O Mulato, de Aluísio de Azevedo Fonte - Canal do Estudante
O Mulato, de Aluísio de Azevedo Fonte - Canal do Estudante
O Mulato, de Aluísio de Azevedo Fonte - Canal do Estudante
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
vestidinho novo <strong>de</strong> popelina. Vêem-se enormes trouxas <strong>de</strong> <strong>do</strong>ce seco, corações uni<strong>do</strong>s <strong>de</strong> cocada, navios <strong>de</strong><br />
massa com mastreação <strong>de</strong> alfenim jurarás <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>s, cutias enfeitadas <strong>de</strong>ntro da gaiola pombos cheios <strong>de</strong> fitas<br />
frascos <strong>de</strong> compota <strong>de</strong> murici, bacuri, buriti, o diabo, meu caro senhor! As pretas-minas cativas, ou forras<br />
surgem com os seus ouros as suas ricas telhas <strong>de</strong> tartaruga as suas ricas toalhas <strong>de</strong> rendas, suas belas saias <strong>de</strong><br />
velu<strong>do</strong>. suas chinelas <strong>de</strong> polimento seus anéis em to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong><strong>do</strong>s aos <strong>do</strong>is e aos três em cada um... E este povo<br />
mescla<strong>do</strong>. coberto <strong>de</strong> luso, radiante, com a barriga confortada e o coração contente, passeia, exibe-se, ancho<br />
<strong>de</strong> si pensan<strong>do</strong> erradamente chamar a atenção <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> aliás cada qual só pensa e repara em si próprio<br />
e na sua própria roupa!<br />
Raimun<strong>do</strong> ria-se por <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za, e espreguigava-se na ca<strong>de</strong>ira, bocejan<strong>do</strong>.<br />
— À noite, continuou o Freitas, ilumina-se to<strong>do</strong> o largo. Armam-se gran<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>slumbrantes arcos<br />
transparentes, com a imagem da santa e os emblemas <strong>do</strong> Comercio e da Navegação. que Nossa Senhora <strong>do</strong>s<br />
Remédios é padroeira <strong>do</strong> Comércio, e é este que lhe dá a festa. Mas bem, faz-se a iluminação - armas<br />
brasileiras estrelas vasos caprichosos, o nome da santa, tu<strong>do</strong> a bico <strong>de</strong> gás. não contan<strong>do</strong> uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
balõezinhos chineses que brilham por entre as ban<strong>de</strong>iras, os florões os ariris, as casas <strong>de</strong> música; em uma<br />
palavra fica tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong>, claro como o dia!<br />
Raimun<strong>do</strong> soltou um suspiro profun<strong>do</strong> e mu<strong>do</strong>u <strong>de</strong> posição.<br />
— Há também para os moleques, um pau-<strong>de</strong>-sebo balanços e cavalinhos. E verda<strong>de</strong>! o <strong>do</strong>utor sabe o que<br />
e um pau-<strong>de</strong>-sebo?...<br />
— Perfeitamente Tenha a bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> não explicar.<br />
— Com franqueza! Se não sabe, diga, que eu posso...<br />
— Ora por amor <strong>de</strong> Deus! faz-me o favor em não se incomodar juro-lhe! Estou impaciente pelo resulta<strong>do</strong><br />
da festa. Continue!<br />
— Pois sim, senhor Dão oito horas.. Ah. meu caro amigo! então surge <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os cantos da cida<strong>de</strong> uma<br />
aluvião interminável <strong>de</strong> famílias, <strong>de</strong> velhos, moços, meninos, mulatinhas e negrinhas que enchem o largo que<br />
nem um ovo! Pretos <strong>de</strong> ambos os sexos e <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o moleque até o tio velho, aco<strong>de</strong>m,<br />
trazen<strong>do</strong> equilibradas nas cabeças imensas pilhas <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras, e, com estas ca<strong>de</strong>iras, formam-se gran<strong>de</strong>s rodas<br />
mesmo na praça, ao ar livre, e as famílias, ou ficam ai assentadas, ou, a titulo <strong>de</strong> passeio, acotovelam-se entre<br />
o povo. Fazem-se grupos, a gente ri, discute, critica, namora, zanga-se, ralha..<br />
— Ralha?<br />
— Ora! Já houve uma senhora que castigou um moleque a chicote, lá mesmo no largo!<br />
— A chicote?<br />
— Sim, a chicote! Aquilo, meu caro <strong>do</strong>utor, é uma espécie <strong>de</strong> romaria! As famílias levam consigo potes<br />
<strong>de</strong> água, cuscuz, castanhas assadas, biscoitos e o mais . E tu<strong>do</strong> isto ao som <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> da pancadaria <strong>de</strong> três<br />
bandas <strong>de</strong> música, <strong>do</strong>s gritos <strong>do</strong> leiloeiro e da inqualificável algazarra <strong>do</strong> povo!<br />
Raimun<strong>do</strong> quis levantar-se; o outro obrigou-o a ficar senta<strong>do</strong>, pon<strong>do</strong>-lhe as mãos nos ombros.<br />
— Estamos no apogeu da festa! exclamou o maçante.<br />
— Ah! gemeu Raimun<strong>do</strong>.<br />
— Soltam-se balões <strong>de</strong> pape! fino; cruzam-se moças aos pares; giram aos pares os janotas; ven<strong>de</strong>m-se<br />
roletos <strong>de</strong> cana, sorvetes, garapa, cerveja, <strong>do</strong>ces, pasteis, chupas <strong>de</strong> laranja; sentem-se ar<strong>de</strong>r charutos <strong>de</strong><br />
canela; gastam-se os últimos cartuchos; esvaziam-se <strong>de</strong> to<strong>do</strong> as algibeiras e, finalmente, com gran<strong>de</strong> jubilo<br />
geral ar<strong>de</strong> o invariável fogo <strong>de</strong> artifício. Então rebentam todas as bandas <strong>de</strong> música a um só tempo, levanta-se<br />
uma fumarada capaz <strong>de</strong> sufocar um fole, e, no meio <strong>do</strong> estralejar das bombas e <strong>do</strong> infrene entusiasmo da<br />
multidão, aparece no castelo, <strong>de</strong>slumbrante <strong>de</strong> luzes, a imagem <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>do</strong>s Remédios. Foguetes <strong>de</strong><br />
lágrimas voam aos milhares pelo espaço; o céu some-se. To<strong>do</strong>s se <strong>de</strong>scobrem em atenção à santa, e abrem o<br />
chapéu-<strong>de</strong>-sol com me<strong>do</strong> das tabocas. Há uma chuva <strong>de</strong> luzes multicores; tu<strong>do</strong> se ilumina fantasticamente;<br />
to<strong>do</strong>s os grupos, todas as fisionomias, todas as casas, tomam. sucessivamente as irradiações <strong>do</strong> prisma.<br />
Durante esta apoteose o povo se concentra numa contemplação mística, terminada a qual, está terminada a