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Foto: Clóvis Tinoco<br />
cabeça de lagosta que meu pai recolhia porque<br />
nesse tempo tinha tanta lagosta naquele litoral<br />
que a cabeça era desprezada. Trazia e minha<br />
mãe cozinhava. A gente morava em Tibau mais<br />
por necessidade mesmo, tanto que eu e duas<br />
irmãs viemos morar em Natal para estudar no<br />
Isabel Gondim. Só depois de quatro anos foi<br />
que meus pais vieram.<br />
PREÁ - Como surgiu a idéia do sebo?<br />
ABIMAEL SILVA - Fui motivado pela<br />
dificuldade. Já estava de ‘saco cheio’ do banco.<br />
Antes, trabalhei numa padaria por um tempo.<br />
Acordava logo cedo, às 5 da manhã, para<br />
embalar aqueles sacos de bolacha e de biscoito,<br />
ficava a manhã toda e estudava à tarde. Depois<br />
trabalhei na Discol, uma loja de discos no<br />
Centro, que ainda hoje existe. Por volta de<br />
81, 82, fui trabalhar no Unibanco. De repente<br />
enchi o saco, porque trabalhar em banco é<br />
uma profissão para quem não tem profissão.<br />
Trabalhava como contínuo. Até aí tudo bem,<br />
mas um ano depois fui promovido para o setor<br />
de contas correntes, aí era bronca mesmo.<br />
Todos os dias você mexer com milhares e<br />
milhares de cheques das outras pessoas, somar,<br />
dar o valor como correto, não poder ter uma<br />
diferença sequer... Era um horror. Trabalhei até<br />
1985, mas fui para lá por pressões familiares.<br />
Minha mãe queria que eu fosse porque foi um<br />
cunhado meu que conseguiu esse emprego. E<br />
eu já tinha, inclusive, falado com Carlos Lima<br />
para trabalhar na livraria Clima.<br />
Com o fotógrafo Carlos Lira<br />
E acabou não tendo jeito, tive que trabalhar no banco mesmo,<br />
pois coincidiu com o período em que meu pai tinha morrido.<br />
Eu ainda era muito novo. Considero esse o tempo mais inútil da<br />
minha vida.<br />
PREÁ - Você chegou a trabalhar em alguma livraria?<br />
ABIMAEL SILVA - Não. Estava de ‘saco cheio’ do banco e disse:<br />
- Vou ter que sair. Então inventei o sebo. Pensei: - Vou botar<br />
um sebo, pois se eu for vender os meus livros em um outro,<br />
no de Jácio {Jácio Torres, dono do Cata Livros}, por exemplo,<br />
para depois pegar o dinheiro e fazer alguma coisa, não terei<br />
muita vantagem. Portanto, a idéia do sebo surgiu meio que<br />
por acaso. Se não tivesse dado certo, eu teria ido embora para<br />
Maceió passar um tempo e tentar a sorte. Eu tinha visto o filme<br />
“Memórias do Cárcere” e tinha ficado bem impressionado. Mas<br />
depois de muita luta o sebo foi começando a dar certo.<br />
PREÁ – Onde o sebo funcionou inicialmente?<br />
ABIMAEL SILVA - O primeiro local foi na rua Vigário<br />
Bartolomeu, vizinho ao edifício 21 de Março. Quando saí<br />
do Unibanco, peguei a indenização e comprei uma cigarreira.<br />
Resolvi pintá-la, mas fiquei em dúvida com relação à cor. Pensei:<br />
se pintar de azul não vai dar nenhum impacto, de amarelo<br />
também. Só tinha duas opções: ou branco ou vermelho. Então<br />
decidi pintar de vermelho, uma cor bem chocante, muito viva.<br />
Pintei, e foi um choque danado!<br />
PREÁ – Até então o sebo não tinha nome.<br />
Abimael Silva<br />
ABIMAEL SILVA – Exatamente. Logo nas primeiras semanas,<br />
algumas pessoas do movimento de esquerda começaram a<br />
freqüentar e logo passaram a chamar de “Sebo Vermelho”.<br />
Eu gostei do nome e resolvi adotá-lo. Mandei colocar o nome<br />
na frente e comecei a fazer umas pichações pela cidade. Nessa<br />
época, eu andava muito de bicicleta e gostava de fazer pichações.<br />
Comprava alguns sprays e saía pichando tudo que era muro com<br />
o nome Sebo Vermelho. Mas era o período da Nova República e<br />
eu comecei a ter medo que houvesse um retrocesso político, um<br />
golpe, e todo mundo pensando que eu era um cara de esquerda,<br />
um radical. Ainda hoje tem muita gente que pensa que faço parte<br />
de algum grupo de esquerda, de algum partido. Um dia, minha<br />
Julho 2003<br />
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