27 - Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais
27 - Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais
27 - Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
mente da suposta “queda <strong>de</strong> braço” instalada entre autorida<strong>de</strong>s<br />
policiais e advoga<strong>do</strong>s.<br />
Vejamos, então, o conteú<strong>do</strong> da questionada súmula:<br />
Súmula Vinculante 14<br />
É direito <strong>do</strong> <strong>de</strong>fensor, no interesse <strong>do</strong> representa<strong>do</strong>, ter<br />
acesso amplo aos elementos <strong>de</strong> prova que, já <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong>s<br />
em procedimento investigatório realiza<strong>do</strong> por<br />
órgão com competência <strong>de</strong> polícia judiciária, digam respeito<br />
ao exercício <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. (grifo nosso)<br />
Veja-se que explicitamente fala o enuncia<strong>do</strong> em interesse<br />
<strong>do</strong> representa<strong>do</strong> e provas já <strong>do</strong>cumentadas,<br />
elementares para as explicações a seguir.<br />
É que, ao permitir a comentada súmula o acesso amplo<br />
<strong>de</strong> advoga<strong>do</strong>s a elementos <strong>de</strong> provas constantes <strong>de</strong><br />
autos <strong>de</strong> inquéritos policiais, coloca-lhes <strong>do</strong>is limites explícitos:<br />
interesse <strong>do</strong> representa<strong>do</strong> e provas já <strong>do</strong>cumentadas.<br />
Portanto, para ter o acesso que lhe permite<br />
a súmula, precisa o advoga<strong>do</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res específicos outorga<strong>do</strong>s<br />
pelo seu constituinte, in casu, o investiga<strong>do</strong>,<br />
razão da expressão interesse <strong>do</strong> representa<strong>do</strong>. Depois,<br />
ao falar em provas já <strong>do</strong>cumentadas, refere-se às já anexadas<br />
aos autos <strong>do</strong> inquérito policial, <strong>de</strong>ssumin<strong>do</strong>-se,<br />
daí, que as investigações em curso, ainda não materializadas,<br />
consequentemente, não precisam sequer ser <strong>do</strong><br />
conhecimento <strong>do</strong> investiga<strong>do</strong>, já que ele não é parte processual,<br />
e, sim, objeto <strong>de</strong> investigação.<br />
Por isso, não <strong>de</strong>u a questionada súmula aos advoga<strong>do</strong>s<br />
direito <strong>de</strong> conhecer previamente quais atos inquisitoriais<br />
irá a autorida<strong>de</strong> policial praticar contra seu cliente, a exemplo<br />
das buscas e apreensões autorizadas, das perícias e <strong>do</strong>s<br />
exames requisita<strong>do</strong>s, ou outras provas na busca <strong>do</strong> objetivo<br />
primordial <strong>do</strong> inquérito policial, que é materializar o <strong>de</strong>lito<br />
e apontar indícios <strong>de</strong> quem foi o autor. E, se são provas<br />
ainda não <strong>do</strong>cumentadas nos autos, mas em <strong>do</strong>ssiês<br />
<strong>de</strong> manipulação exclusiva da autorida<strong>de</strong> policial e <strong>do</strong> escrivão<br />
no exercício <strong>do</strong> seu cargo, a elas não po<strong>de</strong>m, e nem<br />
<strong>de</strong>vem, os advoga<strong>do</strong>s terem acesso. E essa é a interpretação<br />
literal <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong> da comentada súmula vinculante,<br />
constituin<strong>do</strong>, em parte, um para<strong>do</strong>xo com o teor <strong>do</strong><br />
art. 7º, incisos XIII e XIV, da Lei Fe<strong>de</strong>ral n. 8.906/1994, o<br />
Estatuto da Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil (OAB).<br />
Cuidan<strong>do</strong> o referi<strong>do</strong> estatuto das prerrogativas <strong>do</strong>s<br />
advoga<strong>do</strong>s, afirma, no artigo menciona<strong>do</strong>, ser direito <strong>de</strong>-<br />
les: “examinar, em qualquer órgão <strong>do</strong>s Po<strong>de</strong>res Judiciário<br />
e Legislativo, ou da Administração Pública em geral,<br />
autos <strong>de</strong> processos fin<strong>do</strong>s ou em andamento, mesmo<br />
sem procuração, quan<strong>do</strong> não estejam sujeitos a sigilo,<br />
assegurada a obtenção <strong>de</strong> cópias, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> tomar apontamentos;”<br />
e “examinar em qualquer repartição policial,<br />
mesmo sem procuração, autos <strong>de</strong> flagrante e <strong>de</strong> inquérito,<br />
fin<strong>do</strong>s ou em andamento, ainda que conclusos à<br />
autorida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> copiar peças e tomar apontamentos;”<br />
(grifo nosso), texto que, sem dúvida, sofreu uma<br />
interpretação restritiva em face <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong> da Súmula<br />
Vinculante n. 14.<br />
Nota-se, assim, que, enquanto garante a norma estatutária<br />
o exercício pleno e irrestrito da advocacia, a<br />
discutida súmula, sob o argumento <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
salvaguardar as investigações criminais, coloca limites<br />
a esse exercício, concluin<strong>do</strong>-se, por consequência, que,<br />
embora os advoga<strong>do</strong>s estejam autoriza<strong>do</strong>s a manipular<br />
autos <strong>de</strong> inquérito policial na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus constituintes,<br />
tal autorização está limitada ao interesse da condução<br />
<strong>do</strong> próprio inquérito policial, o que não impe<strong>de</strong><br />
o exercício da <strong>de</strong>fesa possível nessa fase da persecução<br />
penal, sen<strong>do</strong> que o que o advoga<strong>do</strong> faz é recorrer ao Judiciário<br />
contra atos da autorida<strong>de</strong> policial que consi<strong>de</strong>re<br />
ilegal ou irregular, até mesmo requeren<strong>do</strong> elementos<br />
<strong>de</strong> provas no curso das investigações policiais.<br />
Em outras palavras, a questionada súmula veio dar<br />
interpretação a<strong>de</strong>quada ao próprio Estatuto da OAB. Primeiro,<br />
porque limita o acesso <strong>de</strong> advoga<strong>do</strong>s a autos <strong>de</strong><br />
inquérito policial, autorizan<strong>do</strong>-lhes somente verificar<br />
provas já <strong>do</strong>cumentadas. Segun<strong>do</strong>, porque os obriga a<br />
estar muni<strong>do</strong>s <strong>de</strong> procuração <strong>do</strong> cliente, concluin<strong>do</strong>-se,<br />
também, que a autorida<strong>de</strong> policial, no curso <strong>do</strong> inquérito<br />
policial, está autorizada, legalmente, a separar partes<br />
<strong>de</strong> suas investigações em andamento, colocan<strong>do</strong>-as<br />
em <strong>do</strong>ssiês aparta<strong>do</strong>s para proteger a investigação. E,<br />
se tal posicionamento contraria interesses pessoais, enten<strong>do</strong><br />
que, ao assim se posicionar objetivou o STF evitar<br />
o risco no qual estava se constituin<strong>do</strong> a atuação plena<br />
<strong>de</strong> advoga<strong>do</strong>s em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> inquérito policial. E, dan<strong>do</strong><br />
um verda<strong>de</strong>iro senti<strong>do</strong> ao enuncia<strong>do</strong> da Súmula Vinculante<br />
n. 14, concluiu que, num Esta<strong>do</strong> Democrático<br />
<strong>de</strong> Direito, não po<strong>de</strong> o guardião da Constituição obstar<br />
a tutela penal exercida pelo Esta<strong>do</strong> contra quem<br />
a<strong>do</strong>ta conduta contrária ao próprio Direito.<br />
Revista <strong>de</strong><br />
ESTUDOS&INFORMAÇÕES<br />
Março <strong>de</strong> 2010 47