D - DORIA, LILIAN FLEURY TEIXEIRA.pdf - Universidade Federal ...
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VICENTE: - Preciso encontrar meu pai. Ele está perdido no meio da mata, no norte de Mato<br />
Grosso. Há quase vinte anos. É necessário que eu compreenda de uma vez por todas o que se passou<br />
entre nós. (RA, p. 460)<br />
Este pai tão distante, perdido na mata há vinte anos, se situa no<br />
plano mítico. Um homem que escolhe a permanência na mata, a fuga ao<br />
progresso, a vida num tempo circular, que não se altera. 47 Esta distância entre<br />
pai e filho quase impossível de ser vencida, nos lembra o conto de Guimarães<br />
Rosa, "A Terceira Margem do Rio", 48 onde o pai faz uma opção pelo auto-<br />
isolamento dentro de uma canoa no rio e lá permanece anos a fio, até que o<br />
filho, que não o compreendia, lun dia o substitui. João José, o pai de Vicente<br />
não o compreende e Vicente, o filho, não consegue compreender o pai. Esta<br />
incomunicabilidade perpassa toda a peça e é um dos móveis de grande conflito<br />
que sustenta a dramaticidade do texto.<br />
VICENTE (5 anos): - Papai! Por que a lua está quebrada?<br />
JOÃO JOSÉ (muda o tom): - Não estou vendo lua nenhuma no céu, Vicente. (...)<br />
VICENTE (um pouco aflito): - Por que a lua fica quebrada? Quem sabe? Ninguém sabe?<br />
JOÃO JOSÉ: - Vicente!<br />
VICENTE: - Senhor!<br />
JOÃO JOSÉ: - Você já sabe laçar?<br />
VICENTE: - Não.<br />
JOÃO JOSÉ: - Laçar é mais importante do que saber porque a lua fica quebrada.<br />
VICENTE: - Por quê?<br />
JOÃO JOSÉ: - Porque é. Quer aprender?<br />
VICENTE (afastando-se, até desaparecer): - Se o senhor me explicar porque a lua fica quebrada,<br />
aprendo a laçar também. (Sai). (RÃ, p. 463-464)<br />
Línguas diferentes em mentes que não querem se comunicar. Este<br />
o retrato dos diálogos de Vicente e João José que retomam ao palco pela<br />
recordação de um ou outro. Mas o que movimenta tamanha incompreensão?<br />
Esta é a pergunta que se faz Vicente e ela não pode ser respondida apenas pelo<br />
47 "O Tempo Sagrado se apresenta sob o aspecto paradoxal de um Tempo Circular, reversível e recuperável, espécie<br />
de eterno presente mítico que o homem reintegra periodicamente pela linguagem dos ritos". ELÍADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a<br />
essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. Lisboa : Ed. Livro do Brasil, s.d., p. 82.<br />
48 ROSA, João Guimarães. A Terceira Margem do Rio. In: Primeiras Estórias. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 27.<br />
ed., 1988.<br />
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