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O Mulato, de Aluísio de Azevedo Fonte - Canal do Estudante

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O primeiro ama a Or<strong>de</strong>m e toma à vida: O segun<strong>do</strong> a aborrece e o golpe sente. Ambos prêmios têm por igual<br />

medida.”<br />

— Quem há <strong>de</strong> gostar disto. é vovó... ela tem muita <strong>de</strong>voção com São Francisco!<br />

— Olhe! ai tem Vossa Exª um <strong>do</strong>s pontos mais bonitos <strong>de</strong> Paris.— É <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> um pintor meu amigo;<br />

muito forte! - Essas ruínas, que aparecem ao fun<strong>do</strong>, são das Tulherias.<br />

E passaram a conversar sobre a Guerra Franco-Prussiana, extinta pouco antes. Ana Rosa, sem <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r<br />

os olhos <strong>do</strong> álbum, via e ouvia tu<strong>do</strong>, com muito empenho; queria explicações; não lhe escapava nada.<br />

Raimun<strong>do</strong>, <strong>de</strong>bruça<strong>do</strong> nas costas da ca<strong>de</strong>ira em que ela estava. tinha às vezes <strong>de</strong> abaixar a cabeça para afirmar<br />

o <strong>de</strong>senho e rogava involuntariamente o rosto nos cabelos da rapariga.<br />

Ao virar <strong>de</strong> uma folha <strong>de</strong>ram <strong>de</strong> súbito com um cartão fotográfico, que estava solto <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> livro; um<br />

retrato <strong>de</strong> mulher sorrin<strong>do</strong> maliciosamente numa posição <strong>de</strong> teatro: com as suas saias <strong>de</strong> cambraia,<br />

curtíssimas, forman<strong>do</strong>-lhe uma nuvem vaporosa em torno <strong>do</strong>s quadris; colo nu, pernas e braços <strong>de</strong> meia.<br />

— Oh! articulou a moça, espantan<strong>do</strong>-se como se o retrato fosse uma pessoa estranha que viesse<br />

entremter-se no seu colóquio.<br />

E maquinalmente, <strong>de</strong>sviou os olhos daquele rosto expressivo que lhe sorria <strong>do</strong> cartão com um<br />

<strong>de</strong>scaramento muito real e uma ironia atrevida. Declarou-a logo <strong>de</strong>testável.<br />

— Ah, certamente!... E uma dançarina parisiense, explicou Raimun<strong>do</strong>, fingin<strong>do</strong> pouco caso. Tem algum<br />

merecimento artístico...<br />

E, toman<strong>do</strong> a fotografia com cuida<strong>do</strong>, para que Ana Rosa não percebesse a <strong>de</strong>dicatória nas costas <strong>do</strong><br />

retrato, colocou-a entre as folhas já vistas <strong>do</strong> álbum.<br />

Ao terminarem, ele falou muito da Europa e, como a música viesse à conversa, pediu a Ana Rosa que<br />

tocasse alguma coisa antes <strong>do</strong> almoço. Passaram-se para a sala <strong>de</strong> visitas, e ela, com um gran<strong>de</strong> acanhamento<br />

e um pouco <strong>de</strong> <strong>de</strong>safinação, executou vários trecho italianos.<br />

Benedito apareceu à porta <strong>de</strong> corpo nu.<br />

— laiá! Sinhô está chaman<strong>do</strong> pra mesa.<br />

O almoço correu pilheria<strong>do</strong> e alegre. O cônego Diogo viera a convite <strong>de</strong> Manuel, no propósito <strong>de</strong> sairem<br />

os <strong>do</strong>is mais o Raimun<strong>do</strong>. para dar uma vista d'olhos pelas casinhas <strong>de</strong> São Pantaleão.<br />

Servida a segunda mesa, os caixeiros subiram com gran<strong>de</strong> ruí<strong>do</strong> <strong>de</strong> pés.<br />

Por esse tempo aqueles três surgiam na rua, forman<strong>do</strong> cada qual mais vivo contraste com os outros: Manuel<br />

no seu tipo pesa<strong>do</strong> e chato <strong>de</strong> negociante, calças <strong>de</strong> brim e paletó <strong>de</strong> alpaca; o cônego imponente na sua batina<br />

lustrosa, aristocrata, mostran<strong>do</strong> as meias <strong>de</strong> seda escarlate e o pé mimoso, apertadinho no sapato <strong>de</strong><br />

polimento; Raimun<strong>do</strong>, to<strong>do</strong> europeu, elegante, com uma roupa <strong>de</strong> casimira leve a<strong>de</strong>quada ao clima <strong>do</strong><br />

Maranhão, escandalizan<strong>do</strong> o bairro comercial com o seu chapéu-<strong>de</strong>-sol coberto <strong>de</strong> linho claro e forra<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

ver<strong>de</strong> pela parte <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro. “Formavam dizia este último, chasquean<strong>do</strong>, sem tirar o charuto da boca uma<br />

respeitável trinda<strong>de</strong> filosófica, na qual, ali, o Sr. Cônego representava a teologia, o Sr. Manuel a metafísica, e<br />

ele, Raimun<strong>do</strong>, a filosofia política; o que, aplica<strong>do</strong> à política, traduzia-se na prodigiosa aliança <strong>do</strong>s três<br />

governos - o <strong>do</strong> papa<strong>do</strong>, o monárquico e o republicano!”<br />

Ana Rosa espreitava-os e seguia-os com a vista, curiosa, por entre as folhas semicerradas <strong>de</strong> uma janela.<br />

Por on<strong>de</strong> seguiam, Raimun<strong>do</strong> ia levantan<strong>do</strong> a atenção a to<strong>do</strong>s. As negrinhas comam ao interior das casas,<br />

chaman<strong>do</strong> em gritos a sinhá-moça para ver passar “Um moço bonito!” Na rua, os linguaru<strong>do</strong>s paravam com ar<br />

estúpi<strong>do</strong>, para examiná-lo bem; os olhares mediam-no grosseiramente da cabeça aos pés, como em <strong>de</strong>safio;<br />

interrompiam-se as conversas <strong>do</strong>s grupos que ele encontrava na calçada.<br />

— Quem e aquele sujeito, que ali vai <strong>de</strong> roupa clara e um chapéu <strong>de</strong> palha?<br />

— Or'essa! Pois ainda não sabes? respondia um Bento. É o hóspe<strong>de</strong> <strong>de</strong> Manuel Pescada!<br />

— Ah! este é que é o tal <strong>do</strong>utor <strong>de</strong> Coimbra?<br />

— O cujo! afirmava o Bento.

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