O Mulato, de Aluísio de Azevedo Fonte - Canal do Estudante
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José Roberto e Sebastião Campos serviam às senhoras acompanhan<strong>do</strong> com uma pilhéria cada prato que<br />
lhes ofereciam. Raimun<strong>do</strong> pediu dispensa <strong>do</strong> chá, com me<strong>do</strong> <strong>do</strong> Freitas que lhe abrira um lugar ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
seu.<br />
Ouvia-se mastigar as torradas e sorver, aos golinhos, o chocolate quente.<br />
— Doutor, exclamou o cônego, procuran<strong>do</strong> espetar com o garfo uma fatia <strong>de</strong> um bolo <strong>de</strong> tapioca. Prove<br />
ao menos <strong>do</strong> nosso “Bolo <strong>do</strong> Maranhão”. Também o chamam por ai “Bolo podre”. Prove, que isto não há fora<br />
<strong>de</strong> cá... é uma especialida<strong>de</strong> da terra!<br />
— Não é mau... disse Raimun<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong>-lhe a vonta<strong>de</strong>. Muito saboroso, mas parece-me um tanto<br />
pesa<strong>do</strong>...<br />
— E <strong>de</strong> substância - acrescentou Maria Bárbara. Faz-se <strong>de</strong> tapioca <strong>de</strong> forno e ovos.<br />
— D. Bibina! chamou Ana Rosa, apontan<strong>do</strong> para os beijus. São fresquinhos...<br />
Amância, com a boca cheia, dizia baixo a Maria <strong>do</strong> Carmo:<br />
— Pois minha amiga, quan<strong>do</strong> precisar <strong>de</strong> missa com cerimônia, não tem mais <strong>do</strong> que se enten<strong>de</strong>r com o<br />
padre que lhe digo.. P muito pontual e contenta-se com o que a gente lhe da! Est'r'o dia, apanhou-me <strong>de</strong>zoito<br />
mil-réis por uma missinha cantada, mas também podia se ver a obra que o homem apresentou!.. Pois então!<br />
Há <strong>de</strong> dar uma criatura seus cobrinhos, que tanto custam a juntar, a muito padre, como há por aí, <strong>de</strong>sses que,<br />
mal chegam ao altar, estão pensan<strong>do</strong> no almoço e na comadre?... Deus te livre, cre<strong>do</strong>! Até pesa na consciência<br />
<strong>de</strong> um cristão!<br />
— Como o padre Murta! .. lembrou a outra.<br />
— Oh! Esse, nem se fala! Às vezes, Deus me per<strong>do</strong>e! nos enterros, até se apresenta bêba<strong>do</strong>!<br />
E Maria <strong>do</strong> Carmo bateu na boca - Cá está, acrescentou, quem já o viu a to<strong>do</strong> o pano encomendar o corpo<br />
<strong>de</strong> José Caroxo!...<br />
— Não! que hoj'em dia a gente per<strong>de</strong> a fé. . isso está se meten<strong>do</strong> pelos olhos!... Mas é o que já não tem o<br />
outro... porta-se muito bem! muito bem procedi<strong>do</strong>! muito cumpri<strong>do</strong>r das suas obrigações! Zeloso da religião!<br />
Acredite, minha amiga, que faz gosto... Dizem até...<br />
E Amância, segre<strong>do</strong>u alguma coisa à vizinha Maria <strong>do</strong> Carmo baixou os olhos. e resmungou beaticamente:<br />
— Deus lhe leve em conta. coita<strong>do</strong>!<br />
Houve um rumor <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras que se arrastam. Os comensais afastaram-se <strong>do</strong>s seus lugares<br />
— Mesa feita. companhia <strong>de</strong>sfeita!...gritou logo José Roberto chupan<strong>do</strong> os restos <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes E tratou <strong>de</strong><br />
seguir as senhoras, que se encaminhavam silenciosas para a sala.<br />
Nisto, entrou o Dias, trazen<strong>do</strong> o Benedito pelo cós. Vinha a <strong>de</strong>itar os botes pela boca e, quase sem po<strong>de</strong>r<br />
falar, contou que “seguira o ladrão até o fim da Rua Gran<strong>de</strong>, e que c, ladrão quebrara para o Largo <strong>do</strong>s<br />
Quartéis e quase que alcança o mato da Camboa”. Dito isto, conduziu ele mesmo o moleque lá para <strong>de</strong>ntro.<br />
Anda, peste! Vai preparan<strong>do</strong> o pelo, que ainda hoje te metes em relho!”<br />
Apreciaram muito o serviço da Dias, e conversaram sobre aquele ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação, elogian<strong>do</strong> o zelo <strong>do</strong><br />
bom amigo e caixeiro <strong>de</strong> Manuel. Daí a uma hora <strong>de</strong>spediam-se as moças. entre gran<strong>de</strong> barafunda <strong>de</strong> beijos e<br />
abraços.<br />
— Lin<strong>do</strong>ca! gritava Ana Rosa, agora não arribe <strong>de</strong> novo, ouviu?...<br />
— Sim, minha vida. hei <strong>de</strong> aparecer... olha!<br />
E subiu <strong>do</strong>is <strong>de</strong>graus para lhe dizer m um segredinho.<br />
— Sim, sim! E Eufrasinha a<strong>de</strong>us! D. Mana <strong>do</strong> Carmo, não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> levar essas meninas à quinta no dia<br />
<strong>de</strong> São João. Temos torta <strong>de</strong> caranguejos, olhe lá!<br />
— A<strong>de</strong>us, coracão!