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Graciliano ramos - vidas secas (livro completo)

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Capítulo V - O Menino Mais Novo<br />

A IDÉIA surgiu-lhe na tarde em que Fabiano botou os arreios<br />

na égua alazã e entrou a amansá-la. Não era propriamente<br />

idéia: era o desejo vago de realizar qualquer ação notável<br />

que espantasse o irmão e a cachorra Baleia.<br />

Naquele momento Fabiano lhe causava grande admiração.<br />

Metido nos couros, de perneiras, gibão e guarda-peito, era a<br />

criatura mais importante do mundo. As rosetas das esporas<br />

dele tilintavam no pátio; as abas do chapéu, jogado para<br />

trás, preso debaixo do queixo pela correia, aumentavam-lhe o<br />

rosto queimado, faziam-lhe um círculo enorme em torno da<br />

cabeça.<br />

O animal estava selado, os estribos amarrados na garupa, e<br />

Sinha Vitória subjugava-o agarrando-lhe os beiços. O vaqueiro<br />

apertou a cilha e posse a andar em redor, fiscalizando os<br />

arranjos, lento. Sem se apressar, <strong>livro</strong>u-se de um coice :<br />

virou o corpo, os cascos da égua passaram-lhe rente ao peito,<br />

raspando o gibão. Em seguida Fabiano subiu ao copiar, saltou<br />

na sela, a mulher * recuou - e foi um redemoinho na catinga.<br />

Trepado na porteira do curral, o menino mais novo torcia as<br />

mãos suadas, estirava-se para ver a nuvem de poeira que<br />

toldava as imburanas. Ficou assim uma eternidade, cheio de<br />

alegria e medo, até que a égua voltou e começou a pular<br />

furiosamente no pátio, como se tivesse o diabo no corpo. De<br />

repente a cilha rebentou e houve um desmoronamento. O pequeno<br />

deu um grito, ia tombar da porteira. Mas sossegou logo.<br />

Fabiano tinha caído em pé e recolhia-se banzeiro e cambaio,<br />

os arreios no braço. Os estribos, soltos na<br />

carreira desesperada, batiam um no outro, as rosetas das<br />

esporas tiniam.<br />

Sinha Vitória cachimbava tranqüila no banco do copiar,<br />

catando lêndeas no filho mais velho. Não se conformando com<br />

semelhante indiferença depois da façanha do pai, o menino foi<br />

acordar Baleia, que preguiçava, a barriguinha vermelha<br />

descoberta, sem-vergonha. A cachorra abriu um olho, encostou<br />

a cabeça à pedra de amolar, bocejou e pegou no sono de novo.<br />

Julgou-a estúpida e egoísta, deixou-a, indignado, foi puxar<br />

a manga do vestido da mãe, desejando comunicar-se com ela.<br />

Sinha Vitória soltou uma exclamação de aborrecimento, e, como<br />

o pirralho insistisse, deu-lhe um cascudo.<br />

Retirou-se zangado, encostou-se num esteio do alpendre,<br />

achando o mundo todo ruim e insensato. Dirigiu-se ao<br />

chiqueiro, onde os bichos bodejavam, fungando, erguendo os<br />

focinhos franzidos. Aquilo era tão engraçado que o egoísmo de<br />

Baleia e o mau humor de Sinha Vitória desapareceram. A<br />

admiração a Fabiano é que ia ficando maior.

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