13.07.2013 Views

E que eu não caia sem antes ter entesado a última ... - cpvsp.org.br

E que eu não caia sem antes ter entesado a última ... - cpvsp.org.br

E que eu não caia sem antes ter entesado a última ... - cpvsp.org.br

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

12 TUPARI MARÇO/93<<strong>br</strong> />

A COLONIZAÇÃO NO BRASIL<<strong>br</strong> />

E OS INDÍGENAS DIANTE DOS 500 ANOS DA AMÉRICA Luclano Andrade/JB<<strong>br</strong> />

A colonização na história in-<<strong>br</strong> />

dígena atual é uma reali-<<strong>br</strong> />

dade gritante. Ela se ma-<<strong>br</strong> />

nifesta na forma de invasão <strong>ter</strong>ri-<<strong>br</strong> />

torial, assassinatos, dominação<<strong>br</strong> />

política, além dos métodos mais<<strong>br</strong> />

sutis, porém <strong>não</strong> menos eficien-<<strong>br</strong> />

tes processos de ex<strong>ter</strong>mínio, co-<<strong>br</strong> />

mo o etnocídio e o genocídio.<<strong>br</strong> />

Segundo os dados da Funda-<<strong>br</strong> />

ção Nacional do índio (FUNAI)<<strong>br</strong> />

até o mês de setem<strong>br</strong>o de 92<<strong>br</strong> />

morreram 700 índios por falta de<<strong>br</strong> />

assistência governamental em<<strong>br</strong> />

áreas indígenas, contra os mais<<strong>br</strong> />

de 350 "assassinatos" verifica-<<strong>br</strong> />

dos em 91, envolvendo conflitos<<strong>br</strong> />

de <strong>ter</strong>ras e suas conseqüências,<<strong>br</strong> />

de acordo com o quarto levanta-<<strong>br</strong> />

mento anual do Conselho Indige-<<strong>br</strong> />

nista Missionário (CIMI), agên-<<strong>br</strong> />

cia da Igreja Católica anexa à po-<<strong>br</strong> />

derosa Conferência Nacional dos<<strong>br</strong> />

Bispos do Brasil.<<strong>br</strong> />

Mesmo na vigência da Consti-<<strong>br</strong> />

tuição cidadã de 88, <strong>que</strong> prevê<<strong>br</strong> />

demarcação de <strong>ter</strong>ras até 93 e<<strong>br</strong> />

diante dos 500 anos de coloniza-<<strong>br</strong> />

ção da América, os povos indíge-<<strong>br</strong> />

nas do Brasil permanecem na<<strong>br</strong> />

condição de meros posseiros e<<strong>br</strong> />

<strong>não</strong> proprietários de suas <strong>ter</strong>ras.<<strong>br</strong> />

Tal situação tem sido principal<<strong>br</strong> />

obstáculo na luta indígena pela<<strong>br</strong> />

auto-de<strong>ter</strong>minação, dificultando<<strong>br</strong> />

o reconhecimento de s<strong>eu</strong>s direi-<<strong>br</strong> />

tos ancestrais so<strong>br</strong>e os <strong>ter</strong>ritórios<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> <strong>sem</strong>pre habitaram, enquanto<<strong>br</strong> />

suas pátrias, já <strong>que</strong> o proprietário<<strong>br</strong> />

titular continua sendo a União.<<strong>br</strong> />

Neste sentido, as bases da co-<<strong>br</strong> />

lonização indígena estão lançadas<<strong>br</strong> />

e tendem a estruturar-se cada vez<<strong>br</strong> />

mais através da dominação políti-<<strong>br</strong> />

ca. Este processo acontece de<<strong>br</strong> />

imediato quando os índios e s<strong>eu</strong>s<<strong>br</strong> />

povos passam a sofrer restrições<<strong>br</strong> />

e controles consubstanciados na<<strong>br</strong> />

incenssante perda do direito so-<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>e o s<strong>eu</strong> próprio destino, pas-<<strong>br</strong> />

sando a ser governados pelos co-<<strong>br</strong> />

lonizadores.<<strong>br</strong> />

Mas também isto acontece por<<strong>br</strong> />

meio de mecanismos específicos,<<strong>br</strong> />

tais como a destruição da <strong>org</strong>ani-<<strong>br</strong> />

zação política indígena, negação<<strong>br</strong> />

dos direitos políticos, proibição<<strong>br</strong> />

de eleger s<strong>eu</strong>s líderes políticos,<<strong>br</strong> />

proibição de <strong>ter</strong> a própria justiça,<<strong>br</strong> />

impedidos de <strong>ter</strong> indentidade po-<<strong>br</strong> />

lítica própria e, em conseqüên-<<strong>br</strong> />

cia, a o<strong>br</strong>igação de adotar a na-<<strong>br</strong> />

cionalidade do colonizador.<<strong>br</strong> />

A colonização do índio, por-<<strong>br</strong> />

tanto, é a expressão acabada de<<strong>br</strong> />

domínio dos povos indígenas por<<strong>br</strong> />

meio de mecanismos espúrios de<<strong>br</strong> />

decretos e leis feitos pelos <strong>não</strong>-<<strong>br</strong> />

índios ou colonizador. Assim, o<<strong>br</strong> />

chamado Estatuto do índio acaba<<strong>br</strong> />

sendo o mais notório exemplo de<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> lança mão a aludida colon-<<strong>br</strong> />

ziação para estender os s<strong>eu</strong>s ten-<<strong>br</strong> />

táculos. Tais mecanismos são le-<<strong>br</strong> />

vados à prática, hoje como no<<strong>br</strong> />

passado, através de órgãos de co-<<strong>br</strong> />

lonização <strong>que</strong> atendem pelos<<strong>br</strong> />

pomposos nomes de Diretório<<strong>br</strong> />

dos índios (Séc. XVII), Serviço<<strong>br</strong> />

de Proteção aos índios (SPI,<<strong>br</strong> />

)910), e a Fundação Nacional do<<strong>br</strong> />

índio, criada em 1967.<<strong>br</strong> />

A colonização indígena, numa<<strong>br</strong> />

perspectiva mais sutil, é o geno-<<strong>br</strong> />

cídio praticado contra a vida dos<<strong>br</strong> />

povos indígenas e se manifesta<<strong>br</strong> />

com a introdução de doenças fa-<<strong>br</strong> />

tais para os índios, como a gripe,<<strong>br</strong> />

o sarampo, a tuberculose, a va-<<strong>br</strong> />

ríola, etc. Mas também o é crime<<strong>br</strong> />

de lesa humanidade quando prati-<<strong>br</strong> />

cados com armas de fogo, como<<strong>br</strong> />

as utilizadadas pelos antigos e<<strong>br</strong> />

modernos bandeir<strong>antes</strong> para ex-<<strong>br</strong> />

<strong>ter</strong>minar o índio; ou através de<<strong>br</strong> />

"guerras justas", práticas muito<<strong>br</strong> />

difundidas pelos represent<strong>antes</strong><<strong>br</strong> />

da Igreja, para de<strong>ter</strong> o desenvol-<<strong>br</strong> />

vimento da luta indígena.<<strong>br</strong> />

A colonização indígena é tam-<<strong>br</strong> />

bém o processo de transferência<<strong>br</strong> />

compulsória imposto aos mem-<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>os de um de<strong>ter</strong>minado povo in-<<strong>br</strong> />

dígena. No Brasil, inúmeros po-<<strong>br</strong> />

vos continuam sofrendo os danos<<strong>br</strong> />

e as agruras da transferêcia for-<<strong>br</strong> />

çada, <strong>que</strong> também é uma forma<<strong>br</strong> />

de genocídio. Entre estes compe-<<strong>br</strong> />

te lem<strong>br</strong>ar o caso do povo Kaia-<<strong>br</strong> />

by do rio Teles Pires, no Estado<<strong>br</strong> />

de Mato Grosso. Removida de<<strong>br</strong> />

uma rica região de recursos natu-<<strong>br</strong> />

rais, essa nação indígena há mui-<<strong>br</strong> />

to vem lutando para reaver o s<strong>eu</strong><<strong>br</strong> />

antigo habitai, mas <strong>sem</strong> muito<<strong>br</strong> />

sucesso.<<strong>br</strong> />

Foi com os índios conhecidos<<strong>br</strong> />

como Kreen-Akarore, entretanto,<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> o processo de colonização<<strong>br</strong> />

anti-indígena mostrou sua face<<strong>br</strong> />

mais cruel, o<strong>br</strong>igando os Kreen-<<strong>br</strong> />

Manifestação Kayapó, em Brasília contra depósito de lixo atômico<<strong>br</strong> />

Akarore a abandonar s<strong>eu</strong> <strong>ter</strong>ritó-<<strong>br</strong> />

rio tradicional (73) do Peixoto de<<strong>br</strong> />

Azevedo em Mato Grosso, para<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>eviver de migalhas em <strong>ter</strong>ras<<strong>br</strong> />

de outros povos indígenas do<<strong>br</strong> />

Xingu nesse mesmo Estado.<<strong>br</strong> />

Deslum<strong>br</strong>ado com o processo<<strong>br</strong> />

de atração de índios autônomos<<strong>br</strong> />

ou isolados, em nome da integra-<<strong>br</strong> />

ção nacional (política indigenista-<<strong>br</strong> />

colonialista também adotada pe-<<strong>br</strong> />

los irmãos Villas-Boas nos anos<<strong>br</strong> />

60 e 70), o atual ocupante da<<strong>br</strong> />

presidência da Fundação Nacio-<<strong>br</strong> />

nal do índio em Brasília, Sidney<<strong>br</strong> />

Ferreira Possuelo, é identificado<<strong>br</strong> />

entre outros, como o principal<<strong>br</strong> />

articulador do plano de operação-<<strong>br</strong> />

retirada dos índios Kren-Akaro-<<strong>br</strong> />

re.<<strong>br</strong> />

Os raios de a<strong>br</strong>angência da co-<<strong>br</strong> />

lonização do índio <strong>não</strong> param por<<strong>br</strong> />

aí, já <strong>que</strong> se desdo<strong>br</strong>am em vá-<<strong>br</strong> />

rios matizes como o de ex<strong>ter</strong>mí-<<strong>br</strong> />

nio cultural imposto pelos coloni-<<strong>br</strong> />

zadores portugueses no início da<<strong>br</strong> />

invasão. Este método garantiu o<<strong>br</strong> />

alastramento de s<strong>eu</strong> efeito devas-<<strong>br</strong> />

tador com a introjeção de ele-<<strong>br</strong> />

mentos culturais novos <strong>que</strong> re-<<strong>br</strong> />

dundaram no incremento do cha-<<strong>br</strong> />

mado processo de etnocídio.<<strong>br</strong> />

Neste último caso, em particu-<<strong>br</strong> />

lar, a figura nefasta da coloniza-<<strong>br</strong> />

ção tem exibido sua forte marca<<strong>br</strong> />

registrada, uma vez <strong>que</strong> está di-<<strong>br</strong> />

retamente vinculada com a impo-<<strong>br</strong> />

sição repressiva e a proibição de<<strong>br</strong> />

os índios viverem dentro de s<strong>eu</strong>s<<strong>br</strong> />

padrões culturais tradicionais.<<strong>br</strong> />

Em suma, imposição da cultura<<strong>br</strong> />

do colonizador através da reli-<<strong>br</strong> />

gião, <strong>org</strong>anização econômica e<<strong>br</strong> />

política.<<strong>br</strong> />

Com efeito a colonização indí-<<strong>br</strong> />

gena numa versão mais atualiza-<<strong>br</strong> />

da continua acontecendo através<<strong>br</strong> />

de garimpeiros, castanheiros,<<strong>br</strong> />

madeireiros, gateiros e empresas<<strong>br</strong> />

de financiamentos espalhadas pe-<<strong>br</strong> />

lo país, assim como por meio de<<strong>br</strong> />

antropólogos, missionários e. ou-<<strong>br</strong> />

tros especialistas educados nos<<strong>br</strong> />

centros acadêmicos <strong>não</strong>-indíge-<<strong>br</strong> />

nas, <strong>que</strong> funcionam ao mesmo<<strong>br</strong> />

tempo como canal e extensão de<<strong>br</strong> />

filosofia do sistema colonialista.<<strong>br</strong> />

Mas ao <strong>que</strong> tudo indica, para<<strong>br</strong> />

os povos indígenas, o processo<<strong>br</strong> />

de descolonização, apesar de tu-<<strong>br</strong> />

do já começou. E na luta destes<<strong>br</strong> />

povos por sua libertação total de<<strong>br</strong> />

domínio colonial, importante pa-<<strong>br</strong> />

pel pode caber à antropologia,<<strong>br</strong> />

embora esta tenha sido uma tra-<<strong>br</strong> />

dicional aliada do colonialismo e<<strong>br</strong> />

imperialismo.<<strong>br</strong> />

Eivada de cará<strong>ter</strong> colonialista,<<strong>br</strong> />

será necessário <strong>antes</strong> descoloni-<<strong>br</strong> />

zar a antropologia <strong>br</strong>asileira, o<<strong>br</strong> />

<strong>que</strong> exigirá dos antropólogos, se-<<strong>br</strong> />

gundo o professor titular de an-<<strong>br</strong> />

tropologia da Universidade Fede-<<strong>br</strong> />

ral de Paraíba, Dr. Francisco<<strong>br</strong> />

Moonen, uma revisão de suas te-<<strong>br</strong> />

orias alienadas e alienadoras, co-<<strong>br</strong> />

mo também de sua prática indi-<<strong>br</strong> />

genista.<<strong>br</strong> />

Quanto a nós outros, índios e<<strong>br</strong> />

líderes indígenas, quando isto de<<strong>br</strong> />

fato acontecer, será o momento<<strong>br</strong> />

ideal de firmar uma poderosa<<strong>br</strong> />

aliança como todos a<strong>que</strong>les ver-<<strong>br</strong> />

dadeiramente identificados com<<strong>br</strong> />

os anseios e perspectivas do mo-<<strong>br</strong> />

derno movimento de libertação<<strong>br</strong> />

indígena.<<strong>br</strong> />

Estevão Carlos Taukane é índio<<strong>br</strong> />

Bakairi (MT), um dos fundado-<<strong>br</strong> />

res da União das Nações Indí-<<strong>br</strong> />

genas (UNI), é de formação<<strong>br</strong> />

evangélica.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!