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ü2 mim - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro

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E o povo jura que a cobra <strong>de</strong> vidro é uma espécie <strong>de</strong> iagarto que quando se corta em dois, três mil pedaços, facilmente se refaz<br />

JORNAL DE ALUNOS DAS ESCOLAS ISOLADAS — N° 7 — SETEMBRO 1977 — Cr$ 4,00<br />

ü 2 <strong>mim</strong><br />

fhtot <strong>de</strong> OocumtHítçii |<br />

"Se o povo se<br />

unisse talvez as coisas<br />

melho^assem ,,<br />

ca réstia<br />

QUADRINHOS<br />

NOSSO<br />

CANDIDATO<br />

A SUCESSÃO<br />

^ ^ CORDEL<br />

TÉ VERSOS DE<br />

UM POVO


COLABORAÇÕES<br />

Pálido seu rosto caminha.<br />

Seu corpo esquelético.<br />

Figura cadavéríca.<br />

Assusta os monsenhores ilustres<br />

doutores.<br />

Sadios e gordos em fraques e car-<br />

tolas.<br />

Não acreditam no ser que vêem.<br />

Ele não po<strong>de</strong> existir num país <strong>de</strong>-<br />

senvolvido.<br />

Professor grita na sala <strong>de</strong> aula.<br />

Todos calados ouvem.<br />

Estáticos suas canetas se movem<br />

sobre a folha <strong>de</strong> papel.<br />

Notas indicadores <strong>de</strong> sua inteli-<br />

gência.<br />

A esperança dos pais.<br />

Tomba em seus diplomas.<br />

Na caatinga seca y qyente.<br />

Ossos <strong>de</strong> bois y pessoas, paisagem.<br />

O jagunço toma coca-cola.<br />

Y canta isto é que é.<br />

Nas árvores o guaraná apodrece.<br />

O filho morre por não ter leite.<br />

POLUIFLEX<br />

Um produto revolucionário.<br />

Produzido pelas técnicas mais<br />

avançadas.<br />

Em laboratórios super-mo<strong>de</strong>rnos.<br />

Um produto para o homem <strong>de</strong> ho-<br />

je.,<br />

para o homem prático y mo<strong>de</strong>rno.<br />

Poluiflex! Poluição em spray.<br />

y pronto! Sua casa estará poluída.<br />

Você não precisa ir á rua para se<br />

poluir.<br />

O seu ambiente terá o perfume do<br />

futuro.<br />

Não <strong>de</strong>ixe para amanhã.<br />

Compre hoje mesmo.<br />

Poluiflex! Polua-se em sua própria<br />

casa.<br />

FOME COMPULSÓRIA<br />

Por este <strong>de</strong>creto fica instituída<br />

a fome'compulsória.<br />

Restituivel após a reincarnação.<br />

Sem juros ou correção monetária.<br />

Os talões serão retirados em su-<br />

permercados.<br />

(colaboração: Sérgio Galli, da<br />

Cásper Libero)<br />

Minha terra tem palmeiras<br />

on<strong>de</strong> não canta o sabiá<br />

os pássaros que aqui gorjeiam<br />

são punidos por cantar.<br />

Na nossa boca tem palavras<br />

mas não po<strong>de</strong> nem piar<br />

as pessoas que aqui gorjeiam<br />

são punidas por falar.<br />

Minha boca tem palavras<br />

que gostaria <strong>de</strong> falar<br />

mas minha fala é censurada<br />

pelos que querem ditar.<br />

Nossa terra tem palmeiras<br />

on<strong>de</strong> cantará o sabiá<br />

os pássaros que aqui gorjeiam<br />

um dia vão ter que cantar.<br />

Os pássaros que aqui gorjeiam<br />

um dia vão ter que falar<br />

os pássaros que aqui trabalham<br />

vão ter que se libertar.<br />

(colaboração: aluno da Escola <strong>de</strong><br />

Engenharia Mauá)<br />

Cobra <strong>de</strong> Vidro é uma publicação das seguintes entida-<br />

<strong>de</strong>s: l<br />

CAAE - Fundação Getúlio Vargas<br />

D.A. Roberto Simonsen - Economia/FAAP<br />

D.A. Annie Penteado - Administração/FAAP<br />

D.A. <strong>de</strong> Artes Plásticas - FAAP<br />

D.A. Cláudio Villas Boas - Comunicações/Administra-<br />

çao/Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior<br />

En<strong>de</strong>reço: av. Nove <strong>de</strong> Julho, 2029 - São Paulo<br />

Composto e impresso na PAT - Publicações e Assistência<br />

Técnica Ltda. - Rua Dr. Virgílio <strong>de</strong> Carvalho Pinto, 412 -<br />

Fone: 853-7461.


PELA NOSSA UNIDADE<br />

Ninguém agüenta mais. A cada dia que<br />

passa os setores que se opõem à ditadura<br />

se organizam, se manifestam contra o atual<br />

estado <strong>de</strong> coisas. Trabalhadores, campone-<br />

ses, estudantes e <strong>de</strong>mais setores <strong>de</strong>mocrá-<br />

ticos se articulam numa ampla frente anti-<br />

ditatorial.<br />

Nas fábricas há operações-tartaruga. O<br />

arrocho salarial e a alta do custo <strong>de</strong> vida<br />

mantém o trabalhador e sua família sob<br />

constante insegurança. A repressão a qual-<br />

quer forma <strong>de</strong> protesto é imediata. É-lhe<br />

proibido^notestar. Proibido se organizar.<br />

No,e3Tnpo, os trabalhadores rurais inten-<br />

sificam suas lutas pela posse da terra. Inte-<br />

lectuais, jornalistas, escritores, estudantes<br />

também se manifestam. Assumem, <strong>de</strong> for-<br />

ma conseqüente, a luta pela transformação<br />

i ^U«-socieda<strong>de</strong>.<br />

Os estudantes fazem parte <strong>de</strong> toda essa<br />

gama <strong>de</strong> oposição. Devido a suas próprias<br />

características, têm condições <strong>de</strong> se orga-<br />

nizar com mais facilida<strong>de</strong>. Neste sentido, o<br />

movimento estudantil tem dado gran<strong>de</strong>s<br />

avanços e contribuído - <strong>de</strong> certa forma -<br />

para o fortalecimento e articulação dos se-<br />

tores oprimidos <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>.<br />

O movimento estudantil <strong>de</strong>sarticulado<br />

pela repressão em 68, se converte, a cada<br />

dia que passa, em importante pólo oposi-<br />

cionista. È em agosto <strong>de</strong> 1977, que o ME al-<br />

cança seu ápice. Intensas mobilizações <strong>de</strong><br />

rua se <strong>de</strong>ram no 1" semestre. O impasse<br />

colocado no fim em junho - o que fazer? -<br />

teve sua resposta clara nas manifestações<br />

. do dia 11 do dia 23.<br />

"No dia 11, juntamente com setores<br />

<strong>de</strong>mocrático-liberaís, estudantes se fazem<br />

presentes. Realizam uma gran<strong>de</strong> passeata<br />

pelas ruas do centro, que ganha uma es-<br />

Ultimamente, gregos e troianos têm por<br />

praxe - cada quala seu modo - criticar a ile-<br />

gitimida<strong>de</strong> da ditadura militar, ressaltar as<br />

benesses da <strong>de</strong>mocracia, estimular o reen-<br />

contro da Nação Brasileira com seus fins na-<br />

turais; promover o <strong>de</strong>senvolvimento integra-<br />

do, suposto promotor da riqueza e bem-<br />

estar gerais.<br />

Papa ]r., Laerte Setúbal, Luiz Eulálio Vidigal<br />

Bueno, toda uma plêia<strong>de</strong> <strong>de</strong> luzidios empre-<br />

sários brasileiros vêm a público pedir "<strong>de</strong>-<br />

mocracia, já". Generais, briga<strong>de</strong>iros e outros<br />

galões menos votados já falam em Estado <strong>de</strong><br />

Direito e em direitos humanos. Nessas cir-<br />

cunstâncias, surge uma primeira dúvida: se a<br />

Nação brasileira está sendo violada em suas<br />

apregoadas aspirações,<br />

E na seqüência <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> raciocínio<br />

que po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r o teor <strong>de</strong> docu-<br />

mentos como o Manifesto distribuído no dia<br />

23/8, durante as passeatas que marcaram o<br />

Dia Nacional <strong>de</strong> Luta em São Paulo. Extrema-<br />

mente violenta em sua verborragia - conta-<br />

mos 7 ditaduras e 2 ditaduras militares em<br />

apenas uma lauda do texto! - o Manifesto ci-<br />

tado contraban<strong>de</strong>ava frases como: "A Nação<br />

oprimida pela ditadura militar..." ou "A dita-<br />

dura que oprime a todos os setores sociais..."<br />

Ora, é evi<strong>de</strong>nte que nenhum regime político<br />

consegue se sustentar sem o apoio <strong>de</strong> algu-<br />

ma classe social. A falsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> raciocínios<br />

simplistas como o exposto acima é extrema-<br />

mente perigosa, na medida em que através<br />

<strong>de</strong> conhecido mascaramento i<strong>de</strong>ológico -<br />

ocultar as contradições presentes em uma<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classes sob a abstração assépti-<br />

ca da "Nação espezinhada pelo tacão mili-<br />

tar" - consegue-se "eliminar" as garras da<br />

pantera ver<strong>de</strong>-oliva. Entretanto, ai daquele<br />

que acreditar muito nesse exercício <strong>de</strong> ilu-<br />

sionista; fatalmente, sairá arranhado. Des<strong>de</strong><br />

já, <strong>de</strong>vemos esclarecer alguns pontos funda-<br />

mentais para a seqüência do raciocínio.<br />

Nunca é <strong>de</strong>mais lembrar que o apoio con-<br />

cedido ao golpe <strong>de</strong> 1964 por parte <strong>de</strong> nossa<br />

burguesia e <strong>de</strong> boapartedas camadas médias<br />

está longe <strong>de</strong> ter se <strong>de</strong>sintegrado completa-<br />

mente. Ainda outro dia, o "Estadão" publi-<br />

cou uma resenha <strong>de</strong> mesa-redonda que reu-<br />

niu vários <strong>de</strong> nossos empresários. Significati-<br />

vamente, aqueles vinculados ao setor finan-<br />

ceiro, por exemplo, <strong>de</strong>claravam-se partidá-<br />

rios do regime.<br />

Isto é compreensível. Afinal, para alguns<br />

setores <strong>de</strong> nossa economia, a crise que vem<br />

sendo propalada não parece vir sendo tão<br />

pantosa a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> populares. No dia 23 <strong>de</strong><br />

agosto, estudantes e populares enfrentam<br />

o espalhafotoso aparelho repressivo.<br />

A questão foi respondida. A resposta é<br />

só uma: o movimento estudantil <strong>de</strong>ve<br />

avançar e ganhar as ruas, sempre que hou-<br />

ver amplo apoio dos estudanes.<br />

Foi neste contexto <strong>de</strong> amplas manifesta-<br />

ções que se criou a UEE. Um importante<br />

passo dado pelo ME. A reconstrução da<br />

UEE-Livre é uma conquista dos estudantes<br />

e, por isso mesmo, uma pedra no sapato da<br />

ditadura. A repressão jamais ficará calada<br />

vendo as águas passarem. Tentará intervir,<br />

barrar o processo em andamento e, mais<br />

uma vez, jogar os setores vacilantes contra<br />

os estudantes.<br />

Precisamos estar fortes, coesos e unidos.<br />

E <strong>de</strong>sta forma que resistiremos às investidas<br />

contra nossa organização estadual.<br />

E AS ISOLADAS?<br />

As escolas isoladas, somam juntas - mi-<br />

lhares <strong>de</strong> estudantes. A medida que o mo-<br />

vimento estudantil avança, essas escolas<br />

obtêm importantes saldos políticos. Reali-<br />

zam,assembléias. Seus estudantes compa-<br />

recem às manifestações e <strong>de</strong>batem sua im-<br />

portância.<br />

No entanto, a participação no movimen-<br />

to, <strong>de</strong> tais escolas, ainda é aquém do <strong>de</strong>se-<br />

jado. As isoladas não possuem a tradição<br />

<strong>de</strong> participação e <strong>de</strong> luta das gran<strong>de</strong>s uni-<br />

versida<strong>de</strong>s. Suas entida<strong>de</strong>s ainda são fracas<br />

e possuem um trabalho muito novo, em<br />

sua gran<strong>de</strong> maioria.<br />

Mas não são só as escolas isoladas da ca-<br />

pital que se encontram em <strong>de</strong>scompasso (e<br />

até mesmo <strong>de</strong>sinformadas) em relação à<br />

movimentação dos estudantes mobilizados<br />

da USP e PUC. Há uma gran<strong>de</strong> heteroge-<br />

neida<strong>de</strong> a nível do Estado. Há regiões bas-<br />

tante mobilizadas e outras com parca mo-<br />

bilização.<br />

O PAPEL DA UEE<br />

È neste sentido que se coloca a necessi-<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> um organismo que centralize as<br />

lutas e as direcione, combinando os diver-<br />

sos graus <strong>de</strong> mobilização e fazendo com<br />

que diminuam as diferenças entre as diver-<br />

sas escolas e regiões do estado.<br />

A União Estadual dos Estudantes cum-<br />

pre, a nível <strong>de</strong> movimento estudantil este<br />

papel. È através das lutas que a UEE enca-<br />

minhará, que as entida<strong>de</strong>s estudantis se<br />

fortalecerão. Elas serão a correia <strong>de</strong> comu-<br />

nicação entre a gran<strong>de</strong> maioria dos estu-<br />

dantes e a União Estadual.<br />

Mas como po<strong>de</strong> a UEE cumprir seu pa-<br />

pel?<br />

A NOSSA PROPOSTA<br />

A UEE, ao encaminhar e direcionar lutas,<br />

<strong>de</strong>ve contribuir para que amplas parcelas<br />

estudantis encontrem canais <strong>de</strong> participa-<br />

ção. Seja em entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> base (D.A.s ou<br />

C.As) seja em comitês <strong>de</strong> luta pelo ensino<br />

público e gratuito, por melhores condi-<br />

ções <strong>de</strong> vida e trabalho para a população,<br />

pela Constituinte livre, <strong>de</strong>mocrática e so-<br />

berana.<br />

E para efetivar essa tarefa, a existência da<br />

UEE <strong>de</strong>ve se calcar em bases sólidas e no<br />

mais amplo respaldo possível. Os <strong>de</strong>bates<br />

em torno das propostas a serem encami-<br />

nhadas por sua diretoria <strong>de</strong>vem ganhar as<br />

classes, e não se restringir a conchavos <strong>de</strong><br />

cúpula - e sempre numa perspectiva <strong>de</strong><br />

CONSTITUINTE<br />

negra, assim (1). Mas, o que explica o gran<strong>de</strong><br />

número <strong>de</strong> vozes <strong>de</strong>scontentes no seio da<br />

burguesia brasileira?<br />

POR QUE ALGUNS EMPRESÁRIOS GRI-<br />

TAM?<br />

A gran<strong>de</strong> flexibilida<strong>de</strong> com que conta o<br />

gran<strong>de</strong> capital - distribuído estrategicamente<br />

por vários ramos <strong>de</strong> produção - para fazer<br />

frente a uma situação <strong>de</strong>sfavorável á manu-<br />

tenção <strong>de</strong> altas taxas <strong>de</strong> crescimento do PNB<br />

não po<strong>de</strong> ser generalizadas para o pequeno<br />

e médio capital.<br />

Assim, se uma Volkswagen conta com<br />

gran<strong>de</strong>s recursos <strong>de</strong>ntro e fora do Brasil para<br />

agüentar uma fase <strong>de</strong>sfavorável, o mesmo<br />

nao ocorre com a indústria <strong>de</strong> autopeças que<br />

vive à sua sombra. Não é para menos que,<br />

enquanto os empresários vinculados às gran-<br />

<strong>de</strong>s empresas monopolistas - via <strong>de</strong> regra es-<br />

trangeiras - e ao setor financeiro não vêem<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se mudar o regime, o presi-<br />

<strong>de</strong>nte do Sindicato <strong>de</strong> Indústrias <strong>de</strong> Autope-<br />

ças mostrou-se um <strong>de</strong>mocrata empe<strong>de</strong>rnido,<br />

a julgar por suas <strong>de</strong>clarações ao "Estadão".<br />

Hoje, quando o "milagre" mostra sua fra-<br />

gilida<strong>de</strong>, os setores menos favorecidos do ca-<br />

pital começam a questionar o estado <strong>de</strong> coi-<br />

sas que, até pouco tempo atrás, era seu obje-<br />

to <strong>de</strong> quase-adoração.<br />

Mesmo para tais setores, a reformulação<br />

dos pressupostos do regime faz-se necessá-<br />

ria. A partir daí, po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r o porquê<br />

da multiplicação bastante rápida <strong>de</strong> vários se-<br />

tores <strong>de</strong>scontentes <strong>de</strong>ntro da classe domi-<br />

nante, que muitas vezes colocam em cheque<br />

até mesmo o papel prepon<strong>de</strong>rante do gran-<br />

<strong>de</strong> capital monopolista <strong>de</strong>ntro do bloco he-<br />

gemônico (vi<strong>de</strong> Severo Comes).<br />

QUAL É SUA PROPOSTA ALTERNATIVA?<br />

Qualquer observação mais acurada nc<br />

gran<strong>de</strong> volume <strong>de</strong> propostas alternativas que<br />

vêm surgindo têm um ponto em comum: to-<br />

dos admitem que, para se pensar em qual-<br />

quer opção alternativa, em termos <strong>de</strong> padrão<br />

<strong>de</strong> acumulação capitalista, é necessário um<br />

mecanismo <strong>de</strong> redistribuição <strong>de</strong> renda. Para<br />

tanto, propõe-se uma liberalização do regi-<br />

me político.<br />

Tais propostas são, mesmo à primeira vista,<br />

tremendamente ilusórias. Todo um aparelho<br />

produtivo foi montado, aqui, justamente<br />

para aten<strong>de</strong>r às características <strong>de</strong> um merca-<br />

do extremamente reduzido (da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />

5% da população) e não po<strong>de</strong> ser alterado,<br />

da noite para o dia, <strong>de</strong> forma a substituir a<br />

produção <strong>de</strong> Landaus pela <strong>de</strong> tratores, ou a<br />

<strong>de</strong> champanhe pela <strong>de</strong> leite. Além disso, a<br />

oposição liberal que se levanta contra a dita-<br />

dura é extremamente recalcitrante em rom-<br />

per <strong>de</strong> vez as amarras que a unem ao núcleo<br />

do regime. Geralmente, fala-se muito em<br />

"conciliação nacional", em "aprimoramento<br />

do reçime", em "po<strong>de</strong>r mo<strong>de</strong>rador" e coisas<br />

quetais. Isso tudo significa apenas que não se<br />

preten<strong>de</strong>, realmente, <strong>de</strong>rrubar <strong>de</strong> vez os<br />

pressupostos políticos que dão azo à explo-<br />

ração <strong>de</strong>senfreada aqui processada.<br />

Ora, nessa medida, qualquer ilusão redis-<br />

tribucionista que se atenha apenas ao plano<br />

da circulação do capital vai esbarrar na gran-<br />

<strong>de</strong> margem <strong>de</strong> manobra assegurada aos mes-<br />

mos grupos econômicos que, hoje, mais se<br />

beneficiam com a superexploração e com a<br />

ditadura.<br />

A alteração do nosso atual aparelho pro-<br />

dutivo só po<strong>de</strong> passar pela ruptura radical<br />

com as facções que hoje dominam a cena<br />

política, pois apenas <strong>de</strong>sta forma assegura-<br />

riam as condições mínimas para que se pu-<br />

<strong>de</strong>sse pensar em redistribuição na esfera <strong>de</strong>-<br />

vida: aquela da produção.<br />

O QUE DEVEMOS ESPERAR DESSES PROJE-<br />

TOS?<br />

Apesar <strong>de</strong> tudo, seria simplista <strong>de</strong>squalifi-<br />

car toda agitação i<strong>de</strong>ológica e toda a luta<br />

política que começa a se <strong>de</strong>senvolver mesmo<br />

<strong>de</strong>ntro da classe dominante como sendo<br />

mera cortina <strong>de</strong> fumaça. Concretamente, es-<br />

ses projetos, por mais ilusórios que sejam,<br />

começam a apontar as brechas que <strong>de</strong>vemos<br />

procurar aprofundar <strong>de</strong>ntro do bloco domi-<br />

nante.<br />

Já mencionamos a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> es-<br />

truturação <strong>de</strong> um regime político estável<br />

sobre bases ilusórias, quais seiam, as <strong>de</strong> uma<br />

reor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> nosso aparelho produtivo e<br />

<strong>de</strong> nosso padrão <strong>de</strong> acumulação que não se-<br />

jam radicais. Isso não significa, entretanto,<br />

que <strong>de</strong>vamos <strong>de</strong>scartar aprioristicamente as<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma reviravolta política<br />

embasada justamente nestas propostas.<br />

Nessas expectativas sobre o <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento ulterior das lutas populares na conse-<br />

cução das transformações necessárias para a<br />

verda<strong>de</strong>ira in<strong>de</strong>pendência nacional <strong>de</strong>-<br />

pen<strong>de</strong>m fundamentalmente da forma pela<br />

qual nos colocamos frente às questões políti-<br />

cas fundamentais do momento. E quais são<br />

elas?<br />

Logo à primeira vista, ressalta a questão da<br />

convocação <strong>de</strong> uma Assembléia Nacional<br />

Constituinte livremente eleita, <strong>de</strong>mocrática e<br />

soberana. Os próprios setores mais vacilantes<br />

unida<strong>de</strong> do movimento estudantil - uma<br />

<strong>de</strong> nossas armas mais importantes para<br />

combater os esforços do regime, que não<br />

vê com bons olhos o fortalecimento da<br />

UEE.<br />

È neste sentido que representantes <strong>de</strong><br />

varias escolas isoladas se reuniram e colo-<br />

caram a proposta <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> do ME: uma<br />

plataforma <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> que represente a<br />

maioria dos estudantes paulistas.<br />

O que as levou a isso? Numa análise da<br />

realida<strong>de</strong> concreta das entida<strong>de</strong>s estudan-<br />

tis no Estado <strong>de</strong> São Paulo, particularmente<br />

no interior e nas escolas isoladas, on<strong>de</strong> o<br />

movimento estudantil apresenta ainda<br />

muitas <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>s - nota-se que, quando a<br />

<strong>de</strong>sinformação não é total, a grante maio-<br />

ria dos estudantes não têm uma com-<br />

preensão clara das razões que levam à divi-<br />

são em diversas tendências, embora com-<br />

partilhem os mesmos anseios e interesses<br />

comuns.<br />

A construção <strong>de</strong>sta plataforma dar-se-á<br />

através <strong>de</strong> discussões abertas em todas as<br />

escolas on<strong>de</strong> isso for possível, prevalecen-<br />

do sempre a posição da maioria.<br />

Ess.is discussões <strong>de</strong>vem se dar em torno<br />

<strong>de</strong> pontos mínimos, <strong>de</strong>ntre os quais: a luta<br />

por melhores condições <strong>de</strong> ensino, pela<br />

reconstruçãao e fortalecimento <strong>de</strong> nossas<br />

entida<strong>de</strong>s livres, pela unida<strong>de</strong> do movi-<br />

mento estudantil, por melhores condições<br />

<strong>de</strong> vida e trabaihio para a população e pe-<br />

las liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas. Além disso,<br />

coloca-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um claro posi-<br />

cionamento a respeito da proposta <strong>de</strong> luta<br />

por uma Assembléia Constituinte, livre-<br />

mente eleita, soberana e <strong>de</strong>mocrática, que<br />

<strong>de</strong>verá se assentar num amplo <strong>de</strong>bate en-<br />

tre os estudantes.<br />

do MDB, ainda que atrasados em relação a<br />

vários outros segmentos da oposição popular<br />

e <strong>de</strong>mocrática, não tardarão a empunhar essa<br />

ban<strong>de</strong>ira. Qual a importância que assume a<br />

Constituinte hoje em dia?<br />

Para respon<strong>de</strong>r a isso, cabe primeiro escla-<br />

recer que a convocação <strong>de</strong> uma Constituinte<br />

só tem sentido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que vinculada à maior<br />

conseqüência possível <strong>de</strong> nossa parte; não<br />

<strong>de</strong>vemos esquecer que, sem a <strong>de</strong>rrubada da<br />

ditadura, ela seria completamente esvaziada<br />

<strong>de</strong> seu conteúdo.<br />

Ora. mesmo os mais recalcitrantes li<strong>de</strong>res<br />

do MDB. por exemplo, já compreen<strong>de</strong>ram a<br />

falsida<strong>de</strong> das promessas <strong>de</strong> diálogo encenadas<br />

pelo governo (embora, diga-se <strong>de</strong> passagem,<br />

nem por isso tenham, <strong>de</strong>sistido).<br />

Ao levantarmos conjuntamente as consig-<br />

nas <strong>de</strong> unia Constituinte Livre. Soberana e<br />

Democrática e <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubada do regime, alem<br />

<strong>de</strong> colocarmos um claro divisor <strong>de</strong> águas entre<br />

o campo da ditadura e seu opositor, estare-<br />

mos, <strong>de</strong>ntro do grau <strong>de</strong> organização da nposi-<br />

çào popular e <strong>de</strong>mocrática hoje. combatendo<br />

as tentativas <strong>de</strong> reorganização do bloco domi-<br />

nante.<br />

E claro que se nossas perspectivas fossem<br />

tão reduzidas, pouco apelo teria para nós tal<br />

proposta. Entretanto, não <strong>de</strong>vemos esquecer<br />

que ao empunharmos essas ban<strong>de</strong>iras não<br />

estamos <strong>de</strong>scartando a necessida<strong>de</strong> da orga-<br />

nização livre e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das classes ex-<br />

ploradas. Essa organização, convém lembrar,<br />

não é fruto <strong>de</strong> um processo mecânico, pelo<br />

qual primeiro nos organizamos para <strong>de</strong>pois<br />

alçar ao plano central a luta política que se<br />

<strong>de</strong>senvolve no país. Se negamos a possibili-<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> hoie, colocarmos um progra-<br />

ma alternativo à ditadura, acabamos ce<strong>de</strong>n-<br />

do a iniciativa aos setores liberais e recalci-<br />

trantes. Na verda<strong>de</strong>, negar a ban<strong>de</strong>ira da<br />

Constituinte, hoje, po<strong>de</strong> levar-nos à esfera<br />

do doutrinário e do imobilismo.<br />

É claro que po<strong>de</strong>mos constatar a extrema<br />

<strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> em que se encontram os instru-<br />

mentos <strong>de</strong> luta das classes mais fundamental-<br />

mente interessadas numa ruptura radical<br />

com a ditadura e com o padrão <strong>de</strong> acumula-<br />

ção que a <strong>de</strong>termina; entretanto, é justa-<br />

mente levantando com a maior conseqüên-<br />

cia possível as ban<strong>de</strong>iras que nos são coloca-<br />

das hoje que estaremos contribuindo para<br />

ampliar o espaço necessário à sua reorgani-<br />

zação.<br />

(1) Ao menos se tomamos por base a gran<strong>de</strong><br />

expansão <strong>de</strong> construções luxuosíssimas, <strong>de</strong><br />

restaurante para o beautiful people, <strong>de</strong> cigar-<br />

ros como Benson & Hedges, champanhes<br />

como a M. Chandon, etc.


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a medicina a serviço do povo<br />

IV SESAC: Semana <strong>de</strong> Estudos<br />

Sobre Saú<strong>de</strong> Comunitária. Como<br />

nos anos anteriores, os estudantes <strong>de</strong><br />

Medicina <strong>de</strong> todo o pais, reunidos<br />

em Londrina, pu<strong>de</strong>ram confrontar<br />

suas experiências e realizar, mais<br />

do que um simples encontro científi-<br />

co, um profundo <strong>de</strong>bate sobre a si-<br />

tuação <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do povo brasileiro.<br />

Os estudos e <strong>de</strong>bates tiveram<br />

como ponto básico a Saú<strong>de</strong> Comuni-<br />

tária, que pressupõe uma integração<br />

total do profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> com a<br />

comunida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> ele atua como<br />

ponto <strong>de</strong> partida para um trabalho<br />

conjunto.<br />

Neste trabalho, o aspecto funda-<br />

mental será a participação da comu-<br />

nida<strong>de</strong> no planejamento e na análi-<br />

se, feitos conjuntamente com o mé-<br />

dico, do problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />

relacionando-o com o contexto sócio-<br />

econômico em que vivem. O indiví-<br />

duo, assim, é encarado como agente,<br />

sujeito e objeto <strong>de</strong> seu meio, pois não<br />

é possivel que o nível <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> se ele-<br />

ve sem a elevação do nível econômi-<br />

co da comunida<strong>de</strong>. Logo, a elevação<br />

do nível <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> é necessariamente<br />

uma conquista social, fruto da am-<br />

pliação das formas <strong>de</strong> organização<br />

popular.<br />

Na última SESAC, realizada em<br />

abril, concluiu-se que os projetos <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> Comunitária são em sua qua-<br />

se totalida<strong>de</strong> financiados pelo gover-<br />

no, que visa, através <strong>de</strong>les, um maior<br />

controle social e, em alguns casos,<br />

captar recursos da comunida<strong>de</strong>, exi-<br />

mindo o Estado da responsabilida<strong>de</strong><br />

IMMU.<br />

Agora,<br />

Apesar da constante repressão às<br />

manifestações culturais, começam a<br />

aparecer no horizonte as primeiras<br />

tentativas <strong>de</strong> reativá-las. AIMMMU<br />

(1' Mostra Metropolitana <strong>de</strong> Música<br />

financeira que lhe compete. Apesar<br />

disto, surgem brechas para uma ação<br />

do profissional com uma finalida<strong>de</strong><br />

conscientizadora.<br />

Dentro das universida<strong>de</strong>s, os pro-<br />

jetos <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Comunitária que<br />

existem são geralmente <strong>de</strong> cunho as-<br />

sistencialista e objetivam o ensino.<br />

Po<strong>de</strong>riam ter um sentido diferente se<br />

os estudantes não se limitassem a<br />

procurar simplesmente resolver os<br />

problemas imediatos, mas sim <strong>de</strong>-<br />

senvolver na comunida<strong>de</strong> uma análi-<br />

se crítica <strong>de</strong> seus problemas e da rea-<br />

lida<strong>de</strong> em que estes se inserem.<br />

Discutiu-se, na SESAC, os dois as-<br />

pectos que a Medicina assume: o<br />

científico, que estando atualmente a<br />

serviço das classes dominantes não<br />

visa a transformar a atual condição<br />

<strong>de</strong> vida da maioria da nopulação; e o<br />

popular, voltado para o bem-estar da<br />

população e baseado na própria cul-<br />

tura popular (parteiras, chás, etc.)<br />

Para a realização <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> Comunitária, concluiu-se ser<br />

necessária a interação das duas for-<br />

mas <strong>de</strong> prática médica. Esta intera-<br />

ção po<strong>de</strong>ria ocorrer a partir da intro-<br />

dução das matérias Farmacopéia<br />

Rural e Terapêutica no currículo mé-<br />

dico, matérias que permitiriam o<br />

aproveitamento dos recursos locais<br />

pelo profissional. Outro nível <strong>de</strong> in-<br />

teração seria o aproveitamento dos<br />

conhecimentos <strong>de</strong> Medicina Popular<br />

e o relacionamento com o curan<strong>de</strong>i-<br />

ro, o parteiro e o mateiro para uma<br />

troca <strong>de</strong> experiências que aumenta o<br />

nível <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> ambas as<br />

partes.<br />

Universitária) aconteceu, como a<br />

a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> diversas escolas, mostran-<br />

do o que é feito em termos <strong>de</strong> música<br />

nas universida<strong>de</strong>s.<br />

Agora, 22 grupos <strong>de</strong> teatro, secun-<br />

daristas e universitários se reuniram<br />

para realizar o 1? Ciclo <strong>de</strong> Teatro Es-<br />

tudantil. O ciclo, que constará <strong>de</strong> <strong>de</strong>-<br />

bates, seminários e apresentação <strong>de</strong><br />

peças, será <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> setembro a 28 <strong>de</strong><br />

novembro - aos sábados (no CAOC -<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da USP) e<br />

domingos (na Casa do Politécnico -<br />

estação Tira<strong>de</strong>ntes do Metrô), às 20<br />

horas.<br />

Taír nosso candidato<br />

á sucessão:<br />

BOCA DE ANJO.<br />

A dificultar a realização <strong>de</strong> pro-<br />

postas como esta, existem as mes-<br />

mas causas que <strong>de</strong>terminam a atual<br />

situação no campo da saú<strong>de</strong>. Devido<br />

ao mo<strong>de</strong>lo econômico vigente no<br />

pais, que concentra a riqueza nas<br />

mãos <strong>de</strong> uma minoria, ocorre um alto<br />

índice <strong>de</strong> <strong>de</strong>snutrição na população<br />

brasileira. Como conseqüência,<br />

<strong>de</strong>paramo-nos com o aumento da<br />

taxa <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> infantil, a redu-<br />

ção da capacida<strong>de</strong> intelectual, a eva-<br />

são escolar, a redução do tempo mé-<br />

dio <strong>de</strong> vida, a baixa resistência a in-<br />

fecções, a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> recuperação<br />

<strong>de</strong> enfermida<strong>de</strong>s, além da <strong>de</strong>bilita-<br />

cào da força <strong>de</strong> trabalho.<br />

È <strong>de</strong>sta forma que se manifestam<br />

as precárias condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

nosso povo. A ção do governo, até<br />

agora, se limitou a medidas paliati-<br />

vas, como o Pronan, que tentam ali-<br />

viar as tensões sociais daí <strong>de</strong>corren-<br />

tes. Por outro lado, o problema <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> está diretamente ligado a uma<br />

série <strong>de</strong> outros, que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os sa-<br />

lários e a educação, até a moradia,<br />

on<strong>de</strong> as dificulda<strong>de</strong>s geradas pela<br />

política elitista do governo afetam<br />

severamente o nível <strong>de</strong> vida da popu-<br />

lação pobre.<br />

Para o estudante <strong>de</strong> Medicina, fu-<br />

tura médico num pais <strong>de</strong> doentes, as<br />

tarefas estão, pois, colocadas. No<br />

momento, enquanto se é estudante,<br />

trata-se <strong>de</strong> lutar por um ensino que<br />

incentive o <strong>de</strong>bate permanente nas<br />

universida<strong>de</strong>s, fornecendo ao estu-<br />

dante uma visão crítica da socieda-<br />

<strong>de</strong>, numa tentativa <strong>de</strong> análise cineti-<br />

fica dos nossos problemas.<br />

Mutirão<br />

. ANO t fllWUrt CMfi e>»*.) *M«mbro " N ' Ct ■ í»


CARESTIA<br />

Estampada em manchetes <strong>de</strong> jor-<br />

nais e revistas, dias atrás uma notí-<br />

cia: "Erro no cálculo da inflação <strong>de</strong><br />

73 causa prejuízo a trabalhador".<br />

Trocando em miúdos: os salários ti-<br />

veram um "aumento inferior ao cus-<br />

to <strong>de</strong> vida". Essa informação serviu<br />

apenas para oficializar uma realida-<br />

<strong>de</strong> constatada, não especificamente<br />

em 73, mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 64 até nossos dias,<br />

por quase todos os brasileiros.<br />

A distribuição <strong>de</strong> renda não é "um<br />

problema social", ao lado dos <strong>de</strong>mais<br />

"problemas" existentes. Se a morta-<br />

lida<strong>de</strong> infantil, o padrão alimentar, a<br />

escolarida<strong>de</strong>, «.habitação, a higiene,<br />

os transportes, o lazer distribuem-se<br />

<strong>de</strong>sigualmente entre os habitantes<br />

da cida<strong>de</strong>, é porque os recursos ne-<br />

cessários ao atendimento das diver-<br />

sas necessida<strong>de</strong>s humanas repartem-<br />

se <strong>de</strong>sigualmente. Se além disso, o<br />

crescimento da economia não vem<br />

significando uma melhoria das con-<br />

dições <strong>de</strong> vida para maior parte da<br />

população, é porque a própria forma<br />

<strong>de</strong> aumento da riqueza assim o <strong>de</strong>-<br />

termina.<br />

A partir <strong>de</strong> 68, a economia brasi-<br />

leira ingressou numa fase <strong>de</strong> cresci-<br />

mento acelerado, que se traduziu em<br />

taxas <strong>de</strong> expansão do produto inter-<br />

no bruto da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 10% ao ano.<br />

Este rítmó <strong>de</strong> expansão esten<strong>de</strong>u-se<br />

até 74. No entanto a elevação grada-<br />

tiva da produção interna, longe <strong>de</strong><br />

significar uma melhoria generaliza-<br />

da das condições <strong>de</strong> vida da popul-<br />

çãao, implicou em gran<strong>de</strong> parte no<br />

reforço da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acumula-<br />

ção das empresas. De fato, na medi-<br />

da em que a produção por trabalha-<br />

dor cresceu, a partir <strong>de</strong> 68, a taxas<br />

superiores a 5% ao ano, enquanto o<br />

salário real diminuía, foi possível ás<br />

empresas apropriarem-se da totali-<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> ganhos <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> ob-<br />

tidos.<br />

Se em 1960 já era flagrante a <strong>de</strong>si-<br />

gualda<strong>de</strong> na repartição da renda,<br />

com 5% da população absorvendo<br />

uma proporção <strong>de</strong> renda (27,3%) cla-<br />

ramente superior àquela auferida pe-<br />

los 50% <strong>de</strong> renda mais baixa (17,7%),<br />

em 70 esta <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> acentuou-se<br />

ainda mais: 5% da população<br />

apropriarem-se <strong>de</strong> uma parcela <strong>de</strong><br />

renda (36,3%) ligeiramente superior<br />

à percebida por 80% da população<br />

(36,2%).<br />

As tendências recentes à concen-<br />

tração da renda tornam-se ainda<br />

mais claras quando se observa a dis-<br />

tribuição da população por estratos<br />

<strong>de</strong> rendimentos, tomando-se como<br />

base o salário mínimo. Apenas <strong>de</strong> 70<br />

a 72 a proporção elevou-se <strong>de</strong> 50,2% a<br />

52,5%. . , .<br />

Em dois levantamentos feitos em<br />

58 e 69, apurou-se que no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong><br />

11 anos, a redução do po<strong>de</strong>r aquisiti-<br />

vo do salário do chefe da família foi<br />

<strong>de</strong> 36,5%. Para compensar esta per-<br />

da, a família do trabalhador foi com-<br />

pelida a colocar mais gente a traba-<br />

lhar para aeu sustento. No entanto,<br />

mesmo com a ocupação <strong>de</strong> mais pes-<br />

soas, a renda real caiu em 9,4%.<br />

A INFLAÇÃO - A CULPA<br />

Ê DO SALÁRIO?<br />

O Fundo Monetário Internacional<br />

(FMI) diz que sim. E sua "ajuda" é<br />

sempre condicionada a que os gover-<br />

nos dos países "pedintes" arrochem<br />

os salários dos trabalhadores. Mas a<br />

verda<strong>de</strong> é outra.<br />

No Brasil, a remuneração dos tra-<br />

balhadores representa apenas entre<br />

10 a 20% dos custos <strong>de</strong> produção.<br />

Mesmo um aumento <strong>de</strong> 100% nos sa-<br />

lários ocasionaria um aumento no<br />

nível geral dos preços <strong>de</strong> somente<br />

20%. Mas o que ocorre é sempre jus-<br />

tamente o contrário, o aumento da<br />

inflação é sempre maior que a eleva-<br />

ção dos salários, mostrando a falsi-<br />

da<strong>de</strong> da tese que atribui a formação<br />

dos preços das mercadorias aos au-<br />

mentos salariais.<br />

Aqui cabe um parênteses. Esclare-<br />

cemos que reajuste não é aumento.<br />

Embora o trabalhador tivesse nomi-<br />

nalmente recebido um "aumento"<br />

<strong>de</strong> remuneração, essa quantia não<br />

eqüivale a um maior po<strong>de</strong>r aquisitivo<br />

Os reajustes são dados uma vez por<br />

ano. Nesse meio tempo não param<br />

<strong>de</strong> subir os preços dos alimentos,<br />

transportes aluguel..., Em termos <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r aquisitivo fica claro que o<br />

que há é uma queda nos salários e<br />

não aumento dos salários, tanto ur-<br />

banos quanto agrícolas que causa<br />

a inflação.<br />

O que o FMI quer (e o governo<br />

também), é que os reajustes salariais<br />

sejam inferiores ao aumento do custo<br />

<strong>de</strong> vida, ou em outras palavras, pre-<br />

ten<strong>de</strong> reduzir os salários reais para-<br />

conter a inflação e superar a crise<br />

econômica às custas dos trabalhado-<br />

res assalariados, justamente aqueles<br />

3ue não têm nenhumaresponsabili-<br />

a<strong>de</strong> por essas dificulda<strong>de</strong>s econômi-<br />

cas.<br />

Fica evi<strong>de</strong>nte portanto, o papel da<br />

inflação como mecanismo <strong>de</strong> acumu-<br />

lação e <strong>de</strong> concentração dissimulada<br />

<strong>de</strong> renda, através do qual se transfe-<br />

re renda dos setores que recebem sa-<br />

lários, or<strong>de</strong>nados e vencimentos,<br />

para os setores que recolhem lucros,<br />

juros e rendas imobiliárias, e num<br />

segundo momento dos setores capi-<br />

talistas mais débeis para os setores<br />

monopolistas, estes últimos bem re-<br />

presentados pelo FMI.<br />

Em linguaguem econômica, a in-<br />

flação é um método que surgiu em<br />

certa etapa do <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

socieda<strong>de</strong>, pelo qual se tomou possí-<br />

vel, sem reduzir os salários nominais<br />

dos trabalhadores ou até<br />

aumentando-os, reduzir seus salários<br />

reais, extraindo assim lucros extraor-<br />

dinários, e concentrar esses lucros<br />

nas mãos dos empresários e latifun-<br />

diários,<br />

No entanto, os países capitalistas<br />

mais avançados tratam <strong>de</strong> reduzir a<br />

inflação às custas dos países capita-<br />

listas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e nestes, os gru-<br />

pos mais po<strong>de</strong>rosos tratam <strong>de</strong> redu-<br />

zir a inflação à custa dos trabalhado-<br />

res.<br />

Em todo esse processo os trabalha-<br />

dores per<strong>de</strong>m duplamente, durante a<br />

inflação ascen<strong>de</strong>nte e quando se <strong>de</strong>-<br />

ci<strong>de</strong> combatê-la.


8<br />

Porque o preço sobe eu não sei,<br />

mas quem é o culpado<br />

a gente sabe mas não<br />

po<strong>de</strong> falar senão vai presa<br />

Sr. João (operário da Brentex)<br />

"Ta tudo muito caro. Com o salário<br />

que eu ganho (CrS 1.600,00) não dá<br />

nem pra pagar a condução."<br />

Seu João afirma não saber porque<br />

os preços sobem, mas afirma:<br />

"não adianta nada aumentar o sa-<br />

lário, porque quando ele aumenta,<br />

os preços já tão dobrados". "E é<br />

todo mundo que tá assim. O gover-<br />

no não tá sabendo cuidar. O sindi-<br />

cato, quando é tempo <strong>de</strong> aumentar<br />

o salário não briga e nem faz na-<br />

da' '. Seu João votou no MDB o ano<br />

passado, mas "não adiantou na-<br />

da".<br />

Seu Mário trabalha na Macheli<br />

(setor <strong>de</strong> cobranças)<br />

"Ganho CrS 4.500,00 e a situação<br />

tá ruim lá em casa. O salário tá<br />

sempre aumentando menos que o<br />

custo <strong>de</strong> vida".<br />

Seu Mário é diretor <strong>de</strong> Sindicato,<br />

que "nunca consegue aumento<br />

maior que o do governo, é contro-<br />

lado pelo governo, então não<br />

adianta brigar". "E claro que o<br />

sindicato não <strong>de</strong>via ser controla-<br />

do".<br />

ALIMENTAÇÃO OU<br />

CADÊ O FEIJÃO?<br />

O Brasil é um país enorme. Pro-<br />

porcionalmente pouco habitado.<br />

Muita terra prá plantar, que garanti-<br />

ria fartura prá todo mundo. Mas as<br />

coisas não se dão bem assim. Embo-<br />

ra haja muita terra, a proprieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>la é <strong>de</strong> poucos. E esses poucos a<br />

conservam improdutiva. Esperando<br />

quem sabe, que se valorizem. Tem<br />

muita gente que queria um pedaci-<br />

nho.<strong>de</strong> terra. Não é pra ficar rico<br />

não, era só pra <strong>de</strong>la po<strong>de</strong>r viver. Mas<br />

os poucos não se preocupam com o<br />

resto que são quase todos. Quando<br />

resolvem fazer suas terras produzir,<br />

visam prioritariamente aten<strong>de</strong>r-ás<br />

necessida<strong>de</strong>s do mercado externo. O<br />

governo, que faz e <strong>de</strong>sfaz para aten-<br />

<strong>de</strong>r aos gran<strong>de</strong>s, baixou até lei dizen-<br />

do que os preços internos dos produ-<br />

tos agrícolas <strong>de</strong>viam se equiparar aos<br />

do mercado internacional.<br />

Fundamentado no dito anterior, é<br />

que os gran<strong>de</strong>s proprietários só que-<br />

rem saber <strong>de</strong> plantar para exporta-<br />

ção. O lucro é gran<strong>de</strong> e os incentivos<br />

maiores ainda. E se plantou tanto<br />

café, tanto soja, que o feijão sumiu...<br />

Quando aparece é a Cr$ 20,00 o qui-<br />

lo. A população brasileira espanta-se<br />

com o preço do seu produto alimentí-<br />

cio básico, chegando ao ponto <strong>de</strong> um<br />

operário que ganha salário mínimo,<br />

precisar trabalhar quase 4 horas para<br />

comprar um quilo <strong>de</strong> feijão.<br />

Quem planta feijão hoje no Brasil<br />

são os pequenos produtores. E até<br />

esse alimento chegar ao prato do tra-<br />

balhador, ele percorre um longo ca-<br />

minho. Para pagar as dívidas, o pro-<br />

dutor tem que vendê-lo assim que<br />

colhido. Geralmente pequenos ata-<br />

cadistas percorrem a lavoura com di-<br />

nheiro Vivo e convencem os planta-<br />

dores, pressionados pelas dívidas, a<br />

lhe entregar a mercadoria por preços<br />

baixos. Esse produto passa agora ás<br />

mãos dos gran<strong>de</strong>s atacadistas, que,<br />

da mesma maneira que os primeiros,<br />

não levam o produto ao mercado<br />

para ser consumido. Eles somem<br />

com o feijão e aos poucos o vão sol-<br />

tando para o consumidor. Assim os<br />

preços vão subindo e mesmo com pe-<br />

quena quantida<strong>de</strong> eles obtém gran<strong>de</strong><br />

lucro. E <strong>de</strong>sta maneira que se opera<br />

a-trajetória do feijão.<br />

Os 60 quilos que são vendidos pelo<br />

produtor a Cr$ 400,00, chegaam ao<br />

consumidor valendo Gr$ 1.200,00,<br />

dando um aumento <strong>de</strong> 3009c.<br />

O financiamento obtido pelos pro-<br />

dutores <strong>de</strong> feijão no Banco do Brasil,<br />

é um dos mais precários e tem um<br />

prazo <strong>de</strong> restituição <strong>de</strong> 5 meses. A la-<br />

voura leva <strong>de</strong> 3 a 3 meses e meio para<br />

se completar e po<strong>de</strong>r ser comerciali-<br />

zada. Dessa maneira, os produtores<br />

têm muito pouco tempo para ven<strong>de</strong>r<br />

sua safra, e, vendo-se na necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> pagar os bancos são obrigados a<br />

entregar a mercadoria por um preço<br />

bem menor que seu valor.<br />

Praticamente todo o país produz<br />

feijão. Ele é cultivado, na maioria<br />

das vezes, em meio a outra cultura<br />

(milho, café) e apenas para subsis-<br />

tência, por pequenos sitiantes, ar-<br />

rendatários, etc. Este plantio não<br />

atraiu as empresas rurais nem as in-<br />

dústrias <strong>de</strong>vido a principalmente,<br />

não fornecer subprodutos e nem ter<br />

cotação no mercado externo. Mas a<br />

verda<strong>de</strong> é que nunca foi dada <strong>de</strong>vida<br />

atenção à cultura do feijão.<br />

Enfim, os produtores enfrentam<br />

sérios problemas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o financia-<br />

mento escasso, seguros ineficazes,<br />

sementes <strong>de</strong> má qualida<strong>de</strong>, preço<br />

não compensador, até a falta <strong>de</strong><br />

orientação por parte <strong>de</strong> organismos<br />

oficiais, que os <strong>de</strong>sestimulam a am-<br />

pliar sua produção ou a aumentar<br />

sua produtivida<strong>de</strong>. E o que se tem<br />

observado é que a tendência <strong>de</strong> sua<br />

produção é baixar com o passar dos<br />

anos, na medida que a agricultura foi<br />

obrigada a voltar-se mais para o<br />

mercado externo em busca <strong>de</strong> divisas<br />

que possam compensar os gastos<br />

sempre crescentes com as importa-<br />

ções. O café primeiro, e em seguida a<br />

soja tornaram-se as meninas dos<br />

olhos do Ministro da Agricultura.<br />

E o governo, provando que no caso<br />

a regra não tem excessão, acaba ti-<br />

rando o feijão da mesa do trabalha-<br />

dor.<br />

''Se o povo se unisse, talvez melhorasse".<br />

Seu Antônio, casado, 8 filhos, tra-<br />

balha na /corai; é carreteiro.<br />

"Ganho CrS 2.400,00 e não compro<br />

quase nada. Tá <strong>de</strong>mais a carestia.<br />

Qualquer coisa posso dar en<strong>de</strong>reço<br />

da minha casa pra provar. A ca-<br />

restia tá <strong>de</strong>mais. Num dá pra susj<br />

tentar 8 filhos. Tem hora que dá<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar um tiro na cabeça.<br />

Olha aí, hoje não estou nem com-<br />

prando carne. Tá <strong>de</strong>mais".<br />

E O LEITE DAS CRIANÇAS?<br />

Este ano a falta <strong>de</strong> leite ocorreu<br />

mesmo durante o período <strong>de</strong> safra.<br />

A causa da escassez, apontam os<br />

distribuidores autônomos, é o corte<br />

em suas cotas, equivalente em média<br />

a 60°? do leite tipo C, que lhes estão<br />

impondo as usinas beneficiadoras <strong>de</strong><br />

leite "in natura".<br />

Este fato gera um problema ainda<br />

maior para os bairros da periferia,<br />

pois, com menos quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leite<br />

os distribuidores, para economizar<br />

gasolina e reduzir os gastos <strong>de</strong> frete,<br />

limitam a distribuição à zona cen-<br />

tral.<br />

Em muitos locais o leite C não<br />

chega e a população mais pobre,<br />

para adquiri-lo, é obrigada a gastar<br />

mais em condução do que no preço<br />

do produto.<br />

A principal causa, porém, <strong>de</strong>sse<br />

gran<strong>de</strong> mal social, é a atuação das<br />

multinacionais, responsáveis pela<br />

aquisição <strong>de</strong> quase todo o leite "in<br />

natura" do mercado produtor, para<br />

convertê-lo em leite em pó, iogurte,<br />

manteiga, creme <strong>de</strong> leite, etc...<br />

Apenas a Nestlé consome <strong>de</strong> 2,5 a<br />

3 milhões <strong>de</strong> litros por dia, volume<br />

suficiente para suprir, com folga,<br />

todo o déficit do setor.<br />

Os distribuidores mostram todo o<br />

absurdo da situação, acentuando<br />

que "as bacias leiteiras <strong>de</strong>veriam es-<br />

tar comprometidas com o abasteci-<br />

mento dos gran<strong>de</strong>s centros urbanos<br />

que lhes são próximos e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

e não com as multinacionais do pó".<br />

Quando o abastecimento <strong>de</strong> leite<br />

"in natura"chega a um ponto crítico,<br />

o governo importa das subsidiárias<br />

<strong>de</strong>ssas mesmas multinacionais, leite<br />

em pó para reidratá-lo e oferecê-lo à<br />

população como leite reconstituído.<br />

Nessa operação o Estado gasta<br />

preciosas divisas na importação do<br />

pó, <strong>de</strong>sperdiça petróleo na reidrata-<br />

ção, esbanja combustível na recons-<br />

tituição, e a nação per<strong>de</strong> na qualida-<br />

<strong>de</strong> do produto submetido a penosas<br />

metamorfoses, enquanto as multina-<br />

cionais faturam no país e no exterior.<br />

É importante <strong>de</strong>stacar o fato <strong>de</strong><br />

que a indústria do leite em pó é uma<br />

indústria acessória, <strong>de</strong>stinada a pro-<br />

mover estoques reguladores do mer-<br />

cado e que o leite em pó <strong>de</strong>ve se sub-<br />

produto do leite "in natura" e não<br />

inversamente, como preten<strong>de</strong>m os<br />

grupos multinacionais.<br />

P - Dona Maria. O que a senhora<br />

está achando dos preços das coi-<br />

sas?<br />

R - Um absurdo! Tá um absurdo o<br />

preço das coisa! Tá <strong>de</strong>mais, não dá<br />

nem pra comer. Eu não sei o que a<br />

gente vai fazer.<br />

P-A senhora sabe quem é o culpa-<br />

do pelo preço?<br />

R - Eu penso que é o governo. E é<br />

ele que tem que olhar o preço das<br />

coisas.<br />

P - E o que a senhora pensa que o<br />

governo <strong>de</strong>via fazer?<br />

R - Eu penso que ele <strong>de</strong>via fa-<br />

zer assim: abaixar o custo <strong>de</strong> vida<br />

e <strong>de</strong>ixar o salário como está, senão<br />

o salário continua subindo e os<br />

preços subindo mais que os salá-<br />

rios. Isso é o que adianta.<br />

P - Dona Francisco o senhora<br />

compra carne?<br />

R - A carne não tem jeito da gente<br />

comprar. Antes eu comprava <strong>de</strong>-<br />

mais. Agora tá fazendo dois mês<br />

que eu nem compro.<br />

P - O que a senhora está achando<br />

dos preços?<br />

R - Está tudo muito caro, mas ago-<br />

ra já é tar<strong>de</strong> e as coisas estão mais<br />

baratas. Eu trago 100 cruzeiros<br />

para a feira mas compro pouca coi-<br />

sa, mais verdura e legume.<br />

ZP - O que é carestia?<br />

R - Carestia é quando tem lugar<br />

que as coisas são mais caras. A mi-<br />

nha mãe mora na Cida<strong>de</strong> A<strong>de</strong>mar e<br />

na feira <strong>de</strong> lá as coisas são mais<br />

caras que na feira, <strong>de</strong> Vila Maria.<br />

P-A senhora sabe porque sobem<br />

os preços e quem é o culpado?<br />

R - Porque os preços sobe eu não<br />

sei, mas quem é o culpado a gente<br />

sabe mas não po<strong>de</strong> falar senão vai<br />

presa.<br />

P - Como é a alimentação da famí-<br />

lia ?<br />

R - Em casa somos em cinco, com 3<br />

crianças. É arroz, feijão e carne só<br />

duas vezes por semana, porque es-<br />

tá muito caro. O leite a gente não<br />

tem condições, as crianças não to-<br />

mam todo dia. O leite B esta a $<br />

8,00 e a gente compra o C que está<br />

3,90 porque sempre empurram o<br />

pão prá gente comprar.<br />

MACARRÃO<br />

ALTERNATIVA<br />

Embora não exista nenhum estudo<br />

profundo a respeito do perfil do mer-<br />

cado consumidor <strong>de</strong> massas, é fácil<br />

se concluir que a chamada classe C é<br />

a maior consumidora do macarrão<br />

tipo comum, ou seja, sem ovos.<br />

Nota-se nos supermercados que, à<br />

medida em que escasseia o feijão ou<br />

sobe muito o seu preço, aumenta o<br />

consumo <strong>de</strong> macarrão. De alguma<br />

forma o macarrão parece ser a alter-<br />

nativa à ausência do feijão para as<br />

famílias <strong>de</strong> renda mais baixa.<br />

O trigo é um dos alimentos mais<br />

importantes no regime alimentar do<br />

povo brasileiro. O pão, o macarrão,<br />

os bolos e biscoitos fazem parte ar-<br />

raigada dos hábitos alimentares <strong>de</strong><br />

quase todo o povo, excentuando-se<br />

talvez algumas regiões mais pobres<br />

do norte e nor<strong>de</strong>ste, on<strong>de</strong> o trigo é<br />

substituído pela mandioica ou pelo<br />

milho, produzidos lá mesmo.<br />

Mas a história do trigo no Brasil<br />

em muito se parece com a história do<br />

petróleo, e mostra claramente a for-<br />

ma pela qual o capital monopolista<br />

po<strong>de</strong> forçar uma situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pen-<br />

dência <strong>de</strong> um país em relação a um<br />

<strong>de</strong>terminado produto.<br />

A solução para o abastecimento do<br />

trigo no Brasil sempre foi a importa-<br />

ção. O mito <strong>de</strong> que nosso clima não se<br />

presta ao seu plantio perdurou até a<br />

chegada dos imigrantes alemães e<br />

italianos que, a partir <strong>de</strong> 1825, ini-<br />

ciaram o plantio do trigo em colônias<br />

no sul do país, ainda que para seu<br />

próprio consumo, permanecendo as-<br />

sim até a década <strong>de</strong> 50, quando a<br />

cultura do trigo começou a espalhar-<br />

se por outros estados mais propícios<br />

para o seu cultivo: Santa Catarina,<br />

Paraná e Mato Grosso. Apenas nos<br />

últimos anos é que se começou a preo-<br />

cupar um pouco mais com pesquisas<br />

a fim <strong>de</strong> se conseguir outros tipos <strong>de</strong><br />

trigo, como o mexicano, por exem-<br />

plo, que po<strong>de</strong> ser plantado em terras<br />

mais quentes, como no Mato Grosso,<br />

Sãó Paulo, ou ainda no Vale do Rio<br />

São Francisco. Mas como a nossa<br />

agricultura está sempre voltada para<br />

o mercado externo e a soja e o café<br />

são o nosso ouro, o trigo como outros<br />

produtos para o consumo interno vão<br />

ficando <strong>de</strong> lado. Enquyanto isso os<br />

Estados Unidos, com suas fronteiras<br />

agrícolas se expandindo rapidamen-<br />

te para as regiões frias do Oeste,<br />

tornaram-se o exportador i<strong>de</strong>al <strong>de</strong><br />

trigo para o Brasil.<br />

Em 1954, graças a uma gran<strong>de</strong><br />

produção <strong>de</strong> trigo, muito além <strong>de</strong> sua<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo interno e<br />

mesmo numa quantida<strong>de</strong> maior do<br />

que vinha normalmente exportando,<br />

os Estados Unidos se viram forçados<br />

a promulgar uma lei, a "Public Law<br />

80", segundo a qual o trigo seria<br />

vendido a outros países, principal-<br />

mente os sub<strong>de</strong>senvolvidos, com um<br />

prazo <strong>de</strong> 40 anos para pagar, juros<br />

<strong>de</strong> 3 r r ao ano e pagamento na moeda<br />

do país comprador. E aí passamos a<br />

importar dos Estados Unidos prati-<br />

camente todo o trigo que consumía-<br />

mos numa <strong>de</strong>pendência quase que<br />

absoluta, abandonando quase todos<br />

os programas <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong>stinados<br />

a <strong>de</strong>senvolver a triticultura nacional.<br />

A partir <strong>de</strong> 1970, quando toda a á-<br />

rea disponível para o plantio do trigo<br />

já estava ocupada, os Estados Uni-<br />

dos suspen<strong>de</strong>ram a "Public Law",<br />

fazendo com que os preços subissem<br />

<strong>de</strong> 60 dólares a tonelada, para 200.<br />

Como o trigo é realmente importante<br />

para o país, o Brasil foi obrigado a<br />

aceitar as regras do jogo e continuar<br />

importando, apesar dos preços eleva-<br />

dos.<br />

Só no ano passado o Brasil gastou<br />

cerca <strong>de</strong> 600 milhões <strong>de</strong> dólares com<br />

a importação <strong>de</strong> trigo e este ano os<br />

gastos <strong>de</strong>vem ser superiores a 80C<br />

milhões <strong>de</strong> dólares. Paralelamente, a<br />

produção brasileira <strong>de</strong> trigo tem<br />

crescido lentamente em relação ao<br />

consumo: em 1976,segundo o Banco<br />

Central, produzimos 3,75 milhões <strong>de</strong><br />

toneladas, enquanto o consumo foi<br />

<strong>de</strong> quase 6 milhões. Isto ainda se<br />

agrava se observarmos atentamente<br />

o ciclo <strong>de</strong> vida do trigo brasileiro.<br />

Seu comércio é totalmente contro-<br />

lado pelo governo. O trigo produzido<br />

por nossos agricultores só po<strong>de</strong> ser<br />

vendido diretamente ao Banco do<br />

Brasil, que o repassa à Sunab. Esta,<br />

por sua vez, o adiciona ao trigo im-<br />

portado e o distribui em cotas pre-<br />

fixadas para os moinhos que, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> processá-lo, irão comercializá-lo<br />

em forma <strong>de</strong> farinha. Acontece que<br />

apenas os gran<strong>de</strong>s moinhos recebem<br />

cotas e têm permissão para comer-<br />

cializar o trigo. O Paraná, por exem-<br />

plo, possui aproximadamente 220<br />

moinhos dos quais apenas 20 conse-<br />

guyiram cota oficial <strong>de</strong> Sunab, gra-<br />

ças a qual po<strong>de</strong>m funcionar. Assim,<br />

ó Paraná, que produz um milhão e<br />

trezentos mil toneladas <strong>de</strong> trigo por<br />

safra, não tem condições <strong>de</strong> benefi-<br />

ciar nem 200 mil toneladas - menos<br />

da meta<strong>de</strong> das reais necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

consumo estadual <strong>de</strong> farinha - en-<br />

quanto que se todos os moinhos fos-<br />

sem liberados, o consumo interno se-<br />

ria suprido, exportando-se ainda a<br />

farinha exce<strong>de</strong>nte para outros esta-<br />

dos.<br />

Mais <strong>de</strong> 10 milhões <strong>de</strong> litros <strong>de</strong> ó-<br />

leo diesel e gasolina são gastos no es-<br />

coamento do trigo a ser beneficiado<br />

fora do Paraná, <strong>de</strong>spesa esta evitá-<br />

vel, sobretudo no momento em que<br />

todo o país se ressente da crise <strong>de</strong><br />

combustíveis. O frete <strong>de</strong> ida e do<br />

grão para outros estados e o frete <strong>de</strong><br />

volta da farinha e outros <strong>de</strong>rivados,<br />

oneram consi<strong>de</strong>ravelmente o preço<br />

das mercadorias como o macarrão,<br />

por exemplo, que graças a esta políti-<br />

ca interna e ao monopólio america-<br />

no, po<strong>de</strong> rapidamente <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser a<br />

alternativa alimentar do povo brasi-<br />

leiro.<br />

P - Dona Joana, a senhora sabe o<br />

que é carestia?<br />

R - Carestia é o que a gente tá vi-<br />

vendo. Carestia não é brinca<strong>de</strong>ira.<br />

P-A senhora sabe porque sobem<br />

os preços das coisas?<br />

R - Isso eu não sei não senhora.<br />

P - Quanto a senhora traz pra fei-<br />

ra?<br />

R - Uns 100 contos e não levo nada.<br />

Do jeito que as coisa anda, minha<br />

filha, vou te contar...<br />

P-A senhora não tem idéia <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> está o problema?<br />

R - Eu não sei não. Por incrível<br />

que pareça eu não tomo conheci-<br />

mento. Uma coisa eu sei: o gover-<br />

no tem alguma coisa a ver com is-<br />

so, porque se o governo tivesse um<br />

pouqinho <strong>de</strong> dó <strong>de</strong> nós, se ele to-<br />

masse conhecimento do que se tra-<br />

ta aqui no mundo, isso não ia ser<br />

assim, mas infelizmente... Ou ele<br />

ou quem toma conta disso aí que eu<br />

não sei quem é, mas que as coisas<br />

sobe cada dia mais, cada dia<br />

mais...<br />

P - E o preço da carne?<br />

R - Ave Maria! A gente chega no<br />

açougue e dá vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> correr.<br />

Mas tem que comprar nem que<br />

seja meio quilo pras crianças...<br />

P-Ea senhora não sabe porque os<br />

preços estão subindo?<br />

R - Isso é o que eu digo. Digo e re-<br />

pito: isso aí <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muito do go-<br />

verno. Porque se o governo tivesse<br />

um pouco mais <strong>de</strong> conhecimentodo<br />

que tá acontecendo aqui, isso aí<br />

não tava assim. É que talvez ele te-<br />

nha muita coisa pra se preocupar<br />

que com a gente...<br />

P - E que coisas são essas?<br />

R - Eu sei lá, alguma coisa pra lá<br />

que ele não se preocupa aqui...<br />

P - Mas a senhora não acha que o<br />

mais importante são as coisas que<br />

acontecem por aqui?<br />

R - È, eu sei que é. Mas acontece<br />

que talvez ele não pensa assim. Se<br />

ele pensasse <strong>de</strong>sse jeito a carestia<br />

não tava do jeito que tá. Quando o<br />

salário subiu as coisas já tava que<br />

hão podia nem comprar. Eles subi-<br />

ram os salários e as coisas subi-<br />

ram muito mais. Deveria ele <strong>de</strong>i-<br />

xar o salário no que estava e bai-<br />

xar o preço. Não adianta subir o<br />

salário. Sobe aluguel, sobe comi-<br />

da, sobe tudo duma vez, então fica<br />

tudo na mesma. Ou pior!<br />

O QUADRO GERAL<br />

Ressuscitando a velha piada o úni-<br />

co "milagre brasileiro" é o trabalha-<br />

dor continuar vivo ganhando salário<br />

mínimo. A alimentação cada dia<br />

mais pobre, a moradia precária,<br />

quando existe. A medida que a dida-<br />

<strong>de</strong> cresce, as distâncias aumentam e<br />

as áreas disponíveis para nova ocu-<br />

pação encontram-se na periferia do<br />

espaço já povoado. A periferia é o<br />

<strong>de</strong>stino resi<strong>de</strong>ncial dos trabalhado-<br />

res. Não que não haja áreas vagas<br />

nos locais mais próximos do centro.<br />

As áreas beneficiadas <strong>de</strong> serviços<br />

públicos vão se tornando áreas <strong>de</strong><br />

especulação imobiliária. O po<strong>de</strong>r<br />

público impõe reformas, cujos custos<br />

estão fora do alcance dos moradores<br />

mais pobres, forçando com isso a<br />

transferência para áreas cada vez<br />

mais afastadas <strong>de</strong> seus locais <strong>de</strong> tra-<br />

balho. Isso faz com que se gaste tem-<br />

po e dinheiro nas locomoções, sendo<br />

um fator a mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgastew econô-<br />

mico e físico. Quanto à educação, la-<br />

zer e vestuário são luxos inatingíveis<br />

para os trabalhadores.<br />

Uma mudança nesse quadro só se<br />

dará com a organização dos traba-<br />

lhadores rurais e urbanos, que terão<br />

a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> outros setores também<br />

oprimidos e, aí sim, haverá uma<br />

nova or<strong>de</strong>m construída por todos es-<br />

ses setores, para usufruto <strong>de</strong>sta<br />

maioria.<br />

Sr. Antônio é gráfico. Ganha qua-<br />

tro mil por mês.<br />

P - O que é Carestia?<br />

R - É aquilo que o pobre não po<strong>de</strong><br />

comprar e o rico po<strong>de</strong>.<br />

P - De quem é a culpa?<br />

R - Do governo. Nós temos sindi-<br />

catos, mas não <strong>de</strong>ixam a gente fa-<br />

zer greve, mas nos outros países,<br />

eles fazem.<br />

P - O que o senhor acha do movi-<br />

mento estudantil?<br />

R - Eu estou com os estudantes,<br />

eles são i<strong>de</strong>alistas. Eu só não acho<br />

certo que exista algumas pessoas<br />

que querem aproveitar dos estu-<br />

dantes para se promoverem. Esse<br />

Erasmo Dias é um maníaco.<br />

P - Seu Joaquim, o que o senhor<br />

está achando dos preços das coi-<br />

sas?<br />

R - Tá caro viu, o negócio não tá<br />

fácil não.<br />

P - E o que o senhor acha que está<br />

mais caro?<br />

R - Olha, barato não tem nada<br />

hoje em dia.<br />

P - Qual é a sua ocupação?<br />

R - Eu sou comerciante.<br />

P - O senhor sabe o que é carestia?<br />

R - Carestia é o custo <strong>de</strong> vida alto,<br />

não é isso?<br />

P - E o senhor sabe porque sobem<br />

os preços das coisas?<br />

R - É a inflação.<br />

P - E o que quer dizer isso?<br />

R - Inflação é o dinheiro baixo, o<br />

custo <strong>de</strong> vida alto, é isso aí.<br />

P -E quem é o culpado por tudo is- i<br />

so?<br />

R - Em parte é os capitalistas. Es-<br />

pera um pouco, tem algum proble-<br />

ma dizer isso aí?<br />

Sr. João<br />

P - Quem o senhor acha que são os<br />

culpados pelo preço das coisas?<br />

R - Os culpados somos nós. Se o<br />

povo se unisse, talvez as coisas me-<br />

lhorassem. A revolução <strong>de</strong> ()4 não<br />

mudou nada. Eles matam quem diz<br />

alguma coisa.<br />

P - Quantas vezes por semana o<br />

senhor compra carne?<br />

R - As crianças só que comem car-<br />

ne. Eu hão gosto." Por semana o<br />

mais ou menos 1 quilo e meio.<br />

Se o povo se unisse, talvez melho-<br />

rasse, Mesmo que morressem al-<br />

gumas pessoas, seria por uma cau-<br />

sa justa.


10<br />

LEIA - DIVULGUE<br />

- PARTICIPE<br />

PRESENÇA<br />

CAAE - Getúlio Vargas<br />

ABERTURA<br />

Economia - FAAP<br />

O ESPIRITO DA COISA<br />

Artes Plásticas - FAAP<br />

SEM NOME<br />

Diretórios Acadêmicos - Metodista<br />

CURUMIN<br />

FACESP - Alvares Penteado<br />

ACHO Q.ÜE.<br />

FUKÍADO .<br />

Dn/eVERlA<br />

hAÜDAPs t>Và<br />

NOME<br />

PARA<br />

ALEMGAR<br />

CAGADO '.<br />

POP,aU£ ?<br />

PUKTAÜO<br />

E6TA K^<br />

fSAM '<br />

PUPCÍAD05.<br />

6E^H0f\E5<br />

PAb ."TOWSÉM<br />

CUlpAPO AO<br />

Os. 505?^°^^^<br />

Pi» >£LJ fítH».<br />

E5.T«AC7AR iOAS-<br />

ViPAS .<br />

Se você tiver reHexos rápidos e for correndo á entida<strong>de</strong><br />

estudantil mais próxima, é bem capaz <strong>de</strong> ainda garantir o<br />

seu exemplar da Boca -2. Boca é a revista <strong>de</strong> histórias em<br />

quadrinhos e cartuns publicada por quatro D.As. da FAAP<br />

com muita gente nova e muito espírito crítico. Neste núme-<br />

ro, alem da costumeria qualida<strong>de</strong> nacional (basta ver o <strong>de</strong>-<br />

senho abaixo), o argentino Fontanarrosa e um artgio sobre<br />

o aspecto sexual das histórias <strong>de</strong> Disney.<br />

^<br />

\&<br />

MA<br />

(E)<br />

H<br />

iv^v. fa'.


DEU NO JORNAL<br />

a-fiuGvae<br />

Muito se falou dos comunistas.<br />

Não faz tempo eram tachados como<br />

"comedores <strong>de</strong> criancinhas", "<strong>de</strong>s-<br />

truidores da família", "propagandis-<br />

tas <strong>de</strong> tóxicos"... Mas isso não pega<br />

mais. Um oficial <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Per-<br />

nambuco, nas horas livres <strong>de</strong>do-duro<br />

da polícia (ou será o contrário?),<br />

agora arvorando-se "poeta-<br />

jornalista" do Jornal do Commércio<br />

(com dois "emes"), do Recife, cons-<br />

ciente da precarieda<strong>de</strong> das caracte-<br />

rizações anteriores, propôs novas for-<br />

mas na i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>sses notórios<br />

criminosos.<br />

Como a maioria dos leitores <strong>de</strong>sse<br />

jornaleco são estudantes, aí vão as<br />

informações <strong>de</strong> como saber se nossos<br />

professores são ou não comunistas. A<br />

resposta será afirmativa se:<br />

a) os professores usarem calças<br />

justas, modulando as ná<strong>de</strong>gas,<br />

camisas-esportes <strong>de</strong> cores berrantes<br />

e bolsas a tiracolo;<br />

b) forem "filadores" <strong>de</strong> cigarros<br />

dos alunos, especialmente quando<br />

no momento da "filação" estampa-<br />

rem no rosto um sorriso canalha:<br />

c) forem contra os tóxicos e enca-<br />

rarem com naturalida<strong>de</strong> homosse-<br />

xualismo.<br />

d) permitirem que os alunos ma-<br />

chos ou fêmeas, estu<strong>de</strong>m juntos.<br />

O <strong>de</strong>do-duro (seu nome é José<br />

Ivens Peixoto) manda avisar tam-<br />

bém que os comunistas "<strong>de</strong>vem ser<br />

tratados como répteis e <strong>de</strong>nunciados<br />

ao governo como inimigos da pá-<br />

tria".<br />

A CULPA É DAS VACAS<br />

Os jovens e cantantes rapazes <strong>de</strong><br />

cabeça pelada e rabo <strong>de</strong> cavalo no<br />

cocuruco tem um lí<strong>de</strong>r aqui no Bra-<br />

sil. Seu nome é Aradya Dasa (ou<br />

Carlos Amaro Fernan<strong>de</strong>s). Inquirido<br />

por um repórter da Folha sobre suas<br />

convicções políticas, saiu-se com es-<br />

ta:<br />

-Sabe porque a Argentina está <strong>de</strong>s-<br />

6lNC£RO,E(J üBM<br />

SP COMO EÜ V/M ^<br />

PARAR AQü\'B0S6r\B<br />

LEMBRO OüE S5TAVA<br />

MO M&O DUMA<br />

?A55EArAÁia^^o<br />

UM &uAf&A<br />

se jeito? Por que morre tanta gente,<br />

há tanto seqüestro e tanta briga?<br />

Porque eles matam muitas vacas.<br />

Eles são o país no mundo que mais<br />

mata vacas.<br />

Há um ano atrás, o lí<strong>de</strong>r mundial<br />

da seita, perguntado sobre o motivo<br />

<strong>de</strong> no Brasil milhares <strong>de</strong> pessoas<br />

morrerem <strong>de</strong>vido à subnutrição, res-<br />

pon<strong>de</strong>u: "Isto é mentira. Até hoje<br />

não soube <strong>de</strong> ninguém que tanha vis-<br />

to um outro morrer <strong>de</strong> fome".<br />

VACINA ANTI-<br />

CONTESTATÔRIA OU CADEIA<br />

MUDOU DE NOME?<br />

Aos céticos, aos que não acredita-<br />

vam no know-how ma<strong>de</strong> in Brasil,<br />

uma resposta <strong>de</strong>finitiva: aqui tam-<br />

bém se cria. Um produto genuina-<br />

mente nacional: a vacina anti-<br />

contestatória. Na ausência do minis-<br />

tro da Educação, sr. Ney Braga<br />

11<br />

^AJO^stes)<br />

(mais preocupado atualmente em<br />

lançar sua candidatura par o gover-<br />

no do Paraná), o ministro do Inte-<br />

rior, sr. Rangel Reis, consultado<br />

sobre os últimos acontecimentos no<br />

meio estudantil, aproveitou o ensejo<br />

e divulgou a nova (nem tanto) <strong>de</strong>s-<br />

coberta dos tecnocratas brasileiros:<br />

"Os estudantes que participam do<br />

Projeto Rondon ficam imunizados<br />

contra qualquer tipo <strong>de</strong> contestação<br />

em outras áreas, pois os que protes-<br />

tam são uma minoria que ainda não<br />

abriu os olhos para as responsabili-<br />

da<strong>de</strong>s que terão no futuro". E termi-<br />

nando a falação avisa: "nós vamos<br />

colocar essa minoria no Rondon".<br />

CUTIA, TATU, PACCA NAO<br />

O general Ariel Pacca da Fonseca<br />

<strong>de</strong>clarou: "Uma gran<strong>de</strong> parte dos<br />

professores universitários procura se<br />

nivelar aos alunos, quando <strong>de</strong>veria se<br />

impor pelo saber e pela conduta".<br />

Estas palavras se referem ao apoio<br />

que os professores têm dadoi ao mo-<br />

vimento estudantil. A causa <strong>de</strong>ssa<br />

exótica atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossos professo-<br />

res, segundo o general Pacca, é que<br />

os mesmos querem entrar na "onda"<br />

<strong>de</strong> seus pupilos.<br />

"SÃO TODOS UNS COMUNISTAS"<br />

Sobre a subversão:<br />

Nós estamos numa guerra. E a<br />

guerra subversiva é a pior guerra do<br />

mundo, porque é aquele que um ini-<br />

migo senta do teu lado, come na tua<br />

mesa, que reparte contigo o pão. En-<br />

tão, na primeira oportunida<strong>de</strong>, ele te<br />

dá o pão envenenado e você morre.<br />

sobre as forças policiais:<br />

Nós refutamos qualquer tentativa<br />

<strong>de</strong> querer nos colocar como se fôsse-<br />

mos meia dúzia <strong>de</strong> burgueses, capi-<br />

talistas, a querer oprimir o pobre.<br />

Nós somos exatamente o que todo<br />

mundo é.<br />

sobre as manifestações <strong>de</strong> rua do<br />

dia 15 <strong>de</strong> junho:<br />

A multidão é incontrolável. Du-<br />

rante um tumulto acontece o impre-<br />

visível. Muita coisa é inconseqüente<br />

e improdutiva, pois a população na<br />

condição <strong>de</strong> massa é amorfa e incon-<br />

tida.<br />

sobre a repressão às passeatas:<br />

Gaz faz chorar e chorar faz bem.<br />

sobre as passeatas:<br />

Eles saem correndo feito loucos,<br />

atropelando senhoras com crianças,<br />

pessoas idosas. Depois, na hora da<br />

confusão, é fácil: culpam a polícia<br />

por tudo, como se eles não tivessem<br />

nada a ver com isso.<br />

sobre a violência:<br />

Queira Deus que o nosso nível <strong>de</strong><br />

violência permaneça assim tranqüi-<br />

lo.<br />

O pensamento vivo do Cel. Erasmo<br />

ainda sobre as passeatas:<br />

Se houver planos para outrts agi-<br />

tações, vou pensar em novas fórms-<br />

tas. Eles querem mesmo é conturbar<br />

a vida da cida<strong>de</strong> e colocar a culpa na<br />

gente. Depois dizem que eu sou car-<br />

rasco, etc. Não sei não... acho que da<br />

próxima vez vou <strong>de</strong>cretar estado <strong>de</strong><br />

"poluição i<strong>de</strong>ológica" e interditar<br />

quarteirões em torno dos lugares pro-<br />

gramados.<br />

sobre a oposição<br />

Os dois maiores lí<strong>de</strong>res políticos<br />

da oposição neste país são Dom Pau-<br />

lo Evaristo Arns, porque controla a<br />

Igreja, e Octávio Frias <strong>de</strong> Oliveira,<br />

porque controla um jornal<br />

sobre as manifestações <strong>de</strong> rua do<br />

dia 23:<br />

Po<strong>de</strong>rão sair às ruas cerca <strong>de</strong> 10<br />

mil pessoas, entre comunistas, mar-<br />

xistas, leninistas, trotsquistas, stali-<br />

nistas, maoístas, castristas, ultra-<br />

esquerdistas, bolchevistas, nazistas<br />

vermelhos, anarquistas, socialistas,<br />

pseudo-comunistas, cripto-<br />

comunistas. filocomunistas. paraco-<br />

munistas, prestistas. simpatizantes<br />

<strong>de</strong> vários matizes e corers e estudan-<br />

tes inocentes úteis. Tudo farinha do<br />

mesmo saco.<br />

sobre a anistia:<br />

Po<strong>de</strong> ser concedida on<strong>de</strong> existem<br />

presos dos dois lados, como na Ar-<br />

gentina, on<strong>de</strong> anistiaram tantos pri-<br />

sioneiros da AAA (<strong>de</strong> extrema-<br />

direita) como do ERP Qie extrema-<br />

esquerda). No Brasil não cabe a<br />

anistia ampla e irrestrita, como quer<br />

dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo<br />

<strong>de</strong> São Paulo, porque só temos presos<br />

<strong>de</strong> um lado. São todos comunistas.<br />

sobre Terezinha Zerbini, presi<strong>de</strong>n-<br />

te do Movimento Feminino pela<br />

Anistia:<br />

E mais comunista do que o próprio<br />

Lênin.<br />

sobre o Comitê l 9 <strong>de</strong> Maio:<br />

Esses comitês têm proliferado<br />

muito ultimamente. Ê comitê do<br />

menor abandonado, comitê <strong>de</strong> mãe<br />

solteira, comitê disto, comitê daqui-<br />

lo. Aliás todos os frustrados da socie-<br />

da<strong>de</strong> têm encontrado abrigo nesse<br />

Comitê l 9 <strong>de</strong> Maio.<br />

sobre a infiltração na imprensa:<br />

Essa situação po<strong>de</strong>ria ser facil-<br />

mente resolvida com meia dúzia <strong>de</strong><br />

homens como Lenildo Tabosa Pessoa<br />

e Jorge Boaventura (colaborador da<br />

Folha).<br />

sobre o caos:<br />

A imprensa e a Igreja, infiltradas<br />

como estão, acabarão levando o país<br />

ao caos, pois só fazem. campanhas<br />

pró-anistia e contra as violências po-<br />

liciais.


12<br />

"0 que se vê", é que neste país a<br />

ampla maioria da população vive<br />

constantemente aterrorizada. A nos-<br />

sa gente anda sofrida, "falando <strong>de</strong><br />

lado e olhando pro chão", ou por<br />

causa dos <strong>de</strong>latores profissionais<br />

("<strong>de</strong>do-duros") que estão por toda<br />

parte, ou por causa da repressão po-<br />

licial ostensiva. Estes são apenas al-<br />

guns dos métodos que este regime<br />

usa para se manter. Um regime que<br />

existe para servir aos interesses <strong>de</strong><br />

uma minoria privilegiada. Um regi-<br />

me que facilita e garante a explora-<br />

ção do pais pelas gran<strong>de</strong>s compa-<br />

nhias internacionais através <strong>de</strong> doa-<br />

ções <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s áreas para as insta-<br />

lações das indústrias, isenção <strong>de</strong> im-<br />

postos, etc. e, através do arrocho sa-<br />

larial imposto ás classes trabalhado-<br />

ras. E é justamente para levar adian-<br />

te este "mo<strong>de</strong>lo" que se amordaçou o<br />

povo, <strong>de</strong>struindo suas organizações,<br />

impedindo qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

se organizarem, se manifestarem ou<br />

se expressarem livremente.<br />

Na ânsia <strong>de</strong> cumprir essa tarefa, o<br />

aparato policial montado <strong>de</strong>vasta<br />

tudo o que encontra pela frente.<br />

Qualquer entida<strong>de</strong> ou organização<br />

popular está permanentemente na<br />

mira da repressão. Ninguém hoje<br />

po<strong>de</strong> se dizer seguro, até mesmo <strong>de</strong>n-<br />

tro <strong>de</strong> sua própria casa".<br />

Este é um trecho do P relatório da<br />

Campanha Nacional Contra Tortu-<br />

ras e Violências Policiais, iniciativa<br />

da diretoria do DCE-Livre da<br />

PUCSP, encampada pelo Comitê l 9<br />

<strong>de</strong> Maio pela Anistia.<br />

Representa o primeiro passo no<br />

sentido <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>núncia sistemáti-<br />

ca da situação <strong>de</strong> violência imposta à<br />

maioria da população brasileira nos,<br />

últimos 13 anos.<br />

O relatório mostra claramente a<br />

relação existente entre as torturas a<br />

que são sistematicamente submeti-<br />

dos os presos políticos e a cotidiana<br />

opressão a que está submetida a<br />

gran<strong>de</strong> maioria da população brasi-<br />

leira. Como dizia o poeta, "entre a<br />

prisão e a rua a diferença está só nas<br />

pare<strong>de</strong>s".<br />

Os dois tipos <strong>de</strong> violência têm a<br />

mesma causa: manter no po<strong>de</strong>r o re-<br />

gime instalado em abril <strong>de</strong> 64,_ que,<br />

como é fácil <strong>de</strong> se constatar, não re-<br />

presenta os interesses do povo brasi-<br />

leiro.<br />

E atualmente, com o crescimento<br />

da oposição popular, o regime não<br />

tem outra resposta que não seja uma<br />

escalada repressiva.<br />

Mas as <strong>de</strong>núncias sobre as violên-<br />

cias cometidas peloaparelhos repres-<br />

sivo do Estado não são novas.<br />

Um abaixo assinado (35 assinatu-<br />

ras) elaborado por presos políticos <strong>de</strong><br />

São Paulo em outubro <strong>de</strong> 75, relata-<br />

va as condições em que eles se encon-<br />

tram.<br />

"Como testemunhas, acompanha-<br />

mos <strong>de</strong> perto a farsa dos "atropela-<br />

mentos", "suicídios" e "tentativas<br />

<strong>de</strong> fuga", com que sistematicamente<br />

se tentou encobrir o extenso rol <strong>de</strong><br />

opositores políticos ao regime, assas-<br />

sinados nas câmaras <strong>de</strong> tortura espa-<br />

lhadas por todo o território nacional.<br />

Nos últimos dois anos a farsa se tor-<br />

nou mais sinistra, passando a ter pri-<br />

mazia, embora não a exclusivida<strong>de</strong>,<br />

a prática do "<strong>de</strong>saparecimento"<br />

puro e simples'<strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> presos<br />

políticos, <strong>de</strong>ixando no <strong>de</strong>sespero cen-<br />

tenas <strong>de</strong> familiares - impedidos até<br />

mesmo <strong>de</strong> dar sepultura ao cadáver<br />

<strong>de</strong> seus entes queridos".<br />

Continha também um relato por-<br />

menorizado dos métodos e instru-<br />

mentos <strong>de</strong> tortura:<br />

- "Pau <strong>de</strong> arara"<br />

- Choque elétrico<br />

- "Ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Dragão" -semelhante<br />

a uma "ca<strong>de</strong>ira elétrica".<br />

- "Palmatória"<br />

- Afogamento<br />

- "Telefone"<br />

- Sessão <strong>de</strong> karatê<br />

- "Soro da verda<strong>de</strong>" - para os órgãos<br />

repressivos, o "soro da verda<strong>de</strong>" é o<br />

Anistia Ampla, Geral e Irrestri-<br />

ta a todos os presos, banidos e exi-<br />

lados políticos.<br />

A palavra <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m sendo ergui-<br />

da.<br />

A luta sendo travada.<br />

Não são poucas as vítimas da ar-<br />

bitrarieda<strong>de</strong> policial-militar no<br />

país. Estudantes, operários, cam-<br />

poneses, professores, intelectuais.<br />

Centenas <strong>de</strong> presos mutilados, <strong>de</strong>-<br />

saparecidos nos cárceres mantidos<br />

pela ditadura militar.<br />

A luta pela anistia aos poucos<br />

vai sendo assumida por diversos<br />

setores da população. O silêncio e<br />

o medo vão sendo rompidos.<br />

Mas ainda existem os que não<br />

assumem a luta, embora a conse-<br />

qüência seja uma só:<br />

enfraquecem-na.<br />

Anistia é perdão ? Os presos polí-<br />

nome dado ao pentotal. 0 pentotal<br />

sódico é um barbiturico (os barbitú-<br />

ricos e outros hipnóticos produzem<br />

um efeito progressivo, primeiro seda-<br />

tivo e, em seguida, <strong>de</strong> anestesia geral<br />

e, finalmente, <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão gradati-<br />

va nos centros bulbares). É do nosso<br />

conhecimento que essa droga, no<br />

caso <strong>de</strong> doses excessivas, promove<br />

graves efeitos colaterais e até mesmo<br />

a morte.<br />

- "Tamponamento com éter" - con-<br />

siste em aplicar uma espécie <strong>de</strong> com-<br />

pressa embebida em éter, particular-<br />

mente em partes sensíveis do corpo,<br />

como boca, nariz, ouvidos, pênis,<br />

etc, ou em introduzir buchas <strong>de</strong> al-<br />

godão ou pano também embebidas<br />

em éter no ânus do torturado, geral-<br />

mente quando no "pau-<strong>de</strong>-arara"<br />

(no caso <strong>de</strong> presas políticas as bu-<br />

chas são introduzidas também na<br />

vagina). A aplicação <strong>de</strong>morada e re-<br />

petida <strong>de</strong>ssas compressas e buchas<br />

provoca queimaduras.<br />

- Sufocamento<br />

- Enforcamento<br />

- "Crucificação" - consiste em<br />

pendurar a vítima pelos pés ou mãos,<br />

amarrados em ganchos presos no<br />

teto ou em escadas, <strong>de</strong>ixando-a pen-<br />

durada, e aplicando-lhe choques elé-<br />

tricos, "palmatórias" e outras tortu-<br />

ras.<br />

- "Latas" - obriga-se o torturado a<br />

equilibrar-se com os pés <strong>de</strong>scalços<br />

sobre as bordas cortantes <strong>de</strong> 2 latas<br />

abertas. Por vezes, isso é feito até os<br />

pés sangrarem. Quando a vítima se<br />

<strong>de</strong>sequilibra e cai, intensificam-se os<br />

espancamentos.<br />

- "Gela<strong>de</strong>ira" - o preso é confinado<br />

em uma cela <strong>de</strong> 1,5 m x 1,5 m e <strong>de</strong> al-<br />

tura baixa, <strong>de</strong> forma a impedir que<br />

se fique <strong>de</strong> pé. A porta interna é <strong>de</strong><br />

metal e as pare<strong>de</strong>s são forradas com<br />

placas isolantes. Não há orifício por<br />

on<strong>de</strong> pentra luz ou som externos. Um<br />

sistema <strong>de</strong> refrigeração alterna tem-<br />

peraturas baixas com altas. A cela<br />

fica totalmente escura a maior parte<br />

PRISÕES<br />

A luta pela anistia está estreitamente<br />

ligada a uma luta contra as torturas e<br />

violências policiais. São ban<strong>de</strong>iras que<br />

ticos são criminosos?<br />

Antes <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, faremos ou-<br />

tra pergunta: quem são os presos,<br />

exilados e perseguidos políticos?<br />

Quais os crimes cometidos?<br />

Não é necessário muito esforço<br />

para respon<strong>de</strong>r estas questões.<br />

São muitos os "crimes" epassare-<br />

mos a enumerar os mais comuns: -<br />

o <strong>de</strong> terem se engajado numa luta<br />

contra a situação <strong>de</strong> miséria e<br />

opressão em que vive a gran<strong>de</strong><br />

maioria da população brasileira.<br />

- o <strong>de</strong> lutar pela liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> or-<br />

ganização, expressão e manifesta-<br />

ção.<br />

- o <strong>de</strong> assumir uma posição con-<br />

trária a um regime arbitrário que<br />

não respeita a vonta<strong>de</strong> popular.<br />

Esses são os nossos presos.<br />

Um regime que para se manter-<br />

se apoia, entre outras coisas, na<br />

utilização <strong>de</strong> um sofisticado apare-<br />

do tempo. No teto, acen<strong>de</strong>m-se às<br />

vezes, em ritmo rápido e intermiten-<br />

te, pequenas luzes coloridas, ao mes-<br />

mo tempo em que um alto-falante<br />

instalado <strong>de</strong>ntro da cela emite sons<br />

<strong>de</strong> gritos, buzinas e outros em altíssi-<br />

mo volume. A vítima, <strong>de</strong>spida, per-<br />

manece aí por períodos que variam<br />

<strong>de</strong> horas, até dias, muitas vezes sem<br />

qualquer -'' aentação ou água.<br />

" w^d <strong>de</strong> Cristo" - consiste ba-<br />

f.cauiente <strong>de</strong> uma fita <strong>de</strong> aço que en-<br />

volve o crânio e possui uma tarraxa<br />

com dispositivo para ir apertando.<br />

- Injeção <strong>de</strong> éter - provoca dores<br />

lacinantes. Normalmente, esse mé-<br />

todo <strong>de</strong> tortura ocasiona o necrosa-<br />

mento (morte) dos tecidos.<br />

- Apagar cigarros no corpo do tor-<br />

turado.<br />

- Violação sexual.<br />

- "Churrasquinho" - consiste em<br />

molhar com álcool algumas partes do<br />

corpo e atear-lhes fogo em seguida.<br />

"Esta lista, <strong>de</strong> qualquer forma, se-<br />

ria longa e incompleta, pois esses ti-<br />

pos <strong>de</strong> torturas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da maior<br />

ou menor imaginação dos torturado-<br />

res".<br />

Mas o documento não pára por aí.<br />

Descreve as péssimas condições car-<br />

cerárias, on<strong>de</strong> todos os presos, sem<br />

exceção, sofrem toda sorte <strong>de</strong> arbi-<br />

trarieda<strong>de</strong>s; lista o nome <strong>de</strong> inúme-<br />

ros presos torturados, e mutilados ou<br />

mortos; dá o nome <strong>de</strong> 233 torturado-<br />

res, encarregados direta ou indireta-<br />

mente das sessões <strong>de</strong> tortura.<br />

Algumas das <strong>de</strong>núncias conti-<br />

das no 1 ç relatório da Campa-<br />

nha Nacional Contra as Tortu-<br />

ras e Violências Policiais:<br />

"Alexandre Vanucchi Leme (es-<br />

tudante). , , TT<br />

Foi preso no dia 16/3/73, pelo II<br />

Exército - DOI/CODI (OBAN) e le-<br />

vado para a se<strong>de</strong> da OBAN. Foi tor-<br />

turado durante toda a noite e vários<br />

presos que ali se encontravam ouvi-<br />

ram seus gritos e as ameaças dos tor-


PAREDES<br />

caminham lado a lado e <strong>de</strong>vem fazer<br />

parte <strong>de</strong> uma conquista mais ampla,<br />

pela transformação da socieda<strong>de</strong><br />

lho repressivo jamais, por iniciati-<br />

va perdoaria os que lutam por uma<br />

transformação da socieda<strong>de</strong> e da<br />

or<strong>de</strong>m colocada. Anistia não é um<br />

pediio, muito menos <strong>de</strong> clemên-<br />

cia. E uma luta que se remete dire-<br />

tamente à transformação radical<br />

da socieda<strong>de</strong>; à transformação e<br />

mudança <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m injusta<br />

por outra, mantida e voltada aos<br />

interesses da população oprimida<br />

do pais.<br />

Os que <strong>de</strong>têm o po<strong>de</strong>r, usando<br />

todos os meios, procuram caracte-<br />

rizar os perseguidos <strong>de</strong> "traidores,<br />

assassinos, subversivos"... Nada<br />

mais coerente. Ê necessário ao re-<br />

gime uma aparência <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong><br />

as ilegalida<strong>de</strong>s praticadas. Como<br />

assumir que se reprima os que lu-<br />

tam por liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas<br />

por melhores condições <strong>de</strong> vida<br />

turadores. .Após constatarem sua<br />

morte na tar<strong>de</strong> do dia seguinte, os<br />

torturadores evacuaram os xadrezes<br />

cuja localização permitiria ver mais<br />

facilmente a retirada do corpo. No<br />

entanto, ainda assim muitos presos<br />

políticos pu<strong>de</strong>ram ver o cadáver <strong>de</strong><br />

Alexandre sendo arrastado e o páteo<br />

da carceragem ser limpo do sangue<br />

que cobria o chão. Depois, numa ten-<br />

tativa <strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r o crime, os tortu-<br />

radores fizeram revistas na cela da-<br />

quele órgão, simulando a busca <strong>de</strong><br />

materiais cortantes e explicando que<br />

Alexandre havia se suicidado com<br />

uma lâmina <strong>de</strong> barbear. Dias <strong>de</strong>pois,<br />

os torturadores exibiram a esses pre-<br />

sos um jornal que noticiava a morte<br />

<strong>de</strong> Alexandre "atropelado por um ca-<br />

minhão", no bairro do Brás, durante<br />

suposto encontro com companheiros.<br />

- Padre Fernando <strong>de</strong> Brito (frei<br />

dominicano)<br />

Responsável pela livraria católica<br />

Duas Cida<strong>de</strong>s. Foi <strong>de</strong>tido no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro a 1? <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1969 sob<br />

a acusação <strong>de</strong> ter vinculação com um<br />

grupo consi<strong>de</strong>rado subversivo, rece-<br />

bendo um violento castigo físico; sua<br />

prisão foi mantida em segredo.<br />

Quando foi transportado para São<br />

Paulo, apresentava hematomas e si-<br />

nais evi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> torturas. Em São<br />

Paulo foi conduzido diretamente à<br />

casa do comissário Tucunduva, on<strong>de</strong><br />

foi torturado, sofrendo vários <strong>de</strong>s-<br />

maios.<br />

- Ênio Seabra (operário)<br />

Casado, com filhos, lí<strong>de</strong>r metalúr-<br />

gico <strong>de</strong>tido em Belo Horizonte, Mi-<br />

ínJn ? is ' no P rimeir o semestre <strong>de</strong><br />

1969, sob a acusação <strong>de</strong> realizar agi-<br />

tação no setor operário; foi arrastado<br />

pelas ruas e violentamente espanca-<br />

do.<br />

Foi <strong>de</strong>spedido da Si<strong>de</strong>rúrgica<br />

Belgo-Mineira. Detido 4 vezes%m<br />

um ano Dirigiu duas greves operá-<br />

rias em 1968. Em maio <strong>de</strong> 1969 sus-<br />

pen<strong>de</strong>ram seus direitos políticos pelo<br />

prazo <strong>de</strong> 10 anos. Na madrugada <strong>de</strong><br />

para o Povo?<br />

A "saída" é i<strong>de</strong>ntificá-los como<br />

criminosos.<br />

Mas essa prática aos poucos vai<br />

sendo <strong>de</strong>smascarada. Para a sus-<br />

tentação do regime, a repressão é<br />

indispensável. E muitas vezes<br />

torna-se impossível aos opressores<br />

dar e8te manto <strong>de</strong> "legalida<strong>de</strong>" às<br />

violências.<br />

Denúncias diárias <strong>de</strong> torturas<br />

Pessoas mantidas presas sem cul-<br />

pa formalizada (ou através <strong>de</strong> jul-<br />

gamentos - falsos). O impedimento<br />

da volta <strong>de</strong> exilados. A própria his-<br />

toria nos ensinando e mostrando<br />

os subversivos" do passado, ago-<br />

ra heróis, e sua luta se confundin-<br />

do com os "subversivos" <strong>de</strong> hoje.<br />

Isso tudo faz nos indagar: os as-<br />

sassinos, traidores serão mesmo os<br />

perseguidos?<br />

1 <strong>de</strong> agosto foi visto por Loreta K<br />

Valadares no 12" RI "<strong>de</strong>scalço sem<br />

camisa e em estado lamentável" Re-<br />

sistiu a tudo dizendo que "nenhuma<br />

tortura me fará <strong>de</strong>nunciar minha<br />

classe ...<br />

CELSO GIOVAJVETTI<br />

BRAMBILA (operário)<br />

Preso no dia 28 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1977,<br />

sob a acusação <strong>de</strong> pertencer à Liga<br />

Operaria e ao Movimento <strong>de</strong> Eman-<br />

cipação do Proletariado, e ter em seu<br />

po<strong>de</strong>r folhetins com o titulo <strong>de</strong><br />

"Faísca" sobre as manifestações pro-<br />

gramadas para o dia 1" <strong>de</strong> maio.<br />

Ex-presi<strong>de</strong>nte do Diretório Cen-<br />

tral dos Estudantes da Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São Carlos (SP) - 75/76.<br />

Irabalhou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> ida-<br />

<strong>de</strong>. Ja foi auxiliar <strong>de</strong> escritório do<br />

Bra<strong>de</strong>sco, trabalhou na Catterpillar<br />

e so saiu <strong>de</strong> São Carlos porque não ti-<br />

nha condições financeiras <strong>de</strong> conti-<br />

nuar estudando, visto que per<strong>de</strong>ra<br />

seu emprego na firma Cardinalle<br />

vindo então para São Paulo para tra-<br />

balhar como frezador na Merce<strong>de</strong>z<br />

Benz.<br />

Torturas: os tímpanos estourados<br />

em conseqüência dos 60 dias <strong>de</strong> tele-<br />

íones. Foram 60 dias <strong>de</strong> telefones, so-<br />

cos, joelhadas, palmatórias e cho-<br />

ques. Evacuava e urinava sangue<br />

t,m 4 dias emagreci seis quilos."<br />

Os <strong>de</strong>dos das mãos estão insensí-<br />

veis em virtu<strong>de</strong> dos choques elétri-<br />

cos.<br />

"Fui obrigado a dar choques num<br />

companheiro meu. Num só dia fui<br />

pendurado 3 vezes no "pau-<strong>de</strong>-<br />

arara".<br />

Quanto ao seu ouvido, não permi-<br />

tiram que fosse examinado por um<br />

especialista.<br />

"Se tivessem permitido, talvez o<br />

problema do meu ouvido não tivesse<br />

tão grave quanto agora."<br />

E não pensemos que esta situa-<br />

ção se modificou. Nas últimas se-<br />

manas, como foi amplamente noti-<br />

ciado, por volta <strong>de</strong> 30 colegas fo-<br />

ram presos no Rio. É do conheci-<br />

mento <strong>de</strong> todos as torturas que so-<br />

freram nos órgãos repressivos. E<br />

há ainda o recente caso das <strong>de</strong>nún-<br />

cias do advogado Aldo Arantes,<br />

preso no DEOPS em São Paulo<br />

quando <strong>de</strong>nunciou as torturas que<br />

ele e seus companheiros, acusados<br />

<strong>de</strong> pertencerem ao PC do Brasil,<br />

sofreram.<br />

E o relatório continua:<br />

, " Àl a madrugada <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> janeiro<br />

<strong>de</strong> 19(4, em São Paulo, a se<strong>de</strong> da Es-<br />

cola <strong>de</strong> Samba Unidos do Parque Pe-<br />

ruche foi invadida por 20 policiais<br />

militares. Além <strong>de</strong> lançar bombas <strong>de</strong><br />

gas .acnmogénio e <strong>de</strong> disparar tiros<br />

<strong>de</strong> metralhadoras que <strong>de</strong>struíram os<br />

instrumentos, os milicianos agredi-<br />

ram homens, mulheres e crianças a<br />

goloes <strong>de</strong> cassetetes. A invasão foi um<br />

revi<strong>de</strong> do capitão Edson Pasteur <strong>de</strong><br />

Souza as referências feitas a sua mu-<br />

lher por um sambista.<br />

- A 23 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1974. os moto-<br />

ristas <strong>de</strong> táxi Marcelino Joaquim do<br />

Nascimento e Márcio Vieira Ramos<br />

foram presos e levados para a <strong>de</strong>lega-<br />

cia <strong>de</strong> Guaianazes. na região da<br />

Gran<strong>de</strong> -São Paulo, on<strong>de</strong> foram sub-<br />

metidos ao pau <strong>de</strong> arara e espanca-<br />

mentos. Pouco <strong>de</strong>pois, quando os<br />

dois motoristas negaram sua partici-<br />

pação em alguns furtos <strong>de</strong> automó-<br />

veis, foram submetidos a choques e<br />

em seguida, com as vítimas incons-<br />

cientes, os policiais os levaram no tá-<br />

xi Opala HA-6464 até um local <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scampado, no Km 34 da estrada<br />

<strong>de</strong> Sapopemba, on<strong>de</strong> os investigado-<br />

res jogaram gasolina ao veículo e<br />

atearam fogo. Os dois motoristas<br />

morreram carbonizados".<br />

E essas violências policiais con-<br />

tinuam. Diariamente saem nos<br />

jornais notícias <strong>de</strong> mortes, espan-<br />

camentos cometidos por policiai^<br />

oficialmente" ou não (Esquadrão<br />

da Morte). Para ver <strong>de</strong> perto o<br />

ponto a que chegou a repressão, é<br />

so ir ao Parque D. Pedro, Estação<br />

da Luz, etc. Lá estarão postados os<br />

gloriosos PM, prontos para repri-<br />

mir qualquer "agitação <strong>de</strong> massa'.<br />

POR QUE TANTA<br />

REPRESSÃO?<br />

Estes são apenas alguns exemplos<br />

<strong>de</strong> violência a que está submetida a<br />

maior parte da população brasileira<br />

e a quase totalida<strong>de</strong> dos presos polí-<br />

ticos.<br />

A situação apresentada, está<br />

como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, <strong>de</strong>n-<br />

tro <strong>de</strong> um contexto mais amplo.<br />

O trabalhador vê, a cada dia que<br />

passa, o custo <strong>de</strong> vida subindo, seu<br />

salário aviltado pela inflação e pelo<br />

patrão, suas condições <strong>de</strong> vida<br />

<strong>de</strong>teriorarem-se, o <strong>de</strong>semprego ron-<br />

dando. O camponês sendo expulso<br />

<strong>de</strong> suas terras, trabalhando quase<br />

que <strong>de</strong> graça no latifúndio, plantan-<br />

do café. soja, produtos que ele nunca<br />

vê em sua mesa, que são exportados<br />

para pagar as dívidas do país quase<br />

falido.<br />

Enquanto isso. uma minoria privi-<br />

legiada vivendo do bom e do melhor.<br />

Empresas americanas, alemãs, japo-<br />

nesas com lucros fantásticos que lo-<br />

gicamente não ficam no país, pioran-<br />

do ainda mais a situação.<br />

O governo investindo em firmas<br />

falidas, construindo obras faraônicas<br />

que servem a uma minoria (vi<strong>de</strong><br />

ponte Rio-Niterói), criando empre-<br />

sas gigantescas que visam unica-<br />

mente o lucro (as estatais) quando<br />

<strong>de</strong>veriam prestar serviços á popula-<br />

ção, abrindo as pernas para o impe-<br />

rialismo.<br />

E para que esta situação continue<br />

o negocio é "<strong>de</strong>scer o cacete" no tra-<br />

balhador, no estudante, enfim nas<br />

forças <strong>de</strong> oposição ao regime.<br />

Como dizia o poeta, "entre a pri-<br />

são e a rua, a diferença está só nas<br />

pare<strong>de</strong>s".<br />

13


14<br />

VOÇOÇ D€ UM POVJO<br />

carne e osso". Assim, o inferno da literatura<br />

<strong>de</strong> cor<strong>de</strong>l tem cerca, portão,<br />

tem vigia, <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> algodão e tudo<br />

o que simboliza a prepotência satânica<br />

do po<strong>de</strong>r. E Lampião que é no<br />

fundo o próprio componês, luta e termina<br />

vencendo o diabo, incendiando<br />

o inferno.<br />

Faço prece ao soberano<br />

Para ser bem sucedido<br />

Na narração <strong>de</strong>ste caso<br />

Que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> acontecido<br />

Abalou todo o Nor<strong>de</strong>ste<br />

Sem ser mais nunca esquecido.<br />

Em seguida vem uma estória, can-<br />

tada e dita verda<strong>de</strong>ira:<br />

Quero a sua atenção<br />

Prumo<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r falar<br />

De coisas qtte vosmecê<br />

Talvez vá sé arrepiar<br />

Pois são coisas verda<strong>de</strong>iras<br />

Que acontecem a vida inteira<br />

E ninguém vai lá olhar.<br />

A estória po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> um Santo<br />

Milagroso, <strong>de</strong> uma Fada encantada,<br />

uma estória <strong>de</strong> amor, a vida ou mor-<br />

te <strong>de</strong> um político e ainda a estórias<br />

vantajosas <strong>de</strong> um ladrão, <strong>de</strong> um can-<br />

gaceiro ou as astúcias <strong>de</strong> um vivaldi-<br />

no.<br />

COMO SURGEM ESTAS ESTÓ-<br />

RIAS?<br />

Do dia a dia da população. Coisas<br />

que são vistas e analisadas pelos di-<br />

tos cantadores, que são os "analis-<br />

tas sociais", contrapondo <strong>de</strong> maneira<br />

clara as concepções, as análises le-<br />

vantadas pelos pesquisadores, inte-<br />

lectuais <strong>de</strong> origem pequena burgue-<br />

sa. O fato é visto e entendido pelo<br />

poeta popular que o vive, que está no<br />

seu ventre, transformando-o em ver-<br />

sos, em linguagem simplória, mas com<br />

coerência, sem formular hipóteses ou<br />

traçar conceitos. As coisas são ditas<br />

diretamente. São faladas çjjm firme-<br />

za. Ditas sem ro<strong>de</strong>ios.<br />

Embora a escravidão<br />

já tenha sido abolida<br />

Inda existe no Brasil<br />

Nas partes mais escondidas<br />

Gente trabalhando a força<br />

Pessoas ainda tão moças<br />

Morrendo no meio da vida.<br />

O QUE £ LITERATURA DE<br />

CORDEL?<br />

Não é somente os folhetos, vendi-<br />

dos nas feiras e atualmente nos gran-<br />

<strong>de</strong>s centros^ já industrializados, com<br />

capas coloridas mais parecendo com<br />

artistas <strong>de</strong> farwest, que po<strong>de</strong>m ser<br />

chamados <strong>de</strong> literatura <strong>de</strong> cor<strong>de</strong>l.<br />

Ela é feita principalmente nas feiras,<br />

nas vaquejadas (espécie <strong>de</strong> ro<strong>de</strong>io),<br />

nas festas <strong>de</strong> casamento ou em qual-<br />

quer ocasião que seja propícia,<br />

mas ao vivo. Cantada com viola.<br />

Nestas ocasiões os cantadores, os<br />

poetas populares, os repentistas ou<br />

simplesmente os violeiros dão prova<br />

<strong>de</strong> seu talento improvisando com os<br />

que ali estão presentes. Os folhetos<br />

são mais conseqüência da necessida-<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong> mostrar o seu trabalho, a sua<br />

criação.<br />

UMA PEQUENA AMOSTRA-<br />

GEM<br />

Pegar uma viola e cantar versos <strong>de</strong><br />

repente não é coisa que qualquer le-<br />

trado faça. Não é uma coisa que se<br />

apren<strong>de</strong> na escola ou muito menos<br />

fazendo estágio. Pra cantar repente,<br />

como diz o nor<strong>de</strong>stino, é preciso ter a<br />

"veia poética", isto é, o dom <strong>de</strong> fazer<br />

poesia.<br />

Numa ocasião estava Belarmino<br />

<strong>de</strong> França cantando com Acindino<br />

Aureliano. Debaixo do alpendre to-<br />

H M<br />

dos ouviam em silêncio os repentes,<br />

os <strong>de</strong>safios dos dois cantadores,<br />

quando vem chegando um vaqueiro<br />

com seus trajes típicos. Naquele<br />

mesmo instante caiu das telhas uma<br />

aranha caranguejeira e uma senhora<br />

correu com a alpargata na mão para<br />

mata'-la. Muito espirituoso, Belar-<br />

mino mudou o roteiro da cantoria e<br />

fez o setguinte verso:<br />

Vem chegando um vaqueiro<br />

De gibão perneira e luva<br />

E caiu uma caranguejeira<br />

Com trajes <strong>de</strong> viúva<br />

Dona não mate a bichinha<br />

Que ela adivinha chuva.<br />

O poeta popular não é um charla-<br />

tão que faz versos para ganhar di-<br />

nheiro. Ele ê acima <strong>de</strong> tudo um ser<br />

preocupado com o seu meio, com a<br />

sua gente e possue uma certa cons-<br />

ciência da situação em que vive. Jo-<br />

sué <strong>de</strong> Castro sintetiza muito bem<br />

este lado do poeta popular dizendo:<br />

"Sente-se na lira popular do Nor<strong>de</strong>s-<br />

te uma nítida consciência do <strong>de</strong>su-<br />

mano sofrer do nor<strong>de</strong>stino, do infer-<br />

no que é a sua vida esmagado pelas<br />

forças opressivas. Ainda tímido em<br />

suas expressões, por falta <strong>de</strong> outros<br />

meios <strong>de</strong> cultura mais elevados e por<br />

receio das punições que o latifúndio<br />

impõe aos que se mostram mais re-<br />

belados com a situação vigente, o<br />

poeta popular fala às vezes numa<br />

linguagem comparativa em parábo-<br />

las que evi<strong>de</strong>nciam, no entanto, uma<br />

admirável riqueza <strong>de</strong> imaginação<br />

poética".<br />

Exemplo disto é o folheto "Chega-<br />

da <strong>de</strong> Lampião no Inferno". E ainda<br />

diz Josué <strong>de</strong> Castro, "o inferno do<br />

poeta popular é uma evolução da<br />

casa do senhor das terras, que ele vi-<br />

sualiza com o próprio satanás em<br />

Houve gran<strong>de</strong> prejuízo<br />

No inferno, nesse dia<br />

Queimou-se todo o dinheiro<br />

Que Satanás possuía<br />

Queimou-se o livro <strong>de</strong> ponto<br />

E mais <strong>de</strong> seiscentos contos<br />

Somente em mercadoria.<br />

Muitas são as estória tratando dos<br />

problemas agrários, da miséria, da<br />

fome e da opressão dos latifundiários<br />

sobre os camponeses. E o poeta fala<br />

em seus versos:<br />

Quero que me escute bem<br />

Porquê quero relatar<br />

A estória <strong>de</strong>stas terras<br />

On<strong>de</strong> vivo a trabalhar<br />

Um <strong>de</strong>samparo total<br />

Não que eu queira falar mal<br />

Mas é verda<strong>de</strong> sem par.<br />

Aqui todo mundo é escravo<br />

Escravo da agricultura<br />

Ninguém tem o que comer<br />

Embora haja fartura<br />

Mas só pro senhor do engenho<br />

Que luta com <strong>de</strong>sempenho<br />

Pra manter a escravatura.<br />

Portanto, a literatura <strong>de</strong> cor<strong>de</strong>l,<br />

que é a criativida<strong>de</strong>, a espiritualida-<br />

<strong>de</strong> da gente do Nor<strong>de</strong>ste, expressa<br />

em folhetos rudimentares ou sim-<br />

plesmente nas cantorias, chega até<br />

os gran<strong>de</strong>s centros urbanoá <strong>de</strong>turpa-<br />

da, somente como um mito, como<br />

"folclore", esquecendo-se do lado so-<br />

cial, a consciência crítica <strong>de</strong>stes ver-<br />

da<strong>de</strong>iros poetas que em sua maioria<br />

veio do campo, do trabalho alugado,<br />

sendo explorado pelo latifúndio, sem<br />

a menor perspectiva <strong>de</strong> evoluir, <strong>de</strong><br />

ver reconhecido o seu trabalho, <strong>de</strong><br />

ver, enfim, o seu sonho <strong>de</strong> poeta ser<br />

realizado.


O ESCRITOR:<br />

UM ILUSTRE<br />

DESCONHECIDO<br />

Um ponto final. A última página<br />

arrancada da máquina. O livro es-<br />

tá pronto. Agora o mais difícil:<br />

on<strong>de</strong> editá-lo?<br />

Aquela antiga imagem do escri-<br />

tor esquálido, pasta nas mãos, ba-<br />

tendo <strong>de</strong> porta em porta nas edito-<br />

ras, felizmente está sendo trans-<br />

formada. Hoje.a crescente publica-<br />

ção <strong>de</strong> autores novos mostra que<br />

começam a ser acreditados.<br />

"Palavras magras e famintas<br />

Casam-se com ossos<br />

Casam-se famintas<br />

Sem que os ossos saibam <strong>de</strong> nada<br />

Sem que a boca saiba <strong>de</strong> nada".<br />

(Alci<strong>de</strong>s Villaça)<br />

"Morre-se muito tar<strong>de</strong>.<br />

Sem nenhuma dignida<strong>de</strong>, o homem<br />

fica esperando, adiando, envelhecen-<br />

do. Não, ninguém vai <strong>de</strong>cidir a hora<br />

<strong>de</strong> minha morte, eu mesmo posso es-<br />

colher, ainda tenho essa velha cons-<br />

ciência esperta".<br />

(A Festa. Ivan Ângelo)<br />

O árido período em termos do lan-<br />

çamento <strong>de</strong> valores novos em litera-<br />

tura brasileira, situado principal-<br />

mente entre 1967 e início dos anos<br />

70, sofreu sensível melhora. De 1974<br />

para cá, ocorreu uma consi<strong>de</strong>rável<br />

abertura no setor <strong>de</strong> publicação <strong>de</strong><br />

autores inéditos. Editoras que não ti-<br />

nham esse tipo <strong>de</strong> lançamento, pas-<br />

saram a fazé-lo. Veja-se por exem-<br />

plo a Atica, Alfa-ômega, Símbolo,<br />

Brasília. A literatura, congelada por<br />

anos e anos surge com força renova-<br />

da e propõe-se, fundamentalmente,<br />

a atingir o leitor, convidá-lo a pen-<br />

sar, ir ao encontro <strong>de</strong> suas realida<strong>de</strong>s<br />

e extrapolá-las. Agora falam coisas<br />

do povo, na linguagem do povo. A tô-<br />

nica preferida é a discussão da reali-<br />

da<strong>de</strong>, o dia-a-dia, o diálogo espontâ-<br />

neo, mais consciente, dos dramas <strong>de</strong><br />

todos nós.<br />

Para Jiro Takahashi, editor <strong>de</strong> li-<br />

teratura, "neste momento, mesmo<br />

remando contra a correnteza, a lite-<br />

ratura brasileira está melhorando<br />

sua situação. Os escritores ainda não<br />

<strong>de</strong>sistiram <strong>de</strong> produzir. As dúvidas,<br />

as emoções, a revolta, as preocupa-<br />

ções, o sonho, as perspectivas, ou a<br />

falta <strong>de</strong>las, a perplexida<strong>de</strong> do ho-<br />

mem brasileiro, estão compondo o<br />

miolo dos livros. E isso parece que já<br />

começou a mexer com o público, que<br />

começa a dar sinais <strong>de</strong> que existe.<br />

Acho que a coisa está melhorando.<br />

Só que ainda tem muito chão pela<br />

frente."<br />

Em 1974/5 encontramos lança-<br />

mentos <strong>de</strong> Ignácio <strong>de</strong> Loyola, João<br />

Antônio, Murilo Rubião, Ivan Ânge-<br />

lo, Roberto Drummond, entre ou-<br />

tros. Fato que merece atenção é a<br />

coincidência <strong>de</strong> todos exercerem a<br />

profissão <strong>de</strong> jornalistas. Caberia per-<br />

guntar: até que ponto teria o jorna-<br />

lismo influenciado essa visão das coi-<br />

sas? Seria ele o principal agente <strong>de</strong>s-<br />

sa transformação? Se levarmos em<br />

conta o fato <strong>de</strong> que todos os escrito-<br />

res citados exercem influência no jor-<br />

nal ao qual estão vinculados, a res-<br />

posta estará mais evi<strong>de</strong>nte. Com a<br />

atuação direta <strong>de</strong>sses profissionais<br />

foi possível canalizar a <strong>de</strong>ficiência li-<br />

terária existente e aos poucos abrir<br />

caminho reintroduzindo a literatura<br />

nos órgãos <strong>de</strong> informação. O público<br />

por sua vez, encontrou regularmente<br />

indicações <strong>de</strong> obras, autores, edito-<br />

ras e foi novamente motivado a se in-<br />

teressar por eles.<br />

Por outro lado, a abertura <strong>de</strong> con-<br />

cursos literários, as feiras anuais <strong>de</strong><br />

livros como a <strong>de</strong> Porto Alegre, por<br />

exemplo, a exposição direta ao<br />

público em portas <strong>de</strong> livrarias, como<br />

recentemente ocorreu, , a cooperati-<br />

va <strong>de</strong> escritores existente no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro e no Paraná, são apenas al-<br />

guns <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>sse panorama, <strong>de</strong>s-<br />

sa nova literatura que se esboça, <strong>de</strong>s-<br />

se contato entre o escritor e o público<br />

on<strong>de</strong> a omissão e o silêncio já não são<br />

permitidos.<br />

Mas, afinal, o que leva uma pessoa<br />

a escrever? Qual será realmente o<br />

papel do escritor?<br />

Para Eduardo Alves Costa (Chon-<br />

gas - editado em 1974) "as pessoas<br />

são levadas a escrever pelas mais di-<br />

versas razões. Ele (o escritor) age,<br />

em cada situação <strong>de</strong> acordo com seu<br />

instinto, sua natureza mais íntima.<br />

Se ele não estiver ligado por sua ínti-<br />

ma natureza aos semelhantes e á<br />

realida<strong>de</strong> que o cerca, o resultado se-<br />

rá medíocre. Um livro po<strong>de</strong> influen-<br />

ciar a realida<strong>de</strong>. Se não pu<strong>de</strong>sse, não<br />

haveria razão para a existência da<br />

Censura nem a queima <strong>de</strong> livros <strong>de</strong><br />

Alexandria aos nossos dias".<br />

"Com o crescimento da popular<br />

ida<strong>de</strong> a minha vida tornou-se insu-<br />

portável.<br />

Ás vezes, sentado em algum café,<br />

a olhar cismativamente o povo <strong>de</strong>sfi-<br />

lando na calçada, arrancava do bolso<br />

pombos, gaivotas, maritacas. As pes-<br />

soas que se encontravam nas imedia-<br />

ções, julgando intencional o meu ges-<br />

to, rompiam em estri<strong>de</strong>ntes garga-<br />

lhadas. Eu olhava melancólico para<br />

o chão e resmungava contra o mundo<br />

e os pássaros.<br />

Se distraído, abria as mão, <strong>de</strong>las<br />

escorregavam esquisitos objetos. A<br />

ponto <strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>r, certa vez, pu-<br />

xando da manga da camisa uma fi-<br />

gura, <strong>de</strong>pois outra. Por fim, estava<br />

ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> figuras estranhas, sem<br />

saber que <strong>de</strong>stino lhes dar. Nada fa-<br />

zia. Olhava para os lados e implora-<br />

va com os olhos por um socorro que<br />

não po<strong>de</strong>ria vir <strong>de</strong> parte alguma."<br />

(...)<br />

Roberto Drummond encara a lite-<br />

ratura como "um negócio que tá<br />

acontecendo o tempo todo: tá acon-<br />

tecendo no barzinho aí embaixo, tá<br />

acontecendo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um elevador<br />

com um cara que não estudou, com a<br />

garçonete que não é escritora. Então<br />

o negócio é incorporar a linguagem<br />

<strong>de</strong>sse pessoal. Acho que hoje o papel<br />

do escritor é bagunçar totalmente o<br />

coreto da socieda<strong>de</strong>, certo? Uma so-<br />

cieda<strong>de</strong> envelhecida e envilecida. A<br />

literatura tem que bagunçar e partir<br />

prum mundo novo. Criar um troço<br />

novo, um homem novo. Achoi que<br />

tem que ser uma literatura <strong>de</strong> briga e<br />

<strong>de</strong> luta".<br />

Olívia tornou a se concentar no<br />

umbigo, camaleão, camaleão, quem<br />

nasce pra carneiro nunca chega a<br />

leão, Noel Rosa foi quem disse, lá em<br />

Vila Isabel. Você já comeu Amor em<br />

Pedaços? Olívia não respon<strong>de</strong>u, es-<br />

tava zembudista, ele então,- só <strong>de</strong><br />

raiva, disse que gostava muito <strong>de</strong>la,<br />

mas também gostava da tartaruga e<br />

que entre uma e outra ele preferia ele<br />

mesmo, porque a vida era para ser<br />

vivida e quem não acreditasse nisso<br />

melhor mesmo seria atirar a chum-<br />

bada. Aí então ela disse que ele erc<br />

um tolo, estava querendo <strong>de</strong>svendar<br />

todos os segredos <strong>de</strong>la e que ela fala-<br />

va auando quisesse e vivia quando<br />

quando quisesse e saía da concha<br />

quando quisesse.<br />

Então os dois riram, porque no<br />

fundo eles se gostavam horrores, mas<br />

era tão no fundo que só mesmo <strong>de</strong> es-<br />

cafandro po<strong>de</strong>riam chegar às algas<br />

daquele amor. Não iam ficar juntos<br />

porque o <strong>de</strong>stino não queria e porque<br />

elss tinham medo <strong>de</strong> compromissos.<br />

No futuro, quando ela voltasse, tal-<br />

vez pu<strong>de</strong>ssem se realizar na vida<br />

como todas as pessoas <strong>de</strong> bem, casar,<br />

trablhar, consumir e se consumir, e<br />

<strong>de</strong>ixar um prole, uma ninhada inteli-<br />

gente, isso é que seria bom e bonito<br />

<strong>de</strong> se fazer." (...)<br />

"Era noite <strong>de</strong> lua cheia e Dôia viu<br />

três jipes parando on<strong>de</strong> iam fazer<br />

uma praça ou uma quadra <strong>de</strong> bas-<br />

quete. Uns homens <strong>de</strong>sceram dos ji-<br />

pes e Dôia os viu sumir <strong>de</strong> baixo das<br />

árvores. Dôia ajustou a luneta e os<br />

homens voltaram carregando uma<br />

cruz, como as usadas na encenação<br />

da Semana Santa. Puseram a cruz<br />

no chão e Dôia os viu arrastar um ho-<br />

mem <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do jipe. O homem es-<br />

tava com as mãos amarradas atrás,<br />

com uma corda <strong>de</strong> bacalhau, e usava<br />

uma calça Lee <strong>de</strong>sbotada e um que-<br />

<strong>de</strong>s azul, sem meia. Sua blusa, Dôia<br />

imaginou "adidas", comprada em<br />

Buenos Aires. A barba do homem <strong>de</strong><br />

calça Lee era gran<strong>de</strong> e Dôia achou-o<br />

parecido com Alain Delon. Os cabe-<br />

los eram louros como os <strong>de</strong> Robert<br />

Redford.<br />

Desataram as mãos do homem <strong>de</strong><br />

calça Lee e o arrastaram para a cruz<br />

e três homens apontaram suas me-<br />

tralhadoras Ina para o homem <strong>de</strong><br />

caça Lee <strong>de</strong>sbotada. Dôia soltou um<br />

grito, que os outros internos pensa-<br />

ram que fosse alguém tendo um pe-<br />

sa<strong>de</strong>lo, e o homem <strong>de</strong> calça Lee tirou<br />

o que<strong>de</strong>s azul, a calça Lee, a camisa<br />

Adidas e ficou nu, vestido apenas<br />

A história da América Latina<br />

po<strong>de</strong> ser resumida, ainda que <strong>de</strong><br />

uma maneira simplista, em um con-<br />

fronto constante entre as populações<br />

exploradas e as forças repressoras <strong>de</strong><br />

todos os movimentos populares. As-<br />

sim a libertação que há tanto tempo<br />

é sonhada e batalhada paira no ar<br />

hoje como uma simples mistificação<br />

romântica <strong>de</strong> alguns políticos, revo-<br />

lucionários, artistas, intelectuais e<br />

estudantes. Mas a verda<strong>de</strong> é que<br />

apesar <strong>de</strong> todas as diferenças que<br />

existem entre as mais diversas re-<br />

giões do continente, permanece a<br />

certeza <strong>de</strong> que a luta necessária é a<br />

luta da maioria dos povos latino-<br />

americanos.<br />

Para que essa mistificação român-<br />

tica se transforme em dados objeti-<br />

vos e palpáveis se faz necessário am-<br />

pliar o conhecimento sobre essa luta<br />

tanto no plano político como no eco-<br />

nômico, cultural, i<strong>de</strong>ológico e nas<br />

formas <strong>de</strong> sua manifestação na vida<br />

cotidiana <strong>de</strong>sses povos.<br />

É <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa perspectiva que o<br />

CAAE promove anualmente uma<br />

•Semana Latino-Americana elabo-<br />

rando uma programação <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates<br />

sobre política, economia, cultura,<br />

educação, imprensa, cinema e tea-<br />

tro, juntamente com apresentações<br />

<strong>de</strong> grupos folclóricos e artísticos. Es-<br />

pera assim contrib'.ir para que esta<br />

luta se torne u ia luta <strong>de</strong> conquistas<br />

contínuas, lemorando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, que<br />

15<br />

com uma cueca Zorba laranja. Os<br />

homens o agarraram, houve gritos<br />

abafados, <strong>de</strong>pois um silêncio, com<br />

um rádio <strong>de</strong> um táxi tocando músi-<br />

ca, e Dôia começou a ouvir o barulho<br />

<strong>de</strong> martelo batendo prego. Dôia mu-<br />

dou <strong>de</strong> posição na janela, ajustou<br />

mais a luneta e viu os homens crucifi-<br />

cando o homem <strong>de</strong> cueca Zorba la-<br />

ranja". (...)<br />

(A morte <strong>de</strong> D. J. em Paris -<br />

publicado em Í97õ vencedor do IV<br />

Concurso <strong>de</strong> contos no Paraná)<br />

Já para Murilo Rubião (autor <strong>de</strong> O<br />

Pirotécnico Zacarias, 1974. entre<br />

outros) "o papel do escritor é impor-<br />

tante na socieda<strong>de</strong>, quando ele faz li-<br />

teratura conscientemente. Esse es-<br />

critor não só mostra mudanças <strong>de</strong><br />

conjuntura que o leitor ainda não<br />

percebeu, mas até antecipa coisas<br />

importantes e fundamentais para o<br />

homem. A literatura é feita com<br />

muito esforço, muito mais esforço do<br />

que talento. É brigar com a palavra<br />

todo dia, é revirar a história, elabo-<br />

rar e reoleborar, ir para frente e vol-<br />

tar. Fazer 'iteratura é quase um tra-<br />

balho bracal".<br />

O outro lado da moeda<br />

Começaram a <strong>de</strong>spontar editoras<br />

que abrem pequenas frestas para os<br />

novos escritores. No entanto, não<br />

sgnifica necessariamente que o<br />

problema será sanado - ao menos<br />

contornado - uma vez que um<br />

Firoblema gerado pela conjuntura po-<br />

ítica, não será resolvido simples-<br />

mente com uma medida <strong>de</strong> iniciati-<br />

va particular. Se o consumo <strong>de</strong> livros<br />

é baixo, é em razão da alta taxa <strong>de</strong><br />

analfabetismo, o alto custo dos li-<br />

vros, em comparação coip as capaci-<br />

da<strong>de</strong>s salariais dos brasileiros, e pela<br />

política educacional.<br />

Somando-se a tudo isso, também a<br />

censura. Assim como na imprensa<br />

falada e escrita, os autores <strong>de</strong> livros<br />

enfrentam o crivo da Censura Fe<strong>de</strong> -<br />

ral, que retalha e impossibilita que<br />

os textos sejam publicados.<br />

Não po<strong>de</strong>mos negar o esforço dos<br />

editores literários. No entanto, cabe<br />

ressaltar que essa luta dos novos au-<br />

tores da nossa literatura só estará<br />

terminada num contexto <strong>de</strong> ampla<br />

<strong>de</strong>mocracia.<br />

lil SEMANA LATINO-AMERICANA<br />

Dt 10 *. K Oi SEIEMBBO<br />

AUDITORO «GV - AV í Dt tUlHO 7?H<br />

WOMOC AO C A A í<br />

essas conquistas tèm, como premissa<br />

básica, que seus realizadores sejam<br />

efetivamente aqueles que compõe e<br />

fazem uma nação, um continente, ou<br />

mesmo a Latino-América.<br />

El nombre <strong>de</strong>i hombre muérlc Vo<br />

no se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cirlo . Quem sabe An-<br />

tes que o dia arrebente El nonrbre<br />

<strong>de</strong>i hombre muerto Antes que a <strong>de</strong>fi-<br />

nitiva noite Se espalhe em Lat.no-<br />

América El nombre <strong>de</strong>i hnmbrf es<br />

pueblo (Soy loco por ti, America -<br />

Gil, Torquato Neto, Capinam).


16 HISTÓRIAS DE ESTUDANTES<br />

tt Um, dois, três<br />

CASTELO<br />

no xadrez"<br />

O golpe militar <strong>de</strong> 1' <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1964<br />

atingiu profundamente.a universida-<br />

<strong>de</strong> brasileira. Três mil estudantes<br />

foram presos ou obrigados a se exilar.<br />

Professores foram <strong>de</strong>mitidos em<br />

massa, muitos <strong>de</strong>les sendo ainda<br />

presos e cassados. A Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Brasilia, experiência - mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> um<br />

ensino voltado para a transformação<br />

da realida<strong>de</strong>, é praticamente <strong>de</strong>s-<br />

truída. O maior rigor da repressão,<br />

no entanto, foi contra as organiza-<br />

ções estudantis, em particular a<br />

UNE (União Nacional dos Estudan-<br />

tes), que teve sua se<strong>de</strong> incendiada e<br />

sua li<strong>de</strong>rança presa ou exilada.<br />

Uma vez <strong>de</strong>sarticulado o movi-<br />

mento estudantil, o governo militar<br />

foi logo tratando <strong>de</strong> tomar providên-<br />

cias para evitar o seu ressurgimento.<br />

Em outubro, um Congresso Nacional<br />

mutilado pelas cassações aprova, por<br />

126 contra 117 votos, um projeto que<br />

extinguia a UNE e proibia qualquer<br />

tipo <strong>de</strong> protesto ou participação polí-<br />

tica por parte das entida<strong>de</strong>s estu-<br />

dantis. Estas medidas foram siste-<br />

matizadas no mês seguinte, com a<br />

Lei Suplicy <strong>de</strong> Lacerda (assim cha-<br />

mada <strong>de</strong>vido ao ministro da Educa-<br />

ção na época), que substituía as<br />

UEEs pelos DEEs (Diretórios Esta-<br />

duais dos Estudantes) e impedia,<br />

através <strong>de</strong> diversas formas <strong>de</strong> inter-<br />

ferência, a livre organização dos alu-<br />

nos em seus Grêmios e <strong>Centro</strong>s Aca-<br />

dêmicos. Para completar, uma hu-<br />

milhação máxima: A Lei Suplicy<br />

obrigava todos os estudantes a votar<br />

nas eleições estudantis para os novos<br />

órgãos criados, para provar que os<br />

"agitadores" eram minoria e antes só<br />

ganhavam por frau<strong>de</strong>.<br />

Apesar da violenta repressão sobre<br />

sua entida<strong>de</strong> máxima, não se passa-<br />

ram mais do que alguns meses para<br />

os estudantes voltarem a se articular<br />

a nível nacional. Em junho, reúnem-<br />

se no Rio <strong>de</strong> Janeiro representantes<br />

<strong>de</strong> 12 UEEs, que elegem a Junta<br />

Governativa da UNE encarregada <strong>de</strong><br />

manter <strong>de</strong> pé a entida<strong>de</strong> até a elei-<br />

ção <strong>de</strong> uma nova diretoria. A ativi-<br />

da<strong>de</strong> mais importante <strong>de</strong>ste período<br />

foi o Plebiscito Nacional sobre a Lei<br />

Suplicy, em que 92,5% dos universi-<br />

tários expressam o seu repúdio ás<br />

restrições da autonomin das organi-<br />

zações estudantis.<br />

Em agosto <strong>de</strong> 1965, reúne-se o 27'<br />

Congresso da UNE. A dividir os par-<br />

ticipantes, uma importante questão:<br />

participar ou não das eleições previs-<br />

tas pela Lei Suplicy. Uma corrente<br />

propunha o <strong>de</strong>sprezo total às leis<br />

criadas pelo governo, enquanto que<br />

a outra <strong>de</strong>fendia a participação, por<br />

uma questão tática, nas entida<strong>de</strong>s<br />

atreladas. No Congresso, foi vence-<br />

dora a primeira. No entanto,, na prá-<br />

tica, a aplicação <strong>de</strong>sse boicote iria<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r das condições <strong>de</strong> cada es-<br />

cola.<br />

No ano seguinte, o ressurgimento<br />

do movimento estudantil se faz sen-<br />

tir <strong>de</strong> forma mais efetiva. A mobili-<br />

zação estudantil, se irradiou a par-<br />

tir <strong>de</strong> Minas, na primeira quinzena<br />

<strong>de</strong> março, quando uma passeata em<br />

Belo Horizonte foi brutalmente re-<br />

primida pela polícia, lançando gra-<br />

nadas <strong>de</strong> gás lacrimogênio numa loja<br />

on<strong>de</strong> os estudantes se refugiaram.<br />

Cerca <strong>de</strong> 30 foram feridos e inúme-<br />

ros foram presos. Seguiram-se mani-<br />

festações <strong>de</strong> protesto em inúmeras<br />

cida<strong>de</strong>s do país. Era o início <strong>de</strong> um<br />

corajoso enfrentamento com a polí-<br />

cia que teve como ponto culminante<br />

o primeiro semestre <strong>de</strong> 1968.<br />

O mês <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1966 assistiu<br />

à gran<strong>de</strong> explosão do movimento es-<br />

tudantil.. O estopim foi aceso pelo<br />

"massacre da praia vermelha' : a<br />

polícia invadiu a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Me-<br />

dicina da praia Vermelha, na Gua-<br />

nabara, espancando os dois mil es-<br />

tudantes que lá estavam e <strong>de</strong>pren-<br />

dando o estabelecimento. Em São<br />

Paulo, no dia 7 <strong>de</strong> setembro, a polí-<br />

cia invadiu a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Enge-<br />

nharia Industrial (FEI). <strong>de</strong> São<br />

Bernardo do Campo, dissolvendo o<br />

19' Congresso da UEE - SP e pren-<br />

<strong>de</strong>ndo 178 <strong>de</strong>legados estudantis.<br />

No Brasil inteiro surgiram protes-<br />

tos: a polícia reprimia com violência<br />

na Guanabara, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e<br />

Minas Gerais. Como resposta, a<br />

UNE escolheu a data <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> se-<br />

tembro como Dia Nacional <strong>de</strong> Luta<br />

Contra a Ditadura, com greve geral e<br />

manifestações em todo o país. Em<br />

Belo Horizonte, o Marechal Castelo.<br />

Branco era enquadrado em 10 artigos<br />

da lei <strong>de</strong> Segurança Nacional e em<br />

toda a lei <strong>de</strong> genocídio, um júri si-<br />

mulado na se<strong>de</strong> do DCE. Em Reci-<br />

fe, os estudantes foram <strong>de</strong>salojados<br />

da igreja <strong>de</strong> Santo Antônio pela for-<br />

ça <strong>de</strong> sabres e metralhadoras. Mas as<br />

passeatas cresciam com ampla a<strong>de</strong>-<br />

são <strong>de</strong> populares. Nas passeatas, os<br />

estudantes gritavam em coro: "a-<br />

baixo a ditadura", "o povo quer<br />

feijão, chega <strong>de</strong> canhão", "abaixo<br />

o imperialismo", "um, dois, três.<br />

Castelo no xadrez": o povo aplau-<br />

dia, saudava jogando papel picado,<br />

muitas vezes acompanhava.<br />

Contudo, apesar <strong>de</strong>sses avanços<br />

nas mobilizações <strong>de</strong> massa, as "se-<br />

tembradas" incorreram em muitos<br />

<strong>de</strong>svios e acabaram caindo no ciclo<br />

passeata-repressão-passeata. A polí-<br />

cia, ao reprimir em alguns Esta-<br />

dos, fazia surgir passeatas <strong>de</strong> protes-<br />

to e solidarieda<strong>de</strong> em outros. Os pri-<br />

meiros protestos foram bem aceitos<br />

pela classe média das cida<strong>de</strong>s e entu-<br />

siasmaram os estudantes. Depois<br />

quando os protestos se tornaram me-<br />

cânicos e até monótonos, os próprios<br />

estudantes começaram a protestar<br />

contra tanto protesto e veio o esva-<br />

ziamento.<br />

Além disso, a questão da maneira<br />

<strong>de</strong> enfrentar a polícia não havia sido<br />

corretamente resolvida. Apesar das<br />

táticas empregadas para <strong>de</strong>spistar<br />

ou evitar o acesso da repressão às<br />

ruas on<strong>de</strong> ocorriam manifestações,<br />

quando acontecia <strong>de</strong> a passeata<br />

<strong>de</strong>frontar-se com a repressão, nem<br />

sempre se evitava o choque suicida,<br />

ocasião essas em que a polícia fazia<br />

prisões às centenas. Essa vocação <strong>de</strong><br />

mártir levava, às vezes, os estudan-<br />

tes a apresentarem-se nas ruas en-<br />

quanto a polícia avançava. Os casse-<br />

tetes baixavam e os estudantes grita-<br />

vam: "soldado também é povo, sol-<br />

dado também tem fome". Mas pa-<br />

rece que os soldados não concorda-<br />

vam muito com isso... Só numa pas^<br />

seata das <strong>de</strong> setembro, pren<strong>de</strong>ram<br />

cerca <strong>de</strong> 500 estudantes. Fatos assim<br />

contribuíram para a <strong>de</strong>smobilização<br />

que se seguiu às setembradas.<br />

No fim <strong>de</strong> 1966 e começo <strong>de</strong> 1967, a<br />

UNE continuou fazendo passeatas,<br />

sempre em solidarieda<strong>de</strong> a alguém,<br />

embora comparecessem cada vez<br />

menos pessoas. O mês <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />

1967 trouxe mais passeatas, <strong>de</strong>vido à<br />

prisão <strong>de</strong> 300 estudantes que partici-<br />

pavam do congresso da UNE. Maio<br />

foi um mês <strong>de</strong> muitas lutas: em Por-<br />

to Alegre, a polícia investe contra<br />

500 estudantes que se tinham aloja-<br />

do na Catedral da cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

uma passeata <strong>de</strong> protesto contra a<br />

falta <strong>de</strong> verbas para a educação, re-<br />

primida violentamente; em Curitiba,<br />

os estudantes iniciam greve contra a<br />

nomeação <strong>de</strong> Suplicy <strong>de</strong> Lacerda<br />

para a Reitoria da Universida<strong>de</strong> Fe-<br />

<strong>de</strong>ral do Paraná; dè Botucatu, (SP),<br />

os estudantes iniciam a longa e fa-<br />

mosa marcha a pé até a capital, rei-<br />

vindicando condições mínimas <strong>de</strong><br />

funcionamento para a sua faculda-<br />

<strong>de</strong>; em todas as capitais protesta-se<br />

cointra a visita <strong>de</strong> Nixon ao Brasil.<br />

Em julho <strong>de</strong> 67, a polícia inva<strong>de</strong> o<br />

Conjunto Resi<strong>de</strong>ncial da Universida-<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (CRUSP)para <strong>de</strong>sa-<br />

lojar uma centena <strong>de</strong> estudantes que<br />

haviam ocupado o bloco F. Nesse in-<br />

ci<strong>de</strong>nte há espancamento generaliza-<br />

do sobre os estudantes, mas a polícia<br />

sò conseguiu invadir o prédio e ex-<br />

pulsar os estudantes que o ocupavam<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira batalha,<br />

com muitos tiros e muita violência.<br />

Para impedir a rápida reorganização<br />

dos estudantes <strong>de</strong>salojados, a polícia<br />

abandonou-os em estradas distantes,<br />

em pequenos grupos, em plena ma-<br />

drugada.<br />

No início <strong>de</strong> agosto é realizado o<br />

29' Congresso da UNE, na cida<strong>de</strong><br />

paulista <strong>de</strong> Vinhedo. O encontro,<br />

realizado na mais absoluta clan<strong>de</strong>s-<br />

tinida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>u-se num convento <strong>de</strong><br />

padres beneditinos, que <strong>de</strong>pois fo-<br />

ram presos. A organização do Con-<br />

gresso foi perfeita: a polícia só fi-<br />

cou sabendo <strong>de</strong>pois que ele tinha<br />

acabado e os <strong>de</strong>legados se dispersa-<br />

do. No Congresso, ficou claramente<br />

<strong>de</strong>finido o conflito entre as duas ten-<br />

dências opostas que atuavam no mo-<br />

vimento estudantil: uma, que consi-<br />

<strong>de</strong>rava como sendo "a tarefa funda-<br />

mental do, movimento estudantil a<br />

luta política", e dava priorida<strong>de</strong> à<br />

<strong>de</strong>núncia da ditadura e do imperia-<br />

lismo; a outra, que coníi<strong>de</strong>rava prio-<br />

ritária a luta contra a Política Edu-<br />

cacional do Governo (PEG), e dando<br />

maior ênfase às lutas específicas que<br />

ao se <strong>de</strong>senrolar se transformariam<br />

em lutas políticas. A prmeira ten-<br />

dência era representada por Luiz<br />

Travassos, da Faculda<strong>de</strong> cie Direito<br />

da Puc <strong>de</strong> São Paulo, eleito presi<strong>de</strong>n-<br />

te da UNE na ocasião; a segunda ti-<br />

nha como principal expoente o presi-<br />

<strong>de</strong>nte da UME da Guanabara, Vla-<br />

dimir Palmeira.<br />

Sem mobilizações <strong>de</strong> maior impor-<br />

tância, exceto à Semana <strong>de</strong> Solida-<br />

rieda<strong>de</strong> ao Povo Vietnamita, o ano<br />

<strong>de</strong> 1967 termina como um prelúdio à<br />

gran<strong>de</strong> explosão <strong>de</strong> 1968, que passa-<br />

ria a dividir a história recente das<br />

lutas estudantis em "antes <strong>de</strong> 68 e<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 68". De 1967, fica para a<br />

história, além das mobilizações, um<br />

fato inédito: a prisão <strong>de</strong> 300 estudan-<br />

tes num baile <strong>de</strong> carnaval em Nite-<br />

rói, por cantarem uma canção intitu-<br />

lada "Farsa Negra", uma paródia da<br />

marcha-rancho "Máscara Negra",<br />

<strong>de</strong> Zé Keti: - "Quantos tiras/oh<br />

quantos gorilas/mais <strong>de</strong> mil mili-<br />

cos em ação/ estudante está apa-<br />

nhando/ pelas ruas da cida<strong>de</strong>/ gri-<br />

tando por liberda<strong>de</strong>/ Está fazendo<br />

três anos/ que o seu Castelo en-<br />

trou/ eu sou aquele estudante/ que<br />

apanhou/ mas que gritou/ gritou/./<br />

E nesta farsa tão negra/ que es-<br />

con<strong>de</strong> a verda<strong>de</strong>/ eu quero gritar<br />

liberda<strong>de</strong>/ Vou gritar agora/ não<br />

me leve a mal/ fora o marechal."<br />

Cobra <strong>de</strong> Vidro é o jornal dos<br />

alunos das escolas isoladas.<br />

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