13.07.2013 Views

E que eu não caia sem antes ter entesado a última ... - cpvsp.org.br

E que eu não caia sem antes ter entesado a última ... - cpvsp.org.br

E que eu não caia sem antes ter entesado a última ... - cpvsp.org.br

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

^:K)j?<<strong>br</strong> />

Eu era a Saúde dos olhos,<<strong>br</strong> />

penetr<strong>antes</strong> como flechas..<<strong>br</strong> />

E nós te mergulhamos<<strong>br</strong> />

nos vírus, nos bacilos,<<strong>br</strong> />

nas pestes importadas<<strong>br</strong> />

T<strong>eu</strong> povo reduzimos<<strong>br</strong> />

a um povo de doentes,<<strong>br</strong> />

a um povo de defuntos<<strong>br</strong> />

Missa da Terra Sem Males<<strong>br</strong> />

E <strong>que</strong> <strong>eu</strong> <strong>não</strong> <strong>caia</strong> <strong>sem</strong> <strong>antes</strong> <strong>ter</strong> <strong>entesado</strong> a <strong>última</strong> seta,<<strong>br</strong> />

<strong>sem</strong> <strong>que</strong> m<strong>eu</strong> arco seja passado a outro <strong>br</strong>avo,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> <strong>eu</strong> <strong>caia</strong> apontando para o sol nascente,<<strong>br</strong> />

de onde por mais tene<strong>br</strong>osa <strong>que</strong> tenha sido a noite,<<strong>br</strong> />

há de romper a aurora...<<strong>br</strong> />

Scílla Franco


v///ji^mzí<<strong>br</strong> />

E^a#dl l^i1or*_<<strong>br</strong> />

Muito o<strong>br</strong>igado pelas<<strong>br</strong> />

notícias e pelo boletim<<strong>br</strong> />

TUPARI. Encontrei um<<strong>br</strong> />

artigo da Geralda Soares<<strong>br</strong> />

e outro da Genilma Boe-<<strong>br</strong> />

hler no boletim — duas<<strong>br</strong> />

amigas muito boas de<<strong>br</strong> />

mim — parece <strong>que</strong> o<<strong>br</strong> />

mundo é menor do <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

achamos! .<<strong>br</strong> />

Michele Wolf, Áustria<<strong>br</strong> />

Aos amigos do GTME<<strong>br</strong> />

Não sei exatamente <strong>que</strong>m tem<<strong>br</strong> />

se in<strong>ter</strong>essado em me enviar o<<strong>br</strong> />

boletim <strong>que</strong> vocês editam,<<strong>br</strong> />

mas confesso <strong>que</strong> tem sido<<strong>br</strong> />

motivo de inspiração para<<strong>br</strong> />

m<strong>eu</strong> trabalho.<<strong>br</strong> />

Falo regularmente para alunos<<strong>br</strong> />

da USP - Cidade Universitária<<strong>br</strong> />

e tenho usado a publicação<<strong>br</strong> />

para instruir algumas pales-<<strong>br</strong> />

tras. O<strong>br</strong>igado pela atenção...<<strong>br</strong> />

FALANDO DE SA UDE<<strong>br</strong> />

Na área de saúde, programas preservacionistas preconizam o<<strong>br</strong> />

uso de plantas medicinais ou a integração dos pajés nas curas. As<<strong>br</strong> />

comunidades indígenas, quanto a elas, reivindicam melhorias na<<strong>br</strong> />

qualidade dos serviços de saúde e de ensino. Os índios <strong>não</strong> espe-<<strong>br</strong> />

ram dos <strong>br</strong>ancos <strong>que</strong> lhes reensinem suas tradições, mas <strong>que</strong>rem<<strong>br</strong> />

dominar o português, a matemaática e outras ténicas habitualmen-<<strong>br</strong> />

te monopolizadas pelos <strong>br</strong>ancos. Não se iludem com as conces-<<strong>br</strong> />

sões feitas a s<strong>eu</strong>s saberes tradicionais quando são relegados à con-<<strong>br</strong> />

dição de enfeites culturais e quando se acompanham de evidente<<strong>br</strong> />

ineficácia no combate às epidemias.<<strong>br</strong> />

Luís Donisete Benzi Grupioni • "índios no Brasil", pág. 132, SMC, SP<<strong>br</strong> />

... O progressivo e quase total esvaziamento das ações de saú-<<strong>br</strong> />

de da FUNAI ao nível das aldeias é um dos problemas cruciais<<strong>br</strong> />

com <strong>que</strong> se defrontam as comunidades indígenas de todo o país.<<strong>br</strong> />

... O acesso ao Sistema Único de Saúde em s<strong>eu</strong>s diferentes ní-<<strong>br</strong> />

veis de complexidade, em tortuoso curso de implantação no país,<<strong>br</strong> />

continha sendo apenas teórico para a maior parte da população in-<<strong>br</strong> />

dígena. Além disso ainda <strong>não</strong> está esclarecido como serão desen-<<strong>br</strong> />

volvidas as ações de saúde nas comunidades indígenas e de <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

forma será assegurado o respeito às carac<strong>ter</strong>ísticas culturais e prá-<<strong>br</strong> />

ticas tradicionais dos diferentes grupos, <strong>sem</strong> deixar de lado os be-<<strong>br</strong> />

nefícios da medicina ocidental.<<strong>br</strong> />

... Deve-se ressaltar, no entanto, <strong>que</strong> embora as <strong>org</strong>anizações<<strong>br</strong> />

<strong>não</strong>-governamentais possam desenvolver algumas ações comple-<<strong>br</strong> />

mentares, <strong>não</strong> cabe a elas assumirem responsabilidades e progra-<<strong>br</strong> />

mas <strong>que</strong> são da alçada do Governo Federal. É importante <strong>que</strong> o<<strong>br</strong> />

envolvimento de entidades <strong>não</strong>-governamentais em projetos e pro-<<strong>br</strong> />

gramas de saúde <strong>não</strong> leve a um<<strong>br</strong> />

maior esvaziamento das ações<<strong>br</strong> />

do governo federal e <strong>que</strong> as jus-<<strong>br</strong> />

tas reivindicações do índio por<<strong>br</strong> />

melhores condições de vida e<<strong>br</strong> />

saúde <strong>não</strong> sejam desviadas dos<<strong>br</strong> />

órgãos governamentais respon-<<strong>br</strong> />

sáveis para as entidades <strong>não</strong>-go-<<strong>br</strong> />

vernamentais...<<strong>br</strong> />

Publicado pela Unidade de Saú-<<strong>br</strong> />

de e Meio Ambiente. Departa-<<strong>br</strong> />

mento de Medicina Preventina.<<strong>br</strong> />

Escola Paulista de Medicina.<<strong>br</strong> />

Vol. 2-n 0 2-Jun/92.<<strong>br</strong> />

TUPARI MARÇO/93<<strong>br</strong> />

Não sei como, mas se <strong>eu</strong> pu-<<strong>br</strong> />

der ser útil de alguma forma<<strong>br</strong> />

para o GTME, gostaria <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

me incluís<strong>sem</strong> nos s<strong>eu</strong>s pla-<<strong>br</strong> />

nos. Luto pelo ideal indígena<<strong>br</strong> />

desde 1^52, quando iniciamos<<strong>br</strong> />

a missa. rpdas Co<strong>br</strong>as, en-<<strong>br</strong> />

tre os Caingangues/Guaranis<<strong>br</strong> />

pela Igreja Metodista.<<strong>br</strong> />

A<strong>br</strong>aços sinceros do compa-<<strong>br</strong> />

nheiro.<<strong>br</strong> />

Geraldo Esteves<<strong>br</strong> />

Paz e Justiça!<<strong>br</strong> />

Recebi o Tupari do mês de<<strong>br</strong> />

dezem<strong>br</strong>o e está ótimo.<<strong>br</strong> />

Estou enviando um che<strong>que</strong> de<<strong>br</strong> />

Cr$ 50.000,00 para você<<strong>br</strong> />

mandar mais uns cinco jor-<<strong>br</strong> />

nais, pois <strong>que</strong>ro enviar para<<strong>br</strong> />

alguns colegas.<<strong>br</strong> />

Gostaria de saber o valor de<<strong>br</strong> />

novas assinaturas.<<strong>br</strong> />

No mês de março irei passar<<strong>br</strong> />

uns meses com os "Pataxós"<<strong>br</strong> />

na Bahia. Depois enviarei<<strong>br</strong> />

a<strong>que</strong>le artigo <strong>que</strong> prometi so-<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>e "Povo de D<strong>eu</strong>s faz Histó-<<strong>br</strong> />

ria lutando pelas Organiza-<<strong>br</strong> />

ções Indígenas".<<strong>br</strong> />

Um fra<strong>ter</strong>nal a<strong>br</strong>aço do servo<<strong>br</strong> />

menor Ademário (Taiguã) - pastor IPU<<strong>br</strong> />

Formosa, GO<<strong>br</strong> />

Prezados/as amigos/as,<<strong>br</strong> />

Parabéns a toda equipe GT-<<strong>br</strong> />

ME <strong>que</strong> faz o TUPARI, pelo<<strong>br</strong> />

ri 0 41 de dez/92, agradeço pe-<<strong>br</strong> />

lo envio do "novo mundo no-<<strong>br</strong> />

vo"<<strong>br</strong> />

A<strong>br</strong>aços,<<strong>br</strong> />

on Silva - CIMI/Pernambuco<<strong>br</strong> />

MEDICINA KRENAK<<strong>br</strong> />

A medicina indíscna<<strong>br</strong> />

ensiaadã aos Krenak por<<strong>br</strong> />

Joaquim Grande.<<strong>br</strong> />

Relato de Sônia Krenak.<<strong>br</strong> />

"Quando ele era novo e<<strong>br</strong> />

<strong>eu</strong> era criança, era muito<<strong>br</strong> />

difícil tomar remédio de<<strong>br</strong> />

médico lá. Ele fazia pra<<strong>br</strong> />

DÓS.<<strong>br</strong> />

DOR DE BARRIGA:<<strong>br</strong> />

(Mal do estômago)<<strong>br</strong> />

Esfregava a folha dn melão<<strong>br</strong> />

de São Caetano bem e.sfrepa-<<strong>br</strong> />

dinho. Espremia dentro de uni<<strong>br</strong> />

. • , ■ ■ , ■•■■■■■■<<strong>br</strong> />

pitadinba de sal. Esse remédio<<strong>br</strong> />

fazia a gente vomitar mdo <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

estava dentro da barriga. Curava<<strong>br</strong> />

na hora.<<strong>br</strong> />

DOR DE BARRIGA:<<strong>br</strong> />

Arrancava a buta, raspava,<<strong>br</strong> />

cortava os pedacinho e botava<<strong>br</strong> />

na água. Quando aquilo lava<<strong>br</strong> />

bem amargando, dava prá to-<<strong>br</strong> />

mar. Buta é bom prá emagre-<<strong>br</strong> />

cer, faz abortar.<<strong>br</strong> />

GRIPE:<<strong>br</strong> />

Folha de fedegoso com folha<<strong>br</strong> />

de laranja. Fazia chá. Tudo<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> era adjunto do mato. de<<strong>br</strong> />

tlorzinha <strong>que</strong> ele soubesse <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

era remédio, ele pegava e fa-<<strong>br</strong> />

zia xarope prá gripe. E dava<<strong>br</strong> />

nós. Nunca levou nós no mé-<<strong>br</strong> />

dico prá tomar remédio. Nós<<strong>br</strong> />

tratava com remédio do mato.<<strong>br</strong> />

GRIPE:<<strong>br</strong> />

Tudo enquanto é tlor de laran-<<strong>br</strong> />

malmequcr etc juntava e dava<<strong>br</strong> />

sber."<<strong>br</strong> />

PRA VOCÊ REFLE-<<strong>br</strong> />

TIR:<<strong>br</strong> />

cê sabe fazer remédios<<strong>br</strong> />

EXPEDIENTE<<strong>br</strong> />

O Tupari é o Informativo trimestral do Grupo de Trabalho Missionário Evangélico -GTME. Está destinado a velcula-<<strong>br</strong> />

ção in<strong>ter</strong>na de Informações so<strong>br</strong>e os povos Indígenas e os trabalhos missionários de solidariedade.<<strong>br</strong> />

Avenida dos Trabalhadores, 3.419 - Bairro Carumbé<<strong>br</strong> />

Caixa Postal 642<<strong>br</strong> />

78.005-970 - Cuiabá-MT - Brasil<<strong>br</strong> />

Fax/Telefone: (065) 322-7476<<strong>br</strong> />

Equipe de Redação:<<strong>br</strong> />

Arllndo Leite,<<strong>br</strong> />

Jaider Batista da Silva<<strong>br</strong> />

Rubens Selbel e<<strong>br</strong> />

Vllli FritzSeilert.<<strong>br</strong> />

Dlagramação/paginação: Cláudio Castro<<strong>br</strong> />

Composição, Fotollto e Impressão:<<strong>br</strong> />

Central Gráfica e Editora Centro Oeste Ltda<<strong>br</strong> />

Rua Cursino do Amarante, 881 - Fone 321-3215 - Cuiabá-MT<<strong>br</strong> />

...Este boletim é elaborado a par-<<strong>br</strong> />

tir das contribuições de amigos e<<strong>br</strong> />

amigas dos povos indígenas, <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

enviam, de todas as partes do<<strong>br</strong> />

País, textos, notícias, poemas, in-<<strong>br</strong> />

formações, criticas e sugestões.<<strong>br</strong> />

A todos/ as somos muito agra-<<strong>br</strong> />

decidos.


MARÇO/93 TUPARI<<strong>br</strong> />

TEOLOGIA<<strong>br</strong> />

Aprender a dançar com o espírito<<strong>br</strong> />

Você está <strong>que</strong>rendo a história<<strong>br</strong> />

do Alama; <strong>eu</strong> vou contar. Não tu-<<strong>br</strong> />

do, se<strong>não</strong> a gente vai amanhecer<<strong>br</strong> />

aqui hoje, né? Mas a história dele<<strong>br</strong> />

é muito importante. Era um ho-<<strong>br</strong> />

mem <strong>que</strong> era o nosso pastor, quan-<<strong>br</strong> />

do todos os Gavião eram crentes.<<strong>br</strong> />

Era o grande pastor. Chegava<<strong>br</strong> />

aqui, ele dizia <strong>que</strong> a gente <strong>não</strong> po-<<strong>br</strong> />

dia beber, <strong>não</strong> podia namorar e tu-<<strong>br</strong> />

do aquilo, né? E todo mundo che-<<strong>br</strong> />

gava e olhava para ele e falava:<<strong>br</strong> />

"Pô, esse homem está falando a<<strong>br</strong> />

palavra de D<strong>eu</strong>s, certo, né? Vamos<<strong>br</strong> />

respeitar ele, vamos obedecer a pa-<<strong>br</strong> />

lavra de D<strong>eu</strong>s". Ele passou mais<<strong>br</strong> />

ou menos lutando e ensinando o<<strong>br</strong> />

povo Gavião. Um dia ele fez uma<<strong>br</strong> />

roça e lá, depois da derrubada, no<<strong>br</strong> />

tempo da <strong>que</strong>imada, ele tocou fogo<<strong>br</strong> />

na roça. Aí já estava pronto para<<strong>br</strong> />

plantar e ele começou a carregar<<strong>br</strong> />

muda de banana para plantar na ro-<<strong>br</strong> />

ça dele. Aí, quando ele estava car-<<strong>br</strong> />

regando a muda de banana, ele viu<<strong>br</strong> />

um bicho <strong>que</strong> o seringueiro chama<<strong>br</strong> />

jacami, um pássaro grande. Aí o<<strong>br</strong> />

bichinho chegou bem perto dele<<strong>br</strong> />

assim, piando e ele perguntou:<<strong>br</strong> />

"Por <strong>que</strong> esse bicho está manso<<strong>br</strong> />

assim?". Aí ele jogou um pedaço<<strong>br</strong> />

de pau para ba<strong>ter</strong> na cabeça desse<<strong>br</strong> />

pássaro e o pau <strong>não</strong> pegou na cabe-<<strong>br</strong> />

ça dele. Aí, na mesma hora, apare-<<strong>br</strong> />

c<strong>eu</strong> um da<strong>que</strong>les porcões-do-mato,<<strong>br</strong> />

bem grande mesmo. Ele estava de-<<strong>br</strong> />

sarmado. Aí ele lem<strong>br</strong>ou: "Eu sei<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> você é Satanás. É você <strong>que</strong> es-<<strong>br</strong> />

tá me tentando, está estragando a<<strong>br</strong> />

minha vida. Eu sei <strong>que</strong> você é Sa-<<strong>br</strong> />

tanás". Aí ele cortou o pau pafa<<strong>br</strong> />

ba<strong>ter</strong> no porco, mas ele <strong>não</strong> tinha<<strong>br</strong> />

forças mais para cortar pau para<<strong>br</strong> />

matar o porco. Aí faltou a luz da<<strong>br</strong> />

vista dele. Como quando a luz apa-<<strong>br</strong> />

ga, ninguém enxerga mais. Acon-<<strong>br</strong> />

tec<strong>eu</strong> igual com a luz da vista. Aí<<strong>br</strong> />

ele voltou para casa. Voltou, pe-<<strong>br</strong> />

gou a espingarda meio tonto e vol-<<strong>br</strong> />

tou lá. Não encontrou nem jacami<<strong>br</strong> />

nem porco. Aí ele começou a tre-<<strong>br</strong> />

mer. Na mesma hora, ele pegou<<strong>br</strong> />

fe<strong>br</strong>e. Deitou. Falou <strong>que</strong> viu um<<strong>br</strong> />

bicho, e a mulher dele começou a<<strong>br</strong> />

chorar. Eu <strong>não</strong> sei como é <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>anco fala, né? Eu sei mais ou<<strong>br</strong> />

menos, <strong>que</strong> é Pai-da-Mata, <strong>não</strong> sei<<strong>br</strong> />

se é bem isso <strong>que</strong> chama. Os ín-<<strong>br</strong> />

dios têm vários nomes. Eu conhe-<<strong>br</strong> />

ço assim, como Pai-da-Mata. Eu<<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> sei se vocês falam assim. Aí<<strong>br</strong> />

ela disse: "Pode ser Pai-da-Mata<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> machucou m<strong>eu</strong> marido". Aí<<strong>br</strong> />

ele tomou remédio, foi no hospital<<strong>br</strong> />

da Funai, lá no posto mesmo, lá na<<strong>br</strong> />

aldeia, tomou remédio. Nada sa-<<strong>br</strong> />

rou. O homem estava piorando.<<strong>br</strong> />

Diminuía a fe<strong>br</strong>e, outra hora ia pa-<<strong>br</strong> />

ra quarenta graus, e assim vai in-<<strong>br</strong> />

do. E nada. O homem <strong>não</strong> sarou.<<strong>br</strong> />

Aí passei um rádio, e a Funai man-<<strong>br</strong> />

dou o avião buscar ele. Ele entrou<<strong>br</strong> />

no avião e foi para Porto Velho.<<strong>br</strong> />

Ficou em Porto Velho, e acho <strong>que</strong>,<<strong>br</strong> />

mais ou menos uma <strong>sem</strong>ana de-<<strong>br</strong> />

pois, dizem <strong>que</strong> o Pai-da-Mata<<strong>br</strong> />

chegou, de novo, lá na Casa do ín-<<strong>br</strong> />

dio. Tá em Porto Velho e é tudo<<strong>br</strong> />

cercado. Lá tem muro, tem guarda<<strong>br</strong> />

no portão para índio <strong>não</strong> sair fora<<strong>br</strong> />

de hora. E o índio sumiu, desapa-<<strong>br</strong> />

rec<strong>eu</strong>. Não sei para onde foi, né?<<strong>br</strong> />

E a Funai ficou com medo. Não<<strong>br</strong> />

passou rádio para nós dizendo o<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> acontec<strong>eu</strong>. Dez dias depois,<<strong>br</strong> />

nós ficamos sabendo <strong>que</strong> o índio<<strong>br</strong> />

fugiu da Casa do índio. Ai' <strong>eu</strong> fui<<strong>br</strong> />

atrás dele em Porto Velho, e nem<<strong>br</strong> />

rastro nem nada a gente encontrou.<<strong>br</strong> />

Voltamos para a aldeia. Queima-<<strong>br</strong> />

ram roupa, <strong>que</strong>imaram casa, <strong>que</strong>i-<<strong>br</strong> />

maram tudo. Estragaram a roça<<strong>br</strong> />

dele — <strong>sem</strong>pre <strong>que</strong> um índio mor-<<strong>br</strong> />

re, estragam tudo. E, aí, é engra-<<strong>br</strong> />

çado mesmo. Despois de quatro<<strong>br</strong> />

meses, ele aparec<strong>eu</strong> na casa dele.<<strong>br</strong> />

Ele chegou. Seis horas da manhã.<<strong>br</strong> />

Ele estava lá no meio do pessoal.<<strong>br</strong> />

Todo mundo <strong>que</strong>ria ver ele — ín-<<strong>br</strong> />

dio ao redor das casas e lá vem es-<<strong>br</strong> />

se tal de Alama: um homem <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

mudou. Ele ficou tão diferente,<<strong>br</strong> />

trouxe o arco na mão. Rapaz, era<<strong>br</strong> />

uma coisa diferente. Não era assim<<strong>br</strong> />

como nós estamos agora. O cara<<strong>br</strong> />

mudou, emagrec<strong>eu</strong>. Ficamos mais<<strong>br</strong> />

ou menos um mês lutando com<<strong>br</strong> />

a<strong>que</strong>le homem. Ele contando histó-<<strong>br</strong> />

ria de como acontec<strong>eu</strong>, como o<<strong>br</strong> />

Pai-da-Mata carregou ele. Ele en-<<strong>br</strong> />

trou dizendo, né? Como aqui <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

tem o metrô debaixo da <strong>ter</strong>ra, tem<<strong>br</strong> />

outra estrada debaixo da <strong>ter</strong>ra, pa-<<strong>br</strong> />

ra viver lá embaixo. Como vocês<<strong>br</strong> />

têm metrô para entrar no buraco e<<strong>br</strong> />

sair de lá do outro lado, né? Igual<<strong>br</strong> />

tatu. Uma hora ele estava debaixo<<strong>br</strong> />

da <strong>ter</strong>ra, outra hora debaixo da<<strong>br</strong> />

água, outra hora lá no outro canto,<<strong>br</strong> />

e lá ele viu o pai dele. O pai dele<<strong>br</strong> />

já tinha morrido há muito tempo.<<strong>br</strong> />

Ele conhecia o pai dele. Quando o<<strong>br</strong> />

pai dele viu ele, veio a<strong>br</strong>açar, mas<<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> deixou ele a<strong>br</strong>açar. Ele <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

era morto, mas ele era vivo mes-<<strong>br</strong> />

mo, pessoalmente, conhecendo es-<<strong>br</strong> />

píritos. Ele viu o pai dele, ele viu a<<strong>br</strong> />

mãe dele, ele viu o primo dele,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> morr<strong>eu</strong>, viu todo o pessoal de<<strong>br</strong> />

lá. Ele dançou junto com o espíri-<<strong>br</strong> />

to, vivia com o espírito, comia co-<<strong>br</strong> />

mida de espírito. Tudo ele contou.<<strong>br</strong> />

Contam a história até hoje. Bom, a<<strong>br</strong> />

gente <strong>não</strong> tem prova para dizer <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

ele viv<strong>eu</strong> com o espírito, né? Mas,<<strong>br</strong> />

da nossa parte, ele é um homem<<strong>br</strong> />

sério. Ele nunca mentiu. Então,<<strong>br</strong> />

por isso <strong>que</strong> os Gavião estão acre-<<strong>br</strong> />

ditando <strong>que</strong> ele <strong>não</strong> é homem men-<<strong>br</strong> />

tiroso, estamos acreditando <strong>que</strong> ele<<strong>br</strong> />

conta tudo para nós como vive. Ele<<strong>br</strong> />

aprend<strong>eu</strong> a viver junto com espíri-<<strong>br</strong> />

to. Aprend<strong>eu</strong> a dançar com espíri-<<strong>br</strong> />

to. Tudo isso ele aprend<strong>eu</strong>. E hoje<<strong>br</strong> />

ele é grande pajé nosso.<<strong>br</strong> />

Narrativa de Sebirope Gavião ■<<strong>br</strong> />

(Extraída do livro "O índio On-<<strong>br</strong> />

tem, Hoje e Amanhã" Edusp,<<strong>br</strong> />

SP)<<strong>br</strong> />

índio, da Missão Maynas, dançando na Igreja<<strong>br</strong> />

"A função da Arte 12"<<strong>br</strong> />

O pastor Miguel Brun me contou <strong>que</strong> há alguns anos esteve<<strong>br</strong> />

com os índios do Chaco paraguaio. Ele formava parte de uma<<strong>br</strong> />

missão evangelizadora. Os missionários visitaram um caci<strong>que</strong><<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> tinha fama de ser muito sábio. O caci<strong>que</strong>, um gordo quieto<<strong>br</strong> />

e calado, escutou <strong>sem</strong> prestanejar a propaganda religiosa <strong>que</strong> le-<<strong>br</strong> />

ram para ele na língua dos índios. Quando a leitura <strong>ter</strong>minou,<<strong>br</strong> />

os missionários ficaram esperando.<<strong>br</strong> />

O caci<strong>que</strong> levou um tempo. Depois opinou:<<strong>br</strong> />

— Você coca. E coca bastante, e coca bem.<<strong>br</strong> />

E sentenciou:<<strong>br</strong> />

— Mas onde você coca <strong>não</strong> coca.<<strong>br</strong> />

(Eduardo Galeano. O Livro dos A<strong>br</strong>aços, p. 28. - Ed. LPM. Porto<<strong>br</strong> />

Alegre, 1991.)


O governo <strong>br</strong>asileiro realiza<<strong>br</strong> />

mais uma operação policia-<<strong>br</strong> />

lesca destinada a forjar as apa-<<strong>br</strong> />

rências do <strong>que</strong> pretende chamar<<strong>br</strong> />

política indigenista. A nova ope-<<strong>br</strong> />

ração de retirada de garimpeiros<<strong>br</strong> />

invasores da área ianomâmi de-<<strong>br</strong> />

verá repetir fracassos registrados<<strong>br</strong> />

nos governos Sarney e Collor.<<strong>br</strong> />

Sem tratar da <strong>que</strong>stão em todos<<strong>br</strong> />

s<strong>eu</strong>s componentes sócio-econô-<<strong>br</strong> />

micos, ela é inócua.<<strong>br</strong> />

Não se pretende realizar a de-<<strong>br</strong> />

fesa de garimpeiros. Pelo contrá-<<strong>br</strong> />

rio, a imediata retirada dos inva-<<strong>br</strong> />

sores é uma imposição da lei e<<strong>br</strong> />

do respeito à vida dos indígenas<<strong>br</strong> />

ameaçados pelas doenças do ho-<<strong>br</strong> />

mem dito civilizado.<<strong>br</strong> />

O caso ianomâmi, por sua di-<<strong>br</strong> />

mensão e complexidade, torna-se<<strong>br</strong> />

emblemático. Eles são o último<<strong>br</strong> />

grande povo indígena das Améri-<<strong>br</strong> />

cas a viver em estado primitivo,<<strong>br</strong> />

enfrentando s<strong>eu</strong>s primeiros con-<<strong>br</strong> />

tatos com o homem <strong>br</strong>anco.<<strong>br</strong> />

Para se compreender a atual<<strong>br</strong> />

situação deve-se rever alguns fa-<<strong>br</strong> />

tos. A invasão de garimpeiros foi<<strong>br</strong> />

iniciada em 1986, crescendo as-<<strong>br</strong> />

sustadoramente até 1988, quando<<strong>br</strong> />

então somava cerca de 40 mil ho-<<strong>br</strong> />

mens. No final do governo Sar-<<strong>br</strong> />

ney, em 1989, foi realizada a<<strong>br</strong> />

primeira suposta operação de re-<<strong>br</strong> />

tirada de garimpeiros, <strong>sem</strong> resul-<<strong>br</strong> />

tados concretos. Atento às com-<<strong>br</strong> />

panhas nacional e in<strong>ter</strong>nacional<<strong>br</strong> />

em defesa dos direitos humanos,<<strong>br</strong> />

Collor, ao assumir a presidência,<<strong>br</strong> />

em 1990, decide fazer desta<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong>stão indígena s<strong>eu</strong> emblema<<strong>br</strong> />

mercadológico.<<strong>br</strong> />

Foram então realizadas mais<<strong>br</strong> />

três operações de retirada dos ga-<<strong>br</strong> />

rimpeiros. Apenas a <strong>última</strong> de-<<strong>br</strong> />

las, em março de 1992, pouco<<strong>br</strong> />

<strong>antes</strong> da ECO-92, desintrusou to-<<strong>br</strong> />

talmente a área. Ironicamente, a<<strong>br</strong> />

nova reinvasão da área ianomâmi<<strong>br</strong> />

iniciou-se meses depois, em ju-<<strong>br</strong> />

nho, ainda durante a ECO-92.<<strong>br</strong> />

Portanto, desde 1988 reali-<<strong>br</strong> />

zam-se tentativas infrutíferas de<<strong>br</strong> />

retriada dos garimpeiros. Sua<<strong>br</strong> />

persistência em ali permanecer é<<strong>br</strong> />

reflexo do investimento de capi-<<strong>br</strong> />

tal feito ao longo desses anos,<<strong>br</strong> />

quando foram construídas cerca<<strong>br</strong> />

de 120 pistas de pouso em meio à<<strong>br</strong> />

selva para possibilitar a entrada<<strong>br</strong> />

de milhares de homens, s<strong>eu</strong> sus-<<strong>br</strong> />

tento e a operação de centenas de<<strong>br</strong> />

motores-bomba a diesel.<<strong>br</strong> />

A incrível capacidade opera-<<strong>br</strong> />

cional dos garimpeiros explica-se<<strong>br</strong> />

pelo fato de eles, historicamente,<<strong>br</strong> />

produzirem mais ouro do <strong>que</strong> as<<strong>br</strong> />

empresas de mineração. Tal si-<<strong>br</strong> />

TUPARI MARÇO/93<<strong>br</strong> />

USL KJL.nKJ<<strong>br</strong> />

A encenação ianomâmi<<strong>br</strong> />

tuação deve se inver<strong>ter</strong> já em<<strong>br</strong> />

1993, com o esgotamento das re-<<strong>br</strong> />

servas de ouro nas áreas "garim-<<strong>br</strong> />

páveis".<<strong>br</strong> />

Os fatos de Roraima represen-<<strong>br</strong> />

tam somente<<strong>br</strong> />

um microcos- ^^^' mil '^^^ m<<strong>br</strong> />

mo do proble-<<strong>br</strong> />

ma causado<<strong>br</strong> />

pelo garimpo<<strong>br</strong> />

em diversas re-<<strong>br</strong> />

giões do país.<<strong>br</strong> />

Calcula o<<strong>br</strong> />

DNPM existi-<<strong>br</strong> />

rem 400 mil ^^^^ m ' m ^ m<<strong>br</strong> />

garimpeiros, principalmente nos<<strong>br</strong> />

Estados do Norte, no cálculo dos<<strong>br</strong> />

póprios garimpeiros, eles somam<<strong>br</strong> />

um milhão. É um contingente<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> ou aceita trabalhar em regi-<<strong>br</strong> />

me de <strong>sem</strong>i-escravidão em busca<<strong>br</strong> />

do metal ou insere-se no lumpe-<<strong>br</strong> />

Novamente, o governo<<strong>br</strong> />

desperdiça o dinheiro<<strong>br</strong> />

público e usa os índios<<strong>br</strong> />

para fazer populismo<<strong>br</strong> />

sinato urbano.<<strong>br</strong> />

Não é dele, certamente, o lu-<<strong>br</strong> />

cro fabuloso do garimpo. Ele<<strong>br</strong> />

pertence a cerca de 100 empresá-<<strong>br</strong> />

rios <strong>que</strong> se apropriam do traba-<<strong>br</strong> />

lho, da saúde e<<strong>br</strong> />

da própria vida<<strong>br</strong> />

do garimpeiro.<<strong>br</strong> />

O benefício so-<<strong>br</strong> />

cial dessa ati-<<strong>br</strong> />

vidade <strong>não</strong> é<<strong>br</strong> />

refletido na so-<<strong>br</strong> />

ciedade, <strong>que</strong>,<<strong>br</strong> />

ao contrário,<<strong>br</strong> />

^■^"^■■ , ■ sofre com os<<strong>br</strong> />

efeitos inflacionários da atividade<<strong>br</strong> />

garimpeira so<strong>br</strong>e sua economia<<strong>br</strong> />

tradicional.<<strong>br</strong> />

É claro <strong>que</strong> <strong>não</strong> haveria em<<strong>br</strong> />

Roraima esse quadro de explora-<<strong>br</strong> />

ção <strong>sem</strong> apoio político munici-<<strong>br</strong> />

pal, estadual e federal. No âmbi-<<strong>br</strong> />

Pista de pouso para aviões do garimpo - Alto MucaJaí-RR<<strong>br</strong> />

to federal, o garimpo sustenta-se<<strong>br</strong> />

no Executivo e no Legislativo.<<strong>br</strong> />

A maioria dos parlamentares<<strong>br</strong> />

do Norte insiste <strong>sem</strong>analmente<<strong>br</strong> />

em fazer discursos de coloração<<strong>br</strong> />

verde-nacionalista de apoio vela-<<strong>br</strong> />

do ao garimpo. Como já demons-<<strong>br</strong> />

trou a Folha, são deputados e se-<<strong>br</strong> />

nadores, na sua maioria, naturais<<strong>br</strong> />

de outros Estados e <strong>que</strong> migra-<<strong>br</strong> />

ram para o Norte por oportunis-<<strong>br</strong> />

mo eleitoral. Além do apoio polí-<<strong>br</strong> />

tico, os garimpeiros contam ain-<<strong>br</strong> />

da com o respaldo de militares,<<strong>br</strong> />

especialmente do Exército. O<<strong>br</strong> />

"Projeto Calha Norte", dentro<<strong>br</strong> />

do conjunto do pensamento estra-<<strong>br</strong> />

tégico militar, prega a necessida-<<strong>br</strong> />

de de uma "vivificação", ou<<strong>br</strong> />

"humanização" da fronteira nor-<<strong>br</strong> />

te, <strong>que</strong> seria propiciada pelos ga-<<strong>br</strong> />

rimpeiros.<<strong>br</strong> />

Existe ainda o apoio indireto<<strong>br</strong> />

do Ministério da Justiça, <strong>que</strong> <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

solicitou a verba orçamentária<<strong>br</strong> />

necessária para demarcar as <strong>ter</strong>-<<strong>br</strong> />

ras indígenas em 1993, nem mes-<<strong>br</strong> />

mo para a adequada operação de<<strong>br</strong> />

s<strong>eu</strong> órgão indígena, a Fundação<<strong>br</strong> />

Nacional do índio. Vai recair so-<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>e o governo Itamar a responsa-<<strong>br</strong> />

bilidade pelo descumprimento do<<strong>br</strong> />

artigo 67 das Disposições Transi-<<strong>br</strong> />

tórias dà Constituição, <strong>que</strong> de<strong>ter</strong>-<<strong>br</strong> />

mina estarem todas as <strong>ter</strong>ras indí-<<strong>br</strong> />

genas do país demarcadas até ou-<<strong>br</strong> />

tu<strong>br</strong>o deste ano. Também <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

existe, da parte do Executivo,<<strong>br</strong> />

qual<strong>que</strong>r negociação com o Le-<<strong>br</strong> />

gislativo para normatizar a mine-<<strong>br</strong> />

ração empresarial em <strong>ter</strong>ras indí-<<strong>br</strong> />

genas, prevista na Constituição e<<strong>br</strong> />

tema de 17 projetos de lei atual-<<strong>br</strong> />

mente em tramitação no Con-<<strong>br</strong> />

gresso.<<strong>br</strong> />

Portanto, <strong>sem</strong> uma saída para<<strong>br</strong> />

a exploração mineral racional das<<strong>br</strong> />

ri<strong>que</strong>zas existentes nas áreas in-<<strong>br</strong> />

dígenas, e <strong>sem</strong> a vontade política<<strong>br</strong> />

de garantir aos grupos indígenas<<strong>br</strong> />

s<strong>eu</strong>s direitos constitucionais, de<<strong>br</strong> />

nada adiantará mais uma opção<<strong>br</strong> />

de retirada de garimpeiros da<<strong>br</strong> />

área ianomâmi. A situação vivida<<strong>br</strong> />

pelo povo ianomâmi, como tam-<<strong>br</strong> />

bém por outros indígenas, re<strong>que</strong>r<<strong>br</strong> />

ação imediata do Estado. Sem<<strong>br</strong> />

uma ação global estará se repe-<<strong>br</strong> />

tindo mais um desperdício do di-<<strong>br</strong> />

nheiro público, às custas da utili-<<strong>br</strong> />

zação populista da imagem indí-<<strong>br</strong> />

gena.<<strong>br</strong> />

TUGA ANGERAMI, 42, é deputa-<<strong>br</strong> />

do federal pelo PSDB de São<<strong>br</strong> />

Paulo. Foi presidente da Comis-<<strong>br</strong> />

são de Defesa do Consumidor,<<strong>br</strong> />

Melo Ambiente e Minorias, da<<strong>br</strong> />

Câmara dos Deputados.<<strong>br</strong> />

Publicado na Folha de S. Paulo,<<strong>br</strong> />

03/03/93


MARÇO/93 TUPARI<<strong>br</strong> />

CASO MARÇAL<<strong>br</strong> />

10 ANOS DE IMPUNIDADE<<strong>br</strong> />

HÁ DEZ ANOS, O LÍDER<<strong>br</strong> />

MARÇAL TUPA-I FOI ASSASSINADO<<strong>br</strong> />

E A JUSTIÇA BRASILEIRA,<<strong>br</strong> />

ATÉ HOJE AINDA NAO REALIZOU<<strong>br</strong> />

O JULGAMENTO DOS ACUSADOS.<<strong>br</strong> />

1 - A VIDA DE MARÇAL TUPÃ-I<<strong>br</strong> />

Marcai Tupã-I nasc<strong>eu</strong> no dia 24 de de-<<strong>br</strong> />

zem<strong>br</strong>o de 1920, na região de Doura-<<strong>br</strong> />

dos, Estado do Mato Grosso do Sul,<<strong>br</strong> />

Brasil. De<strong>sem</strong>penhou nas aldeias fun-<<strong>br</strong> />

ções de professor de crianças órfãs<<strong>br</strong> />

("nhanderoga"), enfermeiro e intér-<<strong>br</strong> />

prete, pois além de dominar todo os<<strong>br</strong> />

dialetos de sua língua guarani, falava o<<strong>br</strong> />

português e o inglês. Considerado um<<strong>br</strong> />

dos índios mais intelectualizados do sé-<<strong>br</strong> />

culo, foi porta-voz e representante de<<strong>br</strong> />

nações indígenas na ONU. Proferiu<<strong>br</strong> />

muitas palestras na Universidade de S.<<strong>br</strong> />

Paulo e na Associação Brasileira de<<strong>br</strong> />

Imprensa. Participou de inúmeros se-<<strong>br</strong> />

minários nacionais e in<strong>ter</strong>nacionais,<<strong>br</strong> />

<strong>sem</strong>pre falando em benefício de s<strong>eu</strong>s<<strong>br</strong> />

irmãos indígenas. Foi um dos fundado-<<strong>br</strong> />

res e primeiro vice-presidente da<<strong>br</strong> />

União das Nações Indígenas (UNI).<<strong>br</strong> />

Nos últimos anos de vida. Marcai ca-<<strong>br</strong> />

nalizou toda a sua capacidade em favor<<strong>br</strong> />

da demarcação da área indígena de Pi-<<strong>br</strong> />

rakuá, município de Bela Vista, Mato<<strong>br</strong> />

Grosso do Sul.<<strong>br</strong> />

"M<strong>eu</strong> nome é Tupã-I. Este é m<strong>eu</strong> no-<<strong>br</strong> />

me, m<strong>eu</strong> verdadeiro nome. M<strong>eu</strong> nome<<strong>br</strong> />

de batismo pelo ritual guarani. Quando<<strong>br</strong> />

era pe<strong>que</strong>no, fui batizado por caci<strong>que</strong>.<<strong>br</strong> />

Não sou um homem grande, sou pe-<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong>nino. Sou da Tribo Guarani. Falo<<strong>br</strong> />

m<strong>eu</strong> idioma e m<strong>eu</strong> dialeto com cari-<<strong>br</strong> />

nho" (Marcai)<<strong>br</strong> />

2 - SUA LUTA FINAL<<strong>br</strong> />

Foi por volta dos anos 70 <strong>que</strong> Marcai<<strong>br</strong> />

começou a se destacar como lutador<<strong>br</strong> />

pela causa indígena e aí começaram<<strong>br</strong> />

s<strong>eu</strong>s problemas com fazendeiros, com<<strong>br</strong> />

a FUNAI (Fundação Nacional do índio<<strong>br</strong> />

— órgão governamental) e com o Go-<<strong>br</strong> />

verno. Passou a ser considerado "sub-<<strong>br</strong> />

versivo" e "revolucionário", sendo<<strong>br</strong> />

constantemente transferido de uma<<strong>br</strong> />

área indígena para outra. Nos últimos<<strong>br</strong> />

anos de vida. Marcai decidiu mudar-se<<strong>br</strong> />

para Pirakuá, em defesa de s<strong>eu</strong>s irmã-<<strong>br</strong> />

os.<<strong>br</strong> />

A comunidade indígena de Pirakuá es-<<strong>br</strong> />

tava passando por momentos difíceis,<<strong>br</strong> />

pois o fazendeiro vizinho. Libero<<strong>br</strong> />

Monteiro de Lima considerava <strong>que</strong> sua<<strong>br</strong> />

fazenda a<strong>br</strong>angia também a área de Pi-<<strong>br</strong> />

raKuá. Este fazendeiro tentou subornar<<strong>br</strong> />

Marcai com uma oferta de Cr$<<strong>br</strong> />

5.000.000,00, valor da época, o <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> foi aceito, o mesmo acontecendo<<strong>br</strong> />

com Lázaro Morei, capitão da Aldeia<<strong>br</strong> />

Indígena de Pirakuá, e finalmente Li-<<strong>br</strong> />

bero Monteiro de Lima fez uma denún-<<strong>br</strong> />

cia à polícia de invasão de sua proprie-<<strong>br</strong> />

dade pelos índios guarani. Marcai foi<<strong>br</strong> />

simplesmente irredutível na luta pela<<strong>br</strong> />

permanência dos índios em Pirakuá. A<<strong>br</strong> />

situação se agravou e as autoridades<<strong>br</strong> />

governamentais <strong>não</strong> tomaram provi-<<strong>br</strong> />

dências. Em setem<strong>br</strong>o de 1983, o líder<<strong>br</strong> />

indígena fez sua <strong>última</strong> palestra na As-<<strong>br</strong> />

sociação Brasileira de Imprensa e ali<<strong>br</strong> />

gravou sua <strong>última</strong> mensagem, falando<<strong>br</strong> />

como <strong>que</strong>m se despedia: "Sou uma<<strong>br</strong> />

pessoa marcada para morrer, mas por<<strong>br</strong> />

uma causa justa a gente morre".<<strong>br</strong> />

3 - SUA MORTE<<strong>br</strong> />

No dia 25 de novem<strong>br</strong>o de 1983, às 20<<strong>br</strong> />

horas, quando se recolhida para dor-<<strong>br</strong> />

mir. Marcai Tupã-I foi assassinado no<<strong>br</strong> />

in<strong>ter</strong>ior de s<strong>eu</strong> rancho, a poucos metros<<strong>br</strong> />

da enfermaria da FUNAI, na Aldeia<<strong>br</strong> />

Campestre, Município de Antônio Jo-<<strong>br</strong> />

ão, Mato Grosso do Sul. Foram cinco<<strong>br</strong> />

tiros fatais, cali<strong>br</strong>e 38, um deles atin-<<strong>br</strong> />

gindo sua boca. Mais tarde, foi consta-<<strong>br</strong> />

tado <strong>que</strong> pelo menos uma das balas foi<<strong>br</strong> />

disparada pela arma encontrada em<<strong>br</strong> />

posse de Ròmulo Gamarra.<<strong>br</strong> />

(Texto elaborado pelo Fórum<<strong>br</strong> />

Marcai, de Campo Grande, MS).<<strong>br</strong> />

Maria Helena Brancher<<strong>br</strong> />

CHOREI.<<strong>br</strong> />

Durante os debates comandados por<<strong>br</strong> />

Junina, falam <strong>ter</strong>enas, falam Kadi-<<strong>br</strong> />

w<strong>eu</strong>s, falam Kaiuás, falam carajás,<<strong>br</strong> />

falam guatós, falam Xav<strong>antes</strong>, mas<<strong>br</strong> />

quando fala o índio guarani — Mar-<<strong>br</strong> />

cai de Sousa, <strong>que</strong> em sua língua<<strong>br</strong> />

tem um nome mais digno — Tupã-i<<strong>br</strong> />

(pe<strong>que</strong>no D<strong>eu</strong>s), me arrebento em<<strong>br</strong> />

lágrimas.<<strong>br</strong> />

ÍNDIOS SOMOS NÓS<<strong>br</strong> />

De <strong>que</strong> fala esse índio miúdo, de<<strong>br</strong> />

óculos, com quase 60 anos? Fala da<<strong>br</strong> />

mesma coisa <strong>que</strong> os outros falam,<<strong>br</strong> />

mas fala diferente; mais fundo e<<strong>br</strong> />

mais forte. Pertence à tradição gua-<<strong>br</strong> />

rani e realiza aquilo <strong>que</strong> Pierre<<strong>br</strong> />

Clastres anotou ao estudá-los no li-<<strong>br</strong> />

vro Sociedade contra o Estado:<<strong>br</strong> />

"uma transmutação lingüística do<<strong>br</strong> />

universo cotidiano, em um Grande<<strong>br</strong> />

Falar <strong>que</strong> se chegou a pensar <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

era uma língua secreta".<<strong>br</strong> />

O <strong>que</strong> Tupâ-i fala <strong>não</strong> tem, contu-<<strong>br</strong> />

do, nenhum mistério. E a história<<strong>br</strong> />

do ex<strong>ter</strong>mínio das nações indíge-<<strong>br</strong> />

nas. E, de repente, <strong>não</strong> são a<strong>que</strong>les<<strong>br</strong> />

índios <strong>que</strong> ali vejo. Somos nós to-<<strong>br</strong> />

dos, índios de segunda classe, já<<strong>br</strong> />

distanciados de nossas tradições e<<strong>br</strong> />

costumes e perdidos na história.<<strong>br</strong> />

A<strong>que</strong>les índios somos nós partici-<<strong>br</strong> />

pando das r<strong>eu</strong>niões in<strong>ter</strong>nacionais<<strong>br</strong> />

com ban<strong>que</strong>iros e mendigando em-<<strong>br</strong> />

préstimo e ajuda financeira. A<strong>que</strong>-<<strong>br</strong> />

les índios somos nós, nas as<strong>sem</strong>-<<strong>br</strong> />

bléias in<strong>ter</strong>nacionais do lado escuro<<strong>br</strong> />

e incômodo dos países do "<strong>ter</strong>ceiro<<strong>br</strong> />

mundo".<<strong>br</strong> />

ALDEIA PADRÃO<<strong>br</strong> />

Estou numa aldeia dos <strong>ter</strong>enas em<<strong>br</strong> />

Limão Verde, há uns 20 quilôme-<<strong>br</strong> />

tros de Aquidauana. Mais um pou-<<strong>br</strong> />

co e poderia chegar ao Paraguai e à<<strong>br</strong> />

Bolívia. Há um churrasco para ín-<<strong>br</strong> />

dios e autoridades no encerramento<<strong>br</strong> />

dessa Semana do índio.<<strong>br</strong> />

O lugar é esplêndido. E como nós<<strong>br</strong> />

índios <strong>br</strong>asileiros estamos tão con-<<strong>br</strong> />

taminados da cultura americana,<<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> posso fugir à comparação: pa-<<strong>br</strong> />

rece cenário de filme americano,<<strong>br</strong> />

pois tem até a<strong>que</strong>las serras de ro-<<strong>br</strong> />

chas velhas ao fundo.<<strong>br</strong> />

O presidente da Funai, vendo o fa-<<strong>br</strong> />

buloso artesanato da índia Romana<<strong>br</strong> />

(<strong>ter</strong>ena) e os vasos dos kadiw<strong>eu</strong>s,<<strong>br</strong> />

enfatiza: Essa é a aldeia padrão, to-<<strong>br</strong> />

da aldeia tem <strong>que</strong> ser daqui pra me-<<strong>br</strong> />

lhor, olha <strong>que</strong> beleza! Nós temos<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> aprender com os índios! E su-<<strong>br</strong> />

gere <strong>que</strong> se faça um selo de chum-<<strong>br</strong> />

bo da Funai para autenticar as pe-<<strong>br</strong> />

ças de artesanato.<<strong>br</strong> />

Acho <strong>que</strong> uma aldeia padrão, den-<<strong>br</strong> />

tro de um sentido moderno de res-<<strong>br</strong> />

peito antropológico ao índio, <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

deveria <strong>ter</strong> nenhuma igreja dentro<<strong>br</strong> />

de s<strong>eu</strong> espaço. Impor ali uma reli-<<strong>br</strong> />

gião, seja qual for, é uma violên-<<strong>br</strong> />

cia. A Igreja, <strong>que</strong> já se penitenciou<<strong>br</strong> />

de tantos erros, deveria urgente<<strong>br</strong> />

corrigir este também. Man<strong>ter</strong>-se à<<strong>br</strong> />

distância e com respeito. Dar<<strong>br</strong> />

exemplo aos invés de catequizar.<<strong>br</strong> />

Os protest<strong>antes</strong> também, principal-<<strong>br</strong> />

mente quando envolvidos com sus-<<strong>br</strong> />

peitas missões estrangeiras.<<strong>br</strong> />

Não é de hoje <strong>que</strong> religiosos sensí-<<strong>br</strong> />

veis confessam <strong>que</strong>, do ponto de<<strong>br</strong> />

vista moral e religioso, os índios<<strong>br</strong> />

<strong>sem</strong>pre foram superiores aos inva-<<strong>br</strong> />

sores. É só ler Jean de Lery ou<<strong>br</strong> />

qual<strong>que</strong>r viajante <strong>que</strong> por aqui<<strong>br</strong> />

aportou e <strong>que</strong> tenha escrito com o<<strong>br</strong> />

mínimo de cará<strong>ter</strong> e honestidade. É<<strong>br</strong> />

só consultar os missionários mais<<strong>br</strong> />

sensíveis, <strong>que</strong> muitos deles é <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

acabam-se convertendo aos índios.<<strong>br</strong> />

IDEOLOGIA TERENA<<strong>br</strong> />

De alguma maneira a<strong>que</strong>les ín-<<strong>br</strong> />

dios ali r<strong>eu</strong>nidos espelham algumas<<strong>br</strong> />

realidades do Brasil. O guarani, ti-<<strong>br</strong> />

po Marcai de Sousa, é o intelectual.<<strong>br</strong> />

Estranhamente ele aprend<strong>eu</strong> e de-<<strong>br</strong> />

senvolv<strong>eu</strong> s<strong>eu</strong> vocabulário em por-<<strong>br</strong> />

tuguês lendo Seleções. E de repente<<strong>br</strong> />

surge essa <strong>que</strong>stão: Como pode um<<strong>br</strong> />

leitor guardar o vocabulário e <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

se contaminar com a ideologia do<<strong>br</strong> />

texto?<<strong>br</strong> />

Na verdade, muitos índios, muitas<<strong>br</strong> />

tribos têm operado esse milagre:<<strong>br</strong> />

usam a gramática do <strong>br</strong>anco mas<<strong>br</strong> />

continuam a fazer um discurso fun-<<strong>br</strong> />

damentalmente indígena: A isso<<strong>br</strong> />

Oswald de Andrade e outros teóri-<<strong>br</strong> />

cos chamariam muito apropriada-<<strong>br</strong> />

mente de "antropofagia cultural".<<strong>br</strong> />

Mas muitos <strong>ter</strong>enas são diferentes.<<strong>br</strong> />

Se os ' guaranis desenvolveram<<strong>br</strong> />

a<strong>que</strong>le mito segundo o qual se dan-<<strong>br</strong> />

ças<strong>sem</strong> noite e dia, poderiam se tor-<<strong>br</strong> />

nar tão leves <strong>que</strong> s<strong>eu</strong>s pés sairiam<<strong>br</strong> />

do chão e os levariam à Terra <strong>sem</strong><<strong>br</strong> />

Males, já os <strong>ter</strong>enas têm os pés no<<strong>br</strong> />

chão.<<strong>br</strong> />

Pior. Deixaram-se envolver de tal<<strong>br</strong> />

modo pelos missionários e pelos<<strong>br</strong> />

"valores ocidentais", <strong>que</strong> hoje es-<<strong>br</strong> />

forçam-se por concorrer com o<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>anco. Querem escolas, <strong>que</strong>rem<<strong>br</strong> />

diplomas. Já há <strong>ter</strong>enas políticos,<<strong>br</strong> />

burocratas e bolsistas nos Estados<<strong>br</strong> />

Unidos.<<strong>br</strong> />

Não há como recriminá-los. Opta-<<strong>br</strong> />

ram por isto para fugir à extinção<<strong>br</strong> />

ou ao aviltamento completo. Des-<<strong>br</strong> />

confio, no entanto, <strong>que</strong> mais do <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

uma tribo, os <strong>ter</strong>enas são uma sín-<<strong>br</strong> />

drome. Depois de muita morte e<<strong>br</strong> />

destruição, vão optando, vão sendo<<strong>br</strong> />

cooptados para so<strong>br</strong>eviverem. Mui-<<strong>br</strong> />

tos falam o português melhor <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

nós. Tão estrangeiros quanto Rui<<strong>br</strong> />

Barbosa <strong>que</strong>, em Londres, botou<<strong>br</strong> />

uma placa na porta de sua casa:<<strong>br</strong> />

"Ensina-se inglês".<<strong>br</strong> />

Terenas somos todos nós nos esfor-<<strong>br</strong> />

çando por mostrar ao estangeiro<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> podemos ser até mais estrangei-<<strong>br</strong> />

ros <strong>que</strong> eles em nossa própria <strong>ter</strong>ra,<<strong>br</strong> />

absorvendo mitos e costumes ao<<strong>br</strong> />

mesmo tempo <strong>que</strong> exportamos nos-<<strong>br</strong> />

sas ri<strong>que</strong>zas e nos endividamos até<<strong>br</strong> />

a alma. Somos uns índios às aves-<<strong>br</strong> />

sas. Não somente somos "atraí-<<strong>br</strong> />

dos" pelos colonizadores graças a<<strong>br</strong> />

uma série de "in<strong>ter</strong>mediários" e<<strong>br</strong> />

"indigenistas". Também os "atraí-<<strong>br</strong> />

mos" para <strong>que</strong> tragam s<strong>eu</strong>s capi-<<strong>br</strong> />

tais, a poluição e p peste atômica<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> nos dizimará a todos.<<strong>br</strong> />

Terenas somos nós correndo mer-<<strong>br</strong> />

cados africanos e do "<strong>ter</strong>ceiro<<strong>br</strong> />

mundo" revendendo quinquilharias<<strong>br</strong> />

das multinacionais. Terenas somos<<strong>br</strong> />

nós dentro de discotecas e buti<strong>que</strong>s,<<strong>br</strong> />

compristas desesperados nas aveni-<<strong>br</strong> />

das do mundo. Terena é o ministro<<strong>br</strong> />

demonstrando ao gringo <strong>que</strong> pode<<strong>br</strong> />

acreditar em nós, por<strong>que</strong> somos um<<strong>br</strong> />

país (ou uma tribo) "viável". Que<<strong>br</strong> />

podem investir em nós <strong>que</strong> <strong>não</strong> os<<strong>br</strong> />

decepcionaremos.<<strong>br</strong> />

Afonso Romano Sanfana é<<strong>br</strong> />

poeta, mineiro, de tradição<<strong>br</strong> />

metodista. Este texto é com-<<strong>br</strong> />

posto de extratos de s<strong>eu</strong> li-<<strong>br</strong> />

vro Política e Paixão.


6 TUPARI MARÇO/93<<strong>br</strong> />

■■ : ■ : :B; ;<<strong>br</strong> />

Na <strong>sem</strong>ana (je 14 a 20 de dezem<strong>br</strong>o<<strong>br</strong> />

ocorreram import<strong>antes</strong> encontros de<<strong>br</strong> />

evangélicos envolvidos na <strong>que</strong>stão indígena.<<strong>br</strong> />

De todas as partes do país vieram os meto-<<strong>br</strong> />

distas, <strong>que</strong> se encontraram nos dias 17 e 18<<strong>br</strong> />

na sede da OPAN, em Cuiabá; os lu<strong>ter</strong>anos,<<strong>br</strong> />

de 14 a 18, na Casa de Retiros da IECLB na<<strong>br</strong> />

Chapada dos Guimarães e no mesmo local,<<strong>br</strong> />

somando-se os anglicanos e presbi<strong>ter</strong>ianos<<strong>br</strong> />

unidos e independentes, acontec<strong>eu</strong> a as<strong>sem</strong>-<<strong>br</strong> />

bléia do GTME, com um total de 70 pessoas<<strong>br</strong> />

presentes.<<strong>br</strong> />

A cele<strong>br</strong>ação da abertura foi coordenada<<strong>br</strong> />

pelo bispo Almir dos Santos. Após a Santa<<strong>br</strong> />

Ceia todas as pessoas se apresentaram. Os<<strong>br</strong> />

representanes das Igrejas e das entidades<<strong>br</strong> />

parceiras se apresentaram e fizeram suas<<strong>br</strong> />

saudações.<<strong>br</strong> />

Foram feitos os relatos de área, destacan-<<strong>br</strong> />

do-se as <strong>que</strong>stões mais relev<strong>antes</strong>, como as<<strong>br</strong> />

dificuldades e desafios de 92 e as perspecti-<<strong>br</strong> />

vas para o próximo ano. Ro<strong>que</strong> Simão apre-<<strong>br</strong> />

sentou o trabalho da área do Rio Mequéns.<<strong>br</strong> />

Disse <strong>que</strong> há pormenorizadas informações<<strong>br</strong> />

nos arquivos do GTME; destacou 92 como<<strong>br</strong> />

ano de conflitos, com seqüestro de índios e<<strong>br</strong> />

ensaio de guerra armada, contra os <strong>br</strong>ancos.<<strong>br</strong> />

Ao mesmo tempo há uma crescente cons-<<strong>br</strong> />

ciência de identidade entre os Sakyrabiar,<<strong>br</strong> />

foi feita a autodemarcação do <strong>ter</strong>ritório,<<strong>br</strong> />

com ajudas da Igreja Unida do Canadá e da<<strong>br</strong> />

Igreja Evangélica da Baviera. Houve sensí-<<strong>br</strong> />

vel redução na venda de madeira e busca de<<strong>br</strong> />

al<strong>ter</strong>nativas econômicas, com muitos índios<<strong>br</strong> />

desenvolvendo a prática seringueira. Está<<strong>br</strong> />

mais claro hoje <strong>que</strong> a venda de mogno <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

era provocada pela fome ou outra necessida-<<strong>br</strong> />

de. Vendia-se por vender, <strong>sem</strong> importar a<<strong>br</strong> />

quantidade de dinheiro recebido. O contrato<<strong>br</strong> />

fez com <strong>que</strong> o dinheiro, pouco ou muito se<<strong>br</strong> />

tornasse uma necessidade em si. Há uma<<strong>br</strong> />

busca de maior autonomia dos índios, inclu-<<strong>br</strong> />

sive frente à FUNAI. É um processo de dis-<<strong>br</strong> />

tanciamento, abandono dos vínculos com a<<strong>br</strong> />

FUNAI e com a sociedade envolvente. Após<<strong>br</strong> />

a autodemarcação há uma tentativa de se lo-<<strong>br</strong> />

calizar os parentes dispersos e trazê-los para<<strong>br</strong> />

a área. Para 93, com o trablaho sendo assu-<<strong>br</strong> />

mido pela Igreja Anglicana existe a possibi-<<strong>br</strong> />

lidade de chegar novos indigenistas e a<<strong>br</strong> />

maior necessidade é de alguém <strong>que</strong> auxilie<<strong>br</strong> />

na <strong>que</strong>stão da saúde.<<strong>br</strong> />

Lúcio e Ingret falaram do trabalho da IE-<<strong>br</strong> />

CLB entre os Kaingang (RS). É uma popu-<<strong>br</strong> />

lação de 12 mil pessoas em aldeias espalha-<<strong>br</strong> />

das num raio de 350 km. Alguns guarani<<strong>br</strong> />

moram também nessas aldeias. Em 92 hou-<<strong>br</strong> />

ve avanço na <strong>org</strong>anização das lideranças in-<<strong>br</strong> />

dígenas. Lutou-se por uma proposta de saú-<<strong>br</strong> />

de <strong>que</strong> respeitasse os conhecimentos e práti-<<strong>br</strong> />

cas tradicionais de tratamento. Há um<<strong>br</strong> />

esforço na formação de novos professores<<strong>br</strong> />

bilíngües e discute-se o rumo da educação<<strong>br</strong> />

indígena. No debate político estão ligando a<<strong>br</strong> />

posse da <strong>ter</strong>ra à cidadania e houve, durante<<strong>br</strong> />

o ano, recuperação de <strong>ter</strong>ras como os 375 ha<<strong>br</strong> />

de Irai, com ocupação, demarcação oficial e<<strong>br</strong> />

muita luta. Há pouco engajamento de evan-<<strong>br</strong> />

gélicos na solidariedade aos índios e uma<<strong>br</strong> />

história ainda por clarear, dos conflitos ar-<<strong>br</strong> />

mados entre índios e colonos evangélicos na<<strong>br</strong> />

região. Devido à existência de muitas igre-<<strong>br</strong> />

jas entre os Kaingang, discute-se hoje os ru-<<strong>br</strong> />

mos para uma igreja indígena.<<strong>br</strong> />

A ação metodista entre os Krenak foi<<strong>br</strong> />

apresentada pelo Keller Apolinário. Há um<<strong>br</strong> />

grupo Ecumênico de Solidariedade, com<<strong>br</strong> />

pessoas das diversas cidades da região. Com<<strong>br</strong> />

apoio do Conselho Mundial de Igrejas foi<<strong>br</strong> />

publicado um livro so<strong>br</strong>e os Krenak. Este<<strong>br</strong> />

ano, com o auxílio da igreja está se forman-<<strong>br</strong> />

do a primeira professora Krenak e há um es-<<strong>br</strong> />

forço pela contratação dela pelo estado, para<<strong>br</strong> />

dar aula na escola da aldeia. Diariamente o<<strong>br</strong> />

grupo providencia o reforço alimentar para<<strong>br</strong> />

os adolescentes Krenak <strong>que</strong> estudam no gi-<<strong>br</strong> />

násio da cidade de Resplendor. A poluição<<strong>br</strong> />

do Rio Doce tem provocado muitas doenças.<<strong>br</strong> />

Para 93 prevê-se um empenho para <strong>que</strong> o<<strong>br</strong> />

Supremo Tribunal julgue o processo das <strong>ter</strong>-<<strong>br</strong> />

ras Krenak, demarcadas desde 1921 e ocu-<<strong>br</strong> />

O QUE ACONTECE NO GTME<<strong>br</strong> />

XI As<strong>sem</strong>bléia do GTME<<strong>br</strong> />

padas por 52 fazendeiros e posseiros titula-<<strong>br</strong> />

dos pelo estado de Minas.<<strong>br</strong> />

Pelo projeto da IECLB entre os Zoró e<<strong>br</strong> />

Cinta Larga (RO) falou o Tressmann. Apon-<<strong>br</strong> />

tou pessoas da FUNAI, lideranças indígenas<<strong>br</strong> />

e políticos <strong>que</strong> fomentam as negociações<<strong>br</strong> />

com madeireiros. Mesmo nos locais onde<<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> há venda da madeira, ela é roubada, sa-<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong>ada. Um bom acontecimento foi a homo-<<strong>br</strong> />

logação do <strong>ter</strong>ritório<<strong>br</strong> />

Zoró. O <strong>que</strong> mais<<strong>br</strong> />

impressiona é <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

as lideranças indíge-<<strong>br</strong> />

nas mais afeitas ao<<strong>br</strong> />

capitalismo, as <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

facilitam os negó-<<strong>br</strong> />

cios ilegais da ma-<<strong>br</strong> />

deira, são os Cinta-<<strong>br</strong> />

larga 'missiona-<<strong>br</strong> />

dos", os alcançados<<strong>br</strong> />

pela "evangeliza-<<strong>br</strong> />

ção" das Novas<<strong>br</strong> />

Tribos. Esses já in-<<strong>br</strong> />

vadiram 40 km<<strong>br</strong> />

adentro da área Zo-<<strong>br</strong> />

ró para o sa<strong>que</strong> de<<strong>br</strong> />

madeira. Os preços<<strong>br</strong> />

são um descala<strong>br</strong>o:<<strong>br</strong> />

3 ou 4 toras de<<strong>br</strong> />

mogno por 2 ou 3<<strong>br</strong> />

sacos de arroz, por<<strong>br</strong> />

exemplo. Para 93,<<strong>br</strong> />

Tressmann está em-<<strong>br</strong> />

penhado em desen-<<strong>br</strong> />

volver a grafia da<<strong>br</strong> />

língua Zoró. O Pro-<<strong>br</strong> />

jeto dará ênfase à<<strong>br</strong> />

medicina natural <strong>que</strong> foi quase destruída pe-<<strong>br</strong> />

los antigos missionários. Dificilmente a ven-<<strong>br</strong> />

da de madeira vai se acabar, devido à de-<<strong>br</strong> />

pendência já criada. A APIR - Articulação<<strong>br</strong> />

dos Povos Indígenas de Rondônia e Norte<<strong>br</strong> />

do MT é uma articulação fraca, <strong>que</strong> tende a<<strong>br</strong> />

legitimar os negócios com madeira das áreas<<strong>br</strong> />

indígenas.<<strong>br</strong> />

Leyi Mar<strong>que</strong>s, relatou a situação dos<<strong>br</strong> />

Kaiowá (MS). Com as denúncias, nos meios<<strong>br</strong> />

de comunicação, do suicídio e da miséria<<strong>br</strong> />

Dona Áurea, com s<strong>eu</strong>s 80 anos e forte<<strong>br</strong> />

lem<strong>br</strong>ança do serviço aos Kaiowá<<strong>br</strong> />

As <strong>ter</strong>ras mais férteis dos Xokleng (SC)<<strong>br</strong> />

foram inundadas por uma barragem. Foi ini-<<strong>br</strong> />

ciada a indenização dessas áreas, ao mesmo<<strong>br</strong> />

tempo em <strong>que</strong> há luta por se firmar neste<<strong>br</strong> />

<strong>ter</strong>ritório e conquistar outras partes. A pas-<<strong>br</strong> />

tora Cledes Markus cita, por exemplo, a rei-<<strong>br</strong> />

vindicação feita pelos cafiizos (Xokleng<<strong>br</strong> />

mestiços com negros) de uma <strong>ter</strong>ra fora da<<strong>br</strong> />

área já demarcada. De imediato, é dada co-<<strong>br</strong> />

Geniima Boehier mo certa a demarca-<<strong>br</strong> />

ção da <strong>ter</strong>ra dos ca-<<strong>br</strong> />

fuzos e o refloresta-<<strong>br</strong> />

mento da área<<strong>br</strong> />

Xokleng.<<strong>br</strong> />

O pastor Nelson<<strong>br</strong> />

Deick, da IECLB,<<strong>br</strong> />

falou da missão en-<<strong>br</strong> />

tre os Kulina (AC e<<strong>br</strong> />

AM) nas suas 3 áre-<<strong>br</strong> />

as tradicionais às<<strong>br</strong> />

margens do Rio Ju-<<strong>br</strong> />

ruá. Apresentou a<<strong>br</strong> />

situação atual das<<strong>br</strong> />

<strong>ter</strong>ras e o trabalho<<strong>br</strong> />

de acompanhamento<<strong>br</strong> />

da autodemarcação<<strong>br</strong> />

feito em conjunto<<strong>br</strong> />

com a OPAN. Mos-<<strong>br</strong> />

trou como se dá a<<strong>br</strong> />

<strong>org</strong>anização dos<<strong>br</strong> />

Kulina na aldeia,<<strong>br</strong> />

nas as<strong>sem</strong>bléias e a<<strong>br</strong> />

<strong>org</strong>anização <strong>que</strong> al-<<strong>br</strong> />

cança todas as al-<<strong>br</strong> />

deias do Rio Juruá.<<strong>br</strong> />

Na área da educa-<<strong>br</strong> />

ção a contribuição<<strong>br</strong> />

ocorre na assessoria e reciclagem do profes-<<strong>br</strong> />

sorado. São ministrados cursos de saúde,<<strong>br</strong> />

coletivamente, pois <strong>não</strong> há enfermeiras. In-<<strong>br</strong> />

centiva-se a medicina natural, mas há o uso<<strong>br</strong> />

de alopáticos e vacinas. As maiores preocu-<<strong>br</strong> />

pações são com a tuberculose e com a fe<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

tifóide. Para 93 a luta será pelo reconheci-<<strong>br</strong> />

mento legal das <strong>ter</strong>ras autodemarcadas e pe-<<strong>br</strong> />

lo resgate da cultura.<<strong>br</strong> />

Saulo Bino é metodista e estuda teologia<<strong>br</strong> />

Rubens Seibel<<strong>br</strong> />

Coordenadores da Cele<strong>br</strong>ação de abertura da as<strong>sem</strong>bléia<<strong>br</strong> />

dos Kaiowá, o governo viu-se pressionado a<<strong>br</strong> />

demarcar as <strong>ter</strong>ras. Foram demarcadas, nes-<<strong>br</strong> />

te ano 8 áreas, sendo <strong>que</strong> 4 já estão total-<<strong>br</strong> />

mente em posse dos índios. A Missão Tape-<<strong>br</strong> />

porã, da Igreja Metodista está apostando em<<strong>br</strong> />

iniciativas econômicas <strong>que</strong> possibilitem aos<<strong>br</strong> />

índios trabalhar e morar nessas áreas. Há<<strong>br</strong> />

uma valorização das propostas e iniciativas<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> surgem entre os próprios Kaiowá e <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

dos in<strong>ter</strong>mediários (Igrejas e grupos de<<strong>br</strong> />

apoio) ganham força e significado as formas<<strong>br</strong> />

próprias de <strong>org</strong>anização e mobilização. Mu-<<strong>br</strong> />

itas das áreas só têm sido demarcadas após<<strong>br</strong> />

ocupação e muita luta.<<strong>br</strong> />

no ITEBA, em Salvador (BA). Disse <strong>que</strong> o<<strong>br</strong> />

grupo de apoio aos Kiriri nasc<strong>eu</strong> do curso<<strong>br</strong> />

ministrado pelo GTME so<strong>br</strong>e a <strong>que</strong>stão indí-<<strong>br</strong> />

gena, para o pessoal do programa Teologia<<strong>br</strong> />

para o Desenvolvimento, da IPU. Há um es-<<strong>br</strong> />

forço de divulgação da situação vivida por<<strong>br</strong> />

este povo, como por exemplo, o incêndio<<strong>br</strong> />

criminoso da escola da aldeia e a invasão de<<strong>br</strong> />

metade da área indígena.<<strong>br</strong> />

Ralf, pastor lu<strong>ter</strong>ano em Boa Vista (RR),<<strong>br</strong> />

denunciou a recente invasão de garimpeiros<<strong>br</strong> />

(mais de 6.000) na área já demarcada e ho-<<strong>br</strong> />

mologada dos Yanomami. Disse <strong>que</strong> a so-<<strong>br</strong> />

ciedade roraimense está profundamente divi-<<strong>br</strong> />

dida frente à situação. Políticos, fazendei-<<strong>br</strong> />

ros, a imprensa e os partidos estão unidos<<strong>br</strong> />

contra os índios. A FUNAI alega <strong>não</strong> <strong>ter</strong><<strong>br</strong> />

condições financeiras para fiscalizar e impe-<<strong>br</strong> />

dir a entrada de garimpeiros. A Igreja Cató-<<strong>br</strong> />

lica fica como única porta-voz dos <strong>que</strong> de-<<strong>br</strong> />

fendem os direitos indígenas.<<strong>br</strong> />

Ao trabalho com os Makuxi (RR) falou o<<strong>br</strong> />

secretário de expansão missionária da I. Me-<<strong>br</strong> />

todista, James W. Goodwin. A pastora Ma-<<strong>br</strong> />

ria Madalena foi para Boa Vista <strong>org</strong>anizar<<strong>br</strong> />

os metodistas <strong>que</strong> estavam dispersos por lá e<<strong>br</strong> />

acabou se envolvendo na Aldeia Bala, com<<strong>br</strong> />

os Makuxi. Hoje a Igreja se preocupa em<<strong>br</strong> />

desenvolver ações solidárias, respeitando a<<strong>br</strong> />

cultura deste povo.<<strong>br</strong> />

O pastor Donald Thomas é da Igreja Uni-<<strong>br</strong> />

da do Canadá e está a serviço da Igreja Me-<<strong>br</strong> />

todista aqui no Brasil, já há quase 30 anos.<<strong>br</strong> />

Ele e sua esposa, dona Iná, desenvolvem um<<strong>br</strong> />

trabalho com os Guarani (mais ou menos<<strong>br</strong> />

150 de Aracruz (ES). Estão empenhados em<<strong>br</strong> />

facilitar a venda de artesanato e consegui-<<strong>br</strong> />

ram <strong>que</strong> fosse reativado o quios<strong>que</strong> na orla<<strong>br</strong> />

marítima de Vitória, onde são feitas as ven-<<strong>br</strong> />

das, em fins-de-<strong>sem</strong>ana. Também, com a li-<<strong>br</strong> />

derança da aldeia, estão negociando com a<<strong>br</strong> />

Aracruz Celulose, a doação de essências na-<<strong>br</strong> />

tivas para o reflorestamento. Com os Tupi-<<strong>br</strong> />

nikim (mais 2000), vizinhos da área guara-<<strong>br</strong> />

ni, <strong>não</strong> há um envolvimento direto. Preocu-<<strong>br</strong> />

pam-se com a perda de identidade cultural<<strong>br</strong> />

do grupo, pois a área é cortada por estradas.<<strong>br</strong> />

O Secretário executivo do COMIN-IE-<<strong>br</strong> />

CLB, rev. Arteno Spellmeier falou da pre-<<strong>br</strong> />

sença de Dóris Kieslich entre os Tremembé.<<strong>br</strong> />

(CE). Já foi feita a identificação e delimita-<<strong>br</strong> />

ção da área. A inércia da Justiça facilitou o<<strong>br</strong> />

assassinato de líderes indígenas pelos fazen-<<strong>br</strong> />

deiros da região. No entanto, o maior obstá-<<strong>br</strong> />

culo já foi vencido ■» o reconhecimento dos<<strong>br</strong> />

Tremembé enquanto povo indígena e s<strong>eu</strong> di-<<strong>br</strong> />

reito ao <strong>ter</strong>ritório.<<strong>br</strong> />

Foi lem<strong>br</strong>ado ainda o envolvimento da co-<<strong>br</strong> />

munidade metodista "Vida e Missão", de<<strong>br</strong> />

Fortaleza (CE), com os índios Tapeba, e o<<strong>br</strong> />

in<strong>ter</strong>câmbio entre o Centro Comunitário<<strong>br</strong> />

Metodista de Belo Horizonte e as mulheres<<strong>br</strong> />

pataxó. Apostando no resgate cultural e na<<strong>br</strong> />

<strong>org</strong>anização própria, as mulheres pataxó<<strong>br</strong> />

passam períodos do ano no Centro Comuni-<<strong>br</strong> />

tário aprendendo o artesanato com algodão,<<strong>br</strong> />

e agora vão tentar estabelecer um centro de<<strong>br</strong> />

tecelagem na aldeia. Mulheres da periferia,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> trabalham no Centro Comunitário irão à<<strong>br</strong> />

aldeia para auxiliar na <strong>org</strong>anização deste tra-<<strong>br</strong> />

balho.<<strong>br</strong> />

No sábado à noite houve uma apresenta-<<strong>br</strong> />

ção musical, com o Glaucos, da UFMT,<<strong>br</strong> />

Humberto Maiztegui, do RS e Keller Apoli-<<strong>br</strong> />

nário, do ES.<<strong>br</strong> />

A manhã de domingo foi aberta com uma<<strong>br</strong> />

oração ministrada pela Sílvia Schünemann.<<strong>br</strong> />

Foram dadas divesas informações so<strong>br</strong>e o<<strong>br</strong> />

acerto de contas das passagens e da anuali-<<strong>br</strong> />

dade. Foi apresentada uma carta da Associa-<<strong>br</strong> />

ção Habitai para a Humanidade, <strong>que</strong> a<strong>br</strong>e a<<strong>br</strong> />

possibilidade de apoiar a construção de mo-<<strong>br</strong> />

radias em aldeias. Houve então um painel<<strong>br</strong> />

com o pastor presbi<strong>ter</strong>iano Lúcio Flores,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> é índio Terena e com o líder indígena<<strong>br</strong> />

Bakairi, Estevão Carlos Taukane. Lúcio su-<<strong>br</strong> />

geriu <strong>que</strong> outros índios poderiam estar pre-<<strong>br</strong> />

sentes e apresentou sua tese, <strong>que</strong> está sendo<<strong>br</strong> />

desenvolvida para o mestrado, so<strong>br</strong>e o suicí-<<strong>br</strong> />

dio entre os KaioWá. Pesquisa a influência<<strong>br</strong> />

teológica (reino de D<strong>eu</strong>s, paraíso, etc) nes-<<strong>br</strong> />

tes suicídios. Estevão foi criado numa aldeia<<strong>br</strong> />

sob influência de missionários católicos e<<strong>br</strong> />

evangélicos (Summer Institute). Separou o<<strong>br</strong> />

tempo recente da história dos índios no Bra-<<strong>br</strong> />

sil entre o primeiro momento em <strong>que</strong> é de-<<strong>br</strong> />

senvolvida uma política indigenista e a partir<<strong>br</strong> />

do surgimento da UNI, a efetivação de uma<<strong>br</strong> />

política indígena, ainda frágil. Aponta a cul-<<strong>br</strong> />

tura como o <strong>ter</strong>reno de solução dos proble-<<strong>br</strong> />

mas indígenas.<<strong>br</strong> />

Após o primeiro in<strong>ter</strong>valo da manhã a<<strong>br</strong> />

plenária dividiu-se em grupos para elabora-<<strong>br</strong> />

ção de propostas de ação e diretrizes para<<strong>br</strong> />

93. Depois as sugestões foram r<strong>eu</strong>nidas em<<strong>br</strong> />

plenária.<<strong>br</strong> />

Um grupo de leigas e pastoras de diversas<<strong>br</strong> />

igrejas ministrou a oração e benção de des-<<strong>br</strong> />

pedida. Os relatórios diversos podem ser so-<<strong>br</strong> />

licitados ao GTME.


MARÇO/93 TUPARI<<strong>br</strong> />

SAÚDE INDÍGENA: ESPERANÇA E DESAFIO<<strong>br</strong> />

O ano de 1993 será um<<strong>br</strong> />

ano muito importante<<strong>br</strong> />

para os Povos Indígenas <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

habitam o <strong>ter</strong>ritório a<strong>br</strong>angido<<strong>br</strong> />

pelo <strong>que</strong> se convencionou<<strong>br</strong> />

chamar de Estado Brasileiro.<<strong>br</strong> />

Em primeiro lugar, este é o<<strong>br</strong> />

Ano In<strong>ter</strong>nacional dos Povos<<strong>br</strong> />

Indígenas, instituído pela<<strong>br</strong> />

ONU, como um reconheci-<<strong>br</strong> />

mento simbólico a estas na-<<strong>br</strong> />

ções <strong>que</strong> tiveram s<strong>eu</strong>s direitos<<strong>br</strong> />

historicamente negados. Em<<strong>br</strong> />

segundo lugar, este é o ano da<<strong>br</strong> />

Demarcação das Terras Indí-<<strong>br</strong> />

genas no país, uma vez <strong>que</strong> a<<strong>br</strong> />

Constituição Federal estipula<<strong>br</strong> />

o prazo até outu<strong>br</strong>o deste ano<<strong>br</strong> />

para <strong>que</strong> todas as <strong>ter</strong>ras ocu-<<strong>br</strong> />

padas pelos povos indígenas<<strong>br</strong> />

estejam demarcadas. Em <strong>ter</strong>-<<strong>br</strong> />

ceiro lugar, este é o ano da II<<strong>br</strong> />

Conferência Nacional Especí-<<strong>br</strong> />

fica de Saúde Indígena, espa-<<strong>br</strong> />

ço conquistado pelas Organi-<<strong>br</strong> />

zações Indígenas e s<strong>eu</strong>s alia-<<strong>br</strong> />

dos, e <strong>que</strong> poderá representar<<strong>br</strong> />

um marco na luta dos povos<<strong>br</strong> />

indígenas pela conquista de<<strong>br</strong> />

uma saúde melhor para as<<strong>br</strong> />

suas comunidades.<<strong>br</strong> />

A situação atual da Saúde<<strong>br</strong> />

Indígena no país é calamitosa.<<strong>br</strong> />

A incidência de doenças au-<<strong>br</strong> />

menta assustadoramente, a<<strong>br</strong> />

mortalidade é elevada na<<strong>br</strong> />

maioria das comunidades, al-<<strong>br</strong> />

guns povos apresentam risco<<strong>br</strong> />

real de ex<strong>ter</strong>mínio, e a situa-<<strong>br</strong> />

Cristina Ávila<<strong>br</strong> />

Mulher e criança da nação Xerente<<strong>br</strong> />

ção assistencial atingiu um ní-<<strong>br</strong> />

vel extremo de ineficácia e<<strong>br</strong> />

inoperância. Os dados oficiais<<strong>br</strong> />

do órgão indigenista falam na<<strong>br</strong> />

morte de setecentos índios no<<strong>br</strong> />

país no último ano. Só entre<<strong>br</strong> />

os lanomami, a mortalidade<<strong>br</strong> />

foi superior a cento e cinqüen-<<strong>br</strong> />

ta pessoas, e os índios Deni,<<strong>br</strong> />

habit<strong>antes</strong> do Rio Xeruã no<<strong>br</strong> />

Amazonas, assistiram um sur-<<strong>br</strong> />

to de sarampo e suas compli-<<strong>br</strong> />

cações, provocarem a morte<<strong>br</strong> />

de sessenta e quatro pessoas,<<strong>br</strong> />

na sua maioria crianças e ado-<<strong>br</strong> />

lescentes, o <strong>que</strong> significa per-<<strong>br</strong> />

to de 20% do s<strong>eu</strong> povo. A<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong>stão da Saúde tem sido le-<<strong>br</strong> />

vantada em todos os Encon-<<strong>br</strong> />

CUIDAR DA SAÚDE,<<strong>br</strong> />

CUIDAR DA ALMA<<strong>br</strong> />

Além de cuidar da minha ca-<<strong>br</strong> />

sa, sou rezador dos guarani...<<strong>br</strong> />

quando alguém fica doente vem<<strong>br</strong> />

pra cá... se tem dor de barriga...<<strong>br</strong> />

se está machucado... vem e <strong>eu</strong><<strong>br</strong> />

curo com reza e remédios do ma-<<strong>br</strong> />

to... mas a gente <strong>não</strong> reza só<<strong>br</strong> />

por<strong>que</strong> está doente, isso <strong>não</strong>!...<<strong>br</strong> />

rezador também é ajudante de<<strong>br</strong> />

Nhanderú, <strong>que</strong> é uma espécie de<<strong>br</strong> />

pajé muito poderoso... Não pos-<<strong>br</strong> />

so dizer <strong>que</strong> sou Nhanderú, estou<<strong>br</strong> />

aprendendo ainda... Um ajudante<<strong>br</strong> />

de Nhanderú trabalha para apren-<<strong>br</strong> />

der a rezar, é o <strong>que</strong> <strong>eu</strong> faço... é<<strong>br</strong> />

miiito difícil saber todas as coi-<<strong>br</strong> />

sas, conhecer as ervas e tudo<<strong>br</strong> />

mais... ser rezador é ser um pou-<<strong>br</strong> />

co como médico, como <strong>que</strong>m<<strong>br</strong> />

salva... e é ser a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> ajuda<<strong>br</strong> />

a man<strong>ter</strong>á paz...<<strong>br</strong> />

Tudo é serviço de D<strong>eu</strong>s... Só<<strong>br</strong> />

Ele pode fazer assim... As pesso-<<strong>br</strong> />

as estão falando <strong>que</strong> os suicídios<<strong>br</strong> />

acontecem por<strong>que</strong> tem feitiço na<<strong>br</strong> />

aldeia... <strong>não</strong> tem nada!... o <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

falta é reza... o nhandeva precisa<<strong>br</strong> />

voltar a rezar do jeito <strong>que</strong> era an-<<strong>br</strong> />

tes, <strong>sem</strong> o <strong>br</strong>anco... só rezando<<strong>br</strong> />

as coisas melhoram... a gente<<strong>br</strong> />

precisa voltar a conversar... <strong>sem</strong><<strong>br</strong> />

reza, os nhandeva estão ficando<<strong>br</strong> />

cada vez mais calados... agora<<strong>br</strong> />

eles falam duas, três palavras e<<strong>br</strong> />

ficam quietos... o nhandeva pre-<<strong>br</strong> />

cisa falar... Sem a fala, o nhan-<<strong>br</strong> />

deva é como morte... Quando al-<<strong>br</strong> />

guém morre a palavra sai... sai,<<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> sai?... Nós temos, como diz<<strong>br</strong> />

o outro, espírito... então quando<<strong>br</strong> />

a gente morre, o espírito sai e fi-<<strong>br</strong> />

ca só o corpo, e o corpo <strong>sem</strong> o<<strong>br</strong> />

espírito apodrece em 24 horas...<<strong>br</strong> />

palavra é alma... saiu a alma, a<<strong>br</strong> />

pessoa está morta...<<strong>br</strong> />

Nenito Nandeva ■ (no livro Can-<<strong>br</strong> />

to de Morte Kaiowá, Ed. Loyola)<<strong>br</strong> />

tros e As<strong>sem</strong>bléias dos Povos<<strong>br</strong> />

Indígenas, e aos poucos co-<<strong>br</strong> />

meçam a surgir as propostas<<strong>br</strong> />

concretas para o enfrentamen-<<strong>br</strong> />

to deste problema.<<strong>br</strong> />

Durante a IX Conferência<<strong>br</strong> />

Nacional de Saúde, <strong>que</strong> ocor-<<strong>br</strong> />

r<strong>eu</strong> em Brasília no mês de<<strong>br</strong> />

agosto do ano <strong>que</strong>. passou, as<<strong>br</strong> />

Organizações Indígenas e en-<<strong>br</strong> />

tidades de apoio conseguiram<<strong>br</strong> />

import<strong>antes</strong> conquistas, <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

assinalam na direção de uma<<strong>br</strong> />

Política de Saúde efetivamen-<<strong>br</strong> />

te voltada às necessidades dos<<strong>br</strong> />

povos indígenas do país. Foi<<strong>br</strong> />

aprovada uma moção pela<<strong>br</strong> />

convocação imediata da Co-<<strong>br</strong> />

missão In<strong>ter</strong>setorial de Saúde<<strong>br</strong> />

Indígena, no âmbito do Minis-<<strong>br</strong> />

tério da Saúde, e <strong>que</strong> passou a<<strong>br</strong> />

se r<strong>eu</strong>nir mensalmente a partir<<strong>br</strong> />

de setem<strong>br</strong>o, formada por re-<<strong>br</strong> />

presen<strong>antes</strong> dos órgãos ofi-<<strong>br</strong> />

ciais, das entidades de apoio à<<strong>br</strong> />

causa indígena e dos represen-<<strong>br</strong> />

t<strong>antes</strong> das Organizações Indí-<<strong>br</strong> />

genas (Conselho de Articula-<<strong>br</strong> />

ção dos Povos e Organizações<<strong>br</strong> />

Indígenas do Brasil). Também<<strong>br</strong> />

foi aprovada a proposta de<<strong>br</strong> />

convocação, no prazo de oito<<strong>br</strong> />

meses, da 11 Conferência Na-<<strong>br</strong> />

cional Específica de Saúde In-<<strong>br</strong> />

dígena, para uma ampla dis-<<strong>br</strong> />

cussão da problemática da<<strong>br</strong> />

Saúde Indígena no país, e for-<<strong>br</strong> />

ma de pressão para <strong>que</strong> se to-<<strong>br</strong> />

mem as medidas políticas ne-<<strong>br</strong> />

cessárias ao enfrentamento<<strong>br</strong> />

desta situação. As <strong>org</strong>aniza-<<strong>br</strong> />

ções indígenas reivindicam re-<<strong>br</strong> />

presentação paritária nesta<<strong>br</strong> />

Conferência.<<strong>br</strong> />

Finalmente, foi aprovada<<strong>br</strong> />

no plenário da IX Conferência<<strong>br</strong> />

a seguinte proposição em rela-<<strong>br</strong> />

ção à Saúde Indígena:<<strong>br</strong> />

"É assegurado no Sistema<<strong>br</strong> />

Único de Saúde (SUS) aten-<<strong>br</strong> />

ção integral à saúde dos Povos<<strong>br</strong> />

Indígenas, de forma diferen-<<strong>br</strong> />

ciada, em função ds especifi-<<strong>br</strong> />

cidades étnico-culturais e da<<strong>br</strong> />

situação sanitária, com garan-<<strong>br</strong> />

tia de s<strong>eu</strong>s Sistemas Tradicio-<<strong>br</strong> />

nais de Saúde, por meio da<<strong>br</strong> />

criação de Distritos Sanitários<<strong>br</strong> />

Especiais Indígenas, direta-<<strong>br</strong> />

mente ligados ao Ministério<<strong>br</strong> />

da Saúde e administrados por<<strong>br</strong> />

Conselhos Indígenas de Saú-<<strong>br</strong> />

de."<<strong>br</strong> />

Esta proposta tem sido ob-<<strong>br</strong> />

jeto de amplas discussões nos<<strong>br</strong> />

Encontros Indígenas de Saú-<<strong>br</strong> />

de, <strong>que</strong> têm ocorrido em vá-<<strong>br</strong> />

rios pontos do país, e deverá<<strong>br</strong> />

ser o tema central da Confe-<<strong>br</strong> />

rência Específica de Saúde In-<<strong>br</strong> />

dígena. Também a situação<<strong>br</strong> />

dos Agentes Indígenas de Saú-<<strong>br</strong> />

de, <strong>que</strong> se encontram extre-<<strong>br</strong> />

mamente desassistidos tanto<<strong>br</strong> />

no <strong>que</strong> se refece à sua forma-<<strong>br</strong> />

ção quanto no apoio ao s<strong>eu</strong><<strong>br</strong> />

trabalho, merecerá um desta-,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> especial no temário desta<<strong>br</strong> />

Conferência.<<strong>br</strong> />

Paulo Daniel Moraes, é médico,<<strong>br</strong> />

assessor de Saúde do CIMI Re-<<strong>br</strong> />

gional Norte 1, em Manaus, AM.<<strong>br</strong> />

E de origem metodista.<<strong>br</strong> />

LUTA POR SAÚDE PARA OS KANAMARI<<strong>br</strong> />

Propostas para ação no I o<<strong>br</strong> />

<strong>sem</strong>estre de 93:<<strong>br</strong> />

— Participar da Campanha<<strong>br</strong> />

Contra a Gonorréia.<<strong>br</strong> />

Grande parte dos índios da<<strong>br</strong> />

região, homens e mulheres,<<strong>br</strong> />

tem tido problemas sérios com<<strong>br</strong> />

doenças venéreas, sendo <strong>que</strong> a<<strong>br</strong> />

proximidade de algumas aldeias<<strong>br</strong> />

com a cidade torna isso mais<<strong>br</strong> />

grave.<<strong>br</strong> />

É <strong>que</strong> em toda a região há<<strong>br</strong> />

muitos casos de gonorréia, tan-<<strong>br</strong> />

to na zona urbana como entre a<<strong>br</strong> />

população ribeirinha.<<strong>br</strong> />

A presença de agentes de<<strong>br</strong> />

saúde metodistas e lu<strong>ter</strong>anos<<strong>br</strong> />

viabilizará junto à equipe indi-<<strong>br</strong> />

genista da OPAN (Operação<<strong>br</strong> />

Anchieta) e buscando o apoio<<strong>br</strong> />

da Prefeitura de Eirunepé e do<<strong>br</strong> />

FNS (Fundação Nacional de<<strong>br</strong> />

Saúde) a promoção de uma<<strong>br</strong> />

Campanha de Combate à Go-<<strong>br</strong> />

norréia na região.<<strong>br</strong> />

A urgência se dá pela gravi-<<strong>br</strong> />

dade do caso, tendo-se estimati-<<strong>br</strong> />

va da Prefeitura de <strong>que</strong> na re-<<strong>br</strong> />

gião para cada 12 pessoas uma<<strong>br</strong> />

está com gonorréia. Há inci-<<strong>br</strong> />

dência de casos de cegueira e<<strong>br</strong> />

deficiência física entre os re-<<strong>br</strong> />

cém nascidos Kanamari <strong>que</strong> su-<<strong>br</strong> />

põe-se ser devido à gonorréia.<<strong>br</strong> />

— Verificar junto ao FNS<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e como se pode dar o tra-<<strong>br</strong> />

balho de vacinação <strong>que</strong> <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

vem sendo executado há alguns<<strong>br</strong> />

anos e <strong>que</strong> precisa ser retoma-<<strong>br</strong> />

do.<<strong>br</strong> />

— Também de<strong>sem</strong>penhar a<<strong>br</strong> />

função de encaminhar pacientes<<strong>br</strong> />

para atendimento em Eirunepé<<strong>br</strong> />

ou, em casos graves, em Rio<<strong>br</strong> />

Branco.<<strong>br</strong> />

Marcos Wesley e Silas Moraes


8 TUPARI MARÇO/93<<strong>br</strong> />

Para Curar as Nações<<strong>br</strong> />

APOCALIPSE 21-22<<strong>br</strong> />

^^ ' O Anjo mostrou para mim um rio de água viva;<<strong>br</strong> />

**■£ era <strong>br</strong>ilhante como cristal; o rio <strong>br</strong>otava do tro-<<strong>br</strong> />

no de D<strong>eu</strong>s e do Cordeiro. 2 No meio da praça, de ca-<<strong>br</strong> />

da lado do rio, estão plantadas árvores da vida; elas<<strong>br</strong> />

dão fruto doze vezes por ano; todo mês elas frutifi-<<strong>br</strong> />

cam; suas folhas servem para curar as nações.<<strong>br</strong> />

Um pajé orienta s<strong>eu</strong> povo - Aquarela de E. Goodall (7842-3)<<strong>br</strong> />

A narrativa bíblica anuncia para o fu-<<strong>br</strong> />

turo um tempo de saúde plena. As pala-<<strong>br</strong> />

vras do anúncio nos lem<strong>br</strong>am, no entan-<<strong>br</strong> />

to, outras narrativas, do passado. Esta<<strong>br</strong> />

idealização do mundo como um jardim,<<strong>br</strong> />

um paraíso livre de doenças e maldições<<strong>br</strong> />

freqüenta insistentemente os registros da<<strong>br</strong> />

chegada dos <strong>eu</strong>rop<strong>eu</strong>s à América. Acos-<<strong>br</strong> />

tumados às pestes e epidemias de lá, nada<<strong>br</strong> />

lhes parecia mais puro, belo e saudável<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> o novo mundo encontrado.<<strong>br</strong> />

A<strong>que</strong>la gente <strong>que</strong> chegava, vinha deci-<<strong>br</strong> />

dida a trazer salvação.para os povos "en-<<strong>br</strong> />

contrados". E é curioso <strong>que</strong> na língua la-<<strong>br</strong> />

tina, da religião destes <strong>eu</strong>rop<strong>eu</strong>s, salva-<<strong>br</strong> />

ção — saúde e vida são <strong>ter</strong>mos <strong>que</strong> se<<strong>br</strong> />

juntam sob um mesmo vocábulo: salus.<<strong>br</strong> />

Ou seja, uma só palavra expressa salva-<<strong>br</strong> />

ção, saúde e vida, conceitos <strong>que</strong>, na<<strong>br</strong> />

"modernidade" inaugura pelas conquis-<<strong>br</strong> />

tas passaram a <strong>ter</strong> significados díspares e<<strong>br</strong> />

até opostos. Assim, a "salvação" trazida<<strong>br</strong> />

da Europa <strong>não</strong> implicou em afirmação da<<strong>br</strong> />

saúde e da vida, mas no s<strong>eu</strong> oposto.<<strong>br</strong> />

Passados 500 anos, os teimosos so<strong>br</strong>e-<<strong>br</strong> />

viventes da conquista ainda padecem des-<<strong>br</strong> />

sa inversão do salus. As enfermidades<<strong>br</strong> />

dos povos originais tornam-se assuntos<<strong>br</strong> />

recorrentes nos noticiários do país:<<strong>br</strong> />

— Dois índios Tukano foram, da Ama-<<strong>br</strong> />

zônia para á construção da Kari-Oca, no<<strong>br</strong> />

rio, na preparação para a Eco-92 e foram<<strong>br</strong> />

surpreendidos pela malária contraída na<<strong>br</strong> />

viagem;<<strong>br</strong> />

— Na volta da Kari-Oca, José Krenak<<strong>br</strong> />

— o Zé Moleza, H— 30 anos, precisou<<strong>br</strong> />

recorrer aos serviços médicos em hospi-<<strong>br</strong> />

tais de Gov. Valadares, MG, por causa<<strong>br</strong> />

de uma apendicite. Tratado como indi-<<strong>br</strong> />

gente, <strong>sem</strong> companhia e <strong>sem</strong> <strong>que</strong> s<strong>eu</strong> po-<<strong>br</strong> />

vo soubesse, José morr<strong>eu</strong> após ser sub-<<strong>br</strong> />

metido a três cirurgias;<<strong>br</strong> />

— Cercados pela Aracruz Celulose, os<<strong>br</strong> />

Guarani de Boa Esperança, ES, apresen-<<strong>br</strong> />

tam alto índice de doenças respiratórias.<<strong>br</strong> />

Vítima de insuficiência respiratória agu-<<strong>br</strong> />

da, morr<strong>eu</strong>, em fins de agosto, o caci<strong>que</strong><<strong>br</strong> />

João dos Santos. Em suas palavras finais.<<strong>br</strong> />

colhidas pela imprensa, pediu ao s<strong>eu</strong> po-<<strong>br</strong> />

vo para se man<strong>ter</strong> afastado da cultura dos<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>ancos, principalmente da cachaça e das<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>igas;<<strong>br</strong> />

— Dados da FUNAI indicam <strong>que</strong> o có-<<strong>br</strong> />

lera já atinge os Karapató, de Alagoas.<<strong>br</strong> />

— Pesquisadores, financiados pela<<strong>br</strong> />

Fundação Mc Arthur, dos EUA, fazem<<strong>br</strong> />

um levantamento so<strong>br</strong>e a situação da saú-<<strong>br</strong> />

de das populações indígenas do Mato<<strong>br</strong> />

Grosso e Rondônia e já apontam como<<strong>br</strong> />

conseqüências da aculturação: 45% das<<strong>br</strong> />

crianças Tupi-Mondé estão desnutridas<<strong>br</strong> />

(índice duas vezes maior <strong>que</strong> o do nor-<<strong>br</strong> />

deste); a estatura das crianças destes po-<<strong>br</strong> />

vos está diminuindo por causa da desnu-<<strong>br</strong> />

trição; 70% das mulheres Suruí sofrem<<strong>br</strong> />

de inflamações genitais; os Xavante, com<<strong>br</strong> />

a introdução do açúcar, sofrem, cada vez<<strong>br</strong> />

mais, os problemas de obesidade e os<<strong>br</strong> />

Nambiquara são atingidos pela tuberculo-<<strong>br</strong> />

se, desnutrição e malária.<<strong>br</strong> />

— O Brasil registrada 7 milhões de ca-<<strong>br</strong> />

sos de malária anualmente na década de<<strong>br</strong> />

50. Em 1970 esta cifra foi reduzida a 50<<strong>br</strong> />

mil. Agora ultrapassa, tragicamente, o<<strong>br</strong> />

meio milhão. Em meio ao pessimismo<<strong>br</strong> />

dos números, é de se registrar a seriedade<<strong>br</strong> />

do trabalho desenvolvido na área Tapira-<<strong>br</strong> />

pé, perto de S. Félix do Araguaia, MT,<<strong>br</strong> />

onde os casos caíram de 124 em 1991,<<strong>br</strong> />

para 20 no ano seguinte. Os Tapirapé,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> já beiraram a extinção hoje se conso-<<strong>br</strong> />

lidam como povo e se preparam para o<<strong>br</strong> />

futuro. O tratamento da malária é feito<<strong>br</strong> />

com chás, banhos com plantas, além das<<strong>br</strong> />

orientações da SUCAM. Trocaram, com<<strong>br</strong> />

sucesso, o inseticida usado na borrifação:<<strong>br</strong> />

do DDT para o Piretróide e entre os pró-<<strong>br</strong> />

prios índios há monitores de saúde, trei-<<strong>br</strong> />

nados na microscopia de malária.<<strong>br</strong> />

Assustado com o <strong>que</strong> representa para<<strong>br</strong> />

os povos nativos desta <strong>ter</strong>ra, o contato<<strong>br</strong> />

com as moléstias trazidas pelos "cristã-<<strong>br</strong> />

os", o TUPARI a<strong>br</strong>e a discussão e deseja<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> um entendimento mais amplo da si-<<strong>br</strong> />

tuação permitida às nossas Igrejas e aos<<strong>br</strong> />

grupos de solidariedade aos índios, ações<<strong>br</strong> />

mais conseqüentes.<<strong>br</strong> />

SAÚDE PARA OS KAIOWA<<strong>br</strong> />

Esses dois itens abaixo fazem parte<<strong>br</strong> />

do projeto de assistência à saúde<<strong>br</strong> />

das populações indígenas, elaborado<<strong>br</strong> />

pela coordenação regional da F.N.S.<<strong>br</strong> />

(Fundação Nacional de Saúde). Embo-<<strong>br</strong> />

ra apresente pontos bastante in<strong>ter</strong>essan-<<strong>br</strong> />

tes (a equipe visitou as áreas, conver-<<strong>br</strong> />

sou com os índios, etc) o projeto até o<<strong>br</strong> />

presente momento <strong>não</strong> conseguiu efeti-<<strong>br</strong> />

var-se por problemas de disputa de<<strong>br</strong> />

competência entre os órgãos públicos<<strong>br</strong> />

(F.N.S., governo do Estado do Mato<<strong>br</strong> />

Grosso do Sul, FUNAI, Prefeituras) e<<strong>br</strong> />

por falta de recursos. O impasse conti-<<strong>br</strong> />

nua e a situação crítica de saúde persis-<<strong>br</strong> />

te nas áreas Guarani.<<strong>br</strong> />

O programa da F.N.S., é avançado<<strong>br</strong> />

no sentido de relacionar a saúde com o<<strong>br</strong> />

ambiente de vida, ou seja, meio onde<<strong>br</strong> />

existem as condições e recursos natu-<<strong>br</strong> />

rais para a so<strong>br</strong>evivência física (<strong>org</strong>âni-<<strong>br</strong> />

ca) e cultural de um de<strong>ter</strong>minado grupo<<strong>br</strong> />

social humano, onde os indivíduos nas-<<strong>br</strong> />

cem, crescem, in<strong>ter</strong>agem, se reprodu-<<strong>br</strong> />

zem e morrem. Todo o ambiente <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

cerca e oferece as condições propícias<<strong>br</strong> />

à produção e reprodução dos indiví-<<strong>br</strong> />

duos e da sociedade. Por enquanto<<strong>br</strong> />

continua no papel, embora haja um<<strong>br</strong> />

acordo entre a F.N.S. ei Missão Cai-<<strong>br</strong> />

uá para repasse de recursos e prestação<<strong>br</strong> />

de serviços.<<strong>br</strong> />

A concepção de Saúde<<strong>br</strong> />

Embora seja óbvio, é necessário<<strong>br</strong> />

explicar <strong>que</strong> o grupo <strong>não</strong> entende saúde<<strong>br</strong> />

como a mera ausência de doença, os<<strong>br</strong> />

apenas como um estado de bem-estar<<strong>br</strong> />

físico e psíquico.<<strong>br</strong> />

E sabido <strong>que</strong> para <strong>que</strong> as condições<<strong>br</strong> />

de saúde estejam asseguradas faz-se<<strong>br</strong> />

mis<strong>ter</strong> uma série de outros <strong>que</strong>sitos es-<<strong>br</strong> />

senciais à dignidade humana. Assim, é<<strong>br</strong> />

preciso <strong>ter</strong> presente <strong>que</strong> isoladamente<<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> serão alcançadas as condições de<<strong>br</strong> />

saúde dos grupos, caso <strong>não</strong> sejam ga-<<strong>br</strong> />

rantidos: habitação, nutrição, vestuá-<<strong>br</strong> />

rio, educação, produção, acesso à <strong>ter</strong>ra<<strong>br</strong> />

(via demarcação), etc.<<strong>br</strong> />

Dessa forma, apesar de este projeto<<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> comportar a previsão do atendi-<<strong>br</strong> />

mento às necessidades <strong>que</strong> escapem da<<strong>br</strong> />

concepção clássica de saúde, é preciso<<strong>br</strong> />

<strong>ter</strong> claro <strong>que</strong> se <strong>não</strong> forem atendidas,<<strong>br</strong> />

este projeto <strong>ter</strong>á um alcance, quando<<strong>br</strong> />

muito, paliativo.<<strong>br</strong> />

A integridade das Ações de Saúde<<strong>br</strong> />

Para além da idéia de integralida-<<strong>br</strong> />

de <strong>que</strong> permeia as preocupações dos<<strong>br</strong> />

agentes envolvidos com a <strong>que</strong>stão da<<strong>br</strong> />

saúde pública no Brasil, a qual pressu-<<strong>br</strong> />

Volta do trabalho, na aldeia Xikrin<<strong>br</strong> />

põe a garantia do atendimento a todas<<strong>br</strong> />

as necessidades da população <strong>que</strong> de-<<strong>br</strong> />

verão ser integral e integradamente<<strong>br</strong> />

atendidas, há outros aspectos no caso<<strong>br</strong> />

dos grupos indígenas.<<strong>br</strong> />

Como vimos no item an<strong>ter</strong>ior, con-<<strong>br</strong> />

ceito de saúde deve <strong>ter</strong> presente a satis-<<strong>br</strong> />

fação das demais necessidades do gru-<<strong>br</strong> />

po sob pena de, em <strong>não</strong> sendo conside-<<strong>br</strong> />

radas, tornar-se impossível alcança-lo.<<strong>br</strong> />

Do mesmo modo, a integralidade das<<strong>br</strong> />

ações de saúde, no caso das popula-<<strong>br</strong> />

ções indígenas, deve buscar a harmo-<<strong>br</strong> />

nização entre as al<strong>ter</strong>nativas <strong>que</strong> a cul-<<strong>br</strong> />

tura a<strong>br</strong>angente pode oferecer e o re-<<strong>br</strong> />

pertório cultural do grupo abarcando<<strong>br</strong> />

desde o xamamismo até o uso das er-<<strong>br</strong> />

vas enquanto medicamentos.<<strong>br</strong> />

A integralidade das ações poderá<<strong>br</strong> />

exigir a revisão conceituai clássica de<<strong>br</strong> />

saneamento capaz para lidar com fenô-<<strong>br</strong> />

menos rurais ou urbanos da sociedade<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>angente, porém, insuficiente para<<strong>br</strong> />

dar conta de de<strong>ter</strong>minadas realidades<<strong>br</strong> />

indígenas. Afinal, para <strong>que</strong> garantir<<strong>br</strong> />

água em boas condições de potabilida-<<strong>br</strong> />

de, adequada destinação dos dejetos e<<strong>br</strong> />

correto tratamento do lixo entre alguns<<strong>br</strong> />

grupos Guarani, se <strong>não</strong> se in<strong>ter</strong>vir na<<strong>br</strong> />

sugidade do corpo? Se <strong>não</strong> se in<strong>ter</strong>vir<<strong>br</strong> />

na forma como se relacionam com ani-<<strong>br</strong> />

mais domésticos promovendo toda sor-<<strong>br</strong> />

te de zoonozes?<<strong>br</strong> />

De <strong>que</strong> valerão as tentativas de se<<strong>br</strong> />

controlarem os surtos de escabiose ca-<<strong>br</strong> />

so a<strong>que</strong>las <strong>que</strong>stões <strong>não</strong> tenham sido<<strong>br</strong> />

resolvidas?<<strong>br</strong> />

E a endêmica tuberculose entre os<<strong>br</strong> />

Guarani. Será possível tratá-la com su-<<strong>br</strong> />

cesso, <strong>sem</strong> se in<strong>ter</strong>vir na <strong>que</strong>stão nutri-<<strong>br</strong> />

cional? Bastará a rei<strong>ter</strong>sção repetitiva<<strong>br</strong> />

das práticas preconizadas pelo Progra-<<strong>br</strong> />

ma Nacional de Controle da Tubercu-<<strong>br</strong> />

lose para se dar conta do problema?<<strong>br</strong> />

Como se vê, <strong>não</strong> será possível a<<strong>br</strong> />

simples tutilização dos modelos de al-<<strong>br</strong> />

<strong>ter</strong>ação, mormente a<strong>que</strong>les consubs-<<strong>br</strong> />

tanciados nos programas do Ministério<<strong>br</strong> />

da Saúde, para prestar assistência à<<strong>br</strong> />

saúde das populações indígenas. E<<strong>br</strong> />

preciso <strong>que</strong> se enfrente o desafio de<<strong>br</strong> />

frente, sabendo <strong>que</strong> a integralidade das<<strong>br</strong> />

ações é fator fundamental para o su-<<strong>br</strong> />

cesso do trabalho. Logo, toda a criati-<<strong>br</strong> />

vidade será necessária para <strong>que</strong>, sob<<strong>br</strong> />

estes paradigmas se construam mode-<<strong>br</strong> />

los, de fato, voltados para a satisfação<<strong>br</strong> />

do conjunto de necessidade apresenta-<<strong>br</strong> />

das pelas populações indígenas.


MARÇO/93 TUPARI 9<<strong>br</strong> />

COEXISTÊNCIA DAS MEDICINAS<<strong>br</strong> />

TRADICIONAL E OCIDENTAL<<strong>br</strong> />

Medicina Indígena e assistência médica: comentário so<strong>br</strong>e o projeto de Saúde Sumi de Rondônia. 1<<strong>br</strong> />

Kulina - povo mensagem à margem do grande rio<<strong>br</strong> />

Betty Mindlin<<strong>br</strong> />

Um contraste marcante entre<<strong>br</strong> />

a medicina na sociedade indus-<<strong>br</strong> />

trial e a indígena é <strong>que</strong> a<strong>que</strong>la se<<strong>br</strong> />

ocupa do corpo e da saúde, mas<<strong>br</strong> />

até agora, pelo menos, <strong>não</strong> enve-<<strong>br</strong> />

redou para investigar a morte e a<<strong>br</strong> />

vida futura. Para os índios, este é<<strong>br</strong> />

um aspecto fundamental da etio-<<strong>br</strong> />

logia e da cura das doenças, cau-<<strong>br</strong> />

sadas por espíritos, evitadas por<<strong>br</strong> />

vezes pela força das almas dos<<strong>br</strong> />

parentes mortos. A nossa ciência<<strong>br</strong> />

médica, <strong>que</strong> cessa na morte ou a<<strong>br</strong> />

ignora, só pode ser vista pelos<<strong>br</strong> />

índios como absurdamente insu-<<strong>br</strong> />

ficiente.<<strong>br</strong> />

Para os Sumi, são espíritos va-<<strong>br</strong> />

riados, das águas, dos céus, do<<strong>br</strong> />

mato, <strong>que</strong> causam as doenças e<<strong>br</strong> />

têm o poder de curá-las. As pes-<<strong>br</strong> />

soas gravemente doentes viajam<<strong>br</strong> />

(em sonhos, ou suas almas é <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

vão — ao país dos mortos, pelo<<strong>br</strong> />

caminho cheio de perigos <strong>que</strong> os<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> morrem devem percorrer.<<strong>br</strong> />

Ficam numa situação in<strong>ter</strong>mediá-<<strong>br</strong> />

ria, em <strong>que</strong> ainda podem ser cha-<<strong>br</strong> />

mados de volta à <strong>ter</strong>ra e à vida<<strong>br</strong> />

pelos pajés ou pelo apelo de pa-<<strong>br</strong> />

rentes muito próximos. Em espe-<<strong>br</strong> />

cial os filhos pe<strong>que</strong>nos são um<<strong>br</strong> />

chamado vigoroso. Os múltiplos<<strong>br</strong> />

espíritos são invocados pelos pa-<<strong>br</strong> />

jés para impedir a morte e trazer<<strong>br</strong> />

de volta à vida os pacientes. Os<<strong>br</strong> />

seres so<strong>br</strong>enaturais, cada um<<strong>br</strong> />

com uma história própria, com<<strong>br</strong> />

um canto só s<strong>eu</strong>, são ao mesmo<<strong>br</strong> />

tempo os salvadores e os agentes<<strong>br</strong> />

da doença.<<strong>br</strong> />

Provocadas por tantos seres,<<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> se sabe bem por quê, as<<strong>br</strong> />

doenças são também o resultado<<strong>br</strong> />

de infrações a numerosos tabus e<<strong>br</strong> />

regras de conduta. Não obedecer<<strong>br</strong> />

às muitas reclusões necessárias<<strong>br</strong> />

(no parto, na menarca, nas mes-<<strong>br</strong> />

truações, no luto); comer alimen-<<strong>br</strong> />

tos proibidos nessa situação de<<strong>br</strong> />

Heiner Heine<<strong>br</strong> />

passagem: <strong>ter</strong> relações sexuais<<strong>br</strong> />

em épocas proibidas, como por<<strong>br</strong> />

exemplo os homens quando têm<<strong>br</strong> />

filhos recém nascidos, os pajés<<strong>br</strong> />

em iniciação; aproximar-se das<<strong>br</strong> />

parturientes ou de recém nasci-<<strong>br</strong> />

dos, tidos como perigo gravíssi-<<strong>br</strong> />

mo exceto para parentes imedia-<<strong>br</strong> />

tos; todas essas <strong>que</strong><strong>br</strong>as de con-<<strong>br</strong> />

duta são consideradas causa<<strong>br</strong> />

infalível de doenças.<<strong>br</strong> />

So<strong>br</strong>e o corpo, a biologia, as<<strong>br</strong> />

funções vitais, os índios tem co-<<strong>br</strong> />

nhecimentos muito grandes, mas<<strong>br</strong> />

com explicações bastante dife-<<strong>br</strong> />

rentes das nossas. Uma idéias so-<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>e concepção.. Os Surui, por<<strong>br</strong> />

exemplo, julgam <strong>que</strong> vários ho-<<strong>br</strong> />

mens podem ser simultaneamente<<strong>br</strong> />

pais de uma criança, <strong>que</strong> o feto<<strong>br</strong> />

se forma aos poucos da mistura a<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> contribuem a mulher e os<<strong>br</strong> />

homens com <strong>que</strong>m teve encon-<<strong>br</strong> />

tros amorosos em todo o período<<strong>br</strong> />

da gravidez.<<strong>br</strong> />

Quando as equipes de saúde<<strong>br</strong> />

dos projetos de assistência médi-<<strong>br</strong> />

ca se defrontam com tantas cren-<<strong>br</strong> />

ças fascin<strong>antes</strong>, mis<strong>ter</strong>iosas, das<<strong>br</strong> />

quais só vislum<strong>br</strong>am relances ou<<strong>br</strong> />

a superfície, <strong>não</strong> é fácil saber co-<<strong>br</strong> />

mo orientar-se. Agentes de saúde<<strong>br</strong> />

— como também os índios — os-<<strong>br</strong> />

cilam em pêndulo, diariamente,<<strong>br</strong> />

entre universos afastados.<<strong>br</strong> />

Será possível a coexistência<<strong>br</strong> />

deste complexo sistema de expli-<<strong>br</strong> />

cação de saúde, doença, cura,<<strong>br</strong> />

por nós tão mal conhecido, com<<strong>br</strong> />

a ciência e a assistência <strong>que</strong> os<<strong>br</strong> />

nossos médicos levam às aldeias<<strong>br</strong> />

ou oferecem nas cidades?<<strong>br</strong> />

Os projetos de saúde em área<<strong>br</strong> />

indígena — como também outras<<strong>br</strong> />

ações de apoio aos índios — en-<<strong>br</strong> />

frentam um dilema. Propõem-se<<strong>br</strong> />

a man<strong>ter</strong> a saúde da população<<strong>br</strong> />

dentro de um quadro de respeito<<strong>br</strong> />

à autonomia e às escolhas da co-<<strong>br</strong> />

munidade, de reforço à cultura e<<strong>br</strong> />

ao saber indígenas. Representam<<strong>br</strong> />

ao mesmo tempo uma in<strong>ter</strong>ferên-<<strong>br</strong> />

cia marcada nas tradições, usan-<<strong>br</strong> />

do todo um outro sistema de co-<<strong>br</strong> />

nhecimento, valorizando médi-<<strong>br</strong> />

cos, enfermeiras e formas de<<strong>br</strong> />

cura bem distintas das indígenas,<<strong>br</strong> />

alheias à farmacopéia e remédios<<strong>br</strong> />

do mato, às regras e tabus da vi-<<strong>br</strong> />

da quotidiana na maloca, ao po-<<strong>br</strong> />

der dos pajés.<<strong>br</strong> />

São duas sociedades diferentes<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> se encontram e deveriam mi-<<strong>br</strong> />

rar-se com curiosidade, analisan-<<strong>br</strong> />

do a si mesmas e à outra <strong>sem</strong> et-<<strong>br</strong> />

nocentrismo, <strong>sem</strong> acreditar ape-<<strong>br</strong> />

nas na própria perspectiva,<<strong>br</strong> />

tentando compreender a al<strong>ter</strong>ida-<<strong>br</strong> />

de.<<strong>br</strong> />

Não se trata de polemizar so-<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>e o <strong>que</strong> é ciência em oposição<<strong>br</strong> />

ao <strong>que</strong> é magia, ou de escolher<<strong>br</strong> />

um verdadeiro sistema de cura.<<strong>br</strong> />

nem de <strong>que</strong>stionar a existência<<strong>br</strong> />

ou <strong>não</strong> do so<strong>br</strong>enatural, proble-<<strong>br</strong> />

ma metafísico insolúvel. O <strong>que</strong> é<<strong>br</strong> />

preciso é saber o <strong>que</strong> significa na<<strong>br</strong> />

sociedade indígena o sistema de<<strong>br</strong> />

saúde, como se liga à identidade<<strong>br</strong> />

e à afirmação do grupo e a todos<<strong>br</strong> />

os aspectos da vida ma<strong>ter</strong>ial e es-<<strong>br</strong> />

piritual. E fundamental compre-<<strong>br</strong> />

ender o <strong>que</strong> pensam os outros pa-<<strong>br</strong> />

ra podermos melhor transmitir,<<strong>br</strong> />

por nossa vez, o <strong>que</strong> pensamos.<<strong>br</strong> />

No projeto de saúde Surui,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> começou há apenas dois<<strong>br</strong> />

anos, a urgência de salvar vidas,<<strong>br</strong> />

de criar um sistema eficaz de<<strong>br</strong> />

atendimetno, a necessidade de<<strong>br</strong> />

solucionar as muitas emergên-<<strong>br</strong> />

cias, torna lenta uma troca ou in-<<strong>br</strong> />

vestigação aprofundada das tradi-<<strong>br</strong> />

ções. Seria preciso um esforço<<strong>br</strong> />

continuado, reconhecido como<<strong>br</strong> />

desejável, de compreender a<<strong>br</strong> />

etiologia indígena das doenças,<<strong>br</strong> />

de seguir o conhecimento indíge-<<strong>br</strong> />

na so<strong>br</strong>e botânica e uso de plan-<<strong>br</strong> />

tas, por exemplo.<<strong>br</strong> />

A equipe de saúde tem, no en-<<strong>br</strong> />

tanto, conversado muito com a<<strong>br</strong> />

comunidade so<strong>br</strong>e o valor das<<strong>br</strong> />

tradições. Mantêm-se bem nítida<<strong>br</strong> />

a separação entre a ação médica<<strong>br</strong> />

e a tribal — <strong>não</strong> se trata de mis-<<strong>br</strong> />

turar as duas, mesmo por<strong>que</strong><<strong>br</strong> />

pouco sabemos so<strong>br</strong>e as formas<<strong>br</strong> />

indígenas; mas de insistir um<<strong>br</strong> />

respeito mútuo, de <strong>não</strong> apresen-<<strong>br</strong> />

tar uma como superior à outra, e<<strong>br</strong> />

até de indicar em alguns casos<<strong>br</strong> />

como são coerentes.<<strong>br</strong> />

Assim, no aspecto de sanea-<<strong>br</strong> />

mento e higiene, por exemplo, a<<strong>br</strong> />

obediência às regras de compor-<<strong>br</strong> />

tamento tradicionais Surui apenas<<strong>br</strong> />

reforça a conduta <strong>que</strong> os nossos<<strong>br</strong> />

médicos recomendam. Tradicio-<<strong>br</strong> />

nalmente, os Surui apenas be-<<strong>br</strong> />

biam uma espécie de de sopa fer-<<strong>br</strong> />

mentada e fervida^ nunca água; a<<strong>br</strong> />

bebida era <strong>sem</strong>pre cuidadosa-<<strong>br</strong> />

mente conservada em panelas da<<strong>br</strong> />

cerâmica tampadas. Nada melhor<<strong>br</strong> />

para as atuais recomendações<<strong>br</strong> />

médicas contra águas poluídas,<<strong>br</strong> />

moscas, animais tocando a comi-<<strong>br</strong> />

da das pessoas. Com a des<strong>org</strong>a-<<strong>br</strong> />

nização da vida tribal, a bebida<<strong>br</strong> />

tradicional está sendo pouco usa-<<strong>br</strong> />

da, é trocada por sucos artifi-<<strong>br</strong> />

ciais, refriger<strong>antes</strong>, qual<strong>que</strong>r<<strong>br</strong> />

água; há desleixo quanto às tam-<<strong>br</strong> />

pas. Tanto para a nutrição como<<strong>br</strong> />

para a higiene, o ideal seria vol-<<strong>br</strong> />

tar ao sistema antigo.<<strong>br</strong> />

Também a reclusão tradicional<<strong>br</strong> />

dos doentes ou de parturientes<<strong>br</strong> />

evita a propagação de doenças<<strong>br</strong> />

infecciosas. Vez ou outra algum<<strong>br</strong> />

médico em visita à área Surui re-<<strong>br</strong> />

clamava das belas malocas da fa-<<strong>br</strong> />

mília extensa — com fogo embai-<<strong>br</strong> />

xo de cada rede, com a fumaça<<strong>br</strong> />

atravessando o teto de palha —<<strong>br</strong> />

como sendo um <strong>ter</strong>reno fértil pa-<<strong>br</strong> />

ra a tuberculose: es<strong>que</strong>cendo<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong>, se diagnosticada prontamen-<<strong>br</strong> />

te a doença, o tuberculoso jamais<<strong>br</strong> />

estaria misturado ao resto da fa-<<strong>br</strong> />

mília, permanecendo sozinho nu-<<strong>br</strong> />

ma pe<strong>que</strong>na maloca.<<strong>br</strong> />

Estes são apenas exemplos.<<strong>br</strong> />

Claro <strong>que</strong> a <strong>que</strong><strong>br</strong>a de regras tra-<<strong>br</strong> />

dicionais tem efeitos caóticos,<<strong>br</strong> />

em especial so<strong>br</strong>e a alimentação.<<strong>br</strong> />

Em contato com alimentos indus-<<strong>br</strong> />

trializados, comprados na cidade,<<strong>br</strong> />

os índios deixam de <strong>ter</strong> um pa-<<strong>br</strong> />

drão coerente de alimentação,<<strong>br</strong> />

abandonam a nutritiva sopa dos<<strong>br</strong> />

tempos antigos, <strong>não</strong> mais passam<<strong>br</strong> />

horas ciscando frutos ou larvas<<strong>br</strong> />

na coleta pelo mato, quase <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

caçam, comem menos proteínas<<strong>br</strong> />

e ficam sujeitos à subnutrição.<<strong>br</strong> />

Torna-se necessário discutir o<<strong>br</strong> />

valor calórico e nutritivo da dieta<<strong>br</strong> />

an<strong>ter</strong>ior e pos<strong>ter</strong>ior ao contato<<strong>br</strong> />

com a cidade.<<strong>br</strong> />

Nem <strong>sem</strong>pre, porém, os hábi-<<strong>br</strong> />

tos e crenças da aldeia são com-<<strong>br</strong> />

patíveis com os nosos, alguns<<strong>br</strong> />

provocando^os uma recusa moral<<strong>br</strong> />

inevitável. É o caso do infanticí-<<strong>br</strong> />

dio, existente em alguns grupos,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> pode se dever a muitas cau-<<strong>br</strong> />

sas, como quando há crianças re-<<strong>br</strong> />

sult<strong>antes</strong> de incesto ou gêmeos,<<strong>br</strong> />

transgressão das normas de com-<<strong>br</strong> />

portamento da aldeia considerada<<strong>br</strong> />

gravíssima, a antropofagia ces-<<strong>br</strong> />

sou de existir; mas dificilmente,<<strong>br</strong> />

se ainda perdurasse, seríamos ca-<<strong>br</strong> />

pazes de resistir à in<strong>ter</strong>ferência.<<strong>br</strong> />

Em outros casos, é preciso con-<<strong>br</strong> />

versar com a comunidade para<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> os médicos possam agir. Há<<strong>br</strong> />

grupos em Rondônia, por exem-<<strong>br</strong> />

plo, <strong>que</strong> in<strong>ter</strong>rompem o trata-<<strong>br</strong> />

mento prescrito pelos médicos,<<strong>br</strong> />

mesmo o da malária ou tubercu-<<strong>br</strong> />

lose, quando os pajés estão em<<strong>br</strong> />

ação.


10 TUPARI MARÇO/93<<strong>br</strong> />

O contato com as nossas ex-<<strong>br</strong> />

plicações científicas, mesmo se<<strong>br</strong> />

mantivermos forte atitude de res-<<strong>br</strong> />

peito e curiosidade pelo sitema<<strong>br</strong> />

indígena, certamente há de modi-<<strong>br</strong> />

ficar o <strong>que</strong> pensam. Nos casos de<<strong>br</strong> />

es<strong>ter</strong>ilidade, por ex., uma vez<<strong>br</strong> />

bem demonstradas as nossas ex-<<strong>br</strong> />

plicações so<strong>br</strong>e concepção, difi-<<strong>br</strong> />

cilmente man<strong>ter</strong>ão <strong>sem</strong> crítica<<strong>br</strong> />

suas teorias. É surprendente, no<<strong>br</strong> />

entanto, ver alguns grupos indí-<<strong>br</strong> />

genas na região acusarem-se mu-<<strong>br</strong> />

tuamente de feitiçaria em epide-<<strong>br</strong> />

mias de sarampo ou malária,<<strong>br</strong> />

mesmo depois de muito ouvir a<<strong>br</strong> />

explicação médica de como se<<strong>br</strong> />

apanham essas doenças, de no-<<strong>br</strong> />

tar, p. ex., a quantidade de ano-<<strong>br</strong> />

felinos.<<strong>br</strong> />

Seria possível estender bastan-<<strong>br</strong> />

te a descrição da junção intrigan-<<strong>br</strong> />

te, instigante, de pedaços de dois<<strong>br</strong> />

sistemas tão completamente dife-<<strong>br</strong> />

rente.<<strong>br</strong> />

De todo modo, é preciso pre-<<strong>br</strong> />

servar a idéia da relatividade dos<<strong>br</strong> />

valores e culturas. Contribuiria<<strong>br</strong> />

para isso lem<strong>br</strong>ar, por exemplo,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> para a maioria de nós a me-<<strong>br</strong> />

dicina é um mito e <strong>não</strong> ciência,<<strong>br</strong> />

(quantos cientistas sociais sabe-<<strong>br</strong> />

rão descrever o corpo humano ou<<strong>br</strong> />

a etiologia das doenças?), mono-<<strong>br</strong> />

pólio de poucos tanto no saber<<strong>br</strong> />

como no acesso à cura, na socie-<<strong>br</strong> />

dade desigual, mais ainda cheia<<strong>br</strong> />

de iniqüidade no Brasil. Em<<strong>br</strong> />

grande parte por razões sociais, a<<strong>br</strong> />

saúde é privilégio de poucos e as<<strong>br</strong> />

vitórias da ciência beneficiam<<strong>br</strong> />

apenas minorias. Ponderações<<strong>br</strong> />

como essas nos levam a relativi-<<strong>br</strong> />

zar e <strong>que</strong>stionar a nossa suposta<<strong>br</strong> />

superioridade na prática da assis-<<strong>br</strong> />

tência médica.<<strong>br</strong> />

A consciência da complexida-<<strong>br</strong> />

de do confronto dos dois siste-<<strong>br</strong> />

mas de conhecimento <strong>não</strong> signifi-<<strong>br</strong> />

ca aceitar indiscriminadamente,<<strong>br</strong> />

ou simultaneamente, formas de<<strong>br</strong> />

conduta de um e de outro. Por<<strong>br</strong> />

exemplo, os monitores/agentes<<strong>br</strong> />

de saúde treinados nos projetos<<strong>br</strong> />

deveriam ser pajés ou aprendizes<<strong>br</strong> />

de pajé ou, ao contrário, serem<<strong>br</strong> />

escolhidos pelos critérios da me-<<strong>br</strong> />

dicina urbana? Devemos usar os<<strong>br</strong> />

remédios da floresta, como subs-<<strong>br</strong> />

titutos ou em conjunto com os da<<strong>br</strong> />

indústria química?<<strong>br</strong> />

Com a nossa ignorância do<<strong>br</strong> />

mundo indígena, e até <strong>que</strong> os ín-<<strong>br</strong> />

dios consigam nos explicar <strong>que</strong>m<<strong>br</strong> />

são e o <strong>que</strong> pensam, é preciso<<strong>br</strong> />

cuidado ao fundir as dus "ciên-<<strong>br</strong> />

cias", para <strong>não</strong> agirmos às ce-<<strong>br</strong> />

gas. Enquanto nada sabemos,<<strong>br</strong> />

melhor <strong>não</strong> nos aventurarmos,<<strong>br</strong> />

como aprendizes de feiticeiros,<<strong>br</strong> />

no uso das ferramentas alheias:<<strong>br</strong> />

mais vale talvez tentarmos expli-<<strong>br</strong> />

car e utilizar aquilo <strong>que</strong> julgamos<<strong>br</strong> />

saber, respeitando e in<strong>ter</strong>ferindo<<strong>br</strong> />

o mínimo possível nas outras for-<<strong>br</strong> />

mas. E neste percurso, procurar<<strong>br</strong> />

aprofundar cada vez mais a com-<<strong>br</strong> />

preensão global da sociedade in-<<strong>br</strong> />

dígena, até mesmo para no traba-<<strong>br</strong> />

lho de apoio nos movermos com<<strong>br</strong> />

mais segurança.<<strong>br</strong> />

Antes de misturarmos as pres-<<strong>br</strong> />

crições, seria preciso aprender<<strong>br</strong> />

com elas, saber o <strong>que</strong> significam<<strong>br</strong> />

para nós, diferentemente do <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

significam para a comunidade.<<strong>br</strong> />

Por exemplo, será o efeito dos<<strong>br</strong> />

remédios usados na aldeia, do<<strong>br</strong> />

nosso ponto de vista, químico ou<<strong>br</strong> />

mágico, ou seja ligado ao con-<<strong>br</strong> />

junto das regras sociais? Quando<<strong>br</strong> />

os índios consideram o amen-<<strong>br</strong> />

doim como abortivo, por exem-<<strong>br</strong> />

plo, isso significa <strong>que</strong> há uma<<strong>br</strong> />

propriedade abortiva no amen-<<strong>br</strong> />

doim, ou <strong>que</strong> esta é uma das re-<<strong>br</strong> />

gras de classificação social? Que<<strong>br</strong> />

efeitos são os <strong>que</strong> consideramos<<strong>br</strong> />

psicológicos?<<strong>br</strong> />

O passo inicial mais ao nosso<<strong>br</strong> />

alcance é a equipe de saúde pro-<<strong>br</strong> />

curar tomar contato com a cultu-<<strong>br</strong> />

ra do grupo indígena em <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

atua. Em seguida, promover pes-<<strong>br</strong> />

quisas so<strong>br</strong>e variados aspectos do<<strong>br</strong> />

conhecimento tradicional, desde<<strong>br</strong> />

o uso das plantas até as explica-<<strong>br</strong> />

ções das doenças. A pesquisa em<<strong>br</strong> />

si já é uma afirmação cultural, ao<<strong>br</strong> />

mostrar a importância <strong>que</strong> atribu-<<strong>br</strong> />

imos ao saber da comunidade.<<strong>br</strong> />

Para finalizar este comentário<<strong>br</strong> />

tão resumido so<strong>br</strong>e um assunto<<strong>br</strong> />

tão vasto e difícil, seria bom<<strong>br</strong> />

lem<strong>br</strong>ar <strong>que</strong> a medicina indígena,<<strong>br</strong> />

por milênios, serviu à humanida-<<strong>br</strong> />

de, funcionando bastante bem,<<strong>br</strong> />

enquanto a nossa é relativamente<<strong>br</strong> />

recente. Dizem os primeiros cro-<<strong>br</strong> />

nistas e viaj<strong>antes</strong> <strong>que</strong> os índios<<strong>br</strong> />

eram macróbios: havia poucas<<strong>br</strong> />

fe<strong>br</strong>es e doenças infeccioasa, me-<<strong>br</strong> />

nos ainda as psicológicas e ner-<<strong>br</strong> />

vosas.<<strong>br</strong> />

E com as nossas doenças, com<<strong>br</strong> />

as imensas mudanças <strong>que</strong> a nossa<<strong>br</strong> />

sociedade lhes trouxe, <strong>que</strong> os ín-<<strong>br</strong> />

dios lidam mal: a malária, a be-<<strong>br</strong> />

bida alcoólica, a tuberculose, os<<strong>br</strong> />

garimpos são exemplos. E nós,<<strong>br</strong> />

lidaremos bem? Certamente hou-<<strong>br</strong> />

ve grandes invenções tecnológi-<<strong>br</strong> />

cas médicas no nosso tempo,<<strong>br</strong> />

houve um aumento da vida média<<strong>br</strong> />

em muitos países; mas também<<strong>br</strong> />

surgiram novas doenças e males,<<strong>br</strong> />

muitos decorrentes da concentra-<<strong>br</strong> />

ção urbana. Se deixamos de lado<<strong>br</strong> />

um conceito exíguo de saúde e<<strong>br</strong> />

doença para passar a uma con-<<strong>br</strong> />

cepção mais ampla do <strong>que</strong> estas<<strong>br</strong> />

significam na sociedade, os ín-<<strong>br</strong> />

dios <strong>ter</strong>ão muitas lições funda-<<strong>br</strong> />

mentais a nos dar.<<strong>br</strong> />

Pesquisadora, da Coordenação<<strong>br</strong> />

do IAM A, Instituto de Antropo-<<strong>br</strong> />

logia e Meio Ambiente, São Pau-<<strong>br</strong> />

lo.<<strong>br</strong> />

1 Projeto de Saúde Surui, coor-<<strong>br</strong> />

denado por Maria do Carmo<<strong>br</strong> />

Barcellos, representante do LA-<<strong>br</strong> />

MA em Rondônia e presidente<<strong>br</strong> />

do CERNIC, Centro de Recu-<<strong>br</strong> />

peração N<strong>eu</strong>rológica Infantil<<strong>br</strong> />

de Caçoai.<<strong>br</strong> />

Do Boletim da Unidade de<<strong>br</strong> />

Saúde e Meio Ambiente da<<strong>br</strong> />

Escola Paulista de Medicina,<<strong>br</strong> />

Vol 2, n° 2, com permissão).<<strong>br</strong> />

ENCONTRO DE EUROPEUS E AMERICANOS<<strong>br</strong> />

FEZ A UNIFICAÇÃO GENÉTICA DO PLANETA<<strong>br</strong> />

Jí/Iais do <strong>que</strong> massacrar índios,<<strong>br</strong> />

-'-'-■• como enfatizam historiadores<<strong>br</strong> />

revisionistas, ou espalhar a fé cristã,<<strong>br</strong> />

como Coiomnbo diz, as viagens<<strong>br</strong> />

transaiânticas inauguradas em 1492<<strong>br</strong> />

tiveram como conseqüência a unifi-<<strong>br</strong> />

cação genética do planeta.<<strong>br</strong> />

Os genes <strong>que</strong> cruzaram o mar nas<<strong>br</strong> />

duas direções modificaram o mundo<<strong>br</strong> />

tanto quanto a artilharia ou o modo<<strong>br</strong> />

de produção capitalista.<<strong>br</strong> />

Alguns genes tiveram um papel<<strong>br</strong> />

direto na história, a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> cons-<<strong>br</strong> />

tituem os micróbios causadores de<<strong>br</strong> />

doenças. Não há dúvidas do papel<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> doenças estranhas podem <strong>ter</strong> na<<strong>br</strong> />

dizimação de nativos <strong>não</strong> expostos a<<strong>br</strong> />

ela. Até hoje índios <strong>br</strong>asileiros <strong>sem</strong><<strong>br</strong> />

contato prévio com os descendentes<<strong>br</strong> />

dos colonizadores podem morrer de<<strong>br</strong> />

resfriado.<<strong>br</strong> />

Há provas <strong>que</strong> algumas tribos na-<<strong>br</strong> />

tivas da América perderam até 90%<<strong>br</strong> />

de s<strong>eu</strong>s habit<strong>antes</strong> depois de contata-<<strong>br</strong> />

das pelos <strong>br</strong>ancos e negros <strong>que</strong> vie-<<strong>br</strong> />

ram de Europa e África. A lista de<<strong>br</strong> />

doenças é extensa: <strong>não</strong> havia nem<<strong>br</strong> />

malária, nem varíola, nem tifo, nem<<strong>br</strong> />

sarampo, nem fe<strong>br</strong>e amarela. Nesse<<strong>br</strong> />

aspecto, <strong>sem</strong> dúvida o continente era<<strong>br</strong> />

o paraíso <strong>que</strong> os historiadores multi-<<strong>br</strong> />

culturalistas críticos da "descober-<<strong>br</strong> />

ta" gostam de descrever.<<strong>br</strong> />

O in<strong>ter</strong>câmbio certamente al<strong>ter</strong>ou<<strong>br</strong> />

a biodiversiade do planeta. Não só<<strong>br</strong> />

pessoas colonizaram a América; fau-<<strong>br</strong> />

Tia^e~fkira vieram junto. Colombo e<<strong>br</strong> />

sucessores deram sua mãozinha na<<strong>br</strong> />

universalização da seleção natural<<strong>br</strong> />

darwiniana, o processo pelo qual as<<strong>br</strong> />

espécies vivas mais aptas so<strong>br</strong>evi-<<strong>br</strong> />

vem em um dado ambiente e deixam<<strong>br</strong> />

descendência. Barreiras geográficas<<strong>br</strong> />

são um dos fatores <strong>que</strong> moldam a<<strong>br</strong> />

evolução das espécies. As caravelas<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong><strong>br</strong>aram uma das barreiras, e en-<<strong>br</strong> />

tre os <strong>que</strong> melhor aproveitaram estão<<strong>br</strong> />

os vírus e bactérias causadores de<<strong>br</strong> />

doenças.<<strong>br</strong> />

"A genética das populações pode<<strong>br</strong> />

então ser vista como um ramo espe-<<strong>br</strong> />

cializado da epidemiologia", disse-<<strong>br</strong> />

ram os pesquisadores Ge<strong>org</strong>e Wil-<<strong>br</strong> />

liams e Randolph Nesse, defendendo<<strong>br</strong> />

uma maior atenção aos princípios da<<strong>br</strong> />

adaptação das espécies ao ambiente<<strong>br</strong> />

no estudo das doenças.<<strong>br</strong> />

Homens e micróbios "co-evo-<<strong>br</strong> />

luem". Há uma perene corrida ar-<<strong>br</strong> />

mamentista entre parasita e s<strong>eu</strong> hos-<<strong>br</strong> />

pedeiro, cada um adaptando armas<<strong>br</strong> />

bioquímicas complexas. O sistema<<strong>br</strong> />

imune, de defesa do <strong>org</strong>anismo, foi<<strong>br</strong> />

evoluindo em resposta a ameaças de<<strong>br</strong> />

bactérias e vírus. A fe<strong>br</strong>e, por exem-<<strong>br</strong> />

plo, é uma maneira de derrotar bac-<<strong>br</strong> />

térias "cozinhando-as" em uma<<strong>br</strong> />

temperatura mais alta.<<strong>br</strong> />

Há doenças <strong>que</strong> persistem em pe-<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong>nas populações, mas há outras<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> precisam de um grande número<<strong>br</strong> />

de vítimas para se propagarem, cau-<<strong>br</strong> />

sando epidemias. Os biólogos acre-<<strong>br</strong> />

ditam <strong>que</strong> várias delas surgem de mi-<<strong>br</strong> />

cróbios existentes em animais do-<<strong>br</strong> />

mesticados. A população de<<strong>br</strong> />

micróbios <strong>eu</strong>rop<strong>eu</strong>s era mais varia-<<strong>br</strong> />

da, provavelmente por<strong>que</strong> havia<<strong>br</strong> />

maior gama de animais domésticos<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> serviram de reservatório para a<<strong>br</strong> />

evolução dos agentes patogênicos.<<strong>br</strong> />

SAIBA COMO É O CICLO DA MALÁRIA<<strong>br</strong> />

Mosquitos transmitem • capam panstas itravés


MARÇO/93 TUPARI 11<<strong>br</strong> />

O problema do suicídio en-<<strong>br</strong> />

tre os Kaiowá começa a<<strong>br</strong> />

adquirir índices preocup<strong>antes</strong><<strong>br</strong> />

em meados da década de 70<<strong>br</strong> />

quando chama a atenção das<<strong>br</strong> />

instituições <strong>que</strong> atuam entre<<strong>br</strong> />

os Kaiowá de Mato Grosso do<<strong>br</strong> />

Sul. Entretanto, em 1991 os<<strong>br</strong> />

casos de suicídio aumentaram<<strong>br</strong> />

na área de Dourados, atraindo<<strong>br</strong> />

a atenção da mídia nacional e<<strong>br</strong> />

in<strong>ter</strong>nacional.<<strong>br</strong> />

Não há consenso entre os<<strong>br</strong> />

indigenistas e estudiosos do<<strong>br</strong> />

assunto, so<strong>br</strong>e as causas <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

levam os Kaiowá ao suicídio e<<strong>br</strong> />

os motivos atribuídos. Formu-<<strong>br</strong> />

lações do senso comum, va-<<strong>br</strong> />

riam principalmente entre:<<strong>br</strong> />

perda do espaço físico (<strong>ter</strong>ra),<<strong>br</strong> />

reação às religiões pentecos-<<strong>br</strong> />

tais, excesso de bebida alcoó-<<strong>br</strong> />

lica, imposição do trabalho<<strong>br</strong> />

como bóia-fria nas fazendas<<strong>br</strong> />

da região, perda da cultura e<<strong>br</strong> />

desestruturação da <strong>org</strong>aniza-<<strong>br</strong> />

ção familiar. Quase todos re-<<strong>br</strong> />

J^^Su^djOud^<<strong>br</strong> />

O SUICíDIO KAIOWA<<strong>br</strong> />

J-C&r^yükün ajvrr^cuixiJicxfD-<<strong>br</strong> />

conhecem o encadeamento de<<strong>br</strong> />

vários fatores gerando uma si-<<strong>br</strong> />

tuação crítica ao limite extre-<<strong>br</strong> />

mo do suicídio.<<strong>br</strong> />

Grande número de repórte-<<strong>br</strong> />

res, psicólogos, psiquiatras,<<strong>br</strong> />

etc, ascendem curiosamente à<<strong>br</strong> />

área Kaiowá de Dourados<<strong>br</strong> />

buscando insistentemente nos<<strong>br</strong> />

índios uma resposta para as<<strong>br</strong> />

causas do suicídio. Furtam-se<<strong>br</strong> />

assim, de <strong>que</strong>stionar as insti-<<strong>br</strong> />

tuições de sua própria socie-<<strong>br</strong> />

dade so<strong>br</strong>e a responsabilidade<<strong>br</strong> />

das mesmas nesta situação crí-<<strong>br</strong> />

tica.<<strong>br</strong> />

Cabe perguntarmos, até <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

ponto a atuação das <strong>org</strong>aniza-<<strong>br</strong> />

ções indigenistas <strong>não</strong> estão<<strong>br</strong> />

voltadas para si próprias, vi-<<strong>br</strong> />

sando ações imediatistas e in-<<strong>br</strong> />

<strong>ter</strong>esses políticos principal-<<strong>br</strong> />

mente na<strong>que</strong>las de cará<strong>ter</strong> go-<<strong>br</strong> />

vernamental: federal, estadual<<strong>br</strong> />

e municipal? Até <strong>que</strong> ponto<<strong>br</strong> />

estas ações <strong>não</strong> contribuem<<strong>br</strong> />

para manutenção dos Kaiowá<<strong>br</strong> />

na deplorável condição em<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> se encontram, à mercê de<<strong>br</strong> />

ações salvacionistas de cunho<<strong>br</strong> />

governamental, religioso ou<<strong>br</strong> />

filantrópico? Já <strong>que</strong> <strong>não</strong> con-<<strong>br</strong> />

vivemos em nossa região com<<strong>br</strong> />

o flagelo da seca <strong>ter</strong>íamos<<strong>br</strong> />

uma versão similar mais tími-<<strong>br</strong> />

da, mas igualmente maléfica:<<strong>br</strong> />

a indústria do suicídio? Até<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> ponto estas ações <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

mantêm os laços estabeleci-<<strong>br</strong> />

dos, perpetuando uma situa-<<strong>br</strong> />

ção de inferioridade onde os<<strong>br</strong> />

benefícios alcançados são<<strong>br</strong> />

<strong>sem</strong>pre conjunturais, contin-<<strong>br</strong> />

gentes e passageiros?<<strong>br</strong> />

Podemos nos perguntar ain-<<strong>br</strong> />

da em <strong>que</strong> medida in<strong>ter</strong>essa de<<strong>br</strong> />

fato à maioria das instituições<<strong>br</strong> />

indigenistas conhecer a reali-<<strong>br</strong> />

dade vivida pelos Kaiowá e<<strong>br</strong> />

considerar essa mesma reali-<<strong>br</strong> />

dade na formulação de s<strong>eu</strong>s<<strong>br</strong> />

projetos, se a maoria delas ne-<<strong>br</strong> />

ga o cará<strong>ter</strong> de al<strong>ter</strong>idade à<<strong>br</strong> />

sociedade Kaiowá atuando na<<strong>br</strong> />

perspectiva da integração ou<<strong>br</strong> />

conversão religiosa?<<strong>br</strong> />

A repercursão da divulga-<<strong>br</strong> />

ção na imprensa dos casos de<<strong>br</strong> />

suicídio provocou a prolifera-<<strong>br</strong> />

ção de iniciativas de progra-<<strong>br</strong> />

mas de apoio criando para os<<strong>br</strong> />

Kaiowá um quadro complexo<<strong>br</strong> />

e extremamente confuso; pro-<<strong>br</strong> />

gramas foram iniciados geran-<<strong>br</strong> />

do grande expectativa e <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

tiveram seqüência (por exem-<<strong>br</strong> />

plo, "Nosso índio, Um Cida-<<strong>br</strong> />

dão" — governo do M.S., e<<strong>br</strong> />

Fundação Nacional de Saúde).<<strong>br</strong> />

Outros nem sairam do papel.<<strong>br</strong> />

É urgente uma mudança no<<strong>br</strong> />

enfo<strong>que</strong> e tratamento dispen-<<strong>br</strong> />

sados à <strong>que</strong>stão do suicídio.<<strong>br</strong> />

Talvez a trave ainda esteja no<<strong>br</strong> />

nosso olho e o bárbaro <strong>não</strong> se-<<strong>br</strong> />

ja nesse caso, o "outro".<<strong>br</strong> />

Levi Mar<strong>que</strong>s Pereira é antropó-<<strong>br</strong> />

logo. Trabalha há 12 anos com<<strong>br</strong> />

os Guarani — Kaiowá e Nhan-<<strong>br</strong> />

deva. É metodista.<<strong>br</strong> />

(z££z_


12 TUPARI MARÇO/93<<strong>br</strong> />

A COLONIZAÇÃO NO BRASIL<<strong>br</strong> />

E OS INDÍGENAS DIANTE DOS 500 ANOS DA AMÉRICA Luclano Andrade/JB<<strong>br</strong> />

A colonização na história in-<<strong>br</strong> />

dígena atual é uma reali-<<strong>br</strong> />

dade gritante. Ela se ma-<<strong>br</strong> />

nifesta na forma de invasão <strong>ter</strong>ri-<<strong>br</strong> />

torial, assassinatos, dominação<<strong>br</strong> />

política, além dos métodos mais<<strong>br</strong> />

sutis, porém <strong>não</strong> menos eficien-<<strong>br</strong> />

tes processos de ex<strong>ter</strong>mínio, co-<<strong>br</strong> />

mo o etnocídio e o genocídio.<<strong>br</strong> />

Segundo os dados da Funda-<<strong>br</strong> />

ção Nacional do índio (FUNAI)<<strong>br</strong> />

até o mês de setem<strong>br</strong>o de 92<<strong>br</strong> />

morreram 700 índios por falta de<<strong>br</strong> />

assistência governamental em<<strong>br</strong> />

áreas indígenas, contra os mais<<strong>br</strong> />

de 350 "assassinatos" verifica-<<strong>br</strong> />

dos em 91, envolvendo conflitos<<strong>br</strong> />

de <strong>ter</strong>ras e suas conseqüências,<<strong>br</strong> />

de acordo com o quarto levanta-<<strong>br</strong> />

mento anual do Conselho Indige-<<strong>br</strong> />

nista Missionário (CIMI), agên-<<strong>br</strong> />

cia da Igreja Católica anexa à po-<<strong>br</strong> />

derosa Conferência Nacional dos<<strong>br</strong> />

Bispos do Brasil.<<strong>br</strong> />

Mesmo na vigência da Consti-<<strong>br</strong> />

tuição cidadã de 88, <strong>que</strong> prevê<<strong>br</strong> />

demarcação de <strong>ter</strong>ras até 93 e<<strong>br</strong> />

diante dos 500 anos de coloniza-<<strong>br</strong> />

ção da América, os povos indíge-<<strong>br</strong> />

nas do Brasil permanecem na<<strong>br</strong> />

condição de meros posseiros e<<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> proprietários de suas <strong>ter</strong>ras.<<strong>br</strong> />

Tal situação tem sido principal<<strong>br</strong> />

obstáculo na luta indígena pela<<strong>br</strong> />

auto-de<strong>ter</strong>minação, dificultando<<strong>br</strong> />

o reconhecimento de s<strong>eu</strong>s direi-<<strong>br</strong> />

tos ancestrais so<strong>br</strong>e os <strong>ter</strong>ritórios<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> <strong>sem</strong>pre habitaram, enquanto<<strong>br</strong> />

suas pátrias, já <strong>que</strong> o proprietário<<strong>br</strong> />

titular continua sendo a União.<<strong>br</strong> />

Neste sentido, as bases da co-<<strong>br</strong> />

lonização indígena estão lançadas<<strong>br</strong> />

e tendem a estruturar-se cada vez<<strong>br</strong> />

mais através da dominação políti-<<strong>br</strong> />

ca. Este processo acontece de<<strong>br</strong> />

imediato quando os índios e s<strong>eu</strong>s<<strong>br</strong> />

povos passam a sofrer restrições<<strong>br</strong> />

e controles consubstanciados na<<strong>br</strong> />

incenssante perda do direito so-<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>e o s<strong>eu</strong> próprio destino, pas-<<strong>br</strong> />

sando a ser governados pelos co-<<strong>br</strong> />

lonizadores.<<strong>br</strong> />

Mas também isto acontece por<<strong>br</strong> />

meio de mecanismos específicos,<<strong>br</strong> />

tais como a destruição da <strong>org</strong>ani-<<strong>br</strong> />

zação política indígena, negação<<strong>br</strong> />

dos direitos políticos, proibição<<strong>br</strong> />

de eleger s<strong>eu</strong>s líderes políticos,<<strong>br</strong> />

proibição de <strong>ter</strong> a própria justiça,<<strong>br</strong> />

impedidos de <strong>ter</strong> indentidade po-<<strong>br</strong> />

lítica própria e, em conseqüên-<<strong>br</strong> />

cia, a o<strong>br</strong>igação de adotar a na-<<strong>br</strong> />

cionalidade do colonizador.<<strong>br</strong> />

A colonização do índio, por-<<strong>br</strong> />

tanto, é a expressão acabada de<<strong>br</strong> />

domínio dos povos indígenas por<<strong>br</strong> />

meio de mecanismos espúrios de<<strong>br</strong> />

decretos e leis feitos pelos <strong>não</strong>-<<strong>br</strong> />

índios ou colonizador. Assim, o<<strong>br</strong> />

chamado Estatuto do índio acaba<<strong>br</strong> />

sendo o mais notório exemplo de<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> lança mão a aludida colon-<<strong>br</strong> />

ziação para estender os s<strong>eu</strong>s ten-<<strong>br</strong> />

táculos. Tais mecanismos são le-<<strong>br</strong> />

vados à prática, hoje como no<<strong>br</strong> />

passado, através de órgãos de co-<<strong>br</strong> />

lonização <strong>que</strong> atendem pelos<<strong>br</strong> />

pomposos nomes de Diretório<<strong>br</strong> />

dos índios (Séc. XVII), Serviço<<strong>br</strong> />

de Proteção aos índios (SPI,<<strong>br</strong> />

)910), e a Fundação Nacional do<<strong>br</strong> />

índio, criada em 1967.<<strong>br</strong> />

A colonização indígena, numa<<strong>br</strong> />

perspectiva mais sutil, é o geno-<<strong>br</strong> />

cídio praticado contra a vida dos<<strong>br</strong> />

povos indígenas e se manifesta<<strong>br</strong> />

com a introdução de doenças fa-<<strong>br</strong> />

tais para os índios, como a gripe,<<strong>br</strong> />

o sarampo, a tuberculose, a va-<<strong>br</strong> />

ríola, etc. Mas também o é crime<<strong>br</strong> />

de lesa humanidade quando prati-<<strong>br</strong> />

cados com armas de fogo, como<<strong>br</strong> />

as utilizadadas pelos antigos e<<strong>br</strong> />

modernos bandeir<strong>antes</strong> para ex-<<strong>br</strong> />

<strong>ter</strong>minar o índio; ou através de<<strong>br</strong> />

"guerras justas", práticas muito<<strong>br</strong> />

difundidas pelos represent<strong>antes</strong><<strong>br</strong> />

da Igreja, para de<strong>ter</strong> o desenvol-<<strong>br</strong> />

vimento da luta indígena.<<strong>br</strong> />

A colonização indígena é tam-<<strong>br</strong> />

bém o processo de transferência<<strong>br</strong> />

compulsória imposto aos mem-<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>os de um de<strong>ter</strong>minado povo in-<<strong>br</strong> />

dígena. No Brasil, inúmeros po-<<strong>br</strong> />

vos continuam sofrendo os danos<<strong>br</strong> />

e as agruras da transferêcia for-<<strong>br</strong> />

çada, <strong>que</strong> também é uma forma<<strong>br</strong> />

de genocídio. Entre estes compe-<<strong>br</strong> />

te lem<strong>br</strong>ar o caso do povo Kaia-<<strong>br</strong> />

by do rio Teles Pires, no Estado<<strong>br</strong> />

de Mato Grosso. Removida de<<strong>br</strong> />

uma rica região de recursos natu-<<strong>br</strong> />

rais, essa nação indígena há mui-<<strong>br</strong> />

to vem lutando para reaver o s<strong>eu</strong><<strong>br</strong> />

antigo habitai, mas <strong>sem</strong> muito<<strong>br</strong> />

sucesso.<<strong>br</strong> />

Foi com os índios conhecidos<<strong>br</strong> />

como Kreen-Akarore, entretanto,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> o processo de colonização<<strong>br</strong> />

anti-indígena mostrou sua face<<strong>br</strong> />

mais cruel, o<strong>br</strong>igando os Kreen-<<strong>br</strong> />

Manifestação Kayapó, em Brasília contra depósito de lixo atômico<<strong>br</strong> />

Akarore a abandonar s<strong>eu</strong> <strong>ter</strong>ritó-<<strong>br</strong> />

rio tradicional (73) do Peixoto de<<strong>br</strong> />

Azevedo em Mato Grosso, para<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>eviver de migalhas em <strong>ter</strong>ras<<strong>br</strong> />

de outros povos indígenas do<<strong>br</strong> />

Xingu nesse mesmo Estado.<<strong>br</strong> />

Deslum<strong>br</strong>ado com o processo<<strong>br</strong> />

de atração de índios autônomos<<strong>br</strong> />

ou isolados, em nome da integra-<<strong>br</strong> />

ção nacional (política indigenista-<<strong>br</strong> />

colonialista também adotada pe-<<strong>br</strong> />

los irmãos Villas-Boas nos anos<<strong>br</strong> />

60 e 70), o atual ocupante da<<strong>br</strong> />

presidência da Fundação Nacio-<<strong>br</strong> />

nal do índio em Brasília, Sidney<<strong>br</strong> />

Ferreira Possuelo, é identificado<<strong>br</strong> />

entre outros, como o principal<<strong>br</strong> />

articulador do plano de operação-<<strong>br</strong> />

retirada dos índios Kren-Akaro-<<strong>br</strong> />

re.<<strong>br</strong> />

Os raios de a<strong>br</strong>angência da co-<<strong>br</strong> />

lonização do índio <strong>não</strong> param por<<strong>br</strong> />

aí, já <strong>que</strong> se desdo<strong>br</strong>am em vá-<<strong>br</strong> />

rios matizes como o de ex<strong>ter</strong>mí-<<strong>br</strong> />

nio cultural imposto pelos coloni-<<strong>br</strong> />

zadores portugueses no início da<<strong>br</strong> />

invasão. Este método garantiu o<<strong>br</strong> />

alastramento de s<strong>eu</strong> efeito devas-<<strong>br</strong> />

tador com a introjeção de ele-<<strong>br</strong> />

mentos culturais novos <strong>que</strong> re-<<strong>br</strong> />

dundaram no incremento do cha-<<strong>br</strong> />

mado processo de etnocídio.<<strong>br</strong> />

Neste último caso, em particu-<<strong>br</strong> />

lar, a figura nefasta da coloniza-<<strong>br</strong> />

ção tem exibido sua forte marca<<strong>br</strong> />

registrada, uma vez <strong>que</strong> está di-<<strong>br</strong> />

retamente vinculada com a impo-<<strong>br</strong> />

sição repressiva e a proibição de<<strong>br</strong> />

os índios viverem dentro de s<strong>eu</strong>s<<strong>br</strong> />

padrões culturais tradicionais.<<strong>br</strong> />

Em suma, imposição da cultura<<strong>br</strong> />

do colonizador através da reli-<<strong>br</strong> />

gião, <strong>org</strong>anização econômica e<<strong>br</strong> />

política.<<strong>br</strong> />

Com efeito a colonização indí-<<strong>br</strong> />

gena numa versão mais atualiza-<<strong>br</strong> />

da continua acontecendo através<<strong>br</strong> />

de garimpeiros, castanheiros,<<strong>br</strong> />

madeireiros, gateiros e empresas<<strong>br</strong> />

de financiamentos espalhadas pe-<<strong>br</strong> />

lo país, assim como por meio de<<strong>br</strong> />

antropólogos, missionários e. ou-<<strong>br</strong> />

tros especialistas educados nos<<strong>br</strong> />

centros acadêmicos <strong>não</strong>-indíge-<<strong>br</strong> />

nas, <strong>que</strong> funcionam ao mesmo<<strong>br</strong> />

tempo como canal e extensão de<<strong>br</strong> />

filosofia do sistema colonialista.<<strong>br</strong> />

Mas ao <strong>que</strong> tudo indica, para<<strong>br</strong> />

os povos indígenas, o processo<<strong>br</strong> />

de descolonização, apesar de tu-<<strong>br</strong> />

do já começou. E na luta destes<<strong>br</strong> />

povos por sua libertação total de<<strong>br</strong> />

domínio colonial, importante pa-<<strong>br</strong> />

pel pode caber à antropologia,<<strong>br</strong> />

embora esta tenha sido uma tra-<<strong>br</strong> />

dicional aliada do colonialismo e<<strong>br</strong> />

imperialismo.<<strong>br</strong> />

Eivada de cará<strong>ter</strong> colonialista,<<strong>br</strong> />

será necessário <strong>antes</strong> descoloni-<<strong>br</strong> />

zar a antropologia <strong>br</strong>asileira, o<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> exigirá dos antropólogos, se-<<strong>br</strong> />

gundo o professor titular de an-<<strong>br</strong> />

tropologia da Universidade Fede-<<strong>br</strong> />

ral de Paraíba, Dr. Francisco<<strong>br</strong> />

Moonen, uma revisão de suas te-<<strong>br</strong> />

orias alienadas e alienadoras, co-<<strong>br</strong> />

mo também de sua prática indi-<<strong>br</strong> />

genista.<<strong>br</strong> />

Quanto a nós outros, índios e<<strong>br</strong> />

líderes indígenas, quando isto de<<strong>br</strong> />

fato acontecer, será o momento<<strong>br</strong> />

ideal de firmar uma poderosa<<strong>br</strong> />

aliança como todos a<strong>que</strong>les ver-<<strong>br</strong> />

dadeiramente identificados com<<strong>br</strong> />

os anseios e perspectivas do mo-<<strong>br</strong> />

derno movimento de libertação<<strong>br</strong> />

indígena.<<strong>br</strong> />

Estevão Carlos Taukane é índio<<strong>br</strong> />

Bakairi (MT), um dos fundado-<<strong>br</strong> />

res da União das Nações Indí-<<strong>br</strong> />

genas (UNI), é de formação<<strong>br</strong> />

evangélica.


MARÇO/93 TUPARI 13<<strong>br</strong> />

5 de outu<strong>br</strong>o de 1993:<<strong>br</strong> />

Prazo limite para demarcação das Terras Indígenas<<strong>br</strong> />

"Esta perto o fim do grande sofrimento. Não podemos viver <strong>sem</strong> pei-<<strong>br</strong> />

xe, <strong>sem</strong> buriti, <strong>sem</strong> babaçu e <strong>sem</strong> cerrado. Não podemos viver <strong>sem</strong> <strong>ter</strong>ra<<strong>br</strong> />

e, principalmente, <strong>sem</strong> onça. Seria uma vida triste e <strong>sem</strong> cor".<<strong>br</strong> />

Kadagári Bororó<<strong>br</strong> />

Como está a situação das <strong>ter</strong>ras indígenas no Brasil,<<strong>br</strong> />

hoje?<<strong>br</strong> />

Território <strong>br</strong>asileiro... 8.511.965 Kni2<<strong>br</strong> />

Extensão total das 510 áreas indígenas conhecidas 896.698 Km2<<strong>br</strong> />

ou 10,49% do <strong>ter</strong>ritório nacional<<strong>br</strong> />

Deste total, 257 áreas já estão demarcadas 411.446 Km2<<strong>br</strong> />

e253 estão a demarcar 485.252 Kin2<<strong>br</strong> />

(FUNAI, 1992)<<strong>br</strong> />

O <strong>que</strong> diz a Constituição Federal?<<strong>br</strong> />

Título IX -Das Disposições Constitucionais Gerais<<strong>br</strong> />

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias<<strong>br</strong> />

Art. 67. A União concluirá a demarcação das <strong>ter</strong>ras indígenas no prazo de cinco<<strong>br</strong> />

anos a partir da promulgação da Constituição.<<strong>br</strong> />

Encontro dos Povos Indígenas, Altamira, 88<<strong>br</strong> />

No ano In<strong>ter</strong>nacional dos Povos Indígenas,<<strong>br</strong> />

Tome nota:<<strong>br</strong> />

As 10 Campeãs no Abuso Contra as Ter-<<strong>br</strong> />

ras dos índios<<strong>br</strong> />

Survival In<strong>ter</strong>national<<strong>br</strong> />

A <strong>org</strong>anização indigenista <strong>br</strong>itânica Survival intemational<<strong>br</strong> />

<strong>org</strong>anizou uma lista com os nomes das 10 empresas <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

lideram os abusos contra as <strong>ter</strong>ras tradicionais dos povos<<strong>br</strong> />

indígenas, em todo o mundo. Eis a lista:<<strong>br</strong> />

1. RTZ (Grã-Bretanha)<<strong>br</strong> />

A RTZ é a maior mineradora do mundo. É responsável<<strong>br</strong> />

pela devastação das <strong>ter</strong>ras e de muitas nações indígenas.<<strong>br</strong> />

Nos EUA, a Flambeau Cooper Mine, subsidiária da RTZ,<<strong>br</strong> />

está construindo uma mina em Wisconsin em <strong>ter</strong>ras dos<<strong>br</strong> />

índios Chippewa, destinadas à caça e à pesca. Pessoas<<strong>br</strong> />

atingidas pela construção da mina: 5 mil.<<strong>br</strong> />

Outra subsidiária da RTZ — a Tinto Holdings Canada Lt-<<strong>br</strong> />

da. — tem mina de urânio em <strong>ter</strong>ras dos índios Anishna-<<strong>br</strong> />

be, em Ontário, Canadá. No Panamá, cerca de 100 mil<<strong>br</strong> />

índios Guaymi estão sendo prejudicados por um projeto<<strong>br</strong> />

2. Hansor<<strong>br</strong> />

Cerca de 10.100 índios Navajo do Arizona, Estados Uni-<<strong>br</strong> />

dos, sofrem as conseqüências de um projeto mineral da<<strong>br</strong> />

Peabody, uma subsidiuária da Hanson.<<strong>br</strong> />

wit Gold (Grã-Bretanha)<<strong>br</strong> />

Esta empresa de mineração de ouro prejudica, com s<strong>eu</strong>s<<strong>br</strong> />

projetos, segundo a Survival, indígenas dos Estados Uni-<<strong>br</strong> />

dos (Shoshone) e na Austrália. São cerca de 10 mil pesso-<<strong>br</strong> />

as, atingidas.<<strong>br</strong> />

4. Maxus (Dallas, KVA)<<strong>br</strong> />

Os 1600 Waorani, grupo mais vulnerável entre os índios<<strong>br</strong> />

do Equador, sofrem os efeitos do projeto da Maxus, <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

constrói uma rodovia e um oleoduto no coração de s<strong>eu</strong><<strong>br</strong> />

<strong>ter</strong>ritório, já bastante poluído.<<strong>br</strong> />

Esta multinacional japonesa causa danos às <strong>ter</strong>ras dos ín-<<strong>br</strong> />

dios Lubicon Cree da região de Alberta, no Canadá, com<<strong>br</strong> />

a exploração de petróleo.<<strong>br</strong> />

6. Ministério da Defesa (Grã-Bretanha)<<strong>br</strong> />

Os exercícios militares das forças aéreas da Grã-Bretanha,<<strong>br</strong> />

com apoio de suas congêneres da Alemanha e da Holan-<<strong>br</strong> />

da, prejudicam os direitos do povo Innu, na região penin-<<strong>br</strong> />

sular de Québec-La<strong>br</strong>ador, no Canadá. Os Irmu são um<<strong>br</strong> />

povo caçador <strong>que</strong> <strong>não</strong> está podendo fazer isto para so<strong>br</strong>e-<<strong>br</strong> />

viver. São 10 mil pessoas atingidas pelo alcoolismo e^por<<strong>br</strong> />

um crescente índice de suicídios.<<strong>br</strong> />

A radiação ligada à exploração de urânio por parte desta<<strong>br</strong> />

empresa norte-americana está contaminando as reservas<<strong>br</strong> />

de águas da nação Havasupai, na região do Grand Ca-<<strong>br</strong> />

nyon, no Arizona. Para este povo, a área de Red Butte —<<strong>br</strong> />

onde fica a mina — é o local sagrado em <strong>que</strong> viveram<<strong>br</strong> />

s<strong>eu</strong>s ancestrais.<<strong>br</strong> />

8. Shdl (Uoh nda e Grã-Brefanha)<<strong>br</strong> />

Um projeto de gás natural da Shell na região do rio Cami-<<strong>br</strong> />

sea, no Peru, causa inquietação aos 15.500 índios Machi-<<strong>br</strong> />

guenga e Kugapakori, extremamente vulneráveis. Os indí-<<strong>br</strong> />

genas exigem participar de todas as discussões so<strong>br</strong>e o<<strong>br</strong> />

impacto ambiental desse projeto. A Shell está também en-<<strong>br</strong> />

volvida em umprojeto numa área de 2 milhões de hectares<<strong>br</strong> />

no Par<strong>que</strong> Nacional Manu, no Peru, onde vivem índios<<strong>br</strong> />

Machiguenga, Yamanahua e Nahua.<<strong>br</strong> />

9. Exxon (EUA)<<strong>br</strong> />

■;.' : '. . . : ■ ;■.■; ■ ; . ; . ■ : ■ ■ ■:<<strong>br</strong> />

A Exxon é dona de 50% das ações de uma mina de carvão<<strong>br</strong> />

a céu aberto na <strong>ter</strong>ra dos índios, Wayuu, no extremo norte<<strong>br</strong> />

da Colômbia, numa área de 37 mil hectares. É a maior<<strong>br</strong> />

mina de carvão da América do Sul. A saúde dos 100 mil<<strong>br</strong> />

Wayuu está sendo afetada pela poeira e pelo clima cada<<strong>br</strong> />

vez mais cedo. Os esto<strong>que</strong>s de peixe também são afetdos.<<strong>br</strong> />

Na Amazônia equatoriana, outros povos também são atin-<<strong>br</strong> />

gidos pela atuação da Exxon (são os índios Waorani, Qui-<<strong>br</strong> />

chua, Siona, Secoya e Cofan). A mesma coisa ocorre com<<strong>br</strong> />

índios dos EUA e Canadá.<<strong>br</strong> />

Esta companhia opera a maior mina de urânio do mundo<<strong>br</strong> />

— a Key Lake Mine, em Sarkatchewan, nos Estados Uni-<<strong>br</strong> />

dos. Em 1984, a mina liberou 100 milhões de litros de<<strong>br</strong> />

água contaminada com o radium-226 nas áreas dos índios<<strong>br</strong> />

Dene e Cree.<<strong>br</strong> />

Da revista Véspera, da AGEN, 4 , /ouf. 92.


14 TUPARI MARÇOI93<<strong>br</strong> />

05 ÍNDIOS ESPERAVAM COLOMBO<<strong>br</strong> />

Uma entrevista de Jiirg Altwegg<<strong>br</strong> />

com Claude Lévi-Strauss. Nas-<<strong>br</strong> />

cido em Bruxelas em 1908, Levi<<strong>br</strong> />

Strauss estudou Direito e Filosofia an-<<strong>br</strong> />

tes de se dedicar à Etnologia. É consi-<<strong>br</strong> />

derado estruturalista. Em 1959 foi cha-<<strong>br</strong> />

mado para trabalhar no Collége de<<strong>br</strong> />

France, e em 1973 foi eleito para a<<strong>br</strong> />

Academia Francesa. A tradução do ori-<<strong>br</strong> />

ginal alemão foi feita por Tobias Baes-<<strong>br</strong> />

ke).<<strong>br</strong> />

J. A.: Há 500 Anos Colombo chegou<<strong>br</strong> />

à América. Como os indígenas o recebe-<<strong>br</strong> />

ram?<<strong>br</strong> />

L. Strauss: De <strong>br</strong>aços abertos, isso nós<<strong>br</strong> />

sabemos. Nós o sabemos do próprio Co-<<strong>br</strong> />

lombo. Ele estava surpreso, a recepção<<strong>br</strong> />

cordial o deixou perplexo. O comporta-<<strong>br</strong> />

mento dos conquistadores foi bem outro.<<strong>br</strong> />

J. A.: Por <strong>que</strong> essa recepção cordial?<<strong>br</strong> />

L. Strauss: Nos mitos cósmicos dos<<strong>br</strong> />

indígenas o espaço para o <strong>br</strong>anco de certa<<strong>br</strong> />

maneira já estava previsto. A maneira co-<<strong>br</strong> />

mo os indígenas se entendiam, pressupu-<<strong>br</strong> />

nha <strong>que</strong> existis<strong>sem</strong> <strong>não</strong> indígenas. Com<<strong>br</strong> />

isso fica compreensível a atitude miste-<<strong>br</strong> />

riosa dos indígenas do México e Peru.<<strong>br</strong> />

Quando os <strong>br</strong>ancos chegaram, estavam<<strong>br</strong> />

sendo esperados.<<strong>br</strong> />

J. A.: Como o senhor chega a este<<strong>br</strong> />

ponto de vista?<<strong>br</strong> />

L. Strauss: Eu me ocupei durante qua-<<strong>br</strong> />

renta anos com o pensamento filosófico e<<strong>br</strong> />

religioso dos indígenas nas duas Améri-<<strong>br</strong> />

cas. Motiva-me a pergunta, se atrás de<<strong>br</strong> />

s<strong>eu</strong>s multifacetados mitos <strong>não</strong> se poderia<<strong>br</strong> />

achar uma inspiração conjunta. Um prin-<<strong>br</strong> />

cípio, <strong>que</strong> definisse a visão do mundo dos<<strong>br</strong> />

indígenas. E <strong>eu</strong> cheguei à conclusão de<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> existe este pano-de-fundo: existe uma<<strong>br</strong> />

ideologia dos contrastes. Não como em<<strong>br</strong> />

Hegel, onde a tese e a antítese deságuam<<strong>br</strong> />

numa síntese, porém um dualismo <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

nunca se desfaz, cujos elementos nunca<<strong>br</strong> />

são iguais e também nunca em equilí<strong>br</strong>io.<<strong>br</strong> />

Eles lutam, porém <strong>sem</strong>pre por este equilí-<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>io. Uma disputa assim movimenta o<<strong>br</strong> />

mundo, é o s<strong>eu</strong> motor. Essa consciência<<strong>br</strong> />

fez os indígenas supor <strong>que</strong> para eles de-<<strong>br</strong> />

veria existir uma complementação, um<<strong>br</strong> />

oposto, igual como os bons pressupõem a<<strong>br</strong> />

existência dos maus, como os fortes e os<<strong>br</strong> />

fracos se exigem mutuamente, como há<<strong>br</strong> />

amigos e inimigos. O lugar dos <strong>br</strong>ancos<<strong>br</strong> />

estava previsto em todas as mitologias in-<<strong>br</strong> />

dígenas do mesmo modo. Com isso fica<<strong>br</strong> />

compreensível sua atitude no momento do<<strong>br</strong> />

desco<strong>br</strong>imento, uma atitude em tudo dife-<<strong>br</strong> />

rente a da animosidade. Por <strong>que</strong> vinte mil<<strong>br</strong> />

Incas armados ficaram paralisados peran-<<strong>br</strong> />

te cento e sessenta Espanhóis, por <strong>que</strong> os<<strong>br</strong> />

Astecas se ajoelharam perante Cortês?<<strong>br</strong> />

Eles se comportavam como se lhes espe-<<strong>br</strong> />

ras<strong>sem</strong>, mais: como se eles os tives<strong>sem</strong><<strong>br</strong> />

reconhecido.<<strong>br</strong> />

J. A.: Existem também exemplos para<<strong>br</strong> />

esta in<strong>ter</strong>pretação após o desco<strong>br</strong>imento?<<strong>br</strong> />

L. Strauss: Sim. Por exemplo, em de-<<strong>br</strong> />

<strong>ter</strong>minadadas tribos no Canadá. Entre<<strong>br</strong> />

eles e os canadenses descendentes de <strong>eu</strong>-<<strong>br</strong> />

rop<strong>eu</strong>s crescem muitos conflitos, porém<<strong>br</strong> />

eles <strong>sem</strong>pre asseguraram <strong>que</strong> nunca resis-<<strong>br</strong> />

tiram à chegada dos <strong>br</strong>ancos, mas somen-<<strong>br</strong> />

te ao fato de <strong>que</strong> foram excluídos. Esta<<strong>br</strong> />

consciência ainda está presente. Nos<<strong>br</strong> />

m<strong>eu</strong>s estudos de antropologia, cheguei a<<strong>br</strong> />

uma in<strong>ter</strong>pretação de <strong>que</strong> os indígenas<<strong>br</strong> />

nunca tiveram a intenção de desistir das<<strong>br</strong> />

suas diferenças. Eles <strong>não</strong> <strong>que</strong>riam, de<<strong>br</strong> />

maneira nenhuma, se adaptar aos invaso-<<strong>br</strong> />

res. Eles <strong>ter</strong>iam — e nisto consiste para<<strong>br</strong> />

mim a supremacia das religiões politeís-<<strong>br</strong> />

tas so<strong>br</strong>e as monoteístas - aberto um es-<<strong>br</strong> />

paço para o credo ocidental, ao lado das<<strong>br</strong> />

próprias crenças, e o <strong>ter</strong>iam tolerado.<<strong>br</strong> />

J. A.; Religiões <strong>que</strong> adoram várias di-<<strong>br</strong> />

vindades são mais abertas?<<strong>br</strong> />

L. Strauss: Quando a gente necessa-<<strong>br</strong> />

riamente <strong>que</strong>r tirar uma conclusão gene-<<strong>br</strong> />

ralizádora, então seria realmente esta.<<strong>br</strong> />

Para a humanidade nada é tão perigoso<<strong>br</strong> />

como o monoteísmo. Pode-se reconstituir<<strong>br</strong> />

isto até o surgimento das religiões judaica<<strong>br</strong> />

e cristã. O monoteísmo tem vantagens.<<strong>br</strong> />

Ele possibilita os progressos da razão e<<strong>br</strong> />

da ciência — a um alto preço: suas des-<<strong>br</strong> />

vantagens são a intolerância, o imperia-<<strong>br</strong> />

lismo e a perigosa certeza de de<strong>ter</strong> uma<<strong>br</strong> />

única e absoluta verdade e razão.<<strong>br</strong> />

J. A.: Os indígenas se in<strong>ter</strong>essaram pe-<<strong>br</strong> />

la mitologia dos homens <strong>br</strong>ancos?<<strong>br</strong> />

L. Strauss: Muito fortemente. No no-<<strong>br</strong> />

roeste americano os indígenas, desde o<<strong>br</strong> />

século XIX, mantiveram estreitos conta-<<strong>br</strong> />

tos com os canadenses de fala francesa<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> viajavam como mercadores de pele.<<strong>br</strong> />

Os nativos eram, em relação n eles, aber-<<strong>br</strong> />

tos e curiosos, o s<strong>eu</strong> pensamento foi in-'<<strong>br</strong> />

fluencidado pelo <strong>que</strong> contavam estes via-<<strong>br</strong> />

j<strong>antes</strong>. Eles integraram s<strong>eu</strong> patrimônio de<<strong>br</strong> />

experiências até um certo ponto em sua<<strong>br</strong> />

mitologia.<<strong>br</strong> />

J. A.: E o contrário — como foi rece-<<strong>br</strong> />

bido na Europa o ser e o pensar indíge-<<strong>br</strong> />

nas?<<strong>br</strong> />

dos <strong>br</strong>ancos depois <strong>que</strong> eles foram recebi-<<strong>br</strong> />

dos pelos indígenas de <strong>br</strong>aços abertos?<<strong>br</strong> />

L. Strauss: Eles destruíram tudo. Eu<<strong>br</strong> />

me lem<strong>br</strong>o de uma visita a um mus<strong>eu</strong> de<<strong>br</strong> />

Viena, onde estão os tesouros dos Aste-<<strong>br</strong> />

cas, <strong>que</strong> Al<strong>br</strong>echt Dürer tanto admirou. E<<strong>br</strong> />

<strong>eu</strong> me perguntei: o <strong>que</strong> <strong>ter</strong>ia acontecido,<<strong>br</strong> />

se os <strong>eu</strong>rop<strong>eu</strong>s <strong>não</strong> tives<strong>sem</strong> desprezado e<<strong>br</strong> />

massacrado os indígenas, mas os tives-<<strong>br</strong> />

<strong>sem</strong> respeitado e reconhecido com iguais.<<strong>br</strong> />

Se ao invés do massacre houvesse sido<<strong>br</strong> />

feita uma aliança entre os poderosos rei-<<strong>br</strong> />

nados da Espanha, México e Peru? Nós<<strong>br</strong> />

estaríamos, hoje, vivendo em um mundo<<strong>br</strong> />

completamente diferente. Esta pergunta,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> naturalmente <strong>não</strong> tem nenhum inte-<<strong>br</strong> />

resse prático, por<strong>que</strong> é puramente espe-<<strong>br</strong> />

culativa produz em mim <strong>não</strong> um senti-<<strong>br</strong> />

mento de injustiça, porém de perda, uma<<strong>br</strong> />

grande e irreparável perda. Por isso <strong>eu</strong><<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> gosto de falar so<strong>br</strong>e o desco<strong>br</strong>imento<<strong>br</strong> />

de um Novo Mundo — se trata de uma<<strong>br</strong> />

invasão, de um assalto. Incomensuráveis<<strong>br</strong> />

tesouros de criação humana foram destru-<<strong>br</strong> />

ídos. O <strong>que</strong> nos resta são cacos <strong>que</strong> nós<<strong>br</strong> />

etnólogos colecionamos. Os conquistado-<<strong>br</strong> />

res destruíram tudo.<<strong>br</strong> />

Funcionários do SPI recebem presentes dos índios 1944<<strong>br</strong> />

L. Strauss: Nos anos imediatamento<<strong>br</strong> />

após o desco<strong>br</strong>imento da América o oci-<<strong>br</strong> />

dente se in<strong>ter</strong>essou muito pouco so<strong>br</strong>e is-<<strong>br</strong> />

to. O historiador Lucien Febvre mostrou<<strong>br</strong> />

isto tomando como exemplo o poeta Ra-<<strong>br</strong> />

belais. A antigüidade tinha sido recém re-<<strong>br</strong> />

descobera, a este processo — é a Renas-<<strong>br</strong> />

cença — ainda estava em vigor. O <strong>que</strong> se<<strong>br</strong> />

acreditava saber so<strong>br</strong>e o novo mundo <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

era nada novo: já na antigüidade se tinha<<strong>br</strong> />

descrito os bárbaros do mesmo modo.<<strong>br</strong> />

Deveria-se esperar a volta dos desco<strong>br</strong>i-<<strong>br</strong> />

dores e suas descrições para começar as<<strong>br</strong> />

prórpias reflexões. Montaigne foi dos<<strong>br</strong> />

primeiros a fazer isto. Ele era muito me-<<strong>br</strong> />

nos etnocentrista <strong>que</strong> s<strong>eu</strong>s contemporâne-<<strong>br</strong> />

os. Os preconceitos e chavões, <strong>que</strong> ainda<<strong>br</strong> />

encontramos em Rabelais lhes são desco-<<strong>br</strong> />

nhecidos. Pela primeira vez na história da<<strong>br</strong> />

cultura ocidental, em Montaigne, a Etno-<<strong>br</strong> />

logia se toma instrumento de crítica aos<<strong>br</strong> />

usos e costumes — também dos próprios.<<strong>br</strong> />

Mas, Montaigne entrou em um doloroso<<strong>br</strong> />

dilema. De um lado ele estava convicto,<<strong>br</strong> />

baseado em s<strong>eu</strong>s conhecimentos etnológi-<<strong>br</strong> />

cos, de <strong>que</strong> todas as civilizações têm o<<strong>br</strong> />

mesmo valor. Este relativismo cultural o<<strong>br</strong> />

conduziu, entretanto, a um ceticismo e<<strong>br</strong> />

pessimismo radicais. Se todos os compor-<<strong>br</strong> />

tamentos são equivalentes, temos <strong>que</strong> de-<<strong>br</strong> />

sistir de <strong>que</strong>rer conduzir-nos como seres<<strong>br</strong> />

humanos normais e morais, ou nos deci-<<strong>br</strong> />

dimos pelos valores da sociedade em <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

se vive simplesmente por<strong>que</strong> assim é<<strong>br</strong> />

mais prático, <strong>sem</strong> convicção real. Mas,<<strong>br</strong> />

Montaigne achou mais sábio <strong>não</strong> tirar ne-<<strong>br</strong> />

nhuma conclusão de s<strong>eu</strong> dilema.<<strong>br</strong> />

J. A.: Como o senhor julga a conduta<<strong>br</strong> />

J. A.: Ao desco<strong>br</strong>imento seguia-se o<<strong>br</strong> />

colonialismo, em <strong>que</strong> medida a sua ciên-<<strong>br</strong> />

cia, a etnologia, está entrelaçada com<<strong>br</strong> />

ele?<<strong>br</strong> />

L. Strauss: A curiosidade etnológica é<<strong>br</strong> />

algo antigo. Ela existia nos gregos, em<<strong>br</strong> />

Heródoto, <strong>que</strong> se in<strong>ter</strong>essava por usos e<<strong>br</strong> />

costumes dos povos de <strong>que</strong> ele contava.<<strong>br</strong> />

Ela se desenvolv<strong>eu</strong> mais durante o Renas-<<strong>br</strong> />

cimento, verdadeiramente mais com as<<strong>br</strong> />

grandes viagens de desco<strong>br</strong>imento do <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

com o começo do colonialismo. Na época<<strong>br</strong> />

da Rabelais e Montaigne <strong>não</strong> se pode fa-<<strong>br</strong> />

lar de colonialismo na França. Foi dife-<<strong>br</strong> />

rente em Portugal e na Espanha. Contudo<<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> existem dúvidas de <strong>que</strong> a Etnologia<<strong>br</strong> />

se desenvolv<strong>eu</strong> no século XVUI, mais<<strong>br</strong> />

ainda no século XIX, à som<strong>br</strong>a do colo-<<strong>br</strong> />

nialismo. Era a presença de administra-<<strong>br</strong> />

dores, missionários e militares <strong>que</strong> deram<<strong>br</strong> />

oportunidade aos etnólogos de pesquisa-<<strong>br</strong> />

rem no próprio local. A perspectiva colo-<<strong>br</strong> />

nialista facilitou <strong>que</strong>, os assim chamados<<strong>br</strong> />

povos primitivos se tomas<strong>sem</strong> objeto do<<strong>br</strong> />

pensamento teórico, eles <strong>não</strong> eram sujei-<<strong>br</strong> />

tos, porém objetos, do domínio colonia-<<strong>br</strong> />

lista; assim forma considerados. Existe<<strong>br</strong> />

porém o outro aspecto. Desde o começo,<<strong>br</strong> />

foram os etnólogos os primeiros a criticar<<strong>br</strong> />

o colonialimso e suas conseqüências. Fo-<<strong>br</strong> />

ram eles <strong>que</strong> tomaram algumas medidas<<strong>br</strong> />

de proteção aos usos, crenças e institui-<<strong>br</strong> />

ções, <strong>que</strong> a dominação estrangeira destru-<<strong>br</strong> />

ía. É de se agradecer aos s<strong>eu</strong>s esforços<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> os povos <strong>que</strong> desde então consegui-<<strong>br</strong> />

ram sua liberdade possam achar a lem-<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>ança do s<strong>eu</strong> passado. Existem relações<<strong>br</strong> />

complicadas. O desenvolvimento da Et-<<strong>br</strong> />

nologia foi favorecido pelo colonialismo,<<strong>br</strong> />

mas ao mesmo tempo ela o denunciou e<<strong>br</strong> />

lutou contra os s<strong>eu</strong>s crimes.<<strong>br</strong> />

J. A.: Pode o 500° ano de desco<strong>br</strong>i-<<strong>br</strong> />

mento da América através de Colombo<<strong>br</strong> />

conduzir a uma reavivação ou ao menos a<<strong>br</strong> />

uma nova escala de valores?<<strong>br</strong> />

L. Strauss: Não. O <strong>que</strong> o ocidente<<strong>br</strong> />

destruiu, está definitivamente perdido. Eu<<strong>br</strong> />

tenho esperança de qual<strong>que</strong>r maneira, de<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> o jubil<strong>eu</strong> seja ocasião para um refle-<<strong>br</strong> />

xão. 1492 foi para a humanidade um<<strong>br</strong> />

acontecimento de importância capital.<<strong>br</strong> />

Frente a isto, o envio de astronautas à<<strong>br</strong> />

lua, <strong>que</strong> é um deserto estéril, é de total<<strong>br</strong> />

insignificância. Mas <strong>não</strong> existe motivo al-<<strong>br</strong> />

gum para se festejar 1492 como algo glo-<<strong>br</strong> />

rioso. Nós <strong>não</strong> devemos de modo algum<<strong>br</strong> />

nos fazer ilusões, mesmo se existe uma<<strong>br</strong> />

mudança de consciência em ambas as<<strong>br</strong> />

partes da América so<strong>br</strong>e a cultura indíge-<<strong>br</strong> />

na. Ela é aí reconhecida como crescente<<strong>br</strong> />

forma de resistência contra a civilização<<strong>br</strong> />

ocidental dos Estados Unidos. No diag-<<strong>br</strong> />

nóstico do aniquilamento das culturas an-<<strong>br</strong> />

tigas isto <strong>não</strong> muda nada.<<strong>br</strong> />

J. A.: O "Pensamento selvagem" dos<<strong>br</strong> />

indígenas poderia <strong>ter</strong> protegido a humani-<<strong>br</strong> />

dade da destruição do meio ambiente, pe-<<strong>br</strong> />

la qual <strong>sem</strong>pre a técnica racional e a ciên-<<strong>br</strong> />

cia foram responsabilizadas?<<strong>br</strong> />

L. Strauss: Naturalmente existe no<<strong>br</strong> />

"pensamento selvagem" um certo equilí-<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>io entre a natureza e o homem". Ele<<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> é o senhor da criação, <strong>que</strong> tudo se<<strong>br</strong> />

pode permitir. Porém, houve no passado<<strong>br</strong> />

da civilização ocidental, épocas de espe-<<strong>br</strong> />

taculares dis<strong>sem</strong>inações científicas e de<<strong>br</strong> />

progresso técnico, <strong>que</strong> <strong>não</strong> conduziam a<<strong>br</strong> />

uma devastação do planeta. A miséria de<<strong>br</strong> />

nosso mundo tem uma outra razão: a ex-<<strong>br</strong> />

plosão demográfica do gênero humano.<<strong>br</strong> />

Nos dizem <strong>que</strong> o número de habit<strong>antes</strong><<strong>br</strong> />

<strong>ter</strong>restres em alguma época <strong>não</strong> vai au-<<strong>br</strong> />

mentar, sim, de <strong>que</strong> possivelmente vá di-<<strong>br</strong> />

minuir — de alguma maneira. Mas, em<<strong>br</strong> />

vinte anos, se continuar dessa maneira,<<strong>br</strong> />

vai do<strong>br</strong>ar mais uma vez. Também se ela<<strong>br</strong> />

chegar a ura máximo <strong>que</strong>, <strong>que</strong>m sabe <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

mais ultrapasse; este máximo — <strong>eu</strong> pen-<<strong>br</strong> />

so, <strong>que</strong> este máximo suportável já foi ul-<<strong>br</strong> />

trapassado há dois ou três séculos atrás.<<strong>br</strong> />

Era um luxo para todos os seres viventes,<<strong>br</strong> />

quando somente 2 ou 3 bilhões de pessoas<<strong>br</strong> />

povoavam o planeta. Este objetivo <strong>não</strong> se<<strong>br</strong> />

pode mais colocar nem como utopia. Em<<strong>br</strong> />

comparação com a catástrofe demográfica<<strong>br</strong> />

a mina do comunismo é <strong>sem</strong> importância.<<strong>br</strong> />

J. A.: O pensamento mítico so<strong>br</strong>evive-<<strong>br</strong> />

rá?<<strong>br</strong> />

L. Strauss: Sim. Os mitos voltam<<strong>br</strong> />

constantemente — principalmente ali, on-<<strong>br</strong> />

de menos se espera. Por exemplo, nas<<strong>br</strong> />

ciências. Os cientistas naturalmente <strong>não</strong><<strong>br</strong> />

pensam em mitos, mas se hoje eles se<<strong>br</strong> />

voltam para os leigos, e isto nós somos<<strong>br</strong> />

praticamente todos, eles se vêem força-<<strong>br</strong> />

dos a desco<strong>br</strong>ir novos mitos, pois o <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

eles têm a dizer é de tal modo fantástico e<<strong>br</strong> />

contradiz qual<strong>que</strong>r racionalidade humana,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> a gente só pode fazê-lo compreensí-<<strong>br</strong> />

vel com outros mitos. Por isso, temos<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> continuar a nos ocupar do pensamen-<<strong>br</strong> />

to mítico. Ele aparece em cada época da<<strong>br</strong> />

História de modo diferente, mas a huma-<<strong>br</strong> />

nidade nunca vai poder a<strong>br</strong>ir mão dele.<<strong>br</strong> />

Hoje realmente o diálogo com os cientis-<<strong>br</strong> />

tas lhe confere nova atualidade.<<strong>br</strong> />

J. A.: Agrada-lhe o mundo em <strong>que</strong> vi-<<strong>br</strong> />

vemos?<<strong>br</strong> />

L. Strauss: Nunca fiz segredo de <strong>que</strong><<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> sou feliz no m<strong>eu</strong> século. Um senti-<<strong>br</strong> />

mento elevado, <strong>que</strong> poderia <strong>ter</strong> algo a ver<<strong>br</strong> />

com o <strong>que</strong> os outros chamam o sagrado<<strong>br</strong> />

<strong>eu</strong> experimento ao observar fascinado<<strong>br</strong> />

uma planta ou um animal. Por isso me<<strong>br</strong> />

entristece tudo o <strong>que</strong> ameaça a sua so<strong>br</strong>e-<<strong>br</strong> />

vivência e multiplicação.


MARÇO/93 TUPARI 15<<strong>br</strong> />

1. "Nós somos a Terra"<<strong>br</strong> />

— A luta dos Povos Indígenas<<strong>br</strong> />

no Brasil por s<strong>eu</strong>s direitos hu-<<strong>br</strong> />

manos<<strong>br</strong> />

Violação dos direitos humanos<<strong>br</strong> />

dos Povos Indígenas do conti-<<strong>br</strong> />

nente americano<<strong>br</strong> />

Londres, Anistia In<strong>ter</strong>nacional,<<strong>br</strong> />

1992, 31 e 64 páginas respecti-<<strong>br</strong> />

vamente<<strong>br</strong> />

São duas publicações da Anistia<<strong>br</strong> />

In<strong>ter</strong>nacional, conhecida enti-<<strong>br</strong> />

dade de luta pelos direitos hu-<<strong>br</strong> />

manos.<<strong>br</strong> />

A primeira trata das violações<<strong>br</strong> />

dos direitos dos povos indíge-<<strong>br</strong> />

nas no Brasil nos últimos anos,<<strong>br</strong> />

em quatro seções: — "índio é<<strong>br</strong> />

Terra"; — O sacrifício dos di-<<strong>br</strong> />

reitos humanos no altar do pro-<<strong>br</strong> />

gresso; — Por<strong>que</strong> os abusos<<strong>br</strong> />

continuam; — Conclusões e<<strong>br</strong> />

Recomendações.<<strong>br</strong> />

O título da segunda publicação<<strong>br</strong> />

expressa com clareza o assunto<<strong>br</strong> />

do qual se ocupa em cinco se-<<strong>br</strong> />

ções: — As violações cometi-<<strong>br</strong> />

das contra os Povos Indígenas;<<strong>br</strong> />

— Ninguém está seguro/as víti-<<strong>br</strong> />

mas dos abusos; — A proteção<<strong>br</strong> />

dos Povos Indígenas: teoria e<<strong>br</strong> />

prática; — Campanhas pelos di-<<strong>br</strong> />

reitos dos Povos Indígenas; —<<strong>br</strong> />

Conclusões e Recomendações.<<strong>br</strong> />

Este ma<strong>ter</strong>ial pode ser obtido<<strong>br</strong> />

nos seguintes endereços (escri-<<strong>br</strong> />

tórios da Seção <strong>br</strong>asileira da<<strong>br</strong> />

Anistia In<strong>ter</strong>nacional):<<strong>br</strong> />

Rua Vicente Leporace, 883<<strong>br</strong> />

Campo Belo<<strong>br</strong> />

São Paulo - SP<<strong>br</strong> />

04619-032<<strong>br</strong> />

tel.: (011)542-9819<<strong>br</strong> />

fax:(011)61-5995<<strong>br</strong> />

Rua Fernando Machado, 991<<strong>br</strong> />

Centro<<strong>br</strong> />

Porto Alegre - RS<<strong>br</strong> />

90010-321<<strong>br</strong> />

tel.: (051)225-0712<<strong>br</strong> />

fax: (051) 225-0712<<strong>br</strong> />

2. GRUPIONI, Luís Doni-<<strong>br</strong> />

sete Benzi (<strong>org</strong>anizador)<<strong>br</strong> />

índios no Brasil<<strong>br</strong> />

São Paulo, Secretaria Munici-<<strong>br</strong> />

pal de Cultura, 1992, 279 pági-<<strong>br</strong> />

nas<<strong>br</strong> />

No âmbito dos debates e even-<<strong>br</strong> />

tos <strong>que</strong> marcaram os 500 anos<<strong>br</strong> />

de chegada dos <strong>eu</strong>rop<strong>eu</strong>s às <strong>ter</strong>-<<strong>br</strong> />

ras americanas, a Secretaria<<strong>br</strong> />

Municipal de Cultura de São<<strong>br</strong> />

Paulo desenvolv<strong>eu</strong> um projeto<<strong>br</strong> />

cultural intitulado "500 anos:<<strong>br</strong> />

Caminhos da Memória — Tri-<<strong>br</strong> />

lhas do Futuro", <strong>que</strong> incluiu a<<strong>br</strong> />

exposição "índios no Brasil:<<strong>br</strong> />

al<strong>ter</strong>idade, diversidade e diálo-<<strong>br</strong> />

go cultural".<<strong>br</strong> />

O livro acima indicado relata as<<strong>br</strong> />

atividades desenvolvidas pela<<strong>br</strong> />

Secretaria, sob o título "Os ín-<<strong>br</strong> />

dios e a Secretaria Municipal<<strong>br</strong> />

de Cultura", especialmente no<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> diz respeito à citada expo-<<strong>br</strong> />

sição, nas primeiras 36 pági-<<strong>br</strong> />

nas. A seguir, reúne uma série<<strong>br</strong> />

de 16 artigos de import<strong>antes</strong><<strong>br</strong> />

autores, <strong>que</strong> ajudam a construir<<strong>br</strong> />

uma visão de conjunto comple-<<strong>br</strong> />

ta e atualizada so<strong>br</strong>e a realidade<<strong>br</strong> />

indígena <strong>br</strong>asileira. Tais artigos<<strong>br</strong> />

estão divididos em três seções:<<strong>br</strong> />

— A descoberta da América e o<<strong>br</strong> />

encontro com o Outro; — Di-<<strong>br</strong> />

versidade cultural das socieda-<<strong>br</strong> />

des indígenas; — índios do pre-<<strong>br</strong> />

sente e do futuro.<<strong>br</strong> />

No final do livro encontra-se<<strong>br</strong> />

um inventário dos artefatos e<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>as da exposição, e a identifi-<<strong>br</strong> />

cação dos autores <strong>que</strong> contribu-<<strong>br</strong> />

íram com matérias para o mes-<<strong>br</strong> />

mo.<<strong>br</strong> />

3. ZWETSCH, Roberto<<strong>br</strong> />

Ervino<<strong>br</strong> />

Com as melhores intenções —<<strong>br</strong> />

Trajetórias missionárias lu<strong>ter</strong>a-<<strong>br</strong> />

nas diante do desafio das comu-<<strong>br</strong> />

nidades indígenas, 1960 - 1990<<strong>br</strong> />

(dissertação de mestrado)<<strong>br</strong> />

São paulo. Faculdade de Teolo-<<strong>br</strong> />

gia N a S a da Assunção, 1993,<<strong>br</strong> />

536 páginas<<strong>br</strong> />

Recebemos do companheiro<<strong>br</strong> />

Roberto, cópia de sua alentada<<strong>br</strong> />

dissertação de mestrado, em<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> analisa as "trajetórias mis-<<strong>br</strong> />

sionárias realizadas por missio-<<strong>br</strong> />

nários e missionárias lu<strong>ter</strong>anos<<strong>br</strong> />

as junto a três comunidades in-<<strong>br</strong> />

dígenas: Rikbáktsa (MT), Kain-<<strong>br</strong> />

gáng (RS) e Madija/Kulina<<strong>br</strong> />

(AC), no período de 1960 a<<strong>br</strong> />

1990." (pág. 40). Tal análise<<strong>br</strong> />

foi realizada a partir da seguin-<<strong>br</strong> />

te perspectiva, segundo Rober-<<strong>br</strong> />

to: "... colocando-me de forma<<strong>br</strong> />

crítica diante dos impasses vivi-<<strong>br</strong> />

dos pelas comunidades indíge-<<strong>br</strong> />

nas hoje, e procurando avaliar<<strong>br</strong> />

a ação missionária desde a<<strong>br</strong> />

perspectiva do outro, o indíge-<<strong>br</strong> />

na, tanto quanto isto è humana<<strong>br</strong> />

e intelectualmente possível,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong>ria responder até <strong>que</strong> ponto<<strong>br</strong> />

foram os missionários e missio-<<strong>br</strong> />

nárias permeáveis/impermeá-<<strong>br</strong> />

veis ao mundo/cosmovisão/cul-<<strong>br</strong> />

tura/vida indígena." (págs. 8-<<strong>br</strong> />

9).<<strong>br</strong> />

O trabalho se desdo<strong>br</strong>a em três<<strong>br</strong> />

capítulos: 1. Os lu<strong>ter</strong>anos e a<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong>stão indígena; 2. Trajetórias<<strong>br</strong> />

missionárias: caminhos, desca-<<strong>br</strong> />

minhos e aprendizagens; 3. A<<strong>br</strong> />

prática e a teologia missioná-<<strong>br</strong> />

rias. Em busca de critérios teo-<<strong>br</strong> />

lógicos libertadores.<<strong>br</strong> />

4. SILVA, Mareio Ferrei-<<strong>br</strong> />

ra da<<strong>br</strong> />

Romance de primas e primos:<<strong>br</strong> />

uma etnografria do parentesco<<strong>br</strong> />

Waimiri-Atroari (tese de douto-<<strong>br</strong> />

rado)<<strong>br</strong> />

Rio de Janeiro, Universidade<<strong>br</strong> />

Federal do Rio de Janeiro/Mu-<<strong>br</strong> />

s<strong>eu</strong> Nacional, 1993, 400 pági-<<strong>br</strong> />

nas<<strong>br</strong> />

O amigo e colaborador Mareio<<strong>br</strong> />

Silva enviou-nos sua tese de<<strong>br</strong> />

doutorado, <strong>que</strong> apresenta e dis-<<strong>br</strong> />

cute uma etnografia do paren-<<strong>br</strong> />

tesco Waimiri-Atroari, povo in-<<strong>br</strong> />

dígena <strong>que</strong> habita a divisa dos<<strong>br</strong> />

Estados do Amazonas e Rorai-<<strong>br</strong> />

ma. "Este trabalho é o fruto de<<strong>br</strong> />

uma pesquisa de campo de oito<<strong>br</strong> />

meses e meio desenvolvida en-<<strong>br</strong> />

tre os Waimiri-Atroari, no vale<<strong>br</strong> />

do Camanaú, afluente da mar-<<strong>br</strong> />

gem es<strong>que</strong>rda do Rio Negro<<strong>br</strong> />

(AM)." (pág. 7).<<strong>br</strong> />

5. CASTRO, Eduardo Vi-<<strong>br</strong> />

veiros de<<strong>br</strong> />

Araweté — O povo de Ipixuna<<strong>br</strong> />

São Paulo, CEDI, 1992, 192<<strong>br</strong> />

páginas<<strong>br</strong> />

"Este livro é o sumo de uma<<strong>br</strong> />

FORMAÇÃO<<strong>br</strong> />

extensa pesquisa antropológica<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e um povo indígena da<<strong>br</strong> />

Amazônia <strong>br</strong>asileira contempo-<<strong>br</strong> />

rânea, os Araweté: s<strong>eu</strong> modo<<strong>br</strong> />

de vida, sua visão de mundo,<<strong>br</strong> />

sua história, s<strong>eu</strong>s desafios do<<strong>br</strong> />

presente e perspectivas de futu-<<strong>br</strong> />

ro." (da I a "orelha" do livro).<<strong>br</strong> />

6. VIDAL, Lux<<strong>br</strong> />

Grafismo Indígena<<strong>br</strong> />

São Paulo, Studio Nobel/FA-<<strong>br</strong> />

PESP/EDUSP, 1992, 296 pági-<<strong>br</strong> />

nas<<strong>br</strong> />

14 pesquisadores r<strong>eu</strong>niram s<strong>eu</strong>s<<strong>br</strong> />

trabalhos no campo das artes<<strong>br</strong> />

gráficas indígenas, apresentan-<<strong>br</strong> />

do nessa publicação as manifes-<<strong>br</strong> />

tações de tal natureza em 11<<strong>br</strong> />

povos indígenas <strong>br</strong>asileiros e<<strong>br</strong> />

uni colombiano/equatoriano. O<<strong>br</strong> />

livro traz, ainda, um estudo so-<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>e registros rupestres e um ar-<<strong>br</strong> />

tigo so<strong>br</strong>e antropologia estética<<strong>br</strong> />

como conclusão.<<strong>br</strong> />

Essa o<strong>br</strong>a toma acessível ao lei-<<strong>br</strong> />

tor "uma rica iconografia apli-<<strong>br</strong> />

cada em diferentes suportes:<<strong>br</strong> />

pedra, cerâmica, entrecasca,<<strong>br</strong> />

papel e, com maior freqüência,<<strong>br</strong> />

o corpo humano, onde obvia-<<strong>br</strong> />

mente os aspectos estético e se-<<strong>br</strong> />

miótico são os mais aparen-<<strong>br</strong> />

tes." (pág. 14).<<strong>br</strong> />

7. SIQUEIRA, Jaime Gar-<<strong>br</strong> />

cia<<strong>br</strong> />

Arte e técnicas Kadiwéu<<strong>br</strong> />

São Paulo, Secretaria Munici-<<strong>br</strong> />

pal de Cultura, 1992, 125 pági-<<strong>br</strong> />

nas<<strong>br</strong> />

Este álbum "foi produzido no<<strong>br</strong> />

contexto das atividades do<<strong>br</strong> />

Acervo Plínio Ayrosa do De-<<strong>br</strong> />

partamento de Antropologia da<<strong>br</strong> />

Universidade de São Paulo em<<strong>br</strong> />

1987." (pág. 7). O objetivo<<strong>br</strong> />

principal do álbum é tomar<<strong>br</strong> />

acessível aos próprios índios in-<<strong>br</strong> />

formações so<strong>br</strong>e aspectos de<<strong>br</strong> />

sua cultura <strong>que</strong> se encontram<<strong>br</strong> />

dispersos em mus<strong>eu</strong>s do Brasil<<strong>br</strong> />

e do ex<strong>ter</strong>ior.<<strong>br</strong> />

Encontro de Iniciação ■ Porto Alegre/RS ■24-25 de a<strong>br</strong>il<<strong>br</strong> />

Encontro de Iniciaçáo ■ Pimenta Bueno/RO ■ 1 o -02.de maio/:<<strong>br</strong> />

Encontro de Iniciação -Rio de Janeiro/RJ -12-13 de junho


16 TUPARI MARÇO/93<<strong>br</strong> />

MEMÓRIA/DENÚNCIA<<strong>br</strong> />

Quinhentos anos de ofensa,<<strong>br</strong> />

Quinhentos anos de horror,<<strong>br</strong> />

Quinhentos anos sofrendo<<strong>br</strong> />

Nas mãos do <strong>br</strong>anco opressor.<<strong>br</strong> />

Quinhentos anos de guerra,<<strong>br</strong> />

Quinhentos anos de dor.<<strong>br</strong> />

Quinhentos anos lutando<<strong>br</strong> />

Pr'a <strong>não</strong> perder s<strong>eu</strong> valor.<<strong>br</strong> />

Desde o princípio esta <strong>ter</strong>ra<<strong>br</strong> />

Já tinha s<strong>eu</strong> morador.<<strong>br</strong> />

O povo <strong>que</strong> aqui vivia<<strong>br</strong> />

Era s<strong>eu</strong> dono e senhor.<<strong>br</strong> />

Tinha s<strong>eu</strong>s mitos, costumes,<<strong>br</strong> />

Tinha sua lei, sua fé,<<strong>br</strong> />

Mas o invasor tomou tudo,<<strong>br</strong> />

A <strong>ter</strong>ra e a vida, até!<<strong>br</strong> />

Chega de morte, desgraça.<<strong>br</strong> />

Chega de ofensa, de horror!<<strong>br</strong> />

Basta com tal genocídio!<<strong>br</strong> />

Basta de guerra e de dor!<<strong>br</strong> />

índio <strong>não</strong> <strong>que</strong>r caridade<<strong>br</strong> />

Só s<strong>eu</strong> direito a viver,<<strong>br</strong> />

Com a mesma dignidade<<strong>br</strong> />

Que todo mundo <strong>que</strong>r <strong>ter</strong>!<<strong>br</strong> />

íLeira e Música: Sérgio Marcus Pinto Lopes.<<strong>br</strong> />

Dispomos da música/partitura na sede do GTMEj<<strong>br</strong> />

Crianças Krenak, 1911<<strong>br</strong> />

GTME<<strong>br</strong> />

Grupo de Trabalho Missionário Evangélico<<strong>br</strong> />

Em Solidariedade aos Povos Indígenas<<strong>br</strong> />

Av. dos Trabalhadores, 3.419<<strong>br</strong> />

Cx. Postal 642 - CEP 78005-970 - Cuiabá-MT<<strong>br</strong> />

Fax/Fone: (065} 322-7476<<strong>br</strong> />

"EURECA! SÃO OUTROS 500"<<strong>br</strong> />

Lá vêm Ameríndios: Astecas...<<strong>br</strong> />

... guerreiros Tupinambás...<<strong>br</strong> />

Por entre as ricas florestas<<strong>br</strong> />

da América no apog<strong>eu</strong>...<<strong>br</strong> />

Muito longe do mau <strong>eu</strong>rop<strong>eu</strong><<strong>br</strong> />

Curumim no s<strong>eu</strong> carnaval<<strong>br</strong> />

Feliz 'inda <strong>não</strong> ultrajado<<strong>br</strong> />

Não tinha chegado Ca<strong>br</strong>al.<<strong>br</strong> />

(lá vem, lá vem)<<strong>br</strong> />

Lá vem, lá vem, lá vem<<strong>br</strong> />

A bandeira do Movimento<<strong>br</strong> />

Meninos e Meninas de Rua.<<strong>br</strong> />

Com o Estatuto na mão<<strong>br</strong> />

Lá vem, lá vem, lá vem.<<strong>br</strong> />

500 anos depois<<strong>br</strong> />

Escutem os s<strong>eu</strong>s argumentos<<strong>br</strong> />

"EURECA": são outros quinhentos<<strong>br</strong> />

(lá vem, lá vem)<<strong>br</strong> />

Lá vem, lá vem, lá vem<<strong>br</strong> />

A bandeira do Movimento<<strong>br</strong> />

Crianças e caras-pintadas<<strong>br</strong> />

com o Estatuto na mão<<strong>br</strong> />

Lá vem, lá vem, lá vem.<<strong>br</strong> />

500 anos depois<<strong>br</strong> />

Escutem os s<strong>eu</strong>s argumentos<<strong>br</strong> />

"EURECA"! são outros quinhentos.<<strong>br</strong> />

Um dia ancorou caravela<<strong>br</strong> />

E com ela a dominação<<strong>br</strong> />

O metal abundante revela<<strong>br</strong> />

Pilhagem e inquisição<<strong>br</strong> />

Cate<strong>que</strong>se pretexto cristão<<strong>br</strong> />

Para dependência servil<<strong>br</strong> />

índio, negro, criança: escravos...<<strong>br</strong> />

... entre a cruz e a espada: BRASIL!<<strong>br</strong> />

(Autoria: Daniel Vieira Ramos Filho. Foi apresentado como samba-enredo do Blo-<<strong>br</strong> />

co Eureca - Eu reconheço o Estatuto da Criança e do Adolescente, no carnaval de<<strong>br</strong> />

São Bernardo do Campo, SP. O bloco é formado pelas crianças do Movimento de<<strong>br</strong> />

Meninos e Meninas de Rua).<<strong>br</strong> />

CESEP - CENTRO ECUHENIC0 DE EMANGELIZA-/'<<strong>br</strong> />

CA0 E EDUCAÇÃO POPULAR<<strong>br</strong> />

f<<strong>br</strong> />

CX. POSTAL, é5.83í<<strong>br</strong> />

3A0 PAULO - SP<<strong>br</strong> />

0Í390<<strong>br</strong> />

RASIL

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!