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D - DORIA, LILIAN FLEURY TEIXEIRA.pdf - Universidade Federal ...

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VICENTE: - Tem gente que não sabe o que é.<br />

JOÃO JOSÉ: - Você não sabe quem é?!<br />

VICENTE (15 anos): - Não. Acho que não.<br />

JOÃO JOSÉ: - Você é um homem. É o meu filho!<br />

VICENTE: - Não se trata disto! (RA, p. 517)<br />

O espanto do pai diante do desconhecimento de Vicente de si<br />

próprio é um traço agudo que conduzirá o conflito por toda a peça. João José,<br />

como dizíamos anteriormente, vive num tempo circular, imutável. E neste seu<br />

mundo - que se situa no plano da mata - não há lugar para dúvidas e<br />

fragilidades.<br />

JOÃO JOSÉ: - Você vive com o pensamento no mundo da lua!<br />

VICENTE: - P'ra dar certo, era preciso ter o pensamento no mundo dos bichos?<br />

JOÃO JOSÉ (Explode): - No mundo dos homens, mesmo ...seu burro!<br />

VICENTE: - Nós vamos devagar, papai! Não temos pressa. Mas, nós chegamos lá. Usando um<br />

palavreado seu: nós vamos desamoitar esta caça. E então ... soltaremos toda a cachorrada ... e no<br />

entardecer, quando não nos restar senão a noite, voltaremos com ela, já de olhos vidrados, pendente<br />

da garupa suada do nosso ódio.<br />

JOÃO JOSÉ (Confuso): - Deque éque está falando?!<br />

VICENTE: - De caças amoitadas, nada mais. Amoitadas dentro de nós, nas moitas dos olhares, dos<br />

gestos e dos silêncios. Caças ferozes que não atacam, mas cercam e isolam ... até que suas presas<br />

morram de incompreensão e solidão!<br />

JOÃO JOSÉ: - Com você não adianta conversar. Não entendo você. (RA, p. 518-519)<br />

Neste clímax da cena, percebemos Vicente fazendo uso da<br />

linguagem imutável do pai e subvertendo-a, redescobrindo-a para si mesmo e<br />

para o pai que, no entanto, não consegue entendê-lo. Percebemos então a<br />

linguagem como incompletude e, como afirmava Lacan "a situação do sujeito<br />

(...) é essencialmente caracterizada pelo seu lugar no mimdo simbólico, ou, em<br />

outros termos, no mundo da palavra." 53<br />

A cena se estende por mais alguns momentos, com alta tensão<br />

entre os personagens até terminar numa bofetada. Vicente ora com 5 ou 23, 15<br />

ou 43 anos, vem de todos os pontos caçando este pai que não se entrega no<br />

afeto, carregado de rancor e desconfiança.<br />

53 LACAN, Jacques. O Seminário. Vol. 1. Op. cit., p. 97.<br />

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