dizer, quase<br />

raptando a pessoa para uma<br />

esfera sobrenatural muito<br />

elevada também.<br />

Tomemos, por exemplo,<br />

o cântico Anima Christi.<br />

Há quase uma diferença<br />

entre as palavras e o tom de<br />

voz com que aquilo deve ser<br />

cantado, de um lado, e a música<br />

do outro. Porque há qualquer<br />

coisa de arrebatado no estilo<br />

inaciano desse cântico. Mas<br />

existe ao mesmo tempo uma ternura<br />

levada a uma elevação, a uma<br />

coisa que é o extremo no gênero! Da<br />

elevação de quem considera a sublimidade<br />

de Nosso Senhor Jesus Cristo e<br />

quase a fraqueza d’Ele.<br />

No Anima Christi existe uma espécie<br />

de compaixão com que é tratado<br />

J.P. Ramos<br />

Samuel Holanda<br />

Basílica do Sagrado Coração de Jesus e<br />

Mosteiro - Paray-le-Monial, França<br />

7


Dona Lucilia<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Nosso Senhor, mas, de outro lado, um<br />

arrebatamento. Há naquilo um misto<br />

de veneração muito profunda e respeitosa,<br />

e de ternura que, tomando em<br />

consideração a grandeza do Redentor,<br />

mas também a Ele chagado, tem<br />

quase receio de se exprimir, pelo medo<br />

de tocar n’Ele de um modo insuficientemente<br />

delicado. Mas no fundo e<br />

no centro está uma evocação da Pessoa<br />

d’Ele e dos sentimentos que essa<br />

Pessoa desperta. Assim, aquele cântico,<br />

de algum modo, descreve a Ele.<br />

O Sagrado Coração de Jesus<br />

era o píncaro de seu amor<br />

Havia tudo isso no modo de ser<br />

de mamãe, por onde o Sagrado Coração<br />

de Jesus era o ápice, o píncaro<br />

de seu amor. Isso dava a marca<br />

medieval dela. Porque, embora a devoção<br />

ao Sagrado Coração de Jesus<br />

não tivesse nascido na Idade Média,<br />

ela levava a ternura do medieval para<br />

com Ele até o último ponto. É bonito<br />

que Nosso Senhor tenha aparecido<br />

em Paray-le-Monial, cujas origens<br />

remontam à Ordem de Cluny.<br />

Sala de jantar na residência de Dona Lucilia<br />

A consideração de tudo isso me<br />

levava a respeitá-la profundamente<br />

e, ao mesmo tempo, ter para com ela<br />

uma ternura a mais delicada possível.<br />

Mas com a sensação de que tudo<br />

quanto eu fizesse não bastava, pois<br />

ela estava acima disso.<br />

Quando Dona Lucilia morreu, senti<br />

uma dupla lancetada: de um lado, a<br />

noção de que uma pessoa assim acabava<br />

de ser, inexoravelmente, “desfeita”<br />

pela justiça divina… Porque a<br />

morte é isso. Os dois elementos constitutivos<br />

do ser humano, a alma e o<br />

corpo, são separados. Portanto, nesse<br />

sentido desfeita. Aliás, se não fosse a<br />

ressurreição, seria um absurdo. Eu me<br />

lembrava de uma cançãozinha que se<br />

cantava quando as Filhas de Maria faziam<br />

procissão na Igreja de Santa Cecília:<br />

“Misteriosa justiça nos prende,<br />

só por filhos à culpa de Adão; mas a lei<br />

quebrantada anulou-a a tua santa e feliz<br />

Conceição.” Quer dizer, realmente<br />

é uma misteriosa justiça.<br />

De outro lado, a irreparável ausência<br />

dela. Porque encontrar outra pessoa<br />

assim… Pode levar a lanterna de<br />

Diógenes que não descobre nada…<br />

Reveses e provas<br />

Pouco antes de ser acometido de<br />

diabetes 1 , estávamos jantando, só ela<br />

e eu, em casa. Falávamos, mas o melhor<br />

da conversa era a presença. Portanto,<br />

eu estava mantendo a prosa<br />

quase por polidez, mas de fato me<br />

embevecendo fantasticamente com<br />

ela.<br />

Lembro-me de ter pensado nisto:<br />

como seria difícil mãe e filho se quererem<br />

tão bem no mundo de hoje.<br />

E me vinha ao espírito a ideia: “Esta<br />

salinha de jantar é, no fundo, uma<br />

espécie de torrãozinho onde Nossa<br />

Senhora ainda conserva um pequeno<br />

resto, mas em mamãe um resto<br />

solar! Será que está nos desígnios<br />

da Providência permitir que tudo isso<br />

se dissolva com uma antecedência<br />

relativamente grande dos acontecimentos<br />

previstos em Fátima?<br />

Mamãe falece; de repente eu morro<br />

também, isto tudo aqui é vendido, se<br />

dispersa, e é mais uma coisa boa que<br />

desaparece no mundo...”<br />

Quando me apareceu aquela infecção<br />

no pé, recordei-me imediatamente<br />

daquilo que eu tinha pen-<br />

8


sado. Passei os dias em casa fazendo<br />

todo o possível para que ela não<br />

percebesse a gravidade de meu estado<br />

de saúde.<br />

Certa ocasião mamãe estava sentadinha<br />

junto à mesa da sala de jantar,<br />

eu passei pelo hall e tive um<br />

tombo sem que ela visse. A empregada<br />

me disse num tom meio atrevido<br />

e revoltado:<br />

– Mas o que é que tem? O senhor<br />

informe a ela de uma vez sobre o estado<br />

em que o senhor se encontra!<br />

Eu manifestei desagrado com ela<br />

e afirmei:<br />

– A senhora não está vendo que<br />

eu não quero aborrecê-la?<br />

– Mas assim, até esse ponto?<br />

– Até esse ponto. Quem gradua<br />

isso sou eu.<br />

Entrei na sala pensando: “O que<br />

eu tinha previsto está se realizando...<br />

Esse negócio que tenho aqui é<br />

uma gangrena.” Mandei chamar os<br />

médicos e afundei num túnel. Cogitei:<br />

“Um vendaval vai me tomar e<br />

ela ainda morrerá por esses dias...”<br />

Ficava transido de pena de mamãe<br />

ao pensar o que poderia<br />

acontecer se eu morresse antes<br />

dela. E me punha o seguinte<br />

problema: Recomendo que<br />

não digam a ela que eu faleci?<br />

Porque o problema<br />

se punha. Quer dizer, para<br />

não lhe comunicarem que<br />

eu morri, tinha que entrar<br />

pelo caminho das mentiras.<br />

Mas ela, no estado em<br />

que se encontrava, tinha o<br />

direito à verdade?<br />

Mas, de outro lado, se<br />

Deus a queria provar, possuía<br />

eu o direito de poupá-<br />

-la dessa prova? Quer dizer…<br />

uma coisa tremenda!<br />

A cadeira de rodas<br />

de Dona Lucilia<br />

mar o café da manhã e de ler o jornal.<br />

Dirigi-me ao quarto dela tão rápido<br />

quanto minhas condições físicas<br />

permitiam e, ao chegar, ela já<br />

estava morta. Chorei muito e, afinal<br />

de contas, fui para o meu quarto.<br />

Inexplicavelmente – creio que foi<br />

uma graça obtida por ela – invadiu-<br />

-me uma paz, uma tranquilidade que<br />

era quase uma alegria.<br />

Fui ao cemitério para o enterro,<br />

mas não ousei ir até a sepultura.<br />

No dia seguinte parti para nossa<br />

sede, em Amparo, voltando de lá para<br />

a Missa de sétimo dia durante a<br />

qual se deu aquele fenômeno do raio<br />

de sol sobre as orquídeas, que tomei<br />

como sendo o sinal pedido por mim<br />

a Nossa Senhora de que mamãe não<br />

estava mais no Purgatório 2 .<br />

Lembro-me, por exemplo, de<br />

uma bagatela. Eu me desagradava<br />

Quando me vieram avisar que ela<br />

estava morrendo, eu acabara de tomuito<br />

da cadeira de rodas dela. Eu<br />

gostaria que mamãe caminhasse. O<br />

passinho dela era uma das muitas<br />

coisas que me encantavam. Como<br />

ela conseguia andar com gravidade e<br />

com um passinho rápido! Dona Lucilia<br />

era muito grave no que ela fazia,<br />

mas rápida no andar. Não sei como<br />

ela conciliava isso.<br />

Apesar de antiga e de já não se<br />

usar mais cadeiras de rodas daquele<br />

tipo, por ser mais alta tinha mais<br />

dignidade do que os modelos recentes.<br />

E eu não queria vê-la metida<br />

nessas cadeiras muito melhores,<br />

porém menos dignas. Então arranjei<br />

aquela mesma. Ela, então, vinha altinha<br />

sobre aquilo.<br />

Quando ela morreu, mandei devolver<br />

a cadeira de rodas à Santa<br />

Casa e pagar o preço de um aluguelzinho.<br />

Uns cinco dias depois, comecei<br />

a sentir saudades da cadeira de<br />

rodas e ordenei perguntar à Santa<br />

Casa se podiam me vender.<br />

São recordações que me dizem<br />

muito. Embora o recuo do tempo,<br />

neste caso, não melhore a perspectiva,<br />

nem me leve a querê-la<br />

mais bem por causa disso, por<br />

alguns lados convida a uma<br />

atitude mais admirativa em<br />

relação a mamãe. v<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

(Extraída de<br />

conferência de<br />

20/4/1991)<br />

1) Em dezembro de 1967, em<br />

consequência de uma grave crise<br />

de diabetes, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> teve<br />

gangrena no seu pé direito, sendo<br />

submetido a uma cirurgia no Hospital<br />

Sírio-Libanês, em São Paulo, para<br />

debelar a infecção. (Cf. <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> n. 117, pp. 4-5).<br />

2) Cf. <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, n. 121, p. 19.<br />

9


Sagrado Coração de Jesus<br />

Luis Samuel<br />

O zelo por tua casa<br />

me devora!<br />

Em sua elevada devoção<br />

ao Sagrado Coração de<br />

Jesus e ao Imaculado<br />

Coração de Maria, <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> hauriu tanto a<br />

bondade e a misericórdia<br />

para com os pecadores<br />

verdadeiramente<br />

arrependidos, quanto<br />

o zelo ardente pela<br />

defesa da Igreja e da<br />

Civilização Cristã.<br />

10<br />

São Miguel Arcanjo<br />

(acervo particular)


No conduzir a Contra-Revolução,<br />

como historicamente<br />

ela tem sido conduzida<br />

por mim ao longo dos anos,<br />

entra algo que se pode dizer ser<br />

obra de pensamento, mas também<br />

de guerra, no sentido psy-<br />

-war evidentemente, mas é<br />

uma guerra até na acepção<br />

mais elevada da palavra.<br />

Postura diante<br />

do combate<br />

Assim, toda a tenacidade,<br />

a confiança, a esperança, o jeito,<br />

enfim, tudo quanto eu possa<br />

ter posto de aptidões para a condução<br />

dessa longa ação foi inspirado<br />

por um determinado espírito.<br />

Imaginem um cruzado cujo espírito<br />

tenha sido formado na Igreja do<br />

Coração de Jesus, que recebeu análogas<br />

graças e investe para a Cruzada<br />

daquele jeito, ou seja, movido<br />

por aquelas razões: é a defesa daquilo<br />

contra um adversário que quer<br />

destruir e é o desejo de aproveitar a<br />

vitória para impor a expansão daquilo.<br />

É como um cruzado que partiria<br />

para a guerra santa.<br />

Esse cruzado levaria ao mesmo<br />

tempo uma carga de afeto, de bondade,<br />

de doçura quase iluminados,<br />

no melhor e mais ortodoxo sentido<br />

das palavras. Portanto, entraria em<br />

combate não por birra: “Esses turcos<br />

não me deixam em paz… Vou acabar<br />

com eles! Esses árabes miseráveis!”<br />

Nada de condições dessa natureza,<br />

mas outra postura: Eu deles aceitaria<br />

tudo, não quereria nada desde que<br />

não tocassem naquele ponto, não trabalhassem<br />

para a destruição desse<br />

ponto. Pelo contrário, se tendessem a<br />

assumir aquele espírito, seriam meus<br />

amigos, meus irmãos e meus filhos.<br />

Eu vejo como o Sagrado Coração<br />

de Jesus e o Imaculado Coração de<br />

Maria os atraem, por onde saem das<br />

almas deles como que ganchos passíveis<br />

de serem elevados, percebo que<br />

Sagrado Coração de Jesus<br />

Igreja de Santa Teresinha,<br />

São Paulo<br />

podem ser ainda atraídos e, de toda<br />

a alma, eu os quero por causa disso.<br />

Mas acontece que, por culpa deles –<br />

porque não se faz uma coisa dessas<br />

sem uma culpa gravíssima –, puseram-se<br />

na inimizade mais implacável<br />

com aquilo que os ama e para cujo<br />

amor eles existem: o Sagrado Coração<br />

de Jesus, o Imaculado Coração<br />

de Maria, a Santa Igreja Católica.<br />

É o ódio revolucionário que corresponde<br />

à recusa completa, ao fechamento<br />

total, com uma certa carga<br />

de pecado contra o Espírito<br />

Santo, em relação ao qual é difícil<br />

haver um arrependimento.<br />

E, portanto, eles estão nessa<br />

cegueira, agressivos e servindo<br />

de instrumentos para o<br />

pior inimigo da Cristandade.<br />

E durante o tempo em que<br />

ficarem assim, eu os odeio<br />

com toda a intensidade com<br />

a qual os amaria. E enquanto<br />

eles atacarem, lutarem, recusarem<br />

o amor que vai de encontro<br />

a eles, eu quero realmente<br />

liquidá-los e exterminá-los. E<br />

esse querer toma minha pessoa de<br />

lado a lado: Zelus domus tuæ, Domine,<br />

comedit me (Sl 68, 10) – Senhor, o<br />

zelo por tua casa me devora!<br />

Ou seja, eu quero tanto que não<br />

tenho um instante, uma cogitação,<br />

sou incapaz de fazer qualquer coisa,<br />

até mesmo uma brincadeira em que<br />

não se encontre como causa remota,<br />

pelo menos, o desejo de exterminá-los.<br />

De maneira que dessa raiz de<br />

pecado e de maldição não sobre nada,<br />

para que o Sagrado Coração de<br />

Jesus e o Imaculado Coração de Maria<br />

reinem, porque precisam reinar.<br />

Helio Marcos<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em janeiro de 1994<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

11


Sagrado Coração de Jesus<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

A verdadeira combatividade<br />

De onde implacabilidades inesgotáveis!<br />

Totalidades de propósitos beligerantes<br />

irredutíveis e gosto requintado<br />

das coisas mais truculentas! E, na medida<br />

em que for operacionalmente útil,<br />

encanto pela proeza! Mas a proeza não<br />

pode ser vista só como uma obra de arte,<br />

nem como uma atitude, eu quase diria,<br />

escultoricamente bonita. Não. Ela é<br />

bela na medida em que for conduto para<br />

o amor do Sagrado Coração de Jesus<br />

e do Imaculado Coração de Maria.<br />

Fora disso, não venham com conversa<br />

porque não me interessa. Não estou<br />

para perder tempo com “espadachinadas”<br />

e coisas análogas. Sou um homem<br />

tranquilo e cordato, e só faço isso<br />

na medida em que diga respeito a Nosso<br />

Senhor, a Nossa Senhora e à Igreja,<br />

porque, do contrário, eu não faria. Mas<br />

a serviço deles realizo qualquer coisa e<br />

vou até o fim.<br />

Se quiserem chamar de fanatismo,<br />

desfira-se um pontapé na boca<br />

de quem chamou e acabou-se! Não<br />

tenho que dar satisfação de nenhum<br />

jeito. Então, volto-me contra esse<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em novembro de 1990<br />

também e não me incomodo de ficar<br />

um verdadeiro miliardário de inimigos,<br />

que tem inimigos como outros<br />

possuem dólares aos milhões, desde<br />

que eu possa obter essa vitória.<br />

O pulchrum disso vem da beleza infinita<br />

do Sagrado Coração de Jesus e<br />

da beleza insondável do Imaculado<br />

Coração de Maria. Eles têm uma pulcritude<br />

moral que, passando por esses<br />

reflexos, mostram-se ainda mais belos.<br />

Se fizéssemos uma ladainha do Coração<br />

de Jesus, incluiríamos outras invocações.<br />

E, portanto, ao lado de “Coração<br />

de Jesus, fonte de toda consolação”,<br />

eu poria: “Coração de Jesus,<br />

fonte de toda combatividade inexpugnável”;<br />

“Coração de Jesus, fonte de toda<br />

incompatibilidade insanável”; “Coração<br />

de Jesus, fonte da guerra santa,<br />

tende piedade de nós e dai-nos força!”<br />

Então aí fica uma combatividade<br />

que não é a do Bismarck 1 , nem do Moltke<br />

2 . Eu elogio muito aquele vorwärts<br />

do Moltke. Mas, passando pela minha<br />

alma, quem vai para a frente é Ele, é<br />

Ela! É uma coisa completamente diferente.<br />

E o vorwärts d’Ele e d’Ela é o<br />

avançar de uma outra<br />

índole.<br />

Tenho vontade de<br />

chorar quando ouço alguém<br />

dizer, por exemplo,<br />

“<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> é combativo”,<br />

entendendo<br />

mal o significado dessa<br />

palavra. Eu sei que sou<br />

combativo, mas isso<br />

não diz nada. Será que<br />

não percebem qual é o<br />

ponto de partida dessa<br />

combatividade? Eis<br />

o que se deveria ver,<br />

e não se vê: o Santíssimo<br />

Sacramento, Nosso<br />

Senhor realmente presente<br />

entre nós. Se forem<br />

tocar ali, a combatividade<br />

não é a mesma<br />

daquela de um homem<br />

que está defendendo<br />

seu cofre! Então<br />

seria preciso comparar isso com as formas<br />

erradas de combatividade.<br />

Abundância, precisão e<br />

riqueza das observações<br />

de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Outro lado seria o do pensamento.<br />

Mas ainda é o mesmo ponto de partida.<br />

A inocência primeira, o gosto de<br />

todas as coisas que nós temos proclamado,<br />

é apenas uma disposição de alma<br />

que, levada às últimas consequências<br />

e posta diante desses dados sobrenaturais,<br />

entrega-se ao sobrenatural<br />

inteiramente como sendo o cume<br />

do que existe, o qual, se negado, todo<br />

o resto perde o sentido.<br />

Para mim tudo se desfaria, nada<br />

tomaria significado. Nenhuma coisa<br />

bela ser-me-ia atraente e nada de<br />

hediondo me seria repulsivo, se esse<br />

cume não existisse, porque, de fato,<br />

só amo aquilo, e só aquilo me explica.<br />

Examinem-me em tudo quanto<br />

conhecem de mim, no meu passado.<br />

Pessoas que me conhecem há tantos<br />

anos presenciaram fatos, ditos meus,<br />

expressões fisionômicas, afirmações,<br />

viram-me avançar, recuar, descansar,<br />

raras vezes brincar um pouquinho,<br />

gracejar, dormir. A esses pergunto:<br />

No que, uma vez e um pouco<br />

que seja, notaram que eu, no fundo,<br />

não tinha isso em vista?<br />

Por exemplo, mamãe. Eu queria<br />

tão bem a ela, e no momento em que<br />

me refiro a ela já a estou querendo<br />

bem. Mas na realidade, eu amava<br />

nela esse cume. Se a alma dela<br />

não fosse como que um relicário disso,<br />

eu teria o afeto e o respeito devidos<br />

à minha mãe. Mas não o afeto e<br />

o respeito que eu tenho a ela, que é<br />

muito maior por sentir nela isso.<br />

É muito bonito aliar o pensamento<br />

à ação, a meditação à observação.<br />

A observação enriquece a meditação<br />

e esta esclarece a observação; isso<br />

forma um círculo muito bonito. Essas<br />

coisas para mim são verdadeiras,<br />

mas vazias. Não me moveriam.<br />

12


Mas se a meditação e o pensamento<br />

estão inspirados no Sagrado<br />

Coração de Jesus, no Sapiencial<br />

e Imaculado Coração de Maria, se<br />

têm como ponto de partida, como<br />

inspiração, como conteúdo, como dinamismo<br />

e ponto de chegada esse<br />

cume, então me explico. Porque sou<br />

um homem muito observador, mas<br />

em função desse ponto. Se não for<br />

em função disso, não me interessa.<br />

Isso explica a abundância, a precisão<br />

e a riqueza de minhas observações.<br />

Porque é a partir desse ponto onde<br />

se observa que as coisas tomam sua<br />

fisionomia e se explicam. Assim vale a<br />

pena observar, porque elas não se explicam<br />

nem se classificam sem isso.<br />

Há quem me diga: “O senhor é<br />

muito inteligente, veja quantas coisas<br />

o senhor observa!” Sobretudo, fui<br />

favorecido com essa graça. Observo<br />

com critério verdadeiro, a partir do<br />

único critério, do único ponto de vista,<br />

do único elemento seletivo, e esse<br />

eu tenho aos borbotões porque Nossa<br />

Senhora teve a misericórdia de me<br />

fazer vir à ideia de dizer “Salve Regina,<br />

Mater Misericordiæ”, e sorriu para<br />

mim. Veio tudo da bondade d’Ela.<br />

Escravo dos Sagrados<br />

Corações de Jesus e de Maria<br />

Notem como de tal maneira estou<br />

querendo exaltar o Sagrado Coração<br />

de Jesus e o Imaculado Coração de<br />

Maria que, aos poucos, até fui deixando<br />

de falar da Igreja Católica, para<br />

deixar este ponto bem claro. Mas<br />

foi a Santa Igreja que transmitiu essa<br />

fisionomia, tinha um reflexo dessa<br />

fisionomia. Sem ela, eu não teria isso<br />

de nenhum modo. Mas eu queria<br />

que a fisionomia moral do Sagrado<br />

Coração de Jesus e do Coração Imaculado<br />

de Maria fosse bem ressaltada,<br />

antes de nossa atenção pousar,<br />

como deve, nesses outros elementos.<br />

Como homem de ação, eu me vejo<br />

como um escravo do Sagrado Coração<br />

de Jesus e do Imaculado Coração<br />

de Maria que não tem<br />

vontade e faz, a todo<br />

momento, o que é necessário<br />

para que Eles<br />

triunfem; sem preferências,<br />

idiossincrasias,<br />

amores-próprios,<br />

sem recusar nenhuma<br />

humilhação, sem fugir<br />

diante de nenhum rebaixamento,<br />

sem disputar<br />

nenhuma honraria.<br />

Contanto que<br />

não seja uma autodemolição,<br />

a qual moralmente<br />

não posso praticar,<br />

eu cedo de bom<br />

grado, desde logo,<br />

tanto quanto queiram.<br />

Aquilo que chamam<br />

habilidade, vista<br />

do lado da vontade<br />

é, sobretudo,<br />

uma flexibilidade para<br />

nunca fazer o que<br />

eu gostaria, mas sim<br />

o dever do momento.<br />

Avançar, recuar, dar jeitinho, investir,<br />

etc., inteiramente flexível. A<br />

única coisa que me preocupa é que<br />

aquele amor vença!<br />

Quem me conhece pode dar testemunho.<br />

Nunca me viram fazer algo<br />

sem ter isso por meta. Mas também,<br />

tão logo eu perceba haver vantagem<br />

para a Causa Católica, faço<br />

sem atrasar nem antecipar inutilmente.<br />

Estar ociosamente perdendo<br />

tempo, por exemplo, folheando uma<br />

enciclopédia e por causa disso dizer<br />

“esperem que eu já vou”, nunca viram<br />

nada de parecido com isso.<br />

Isso é bonito porque caracteriza um<br />

homem muito capaz? Vamos deixar o<br />

homem capaz de lado. Há capacidades<br />

dentro disso, vejo bem, mas isso<br />

não é nada. O que vale é o amor com<br />

que isso é feito, ou seja, valem Aqueles<br />

a quem eu amo. Aí estou explicado.<br />

Se em algo não sou assim, peço a<br />

Nossa Senhora que me perdoe, mas<br />

não vejo no que eu não o seja.<br />

Imaculado Coração de Maria - Paróquia da<br />

Santíssima Trindade, Fiesso d’Artico, Itália<br />

Está resumido, dito em duas palavras<br />

o que era preciso dizer. Não<br />

tenho o mínimo receio de alguém<br />

ser tentado a achar que é gabolice<br />

de minha parte. A minha posição é<br />

muito simples: é a alma sedenta de<br />

conhecer a perfeição suprema e, tendo-a<br />

conhecido, aderir a ela inteiramente.<br />

Há, portanto, uma sede de<br />

perfeição e um encontrar a fonte de<br />

água viva na qual a pessoa se dessedenta.<br />

Então, se eu a encontrei,<br />

não arredo pé. Aqui eu vivo, aqui eu<br />

morro. É isto! <br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

2/11/1985)<br />

1) Otto Eduard Leopold von Bismarck-<br />

Schönhausen (*1815 - †1898). Estadista<br />

prussiano.<br />

2) Helmuth Johannes Ludwig von Moltke<br />

(*1848 - †1916). General, chefe<br />

do Estado-Maior da Alemanha entre<br />

1906 e 1914.<br />

Samuel Holanda<br />

13


Hagiografia<br />

Mártir vigoroso,<br />

varonil, de alma<br />

inquebrantável<br />

Manuel Panselinos (CC3.0)<br />

O suplício e a varonilidade<br />

de Santo Artêmio serviram<br />

de estímulo para pessoas<br />

que ele nunca imaginou<br />

que pudessem vir a existir.<br />

Provavelmente, também<br />

os católicos dos últimos<br />

tempos encontrarão<br />

conforto ao meditarem em<br />

nossas lutas e sofrimentos.<br />

T<br />

emos para comentar uma ficha<br />

biográfica de Santo Artêmio,<br />

mártir. Comandante das<br />

forças imperiais, ocupou, sob Constantino<br />

Magno, postos de honra no<br />

exército. Juliano, o apóstata, que levantara<br />

grande perseguição contra<br />

os cristãos, mandou degolá-lo. Sobre<br />

ele, diz o Padre Rohrbacher 1 :<br />

Governador do<br />

Egito e da Síria<br />

Enquanto os dois sacerdotes, Eugênio<br />

e Macário, eram supliciados, um<br />

oficial, que permanecera ao lado do<br />

imperador, levantou-se e se dirigiu a<br />

ele:<br />

“Por que torturas tão cruelmente<br />

esses santos homens consagrados a<br />

Deus? Não vos esqueçais de que também<br />

sois homem, sujeito às mesmas<br />

misérias. Se Deus vos constituiu imperador,<br />

se recebestes de Deus o império,<br />

acautelai-vos para que satanás,<br />

que pediu e obteve permissão para<br />

tentar Jó, não tenha pedido e obtido<br />

permissão para usar-vos contra<br />

nós, a fim de passar pelo crivo o trigo<br />

de Cristo e semear o joio por toda<br />

parte. Mas sua empresa resultará vã;<br />

não tem o mesmo poder antigo. Desde<br />

que Cristo veio e foi erguido na Cruz,<br />

caiu o orgulho dos demônios, seu poder<br />

foi calcado aos pés. Não vos iludais,<br />

ó imperador, não persigais, por<br />

amor aos demônios, os cristãos protegidos<br />

por Deus. Pois o poder de Cristo<br />

é invencível. Vós mesmo vos assegurastes<br />

disto.”<br />

Ao ouvir essas palavras, Juliano,<br />

fora de si, exclamou: “Quem é o ímpio<br />

que ousa usar semelhante linguagem<br />

no nosso tribunal?”<br />

Um meirinho respondeu: “Senhor,<br />

é o Duque de Alexandria do Egito.”<br />

Com efeito, era Artêmio Governador<br />

do Egito e também da Síria havia lon-<br />

14


gos anos, e que acabava de trazer para<br />

Juliano as tropas de duas províncias para<br />

servirem na guerra contra a Pérsia.<br />

Juliano prosseguiu: “Como? É Artêmio?<br />

Ordeno que o despojem de suas<br />

dignidades e de suas roupas, e que<br />

seja imediatamente castigado pelas<br />

palavras que acaba de pronunciar.”<br />

Depois de despido, o mártir teve<br />

as mãos e os pés amarrados com cordas<br />

pelos algozes; estes o estenderam<br />

no chão e açoitaram-lhe o ventre e as<br />

costas com nervos de boi, durante um<br />

espaço de tempo tão longo que foram<br />

obrigados a se alternarem quatro vezes.<br />

Contudo, Artêmio não soltou um<br />

único suspiro, nem seu rosto se alterou.<br />

Dir-se-ia que não era ele quem<br />

sofria, mas outra pessoa qualquer.<br />

Todos os assistentes estavam surpreendidos,<br />

o próprio Juliano não escondia<br />

a admiração.<br />

A idolatria seria<br />

irremediavelmente destruída<br />

Levados para a prisão, os três mártires<br />

para ela se dirigiram entoando<br />

louvores a Deus. Artêmio dizia a si<br />

mesmo: “Agora os estigmas de Cristo<br />

já estão impressos no teu corpo; só falta<br />

dares tua alma, tua vida, com o resto<br />

do teu sangue.”<br />

Depois de muitas tentativas infrutíferas,<br />

por meio de torturas e argumentos,<br />

para levar Santo Artêmio a apostatar,<br />

Juliano condenou-o à decapitação.<br />

Antes da execução, o mártir pediu<br />

momentos para orar. Agradeceu a<br />

Deus a graça de sofrer pela glória de<br />

seu divino Nome e suplicou-Lhe que<br />

Se compadecesse de sua Igreja, ameaçada<br />

com terríveis calamidades pelo<br />

apóstata Juliano:<br />

“Vossos altares serão destruídos,<br />

vosso santuário profanado, o sangue<br />

de vossa aliança menosprezado por<br />

causa de nossos pecados e das blasfêmias<br />

que Ario vomitou contra Vós, Filho<br />

Unigênito, e contra vosso Espírito<br />

Santo, separando-Vos da consubstancialidade<br />

do Pai e supondo-Vos estranho<br />

à sua natureza; afirmando que<br />

sois criatura, Vós, o Autor de toda a<br />

Criação; subordinando-Vos ao tempo,<br />

Vós que fizestes os séculos, e dizendo:<br />

‘Havia o Filho que não era’, chamando-Vos<br />

de filho da vontade.”<br />

Depois de dobrar três vezes o joelho<br />

voltado para o Oriente, novamente o<br />

mártir orou, dizendo:<br />

“Deus de Deus, só de um só, Rei de<br />

Rei, Vós que estais sentado nos Céus à<br />

direita de Deus Pai que Vos gerou, Vós<br />

que viestes à Terra para a salvação de<br />

todos nós, Vós que sois a coroa dos<br />

que combatem pela piedade, ouvi favoravelmente<br />

vosso humilde e indigno<br />

servo, recebei a minha alma em paz.”<br />

Uma voz respondeu-lhe do Céu que<br />

sua oração seria ouvida; além disso, o<br />

imperador apóstata pereceria na Pérsia,<br />

que teria um sucessor cristão e<br />

que a idolatria seria irremediavelmente<br />

destruída. Depois de ouvir essas palavras,<br />

cheio de alegria, Artêmio apresentou<br />

a cabeça à espada.<br />

Católico combativo<br />

que agride, toma a<br />

iniciativa e interpela<br />

Vamos recompor um pouco a cena<br />

para dar todo o relevo à narração.<br />

Imaginemos num circo romano<br />

uma tribuna imperial alta, com colunas,<br />

coberta por um tecido precioso,<br />

o imperador sentado numa espécie<br />

de trono, naturalmente com todo<br />

o pessoal de serviço por detrás dele,<br />

leques se agitando, flabelli para impedir<br />

que as moscas pousassem nele,<br />

uma série de dignatários dentro da<br />

tribuna, depois o povo lotando todo<br />

o resto do teatro. Provavelmente, como<br />

eram os espetáculos, quer dizer,<br />

com as arquibancadas necessárias<br />

para os nobres, depois para os burgueses<br />

e a plebe. Eu creio que já não<br />

havia mais a bancada das vestais,<br />

porque estas se tinham extinguido.<br />

Ao lado, um oficial revestido do traje<br />

próprio aos oficiais romanos, com<br />

capacete, couraça, armas, junto ao imperador.<br />

Esse oficial é um homem de<br />

alta categoria. O livro fala em duque.<br />

É um anacronismo, pois não havia<br />

ainda duques, mas devia ser um chefe<br />

de duas importantíssimas unidades<br />

do império romano, que vinha a Roma<br />

trazendo tropas para serem utilizadas<br />

na luta contra a Pérsia. Ele estava,<br />

portanto, na tribuna imperial, quiçá<br />

muito mais como uma distinção do<br />

que como guarda do corpo do imperador.<br />

Era um hóspede de honra.<br />

Juliano, o Apóstata - Museu<br />

de Cluny, França<br />

LPLT (CC3.0)<br />

15


Hagiografia<br />

WAG (CC3.0)<br />

Juliano, o Apóstata, presidindo uma conferência de<br />

sectários - Walker Art Gallery, Liverpool, Reino Unido<br />

Enquanto dois sacerdotes estão<br />

sendo martirizados e o povo olhando<br />

para aquilo com uma alegria própria<br />

de hienas e de chacais, em certo<br />

momento esse homem se levanta:<br />

é Artêmio que dirige uma apóstrofe<br />

magnífica ao imperador que, embora<br />

sendo um indivíduo odiento e impulsivo,<br />

não profere uma só palavra<br />

e deixa-o dizendo quanto queria.<br />

As palavras de Santo Artêmio mostram<br />

bem o caráter de católico combativo<br />

que não se limita a deixar-se matar,<br />

mas que agride, toma a iniciativa,<br />

interpela. O resultado é que, ao invés<br />

de dar razões, o imperador pergunta<br />

quem é ele. Informado, manda torturá-lo<br />

para ver se apostata. Não dando<br />

certo a tortura, ordena matá-lo.<br />

A principal força da heresia<br />

e do mal está no demônio<br />

persegui-la, porque o poder dos demônios<br />

foi quebrado depois de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo ter sido elevado<br />

ao alto, quer dizer, crucificado.<br />

O poder das trevas está quebrado e<br />

toda a obra visando conter o Cristianismo<br />

fracassará, porque o demônio<br />

não tem mais a força antiga.<br />

Vejam a bonita concepção presente<br />

por detrás disso: a principal força<br />

da heresia e do mal está no demônio<br />

cuja força, uma vez quebrada, está<br />

também rompida a força do mal. Essa<br />

é uma concepção eminentemente nossa,<br />

e muito profunda. Depois ele prossegue<br />

afirmando que o imperador está<br />

fazendo uma obra inútil, além de injusta,<br />

porque ele vai ser derrotado.<br />

Então o imperador intervém e<br />

manda prendê-lo.<br />

Poder-se-ia dizer que outra cena<br />

se abre nesse ou em outro circo<br />

romano: Santo Artêmio está sendo<br />

martirizado e faz uma oração. Uma<br />

voz do Céu lhe diz algo. Podemos<br />

imaginar o silêncio na arquibancada<br />

e, na arena, aquele homem vigoroso,<br />

varonil, de alma inquebrantável pede<br />

licença para fazer uma prece, e a<br />

recita em voz alta.<br />

O esquema da oração de Santo<br />

Artêmio é o seguinte: ele declara<br />

que a perseguição sofrida pela Igreja<br />

é um castigo por causa da heresia de<br />

Ario. Então ele faz um duríssimo ato<br />

de increpação contra a heresia ariana.<br />

Qual é o fundamento dessa concepção<br />

dele? Como se pode compreender<br />

que a Igreja esteja sofrendo<br />

castigo por uma heresia condenada<br />

por ela?<br />

A resposta é muito simples: a<br />

Igreja a condenou a duras penas; a<br />

massa quase completa dos católicos<br />

ficou ariana. São Jerônimo, se não<br />

me engano, teve essa expressão: o<br />

mundo, de repente, acordou e per-<br />

Axel Bergholm (CC3.0)<br />

A apóstrofe do Santo mártir merece<br />

ser considerada um pouco mais<br />

detidamente.<br />

Na primeira parte ele pergunta ao<br />

imperador qual a razão pela qual ele<br />

tortura esses homens santos. Sabendo<br />

que o imperador não tem motivo<br />

para os torturar, Santo Artêmio<br />

o adverte que tenha cuidado porque<br />

ele, Juliano, está sendo instrumento<br />

de satanás para perseguir a Igreja<br />

Católica. Pondera que não adianta<br />

Circo de Marxêncio, Roma, Itália<br />

16


Divulgação (CC3.0)<br />

Martírio de Santo Artêmio - Biblioteca do Vaticano<br />

cebeu que se tinha tornado ariano.<br />

Para que o arianismo fosse derrotado<br />

foi necessária uma luta tremenda,<br />

durante a qual os Santos foram perseguidos,<br />

verteu-se muito sangue e o<br />

mundo não se converteu inteiramente<br />

dessa heresia. Depois apareceu o<br />

semiarianismo, que era uma tentativa<br />

de restaurar a heresia de Ario.<br />

Auxílio para os católicos<br />

dos últimos tempos<br />

Por fim, a voz vinda do Céu lhe<br />

assegura a morte de Juliano que seria<br />

sucedido por um imperador cristão,<br />

e a idolatria irremediavelmente<br />

destruída. Quer dizer, apesar de tudo,<br />

vinha o castigo purificador. Poderia<br />

ainda haver outras crises, mas<br />

a idolatria não renasceria mais.<br />

Tendo ouvido isso, Santo Artêmio<br />

fez mais ou menos como Simeão,<br />

que disse: “Senhor, agora podeis<br />

mandar em paz o vosso servo, porque<br />

meus olhos viram o Salvador”<br />

(cf. Lc 2, 29-30). O mártir certamente<br />

pensou: “Senhor, agora podeis<br />

mandar em paz o vosso servo, porque<br />

estes ouvidos ouviram o anúncio<br />

da derrota daquele que é a causa<br />

de todos os flagelos, e a afirmação<br />

de vossa vitória.” Inclinou a cabeça e<br />

foi decapitado. Morreu em paz.<br />

O que Santo Artêmio não viu<br />

nem soube é que tantos séculos depois<br />

o suplício e a varonilidade dele<br />

serviriam de estímulo para pessoas e<br />

nações, as quais ele nunca imaginaria<br />

que pudessem vir a existir.<br />

Assim são as coisas na Santa Igreja:<br />

nós sofremos e lutamos hoje, mas<br />

não sabemos de que auxílio esses sofrimentos<br />

serão para os católicos dos últimos<br />

tempos, cuja aflição será suprema<br />

quando, afinal de contas, estiverem esperando<br />

a hora de Nosso Senhor chegar.<br />

Talvez eles meditarão nas nossas<br />

lutas, nos nossos sofrimentos, na nossa<br />

espera pela realização das promessas<br />

de Fátima, e encontrarão no que fazemos<br />

um conforto que nós mesmos não<br />

sentimos, mas que as almas deles receberão<br />

pela nossa ação. v<br />

(Extraído de conferência de<br />

19/10/1966)<br />

1) Cf. ROHRBACHER, René-François.<br />

Vida dos Santos. São Paulo: Editora<br />

das Américas, 1959. v. XVIII, p.<br />

355-362.<br />

17


Toby Hudson (CC3.0)<br />

C<br />

alendário<br />

dos Santos – ––––––<br />

1. São Justino, mártir (†c. 165).<br />

2. Santos Marcelino e Pedro, mártires<br />

(†304).<br />

3. IX Domingo do Tempo Comum.<br />

4. São Francisco Caracciolo, presbítero.<br />

Fundador da Congregação dos<br />

Clérigos Regulares Menores (†1608).<br />

5. São Bonifácio, bispo e mártir<br />

(†754).<br />

São Lucas Vu Ba Loan, presbítero<br />

e mártir, em Hanoi, no Tonquim<br />

(atual Vietnã), degolado sob o Imperador<br />

Minh Mang por professar a Fé<br />

(†1840).<br />

6. Santo Artêmio, mártir (†302).<br />

Ver página 14.<br />

7. Santo Antônio Maria Gianelli,<br />

bispo. Fundador das Filhas de Santa<br />

Maria do Horto (Gianellinas)<br />

(†1846).<br />

8. Sagrado Coração de Jesus.<br />

9. Imaculado Coração de Maria.<br />

10. X Domingo do Tempo Comum.<br />

11. São Barnabé, Apóstolo (†s. I).<br />

São João González de Castrillo,<br />

presbítero (†1479). Religioso da Ordem<br />

dos Eremitas de Santo Agostinho,<br />

em Salamanca, Espanha, ardoroso<br />

devoto da Eucaristia, incansável<br />

promotor da harmonia social.<br />

12. Beata Mercedes Maria de Jesus<br />

Molina, virgem (†1883). Fundadora<br />

do Instituto das Irmãs de Santa<br />

Mariana de Jesus, em Riobamba,<br />

Equador, para acolher e educar meninas<br />

pobres.<br />

13. Santo Antônio de Pádua, presbítero<br />

e Doutor da Igreja (†1231).<br />

Beato Gerardo de Claraval, monge<br />

(†1138). Deixando a carreira militar,<br />

ingressou no Mosteiro de Claraval,<br />

França, dirigido por seu irmão,<br />

São Bernardo. Foi dotado de grande<br />

inteligência e discernimento espiritual.<br />

14. Santos Anastácio (presbítero),<br />

Félix (monge) e Digna (virgem), mártires<br />

(†853). Mortos no mesmo dia em<br />

Córdoba, Espanha.<br />

Michael Reeve (CC3.0)<br />

Santo Albano da Inglaterra<br />

Túmulo de Santo Albano - Catedral<br />

de St. Albans, Inglaterra<br />

15. Santa Germana Cousin, virgem<br />

(†1601). Ver página 2.<br />

16. Santo Aureliano de Arlés, bispo<br />

(†551). Por suas qualidades espirituais,<br />

foi nomeado Bispo de Arlés<br />

aos 23 anos e, em seguida, Vigário da<br />

Sé Apostólica na Gália, atual França.<br />

Fundou em Lyon dois mosteiros.<br />

17. XI Domingo do Tempo Comum.<br />

18. Santa Elisabeth de Schönau,<br />

religiosa beneditina (†1164).<br />

19. São Romualdo, abade (†1027).<br />

20. Beato Francisco Pacheco, presbítero,<br />

e companheiros, mártires<br />

(†1626). Missionário jesuíta português<br />

e seus oito companheiros, quei-<br />

18


–––––––––––––––––– * Junho * ––––<br />

jesuits (CC3.0)<br />

24. Natividade de<br />

São João Batista.<br />

25. São Guilherme<br />

de Vercelli, abade<br />

(†1142). Infatigável<br />

apóstolo da<br />

vida de oração e<br />

contemplação, fundou<br />

numerosos mosteiros<br />

na Itália meridional.<br />

Evangelho aos muçulmanos do Norte<br />

da África.<br />

30. Beato Januário Maria Sarnelli,<br />

presbítero (†1744). Conhecendo Santo<br />

Afonso de Ligório, tornou-se redentorista<br />

e viajaram juntos em missões<br />

pela Itália. Depois se dedicou à<br />

evangelização dos mais necessitados.<br />

Pintura dos 26 mártires de Tonquim (atual<br />

Vietnã), entre eles São Lucas Vu Ba Loan<br />

mados vivos, em Nagasaki, Japão, por<br />

sua fidelidade à Fé católica.<br />

21. São Luís Gonzaga, religioso.<br />

Considerado um modelo de pureza<br />

para a juventude de todos os tempos<br />

(†1591).<br />

22. São João Fisher, bispo e São<br />

Tomás Morus, mártires (†1535).<br />

Santo Albano da Inglaterra, mártir<br />

(†c. 287). Soldado pagão convertido<br />

pelo exemplo e ensinamentos de<br />

um sacerdote que alojara em sua casa.<br />

Morreu decapitado após sofrer<br />

atrozes torturas.<br />

23. São José Cafasso, presbítero.<br />

Nascido no mesmo povoado natal de<br />

São João Bosco, Castelnuovo d’Asti,<br />

em 1811, tornou-se amigo pessoal do<br />

Fundador dos Salesianos. Sacerdote<br />

em Turim e grande confessor na escola<br />

de Santo Afonso de Ligório, frequentou<br />

os presídios para ministrar a<br />

Reconciliação aos reclusos (†1860).<br />

26. Beatas Magdalena<br />

Fontaine,<br />

Francisca Lanel, Teresa<br />

Fantou e Joana<br />

Gérard, virgens e<br />

mártires. Religiosas,<br />

Filhas da Caridade,<br />

foram condenadas à<br />

morte em Cambrai,<br />

na França, durante<br />

a Revolução<br />

Francesa, tendo sido<br />

conduzidas ao suplício<br />

coroadas com o Rosário<br />

(†1794).<br />

27. Nossa Senhora do Perpétuo<br />

Socorro.<br />

28. São João Southworth, presbítero<br />

e mártir (†1654). Condenado<br />

e executado por exercer clandestinamente<br />

seu ministério sacerdotal<br />

na Inglaterra,<br />

durante o governo<br />

de Cromwell.<br />

29. Beato<br />

Raimundo Lulio,<br />

mártir<br />

(†1316). Religioso<br />

da Ordem<br />

Terceira<br />

Franciscana,<br />

de grande cultura<br />

e iluminada<br />

doutrina, empenhou-se<br />

em pregar o<br />

RomkeHoekstra (CC3.0)<br />

Acima, Santa Elisabeth de<br />

Schönau. Ao lado, relicário<br />

contendo seu crânio<br />

Abadia de Schönau, Alemanha.<br />

RomkeHoekstra (CC3.0)<br />

19


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Mike Peel (CC3.0)<br />

O princípio de<br />

subsidiariedade<br />

A sábia organização que o espírito católico<br />

tinha dado à estrutura social da Idade Média se<br />

baseava no princípio de subsidiariedade, o qual<br />

vivificava todas as classes, inclusive o operariado.<br />

O próprio Karl Marx afirmou que a era de<br />

ouro do operário europeu foi a Idade Média. O<br />

liberalismo e o socialismo, obcecados pelos erros da<br />

Revolução Francesa, desprezaram esse sapiencial<br />

princípio, o que causou graves desgraças.<br />

Castelo de Beeston,<br />

Inglatera<br />

20


Divulgação (CC3.0)<br />

As duas formas mais conhecidas,<br />

mais consagradas de<br />

democracia são a socialista<br />

e a individualista. A democracia<br />

individualista, também chamada liberal,<br />

considera que o tríplice lema<br />

sobre o qual a Revolução Francesa<br />

pretendeu construir o mundo moderno<br />

– liberdade, igualdade, fraternidade<br />

– se executa por meio de um<br />

regime em que todo o poder vem do<br />

povo, onde, para os homens serem<br />

verdadeiramente livres, o Estado<br />

tem a menor interferência possível.<br />

Lema da Revolução<br />

Francesa: uma contradição<br />

Os socialistas, pelo contrário, julgam<br />

que esse lema não se realiza<br />

bem no liberalismo porque, uma<br />

vez que se dê liberdade, aparece necessariamente<br />

a desigualdade. Dado<br />

o fato de que os homens, por seus<br />

predicados, suas qualidades, são desiguais,<br />

cria-se a possibilidade de<br />

um enriquecer-se, tornar-se célebre<br />

mais do que o outro; depois naturalmente<br />

transmitem isso aos filhos por<br />

via de hereditariedade, e por esta<br />

forma se estabelecem desigualdades<br />

também de famílias e de educação.<br />

Então é preciso haver um Estado<br />

muito autoritário que intervenha para<br />

assegurar a igualdade, obrigando<br />

as pessoas a terem mais ou menos o<br />

mesmo nível.<br />

Chegar-se-ia, assim, à conclusão<br />

de que o lema da Revolução Francesa<br />

existe apenas na aparência, havendo<br />

uma contradição por onde quem<br />

quer realizar a igualdade com a liberdade<br />

não consegue, pois uma traz o<br />

sacrifício da outra: quem quiser a liberdade<br />

prejudica a igualdade, quem<br />

desejar a igualdade lesa a liberdade.<br />

Essa situação deu origem, já no<br />

século XIX e depois no século XX, a<br />

discussões, polêmicas, lutas partidárias<br />

e até guerras civis sem fim. É de<br />

se perguntar como no século XIX as<br />

pessoas não viam os absurdos dessas<br />

duas formas de governo.<br />

Antes de entrar, então, na exposição<br />

do que seria uma democracia<br />

equilibrada, verdadeiramente católica,<br />

devo mostrar um pouco qual é o<br />

fundamento último dessas duas posições,<br />

de maneira a compreendermos<br />

como cada uma, levada por uma unilateralidade,<br />

pode não ter visto o absurdo<br />

da outra posição. Assim entenderemos<br />

melhor o que há de sensato,<br />

de criterioso na postura católica.<br />

Lenin fazendo um discurso, na Praça Vermelha, em 1919<br />

Estátua da liberdade<br />

Nova Iorque, EUA<br />

Segundo o liberalismo, o<br />

Estado somente deve zelar<br />

para que não haja crimes<br />

William Warby (CC3.0)<br />

Para entendermos bem o individualismo<br />

precisamos considerar os<br />

princípios fundamentais do liberalismo,<br />

um dos quais é o seguinte: o<br />

homem é naturalmente bom e, portanto,<br />

concedendo-lhe a liberdade,<br />

ele faz o bem. Aplicado ao nosso<br />

País, por exemplo, o bem do Brasil<br />

é o bem dos brasileiros. Ora, cada<br />

brasileiro entende melhor do que<br />

ninguém qual é o seu próprio bem.<br />

Logo, se deixarmos a cada brasilei-<br />

21


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Gregory F. Maxwell (CC3.0)<br />

ro a liberdade, ele vai providenciar<br />

do melhor modo possível seu próprio<br />

bem. Conclusão: se dermos toda<br />

a liberdade a noventa milhões<br />

de brasileiros, o Brasil realizará a<br />

sua própria felicidade. Portanto,<br />

liberdade é igual a felicidade.<br />

A isso se faz a seguinte ressalva:<br />

esse raciocínio está exagerado,<br />

pois há conflitos de interesses<br />

nos quais a liberdade absoluta<br />

pode chegar até ao crime.<br />

Ao que o liberal responde ser<br />

verdade, e por isso a função do<br />

Estado consiste exclusivamente<br />

em assegurar um governo que<br />

evite as ações de caráter criminoso,<br />

as injustiças. Desde que<br />

sejam evitadas as injustiças e os<br />

crimes, dê liberdade a todo mundo<br />

para tocar para a frente sua<br />

vida como quiser. O Estado é<br />

principalmente policial e judiciário,<br />

faz leis para impedir crimes,<br />

tem uma polícia para pegar os<br />

criminosos, um aparelho judiciário<br />

para julgar, prender, ou matar,<br />

conforme a legislação, as pessoas<br />

que tenham cometido crimes.<br />

Fora isso, o Estado não deve fazer<br />

nada. Então, dirigir o comércio, ter<br />

Michal Maňas (CC3.0)<br />

Estátua da Justiça<br />

Palácio da Justiça,<br />

República Checa<br />

escolas, indústrias, estimular a cultura,<br />

as belas artes, é sair de sua tarefa.<br />

O Estado precisa exclusivamente<br />

evitar o crime o que, na expressão<br />

dos liberais, se chamava<br />

zelar pela ordem pública<br />

e os bons costumes. Assim,<br />

evitada qualquer infração<br />

à ordem pública e<br />

aos bons costumes, o Estado<br />

realizou sua tarefa.<br />

Países prósperos,<br />

modelos de<br />

liberalismo<br />

Para os liberais, a<br />

maior prova da eficácia<br />

desse sistema é o fato de<br />

que as nações onde há uma ampla liberdade<br />

alcançam uma grande prosperidade,<br />

e argumentavam com os<br />

Estados Unidos, os quais, na época<br />

em que essas questões se punham,<br />

estavam em plena fase de<br />

progresso.<br />

Esse exemplo da América<br />

do Norte se justificava da seguinte<br />

maneira: se o homem é<br />

feito para ser livre, então o melhor<br />

modo de explorar os recursos<br />

naturais deve ser a liberdade,<br />

porque a natureza não pode<br />

conter uma contradição. E<br />

se está na natureza do homem<br />

ser livre, deve estar também na<br />

natureza da agricultura, da pecuária,<br />

do comércio, da indústria<br />

que sejam exercidas por homens<br />

livres, do contrário haveria<br />

um choque na ordem natural.<br />

Então, a essa bondade do homem<br />

correspondia uma bondade<br />

da ordem da natureza. A ordem<br />

natural é boa, o homem trabalhando<br />

à vontade não pode causar<br />

colisão. Viva os Estados Unidos,<br />

essa é a experiência!<br />

Compreende-se facilmente que<br />

essa doutrina pode ter provocado no<br />

século XIX muita admiração, porque<br />

ela também foi praticada pela<br />

outra grande potência industrial de<br />

então, a Inglaterra. Durante grande<br />

parte do século XIX, a Inglaterra<br />

foi fundamentalmente liberal e, sendo<br />

a rainha dos mares, constituía o<br />

maior império financeiro da Terra,<br />

de maneira que a vida econômica do<br />

mundo se regia muito mais a partir<br />

de Londres do que de Washington.<br />

As duas nações mais liberais da Terra<br />

estavam no ápice da conquista, do<br />

liberalismo, do progresso.<br />

Havia outra nação superliberal<br />

também que, embora pequena,<br />

funcionava como um relógio: a Suíça.<br />

Então, argumentava-se: A Suíça<br />

é uma nação liberal, reunindo povos<br />

de três línguas diferentes – o alemão,<br />

o francês e o italiano – convi-<br />

22<br />

Abraham Lincoln - Museu Americano<br />

de História Natural, Nova Iorque, EUA


vendo perfeitamente uns com outros;<br />

não há problemas entre eles<br />

porque se deu liberdade. A liberdade<br />

é a fórmula!<br />

Convulsão social nas relações<br />

entre patrões e empregados<br />

Contudo, essa impostação durou<br />

apenas algum tempo porque, sobretudo<br />

na Inglaterra e nos Estados<br />

Unidos, começou-se a constatar que,<br />

pela própria pressão do desenvolvimento<br />

econômico, a liberdade tão<br />

falada estava gerando absurdos. O<br />

primeiro deles era na relação entre<br />

patrões e operários.<br />

Com efeito, verificou-se da parte<br />

dos patrões uma tendência a<br />

oprimir os operários, pagando-lhes<br />

o menor salário possível. Isso ocasionou<br />

na Europa as primeiras crises<br />

sociais.<br />

Essa tendência encontrava sua<br />

causa no próprio progresso. Quando<br />

começaram a ser introduzidas nas<br />

fábricas europeias as primeiras grandes<br />

máquinas, decorrentes do progresso<br />

da metalurgia no século XIX,<br />

isso ocasionou a demissão de dezenas<br />

e até de centenas de operários,<br />

conforme as capacidades e as características<br />

da máquina e da indústria.<br />

Lançados assim na miséria, esses<br />

operários passavam a constituir mão<br />

de obra facilmente explorável pelos<br />

patrões que, devido à grande quantidade<br />

de desempregados, contratavam<br />

operários pagando salários muito<br />

baixos.<br />

Essa tremenda opressão do patronato<br />

sobre o operariado se generalizou<br />

por todos os países que possuíam<br />

indústrias.<br />

Considerando tão somente esse<br />

campo da vida social, já se nota como<br />

uma liberdade completa não é<br />

possível. E os socialistas tomavam<br />

essa impossibilidade – que realmente<br />

deu origem a agitações sociais,<br />

conflitos graves de toda ordem na<br />

Europa e nos Estados Unidos – para<br />

tentar impor a igualdade por meio<br />

de leis niveladoras.<br />

Por exemplo, diminuindo a diferença<br />

entre o salário do trabalhador<br />

manual e o do trabalhador intelectual,<br />

dirigindo a economia de maneira<br />

a fazer com que, nas relações capital-trabalho,<br />

a distinção entre patrão<br />

e operário tenda a desaparecer também.<br />

Nessa luta entre patrões e operários<br />

criaram-se os sindicatos de trabalhadores<br />

que passaram a se revelar<br />

mais poderosos do que as associações<br />

de patrões, pois os operários,<br />

fazendo uma greve, o governo socialista<br />

os mantém, mas se a empresa<br />

ficar parada durante a greve, quem<br />

perde é o patrão porque ele é obrigado<br />

a manter toda uma estrutura<br />

custosa, correndo o risco de ir à falência.<br />

Esses sindicatos começaram a tomar<br />

a direção e a impor a proletarização<br />

das indústrias e a transformar-<br />

-se no maior poder no Estado, de<br />

maneira que já Pio XII assinalou o<br />

perigo de governos se tornarem dominados<br />

pela pressão sindical.<br />

GCI (CC3.0)<br />

Indústria de fundição de ferro no século XIX - Galeria Nacional, Berlim, Alemanha<br />

23


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Mito comunista à<br />

maneira de uma<br />

religião fanática<br />

Flávio Lourenço<br />

Compreende-se perfeitamente<br />

que liberais e socialistas<br />

não tenham visto o seu<br />

próprio erro durante algum<br />

tempo, pois uns e outros estavam<br />

obcecados pelas máximas<br />

da Revolução Francesa:<br />

liberdade, igualdade, fraternidade.<br />

Máximas fundamentalmente<br />

falsas na perspectiva<br />

em que aquela Revolução<br />

as tomava. Por outro lado,<br />

também porque, antes de<br />

pôr em prática essas teorias,<br />

tudo parecia bonito; quando<br />

se ia aplicá-las, davam num<br />

verdadeiro desastre.<br />

Desastre do socialismo,<br />

por exemplo, é a queda da<br />

produção. Em todos os países<br />

socialistas a produção<br />

cai porque não há estímulo<br />

para o progresso. Imaginem<br />

um bom datilógrafo consciente<br />

de que, se ele trabalhar muito, será<br />

bem remunerado, quiçá promovido,<br />

e permanecerá vários anos numa<br />

empresa como excelente profissional.<br />

Ainda que não passe de um<br />

datilógrafo, o ordenado vai subindo,<br />

porque ele será disputado por outras<br />

empresas e, por causa disso, poderá<br />

impor o salário que queira.<br />

Adão trabalhando fora do Paraíso - Museu<br />

de Navarra, Pamplona, Espanha<br />

Suponhamos um outro datilógrafo<br />

ciente de que, por mais que ele trabalhe,<br />

não vai ganhar mais do que determinado<br />

valor, pois o socialismo nivela<br />

os ordenados. Esse homem não<br />

vai trabalhar com afinco. Pelo contrário,<br />

vai produzir o mínimo possível.<br />

Vemos o resultado dessa política<br />

nos países comunistas, onde não há<br />

promoção alguma e os salários são to-<br />

dos nivelados. Consequência:<br />

as produções decaem,<br />

todo mundo faz corpo mole.<br />

Daí a pobreza desses países.<br />

Qual a razão pela qual<br />

os comunistas, levados pelo<br />

mito da igualdade, querem<br />

impor a todo custo esse<br />

regime ao mundo inteiro,<br />

apesar do fracasso? Evidentemente<br />

porque eles<br />

têm um mito à maneira de<br />

uma religião fanática, por<br />

onde a igualdade na miséria<br />

é melhor do que a desigualdade<br />

na prosperidade.<br />

Necessidade da<br />

autoridade<br />

Vejamos agora, em linhas<br />

gerais, a posição da<br />

Doutrina Católica diante<br />

desse problema.<br />

O homem foi constituído<br />

por Deus de tal maneira que<br />

até no Paraíso terrestre haveria<br />

necessidade de uma autoridade. Se<br />

Adão e Eva não tivessem pecado, seus<br />

descendentes continuariam no Paraíso<br />

e ali constituiriam a sociedade humana.<br />

Naturalmente seria tudo diferente<br />

do que é hoje. Por exemplo, isentos<br />

do pecado original, os homens não<br />

estariam sujeitos à doença e à morte.<br />

Seu trabalho seria um exercício agradável<br />

de suas faculdades para atingir<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

Cenas da revolução russa<br />

24


objetivos equilibrados de progresso,<br />

com o emprego de tempo deleitoso e,<br />

portanto, ninguém procuraria sonegar<br />

o trabalho. Por outro lado, o homem<br />

teria um domínio e um conhecimento<br />

extraordinários da natureza.<br />

Isso determinaria uma organização<br />

da vida completamente diferente do<br />

que é hoje. Não obstante, os homens<br />

organizariam uma civilização.<br />

Ora, apesar da grande inteligência<br />

e da vontade reta de todos os homens<br />

no estado de inocência com a graça,<br />

a Igreja nos ensina que seria necessária<br />

a existência de uma autoridade,<br />

não para reprimir os crimes, pois estes<br />

não existiriam, mas a fim de mandar.<br />

Porque as pessoas têm pontos<br />

de vista diferentes e é preciso haver<br />

quem olhe para a esfera de ação coletiva,<br />

preste atenção não apenas no<br />

bem privado, mas diga a cada um como<br />

agir em favor do bem comum.<br />

Essa autoridade, portanto, decorre<br />

da natureza das coisas. E como Deus<br />

é o Autor da natureza, toda autoridade<br />

vem de Deus e é preciso respeitá-la.<br />

Considerar que a autoridade existe só<br />

para a mera repressão<br />

do crime é um verdadeiro<br />

disparate.<br />

Então, nos perguntamos<br />

qual é o limite<br />

da autoridade,<br />

como podemos limitá-la<br />

de maneira que<br />

ela não dê nos absurdos<br />

do liberalismo<br />

nem do socialismo.<br />

Média e que deu, naquela época, os<br />

melhores resultados: o princípio da<br />

subsidiariedade.<br />

Com efeito, há diversas situações<br />

para as quais o homem, ou mesmo<br />

um grupo, não basta a si próprio, necessitando<br />

ser auxiliado, subsidiado.<br />

Poderíamos exemplificar com várias<br />

famílias morando em torno de<br />

uma fábrica ou de uma igreja. Em<br />

certo momento, o número de famílias<br />

torna-se bastante grande para<br />

entenderem a necessidade de um governo<br />

que fizesse o que nenhuma família<br />

realiza: cuidar das ruas, do calçamento,<br />

da iluminação pública e de<br />

uma porção de coisas análogas. Como<br />

uma família não pode fazer isso,<br />

constitui-se um município que dá às<br />

famílias o que elas sozinhas não poderiam<br />

ter.<br />

O mesmo se poderia dizer dos<br />

municípios. Vários municípios de<br />

uma mesma zona se congregam para<br />

formar um Estado porque, ligados<br />

entre si, melhor tratam dos interesses<br />

comuns. Cada município é tão<br />

livre quanto possível, mas o que ele<br />

não pode fazer só, o Estado realiza<br />

para vários municípios.<br />

Para dar o exemplo brasileiro, a<br />

Federação ou os Estados Unidos<br />

do Brasil existem para assegurar ao<br />

conjunto dos Estados aquilo que cada<br />

um não consegue só por si: exército,<br />

marinha, aeronáutica, relações<br />

exteriores, uma série de outros recursos<br />

que só a federação pode obter<br />

em quantidades e proporções suficientes.<br />

O princípio de subsidiariedade<br />

se compõe dos seguintes elementos:<br />

primeiro, a ideia de que a sociedade<br />

é constituída de membros vivos; segundo,<br />

cada membro deve tender livremente<br />

a se bastar a si próprio;<br />

terceiro, essa autossuficiência tem<br />

limites; quarto, esses limites conduzem<br />

a uma hierarquização que rege<br />

os limites da liberdade e da autoridade<br />

da seguinte maneira: o que cada<br />

um não consiga realizar por si, o<br />

grau superior supre. Assim, tanto<br />

quanto possível, liberdade na base;<br />

tanto quanto necessário, autoridade<br />

na cúpula. Por esta forma se conci-<br />

Francisco Águia<br />

No sapientíssimo<br />

princípio<br />

da subsidiariedade<br />

se conciliam<br />

a liberdade<br />

e a autoridade<br />

Para isso a Doutrina<br />

Católica usa<br />

um princípio muito<br />

empregado na Idade<br />

Aldeia de Avô, Coimbra, Portugal<br />

25


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Nilfanion (CC3.0)<br />

Muralhas do Castelo de<br />

Beeston, Inglaterra<br />

liam liberdade e autoridade. Este é o<br />

sapientíssimo princípio da subsidiariedade<br />

que não dá nem em liberalismo<br />

nem em socialismo.<br />

Observem como os revolucionários<br />

quase não falam disto. Os socialistas<br />

e liberais discutem ente si como<br />

se o princípio de subsidiariedade<br />

não existisse, embora ele venha<br />

mencionado nas encíclicas do Magistério<br />

da Igreja, pelos bons sociólogos<br />

católicos de todos os tempos; foi<br />

largamente praticado na Idade Média.<br />

Esse princípio não é considerado,<br />

nem pelos liberais nem pelos socialistas,<br />

porque estraga com a mania<br />

dos dois. Quer dizer, ele não dá<br />

lugar nem à liberdade completa nem<br />

à igualdade total com que sonhava a<br />

Revolução Francesa, pois esse princípio<br />

estabelece uma hierarquia, limita<br />

tanto a autoridade quanto a liberdade,<br />

e isso irrita os revolucionários.<br />

Como surgiu o feudalismo<br />

aos poucos em castelo: construíram-<br />

-se as torres, primeiro de madeira e<br />

depois de pedra, para de longe poderem<br />

ver se o inimigo vinha. Avistado<br />

o inimigo, do alto da torre tocavam<br />

o sino ou o olifante para se reunirem<br />

todos na casa do patrão, e na<br />

torre eles resistiam.<br />

Aos poucos também foram fazendo<br />

muralhas cada vez maiores<br />

e também com suas torres, os valos<br />

de água, tudo construído em comum<br />

acordo entre os donos da propriedade<br />

e os trabalhadores, para não serem<br />

mortos ou aprisionados pelos<br />

bárbaros invasores. O castelo nasceu,<br />

portanto, da necessidade de todos<br />

de se defenderem.<br />

Era necessária uma autoridade<br />

para dirigir o castelo e a resistência<br />

contra o adversário. Ora, a autoridade<br />

é o patrão.<br />

Na época de paz, o patrão acabava<br />

servindo de juiz e de prefeito na<br />

zona onde o castelo está construído,<br />

e se tornava um senhor, ou seja, o<br />

agricultor com funções de juiz e delegado<br />

no lugar onde morava.<br />

Mas as invasões normandas, hunas,<br />

eram muito grandes, e tornava-<br />

-se conveniente e até necessário esno.<br />

Começam a aparecer as invasões<br />

dos hunos, normandos, sarracenos,<br />

etc. As comunicações entre as<br />

várias partes de um país eram muito<br />

difíceis por causa das estradas más;<br />

aparecem de repente os hunos. O resultado<br />

é que todos os trabalhadores<br />

tendem a reunir-se em torno da casa<br />

maior, mais forte, mais rica, e dali<br />

lutar para se defender contra o invasor.<br />

Sendo a casa do patrão de interesse<br />

de todos, ela foi se transformando<br />

Francisco Águia<br />

Na Idade Média, esse princípio<br />

teve aplicação no feudalismo. Compreende-se<br />

bem isso considerando<br />

como surgiu a maior parte dos feudos.<br />

Imaginemos as terras lavradas,<br />

cultivadas, no tempo de Carlos Mag-<br />

Castelo dos Templários - Castelo Branco, Portugal<br />

26


Ji-Elle (CC3.0)<br />

Paisagem com o Castelo de Harlech (coleção privada) - Reino Unido<br />

tabelecer ligações entre vários donos<br />

de castelos. A resistência se põe<br />

em torno do mais poderoso e, quando<br />

um castelo é ameaçado, levam todas<br />

as tropas para defendê-lo. Criava-se,<br />

assim, uma hierarquia de senhores<br />

feudais, por cima dos quais<br />

estava o rei.<br />

Qual é o princípio de um feudo?<br />

Um senhor feudal manda em sua<br />

terra e faz nela tudo quanto pode. O<br />

senhor feudal superior só intervém<br />

ali para realizar o que senhor feudal<br />

menor não consegue fazer. O rei só<br />

intervém na esfera da autoridade do<br />

senhor feudal superior pelo mesmo<br />

mecanismo.<br />

O feudalismo não foi planejado,<br />

não houve um sociólogo que se sentou,<br />

começou a desenhar um “f” bonito,<br />

escreveu “Feudalismo” e, tendo<br />

inventado uma palavra, pensou:<br />

“Agora vou inventar uma realidade.”<br />

Nasceu naturalmente das invasões e<br />

das aplicações do princípio de subsidiariedade.<br />

Aplicação do princípio<br />

de subsidiariedade às<br />

cidades, universidades e<br />

condições de trabalho<br />

Em alguns lugares formaram-<br />

-se cidades que por esse mesmo mecanismo<br />

se fortificaram. Mas como<br />

não nasceram da agricultura, essas<br />

cidades não tinham nenhum proprietário<br />

para seu chefe, e começaram<br />

a eleger autoridades. Essa organização<br />

eletiva nasceu da ordem natural<br />

das coisas, e ia tão longe que,<br />

em várias cidades, cada bairro possuía<br />

seu governinho, um prefeito para<br />

governar o bairro. De tal maneira<br />

eles amavam esse princípio de subsidiariedade<br />

do poder público pequeno<br />

e próximo ao indivíduo que está<br />

sendo governado.<br />

Um exemplo disso foram as universidades<br />

que eram colossais. Uma<br />

universidade ocupava um bairro, no<br />

qual o reitor da universidade mandava<br />

em tudo. Ele era o prefeito, o delegado<br />

de polícia, o juiz, e ninguém<br />

mandava dentro da universidade a<br />

não ser o reitor.<br />

Essa estrutura se aplicava também<br />

para o trabalho. Na Idade Média as<br />

condições de trabalho davam muito<br />

mais valor ao homem e menos à máquina;<br />

a época era pouco mecanizada<br />

e as máquinas existentes primitivas,<br />

pequenas e em geral de madeira. O<br />

operário valia mais do que a máquina<br />

e não havia propriamente o capitalista<br />

como existe hoje, que entra com<br />

o dinheiro para montar uma fábrica.<br />

Todos eram artesãos e os operários<br />

entravam como aprendizes; o talento<br />

deles concorria muito mais para a<br />

produção do que a máquina. Os melhores<br />

tornavam-se mestres.<br />

A fábrica era, em geral, um quarto<br />

ou dois no mesmo prédio onde morava<br />

o dono da empresa, e os operários<br />

comiam com a família do dono.<br />

Aquilo formava uma espécie de família<br />

grande em que o mestre manda-<br />

27


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Anônimo (CC3.0)<br />

va porque era o mais competente, e<br />

se ele saísse também se retirava a freguesia.<br />

Era esta a preeminência, baseada,<br />

portanto, no trabalho.<br />

O costume tinha na Idade Média<br />

uma importância enorme. Os medievais<br />

tomaram o costume de reunir<br />

todos os estabelecimentos de um<br />

mesmo ofício, o que naquelas cidades<br />

pequenas era muito fácil. Assim,<br />

quem quisesse comprar uma joia ia<br />

à rua dos ourives, quem estivesse à<br />

procura de sapatos dirigia-se à rua<br />

dos sapateiros, e assim por diante.<br />

Os homens que exerciam uma determinada<br />

profissão foram se constituindo<br />

em corporação, com direção<br />

própria. Assim, tão logo se formasse<br />

um todo, esse todo se organizava<br />

e reivindicava a sua autonomia. Era<br />

o princípio de subsidiariedade.<br />

Um grande hospital como a Santa<br />

Casa de Misericórdia, em São Paulo,<br />

na Idade Média seria autônomo à<br />

maneira de um pequeno município:<br />

teria suas próprias leis, autoridades e<br />

até polícia, juiz e cadeia.<br />

A família era o modelo<br />

da sociedade humana<br />

Anônimo (CC3.0)<br />

A célula principal, o fundamento<br />

da sociedade era a família, considerada<br />

o modelo da sociedade humana.<br />

Na França, os juristas empregavam<br />

uma expressão muito bonita para definir<br />

o que era a família em função do<br />

Estado: diziam que o pai era o rei dos<br />

filhos, e o rei o pai dos pais. De maneira<br />

que o regime era paterno.<br />

Sente-se muito isso em velhas gravuras<br />

brasileiras do tempo da colônia,<br />

nas quais se veem famílias portuguesas<br />

ou luso-brasileiras saindo<br />

aos domingos. Em geral, na frente<br />

vai o pai, um “portuguesão”, às vezes<br />

com um cigarrão, uma bengala,<br />

Anônimo (CC3.0)<br />

um chapéu de dois bicos e andando<br />

como quem não se preocupa com<br />

nada. Atrás dele vai a esposa, depois<br />

os filhos em ordem de idade, depois<br />

dos filhos os escravos. Por onde ia o<br />

pai, caminhava a família inteira.<br />

Em geral, o pai de família deixava<br />

o patrimônio para o filho mais velho<br />

que deveria gerir a propriedade, sem<br />

descuidar do indispensável auxílio<br />

aos irmãos mais novos. Aqui vemos<br />

uma vez mais a aplicação do princípio<br />

de subsidiariedade.<br />

Os filhos mais novos do castelão<br />

iam tentar a vida em outras terras,<br />

mas se lhes advinha o fracasso, a tragédia<br />

ou a doença, tinham direito a<br />

voltar ao castelo com sua família, encontrando<br />

ali uma espécie de instituto<br />

de aposentadoria e pensões.<br />

Entretanto, aquele pessoal estava<br />

habituado à aventura, tanto mais<br />

que a monotonia da vida agrícola os<br />

impelia a isso. Então, a maior parte<br />

deles fazia um esforço tremendo para<br />

progredir, lançando-se na aventura.<br />

Daí aquela atmosfera que mais<br />

tarde se refletiria em D’Artagnan e<br />

os três mosqueteiros – Athos, Porthos<br />

e Aramis –, ou Cyrano de Bergerac,<br />

filhos mais moços que deixaram<br />

a vida monótona do campo na<br />

esperança de que, se batalhassem<br />

Anônimo (CC3.0)<br />

28


como leões, poderiam galgar altos<br />

postos e se tornar, eles mesmos, donos<br />

de grandes castelos.<br />

A sede de aventura era assim estimulada<br />

pela seguinte ideia: “Se eu<br />

for para a cidade, ainda mais apoiado<br />

pelo meu maioral, posso fazer<br />

uma grande carreira. Que delícia! Se<br />

eu ficar no campo, não mando, sou<br />

um puro pensionista. Que monotonia!<br />

Então vou me arriscar. Mas de<br />

outro lado, sei que se eu fracassar tenho<br />

onde me refugiar.”<br />

O mesmo se dava, a seu modo,<br />

com os trabalhadores manuais. Por<br />

vezes estes eram arrendatários hereditários<br />

de uma parte das terras do<br />

senhor feudal, e trabalhando ali podiam<br />

viver bem. Se os seus descendentes<br />

ou colaterais viessem morar<br />

ali por necessidade, naturalmente<br />

se apertavam mais, porém tinham o<br />

mesmo direito; correspondia à situação<br />

do castelão, em ponto menor.<br />

Mas também entre eles a linhagem<br />

não correspondente ao primogênito<br />

saía em busca de novas terras<br />

a explorar, por vezes recebidas do<br />

senhor feudal ou do rei mediante um<br />

pagamento que as colheitas deviam<br />

proporcionar. Por esta forma a família<br />

se espraiava, e em torno dela se<br />

constituía esse princípio<br />

de subsidiariedade.<br />

Era, novamente, a linha<br />

primogênita da família<br />

ajudando a não primogênita,<br />

mas esta devia<br />

dar tudo quanto pudesse.<br />

Se fracassasse, a linha<br />

primogênita ajudava.<br />

Daí serem contrários<br />

à partilha igual do patrimônio,<br />

porque então<br />

ninguém pode garantir<br />

nada para ninguém.<br />

Enquanto que, por esse<br />

sistema, funcionava<br />

um verdadeiro instituto<br />

de aposentadoria e pensões,<br />

em base pequena e<br />

doméstica.<br />

Poder público influenciável<br />

pelos indivíduos<br />

Esses princípios existiram na Idade<br />

Média e foram praticados com<br />

tão grande êxito que o próprio Karl<br />

Marx, numa de suas obras, afirmou<br />

que a era de ouro do operário europeu<br />

foi a Idade Média. Eis a sábia<br />

organização que o espírito católico<br />

tinha dado à estrutura social. Essa<br />

estrutura era baseada no princípio<br />

de subsidiariedade.<br />

Trata-se, nessa organização, da<br />

formação de inúmeros corpúsculos<br />

que dirigem a vida do homem na<br />

medida em que ele precise de uma<br />

direção, e esses corpúsculos se encaixam<br />

constituindo uma verdadeira<br />

malha de autoridades.<br />

Um desses “prefeitos” da rua sofre<br />

muito mais a influência daqueles<br />

em que ele manda do que um prefeito<br />

de uma grande cidade, como São<br />

Paulo, com milhões de habitantes. A<br />

distância é grande demais.<br />

O prefeito da rua mora naquela<br />

mesma via pública; e quando algum<br />

morador está descontente, sem pedir<br />

audiência vai na casa dele e diz:<br />

“Fulano, tem sujeira diante de minha<br />

casa, porque o Serapião não limpou.<br />

Agora você vai mandar o Serapião<br />

limpar!” E vão os dois juntos<br />

chamar o Serapião. Quer dizer, toda<br />

relação é próxima e pessoal. Então<br />

se exerce a influência do indivíduo<br />

no governo, e ao homem interessa<br />

muito mais influenciar a própria<br />

rua do que o Estado, porque ele<br />

não mora no Estado, e sim naquela<br />

via pública.<br />

Também o fabricante ou o industrial.<br />

O operário tem um contato direto<br />

com sua corporação com dezenas<br />

ou centenas de operários ou industriais.<br />

Na hora da eleição, o voto<br />

dele terá importância, pois o voto de<br />

um em cem ou duzentos pesa na balança.<br />

O poder público é, assim, muito<br />

influenciável pelos indivíduos, e<br />

essa é uma forma de democracia.<br />

O costume<br />

Outro aspecto democrático é<br />

o costume. Quando se estabelece<br />

um costume, cria-se um direito.<br />

Por exemplo, numa rua tal certo<br />

homem, desde tempos imemoriais,<br />

tem o hábito de amarrar o cavalo<br />

dele numa determinada argola,<br />

que está do lado de fora de seu<br />

prédio. Se numa ou duas gerações<br />

Jean-Baptiste Debret (CC3.0)<br />

29


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

se fez assim, ninguém mais pode ir<br />

contra isso; é um direito adquirido<br />

porque foi aprovado por todos e,<br />

a menos que se prove que isso começou<br />

a ser nocivo para todos, esse<br />

costume subsiste. Não são leis gerais<br />

feitas para milhões de homens,<br />

mas situações individuais que o costume<br />

vai criando para este ou aquele.<br />

A tal ponto que havia famílias, às<br />

vezes da plebe, que por lei o sistema<br />

de herança dos bens era diferente<br />

do que vigorava nas outras famílias.<br />

Provavam a existência do costume,<br />

e o juiz o aplicava; por quê?<br />

“Porque na nossa família o temperamento,<br />

o gosto é assim.”<br />

Havia, por exemplo, numa região<br />

da França um costume curioso:<br />

quem herdava a fortuna do pai<br />

falecido não era o mais velho, e sim<br />

o mais moço, por julgarem que este<br />

teria melhores condições de levar<br />

adiante a fortuna da família. É um<br />

ponto de vista que, uma vez constituído<br />

o costume, era acatado pela<br />

legislação. Assim, a grande maioria<br />

das leis era feita de costumes que o<br />

rei só anulava quando estes se tornavam<br />

injustos.<br />

Não existia a classe dos<br />

políticos profissionais<br />

Isso tem como resultado curioso<br />

impedir o aparecimento da classe<br />

dos políticos profissionais, porque<br />

ninguém faz carreira sendo diretor<br />

de uma pequena unidade. A pessoa<br />

só dirige essa unidade porque os<br />

outros pedem. Isso lhe dá um pouco<br />

de prestígio, mas é uma atividade colateral.<br />

Mesmo um senhor feudal, que governa<br />

toda uma extensa região, não é<br />

principalmente governador, mas um<br />

agricultor, vive de suas terras que ele<br />

tem que fazer valer para ter o prestígio<br />

necessário e manter sua família.<br />

Ele é secundariamente o governador<br />

daquelas terras e, portanto, não<br />

é um político profissional.<br />

Esse sistema de governo não tem<br />

os defeitos do liberalismo nem do<br />

socialismo. Todos possuem uma influência<br />

no Estado, mas no âmbito<br />

em que entendem, e está no seu<br />

campo de ação mais imediato. Há<br />

até eleições livres, mas não existe a<br />

figura do político profissional. A política<br />

como tal está ligada à profissão<br />

de cada um, à vida de todos os dias,<br />

e todo mundo cuida da sua própria<br />

existência.<br />

É profundamente diferente do<br />

Estado liberal democrático onde há<br />

uma classe de políticos que vive de<br />

fazer leis e de ocupar cargos públicos,<br />

eleita uma vez a cada quatro<br />

anos por uma grande massa pública<br />

que quase não se conhece e que, fora<br />

da ocasião da eleição, não tem nenhuma<br />

ou quase nenhuma influência<br />

no panorama político.<br />

A situação anteriormente descrita<br />

eu reputo mais democrática, no<br />

bom sentido da palavra. Um regime<br />

no qual, embora não seja igualitário<br />

nem liberal, existem a igualdade e a<br />

liberdade legítimas. v<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 1970<br />

(Extraído de conferência de<br />

4/1/1975)<br />

30


Luzes da Civilização Cristã<br />

Altaneria e<br />

Flávio Lourenço<br />

estabilidade sacrais<br />

Nesse castelo estiveram os cruzados<br />

que lutaram contra os mouros.<br />

Existe nele um contraste harmônico<br />

entre a altaneria e a estabilidade,<br />

que de algum modo marca a<br />

sacralidade da fortaleza. Quando<br />

vier o Reino de Maria e de novo<br />

a luz do Espírito Santo brilhar na<br />

Terra, que altaneria e estabilidade<br />

magníficas terá esse Reino, pois<br />

será muito superior à Idade Média!<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

José-Manuel Benito (CC3.0)<br />

Opanorama que vamos comentar compõe-se basicamente<br />

de três elementos: o Castelo da Mota – em<br />

Medina del Campo, na Espanha –, o céu e a árvore.<br />

Muralhas altas, belas, dignas<br />

No castelo, que evidentemente é a nota dominante, encontramos<br />

dois aspectos principais: as muralhas, nas quais<br />

se destacam os grandes torreões de ângulo, que sobressaem<br />

como um elemento inteiramente distinto das muralhas,<br />

e a torre que, por sua vez, é a nota dominante do castelo.<br />

Parece-me mais interessante começarmos por analisar<br />

o castelo, partindo do elemento secundário para depois<br />

passar para o principal. O elemento secundário é constituído<br />

pelas muralhas e os torreões que as integram.<br />

As muralhas são altas, bem trabalhadas, belas, dignas,<br />

altivas. Entretanto, não têm nada de extraordinário.<br />

Elas possuem uma beleza real, mas frequente em<br />

muitos monumentos medievais desse tipo. Aliás, há muralhas<br />

muitíssimo mais bonitas do que essas. Ao menos<br />

para o meu gosto, a muralha de uma pedra sombria, um<br />

granito carregado e “preocupado”, exprime muito mais<br />

tudo quanto a muralha tem a exprimir do que essa pedra<br />

um pouco branca, tornada ainda mais reluzente pela<br />

luz do Sol, com uma aparência festiva, não parecendo<br />

propriamente militar, como era a finalidade das muralhas<br />

naquele tempo. Eu até chegaria a chamá-la de uma<br />

muralha plácida, tranquila. Ela se estende à maneira de<br />

um retângulo, sem maiores movimentos, com os torreões<br />

intercalados simetricamente, sem maior fantasia, obedecendo<br />

simplesmente a uma necessidade militar, mas sem<br />

nenhuma preocupação de estética mais particular.<br />

Torre altaneira, forte, firme<br />

Em contraste com esse aspecto e, portanto, realçando-o,<br />

vem a torre alta, imponente, que desafia e se ergue<br />

muitíssimo acima da muralha, fazendo desta quase como<br />

o véu ou manto que pende da cabeça de uma rainha.<br />

A diferença de altura, de poesia, de fantasia, de imaginação<br />

que vai da torre para os muros é enorme. Por esta<br />

forma, destaca-se extraordinariamente a torre, tornando-a<br />

verdadeiramente a nota dominante.<br />

Como eu disse acima, as muralhas erguem-se altivas.<br />

Entretanto, a altaneria da torre é realçada pelos torreões<br />

de ângulo que lhe dão a fisionomia especial. A torre<br />

se ergue altaneira, mas ao mesmo tempo atarracada,<br />

forte, firme, como quem diz: “Eu olho de cima, desafio,<br />

mas resisto. Não tenho medo de nada. Meu ângulo está<br />

disposto a cortar os vagalhões dos adversários como<br />

a proa de um navio fende os mares. Para mim nada oferece<br />

insegurança. Estou disposta a resistir de todo jeito,<br />

a todo transe. A mim ninguém derruba. Nem sequer<br />

Chefocom (CC3.0)<br />

32


Wamba Wambez (CC3.0)<br />

depois de abandonada e isolada, tendo sido retirado de<br />

mim qualquer uso militar, deixarei de ser uma proclamação<br />

viva dos ideais aos quais servi.” Dir-se-ia que<br />

por cima dos séculos ela espera outros adversários para<br />

prestar novos serviços aos mesmos ideais. Ela está intacta.<br />

Para ela o tempo, o abandono dos homens, a mudança<br />

das circunstâncias não querem dizer nada. Ela espera,<br />

serena, o fim do mundo e não teme o juízo de Deus.<br />

É uma afirmação de um estado de espírito de consciência<br />

tranquila que caminha para a morte e a eternidade<br />

sem se preocupar com elas. Assim vejo eu a fisionomia<br />

dessa torre.<br />

O céu muito azul e a luz que bate no castelo, de que<br />

maneira colaboram para compor o panorama?<br />

Zoser (CC3.0)<br />

Contando Estrelas (CC3.0)<br />

Fortaleza ufana, mas triste<br />

A meu ver, esse castelo, como se encontra, dá a impressão<br />

de um esqueleto calcinado pelo Sol. Nota-se que<br />

a vida de todos os dias não se desenrola mais nele. Tem-<br />

-se a impressão de que, por dentro, ele está pouco mais<br />

ou menos abandonado. Por causa disso, tem-se também<br />

a sensação de uma espécie de imenso naufrágio, cuja<br />

tristeza e cujo abandono são acentuados pelo esplendor<br />

da luz solar, como quem diz: “A luz bate, a natureza toda<br />

se alegra indiferente à tristeza do castelo.”<br />

A fortaleza é ufana, mas triste. Há nela qualquer coisa<br />

que não tem nada de ruína, mas anuncia a ruína de<br />

uma ordem de coisas que dentro dela houve.<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

Porém, esse é apenas um aspecto. De outro lado, há<br />

uma certa alegria que a luz do Sol comunica ao castelo.<br />

Alguma coisa que dá a impressão de uma esperança de<br />

reviver. E há uma melancolia e um élan que, juntos, produzem<br />

uma sensação um pouco indefinida. Não se sabe<br />

bem se é de vitória ou de tragédia. A meu ver, no fundo, é<br />

a conjugação das duas coisas.<br />

A árvore comunica um pouco de vida ao conjunto da<br />

paisagem. Se a imaginássemos sem a árvore, essa impressão<br />

de desolação se acentuaria ainda mais. Dir-se-ia que<br />

um pouco de seiva, de sorriso de vida concreta se recosta<br />

junto ao velho castelo e dá um pouco de animação àquilo<br />

que é tão hirto e de tal maneira calcinado pelo Sol.<br />

“Represento a sacralidade contra as<br />

hordas de maometanos que invadem”<br />

Lembro-me de uma exclamação do Marechal Mac<br />

Mahon 1 durante a Guerra da Crimeia, a qual eu cito por<br />

causa da concisão francesa que a caracteriza: “J’y suis,<br />

j’y reste – Aqui estou, aqui permaneço.” Essa afirmação,<br />

que em sua simplicidade é muito sobranceira, poderia<br />

ser aplicada a esta torre. Ela, por assim dizer, olha muito<br />

de cima todos os adversários, mas está agarrada ao<br />

chão, como a afirmar: “Este chão é meu e daqui ninguém<br />

me tira. Eu fico!”<br />

Mas não é só isso. Uma coisa é a altaneria do Mac<br />

Mahon, outra é a de uma torre medieval. Quer dizer, é<br />

preciso compreender a altaneria, a persistência, a estabilidade,<br />

não como a de um homem – por exemplo, Mac<br />

Mahon – durante uma guerra, mas a de uma era, de uma<br />

civilização, de uma cultura. É, em última análise, a estabilidade<br />

e a altaneria da Fé católica. Ou seja, gente que<br />

não crê na vida eterna não é capaz de ter esse tipo de altaneria<br />

e estabilidade simbolizadas por essa torre.<br />

Não é a sobranceria de quem se compara com o adversário<br />

para declarar: “Eu sou mais!” Mas daquele que,<br />

por assim dizer, toca no céu e afirma: “O céu em que eu<br />

toco é incomparavelmente mais. Represento aqui o Céu,<br />

Deus Nosso Senhor, a sacralidade contra as hordas de<br />

maometanos que invadem.” É, portanto, uma altaneria e<br />

uma estabilidade sacrais. A sacralidade me parece estar<br />

fortemente presente aí.<br />

Assim eu definiria esse castelo.<br />

Contraste harmônico entre<br />

altaneria e estabilidade<br />

Devemos procurar lembrar que aqui estiveram os<br />

cruzados; esse castelo foi utilizado na luta contra os<br />

mouros. Vemos bem a alma católica que nele se exprime,<br />

por exemplo, na parte superior da torre. Ela é quase to-<br />

Garijo (CC3.0)<br />

34


da lisa, em cima as ameias e os torreões se acumulam, e<br />

há qualquer coisa de carregado no topo que leva para o<br />

alto, meio difícil de exprimir. Esse contraste harmônico<br />

entre a altaneria e a estabilidade de algum modo marca<br />

também a sacralidade do castelo.<br />

Donde se poderia dizer: “Ó altaneria católica, ó estabilidade<br />

católica, ó Divino Espírito Santo estável e altaneiro!”<br />

E imaginar, por exemplo, Pentecostes, com as<br />

línguas de fogo caindo, em que todas as virtudes estavam<br />

simbolizadas, como seria ali a altaneria e a estabilidade.<br />

É uma verdadeira maravilha.<br />

Ou então conjeturar, quando vier o Reino de Maria e<br />

de novo a luz do Espírito Santo brilhar na Terra, como<br />

será a altaneria e a estabilidade. Se o Reino de Maria será<br />

mais do que a Idade Média, que altaneria e que estabilidade<br />

magnífica terá?<br />

Para isso é que devemos ter os nossos olhos voltados.<br />

É a transcendência que vai até o Espírito Santo, e tem<br />

uma projeção profética para o futuro.<br />

Contando Estrelas (CC3.0)<br />

Contando Estrelas (CC3.0)<br />

Desaparecimento gradual dos castelos<br />

Com o passar do tempo, foram-se fazendo fortificações<br />

cada vez menos bonitas e menos elevadas, até chegar<br />

ao anódino, até precipitar-se na feiura. Há todo um<br />

problema de arte militar para discutir, sobre se verdadeiramente<br />

esses castelos se tornaram inúteis com as armas<br />

de fogo; eu discuto isso. Por exemplo, quando do alto<br />

das torres da Bastilha os canhões dispararam a serviço<br />

da Fronda, eles foram muito mortíferos. Por que então<br />

uma arma de fogo não é útil do alto de uma torre? É<br />

uma questão para se analisar.<br />

Mas, enfim, começaram por fazer castelos sem torres. E<br />

depois, naturalmente, a não fazer mais castelos. Então verificamos<br />

essa coisa curiosa: nas batalhas do século XIX –<br />

de Napoleão, por exemplo –, de vez em quando houve combates<br />

encarniçados para a posse de uma aldeia presente no<br />

meio de um campo de batalha. Por que a posse da aldeia?<br />

Porque aquelas construções são estratégicas para o ataque<br />

ou para a defesa. Mas então, como um castelo não seria?<br />

O desaparecimento gradual dos castelos, das fortalezas,<br />

deu lugar à arte militar baseada em trincheiras. Começava,<br />

assim, a guerra das baratas e das lesmas.<br />

É evidente que isso tudo tem uma razão técnica. Porém,<br />

haveria apenas razões técnicas? Isso seria discutível... v<br />

Contando Estrelas (CC3.0)<br />

Contando Estrelas (CC3.0)<br />

(Extraído de conferência de 3/1/1975)<br />

1) Patrice de Mac Mahon (*1808 - †1893). Estadista francês,<br />

Marechal de França e Presidente da República francesa de<br />

1873 a 1879.<br />

35


Arquivo <strong>Revista</strong><br />

“Sede devotos do meu Imaculado Coração...”<br />

S<br />

empre que me refiro a Nossa Senhora, tenho muito em vista a devoção ao Imaculado Coração de Maria.<br />

Ao adorarmos o Sagrado Coração de Jesus temos em consideração não só a afetividade, a bondade,<br />

mas toda a personalidade moral e todo o conjunto de virtudes d’Ele. Assim também o culto de hiperdulia<br />

que prestamos ao Coração Imaculado de Maria abarca e exprime seu afeto, sua bondade, sua misericórdia de<br />

Mãe, bem como sua pureza e todas as virtudes excelsas que Ela possui num grau inconcebível por nós.<br />

O quadro presente em meu apartamento representa Nossa Senhora no seu resplendor, tendo atrás de Si uma<br />

série de luzes fulgurando, como que emanadas principalmente da cabeça, e constituindo uma espécie de auréola.<br />

Maria Santíssima está segurando seu Imaculado Coração e o apresenta para os homens, como quem diz:<br />

“Ele é vosso, Eu vo-lo dou se Me pedirdes.”<br />

Portanto, é um convite à prece ao Imaculado Coração d’Ela, feito por Ela mesma: “Sede devotos do meu Imaculado<br />

Coração e recebereis graças incontáveis.”<br />

(Extraído de conferência de 27/2/1992)

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