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Janduís - Fundação Jose Augusto

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Canudos, tragédia, ficção<br />

“Escondida pela caatinga, ainda restam antigas trincheiras feitas pelos soldados no alto do<br />

Mário”(Livro “Canudos 100 Anos”, de Evandro Teixeira)<br />

Nei Leandro de Castro (poeta e escritor)<br />

campanha de Canudos foi uma grande farsa que o gênio de<br />

A Euclides da Cunha transformou em brutal realidade.<br />

De mentira era o exército republicano feito de soldadinhos de<br />

chumbo, oficiais malucos, epilépticos, acovardados, sanguinários<br />

todos. Delírio seria supor que um grupo de famintos e fanáticos<br />

– perto de Uauá e pra lá de onde Judas perdeu as alpercatas –<br />

pudesse ameaçar a recém-nascida República. Aliás, a República<br />

era uma abstração ao alcance de muito poucos. Os romeiros,<br />

viajando no ópio da pregação do Conselheiro, só queriam as<br />

benesses da vida eterna, nem que tivessem de deixar a sola dos<br />

pés no chão de pedra e espinhos, ou passar mais fome do que já<br />

passavam. O sertanejo é antes de tudo um crédulo.<br />

Sem a testemunha ocular de jornalistas, sem a onipresença<br />

de Euclides da Cunha, como chegaria à história oficial a<br />

campanha de Canudos? Talvez tudo estivesse sob a poeira do<br />

esquecimento, como o arraial está hoje sob as águas do açude<br />

Cocorobó. O Exército, que levou surras homéricas dos caboclos<br />

armados de peixeira e espingarda de matar arribaçã, iria soterrar<br />

qualquer vestígio de vergonha. Todas as testemunhas, mesmo<br />

aquele velho, os dois homens e a criança, “na frente dos quais<br />

rugiam raivosamente 5.000 soldados”, seriam mortas depois de<br />

obrigadas a gritar vivas à República.<br />

Sempre vi Canudos não como fato histórico,<br />

mas como o grande marco da ficção brasileira.<br />

Lido há mais de 30 anos, relido algumas vezes,<br />

o livro de Euclides da Cunha me causou um<br />

impacto que perdura até hoje. Em suas páginas,<br />

Moreira César (nome de rua em várias cidades<br />

importantes, mas um engodo histórico) é<br />

fascinante como vilão. Foi um trapalhão<br />

sanguinário e folhetinesco, que chegou a<br />

Canudos com fama de Corta-Cabeças, Belzebu,<br />

Treme-Terra, e acabou derrotado pela epilepsia.<br />

No campo de batalha, justificou a fama que<br />

inspirou a quadrinha:<br />

Moreira foi ao inferno<br />

Com seu trabuco de lado.<br />

O Cão viu e disse vixe<br />

Eita que cabra malvado.<br />

Julho 2003<br />

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