MEIO - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro
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2.2. Folha do Meio Ambiente<br />
PONTO DE VISTA<br />
Os rios clamai<br />
por socorro<br />
Albert Bartolomeu <strong>de</strong> Sousa Rosa<br />
Na lei do salve-se quem pu-<br />
<strong>de</strong>r, os habitantes dos rios estão<br />
per<strong>de</strong>ndo o jogo pela vida. E rio<br />
sem peixes toma-se, também,<br />
sem vida. Os rios estão morren-<br />
do graças ao <strong>de</strong>spreparo da hu-<br />
manida<strong>de</strong> para viver em harmo-<br />
nia com a natureza. Com o ar-<br />
gumento <strong>de</strong> que se busca o "pro-<br />
gresso", o homem, na verda<strong>de</strong>,<br />
está usando mau hoje e compro-<br />
metendo o amanhã. O<br />
<strong>de</strong>smatamento ciliar, as polui-<br />
ções industrial e doméstica, o<br />
uso indiscriminado <strong>de</strong><br />
agrotóxicos e o garimpo, <strong>de</strong>n-<br />
tre outros impactos ambientais,<br />
estão <strong>de</strong>gradando os<br />
ecossistemas aquáticos brasilei-<br />
ros.<br />
Barragens artificiais alteram<br />
o regime dos rios, impe<strong>de</strong>m a<br />
migração reprodutiva dos pei-<br />
xes e inviabilizam as trocas anu-<br />
ais <strong>de</strong> ovos e larvas por peixes<br />
jovens entre os rios e as lagoas<br />
marginais, verda<strong>de</strong>iros<br />
criadouros naturais e gran<strong>de</strong>s<br />
responsáveis pela reposição <strong>de</strong><br />
peixes dos rios; a pesca preda-<br />
tória, que ocorre principalmen-<br />
te nas lagoas marginais, dízima<br />
populações <strong>de</strong> peixes e impe<strong>de</strong><br />
a própria sobrevivência dos pes-<br />
cadores artesanais, estimadas<br />
em quase 80 mil atuando nas<br />
águas interiores do país.<br />
É preciso que os governos<br />
fe<strong>de</strong>ral, estaduais e municipais<br />
e a população em geral lutem<br />
por esses importantes<br />
ecossistemas. Todo esforço<br />
<strong>de</strong>ve ser empreendido para pro-<br />
teger o que sobrou dos rios e,<br />
particularmente, <strong>de</strong> suas lagoas<br />
marginais. Elas <strong>de</strong>vem ser con-<br />
si<strong>de</strong>radas, indistintamente,<br />
"santuários ecológicos", ambi-<br />
entes intocáveis, estando ou não<br />
em áreas públicas. Que a Lei n"<br />
S. 197 e as portarias fe<strong>de</strong>rais, que<br />
dispõem sobre a proteção à<br />
fauna e sobre a pesca, sejam<br />
aperfeiçoadas, caracterizando as<br />
lagoas marginais dos rios como<br />
áreas <strong>de</strong> preservação permanen-<br />
te on<strong>de</strong> seriam proibidas as pes-<br />
cas profissional e amadora, com<br />
qualquer tipo <strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong><br />
captura.<br />
É imprescindível que o<br />
Ibama, em nível fe<strong>de</strong>ral e as<br />
Polícias Florestais, nos estados,<br />
intensifiquem a fiscalização,<br />
impedindo a pesca predatória<br />
que ocorre especialmente nas<br />
lagoas marginais. Nelas, os pei-<br />
xes são capturados com menos<br />
<strong>de</strong> 10% <strong>de</strong> seu peso normal sem<br />
que lhes sejam permitido atin-<br />
gir a fase adulta, quando estari-<br />
am em condições <strong>de</strong> se repro-<br />
duzirem e perpetuarem a espé-<br />
cie. Esses peixes estão sendo<br />
comercializados livremente em<br />
feiras das cida<strong>de</strong>s ribeirinhas,<br />
sem nenhuma fiscalização pelo<br />
po<strong>de</strong>r público, provocando não<br />
só a morte dos rios, mas a eli-<br />
minação da própria condição <strong>de</strong><br />
sobrevivência das comunida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> pescadores artesanais. Esse<br />
processo está induzindo o <strong>de</strong>sa-<br />
parecimento <strong>de</strong> várias espécies<br />
<strong>de</strong> peixes e reduzindo o peso<br />
médio e a produção do pesca-<br />
do, que em muitas regiões ribei-<br />
rinhas é a única fonte <strong>de</strong> prote-<br />
ína animal para populações ca-<br />
rentes.<br />
Devem ser retomados os le-<br />
vantamentos estatísticos sobre a<br />
SUMMARY<br />
Rivers are dying due to<br />
the extinction of cilliar<br />
forests, to the industrial and<br />
domestic pollution, to the<br />
wi<strong>de</strong>spread use of<br />
agricultural insectici<strong>de</strong>s<br />
and to mining activities.<br />
Dams have modified tiver<br />
regimes, blocking fish<br />
migrationjbr reproduction,<br />
making impossible the<br />
annwã exchange ofeggsfbr<br />
youngfish anumg rivers and<br />
marginal lakes, actually<br />
natural hatcheries and<br />
greatly responsible for the<br />
reposition of fish in the<br />
rivers. Predatory fishing in<br />
rivers and marginal lakes<br />
impe<strong>de</strong>s the survivaí of the<br />
fishermen, estimated in<br />
almost 180 thousand,<br />
fishing in the interior waters<br />
in the Country, andwho are<br />
migratingjbr theperiphery<br />
of the cities, due to the<br />
reduction in fishing<br />
production. The fish is the<br />
solesource cfanimal protein<br />
for the poor population in<br />
many regions bor<strong>de</strong>ring the<br />
rivers.<br />
pesca artesanal, que <strong>de</strong>ixaram<br />
<strong>de</strong> ser realizados no Brasil <strong>de</strong>s-<br />
<strong>de</strong> o início da década <strong>de</strong> 80 por<br />
<strong>de</strong>cisão do governo fe<strong>de</strong>ral. A<br />
falta <strong>de</strong> informações confiáveis<br />
vem dificultando a visualização<br />
da gravida<strong>de</strong> do problema soci-<br />
al ocasionado pelo avanço da<br />
industrialização e da pesca pre-<br />
datória sobre os rios, que está<br />
provocando a redução acentua-<br />
da <strong>de</strong> famílias que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da<br />
captura do pescado e que estão<br />
saindo das áreas ribeirinhas para<br />
as periferias das cida<strong>de</strong>s.<br />
Concessionárias <strong>de</strong> hidrelé-<br />
tricas <strong>de</strong>veriam viabilizar es-<br />
tudos que visassem a realização<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>scargas d'água programa-<br />
das dos gran<strong>de</strong>s reservatórios no<br />
período das enchentes, <strong>de</strong> for-<br />
ma a po<strong>de</strong>r proporcionar o trans-<br />
bordamento dos rios em trechos<br />
com incidência <strong>de</strong> lagoas mar-<br />
ginais, permitindo, assim, a pas-<br />
sagem <strong>de</strong> peixes jovens para os<br />
rios e a entrada <strong>de</strong> novos ovos e<br />
larvas para aqueles berçários<br />
naturais.<br />
Devem ser estimulados es-<br />
tudos sobre rios, lagoas margi-<br />
nais e gran<strong>de</strong>s barragens, visan-<br />
do a obtenção <strong>de</strong> conhecimento<br />
sobre formas a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong><br />
abordagem <strong>de</strong>sses importantes<br />
ecossistemas aquáticos, a exem-<br />
plo do Projeto Inventário da<br />
Lagoas Marginais do Rio São<br />
Francisco, que está sendo exe-<br />
cutado pela Co<strong>de</strong>vasf e UFMG,<br />
com apoio financeiro do Banco<br />
Mundial.<br />
É necessário, portanto, que<br />
se proteja as lagoas marginais,<br />
que se combata a pesca pre-<br />
datória, que se retome o acom-<br />
panhamento socioeconômico<br />
da pesca artesanal, que se re-<br />
alize trabalhos <strong>de</strong> cons-<br />
cientização ecológica da po-<br />
pulação e que se incentivem<br />
os investimentos em pesquisas<br />
e em capacitação <strong>de</strong> técnicos,<br />
<strong>de</strong> forma que, enquanto é tem-<br />
po, se promova uma explora-<br />
ção sustentável das riquezas<br />
naturais ainda disponíveis no<br />
Brasil.<br />
* Engenheiro <strong>de</strong> pesca,<br />
M.Sc. em Aquicultura e técni-<br />
co da Co<strong>de</strong>vasf<br />
■;., . ■ : ■:■■■■."■ í;:: ; ] ; V- : -<br />
Brasília, outubro <strong>de</strong> 1995<br />
GENTE DO <strong>MEIO</strong><br />
SILVESTRE GORGULHO<br />
ÂNGELO<br />
MACHADO<br />
Um<br />
ecologista<br />
com base<br />
científica<br />
sóiida<br />
Na paixão pelos pequenos animais, na profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />
imensa base cientifica e na simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma vida <strong>de</strong>dicada<br />
ao conhecimento da natureza e na formação acadêmica <strong>de</strong> toda<br />
uma geração <strong>de</strong> alunos, está o professor Ângelo Barbosa Monteiro<br />
Machado.<br />
Ângelo Machado nasceu em Belo Horizonte em 1934, fez<br />
graduação e doutorado em medicina pela UFMG, e pós-doutora-<br />
do na Northwestern University, em Chicago-USA & casado e<br />
tem quatro filhos. Sempre ligado à pesquisa, foi o responsável<br />
pela instalação da microscopia eletrônica no Instituto <strong>de</strong> Ciênci-<br />
as Biológicas da Universida<strong>de</strong>, e como professor da Escola <strong>de</strong><br />
Medicina, participou, <strong>de</strong> maneira notável, dos colegiados <strong>de</strong> His-<br />
tória Natural, Psicologia, Morfologia, Patologia, Anatomia,<br />
Entomologia, Ecologia e Conservação e Manejo <strong>de</strong> Vida Silves-<br />
tre. Aposentou-se, mas voltou como professor adjunto <strong>de</strong> zoolo-<br />
gia na mesma Universida<strong>de</strong>.<br />
Ângelo Machado é um ecologista atípico porque tem base<br />
científica sólida, não é afoito e nem <strong>de</strong> ocasião. Sempre esteve<br />
trabalhando em prol do conhecimento da natureza, antes do as-<br />
sunto entrar na moda. Depois da reunião <strong>de</strong> Estocolmo, em 1972,<br />
foi um dos acadêmicos que, por intermédio dos estudos que con-<br />
duzia e sempre publicava, <strong>de</strong>u suporte e garantiram a mudança<br />
<strong>de</strong> posição do Brasil em relação à temática do meio ambiente e<br />
do <strong>de</strong>senvolvimento. Como consultor, membro <strong>de</strong> conselhos edi-<br />
toriais e conferencista o professor Ângelo Machado viajou pelo<br />
Brasil e exterior, proferindo palestras, participando <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />
50 congressos científicos, <strong>de</strong> 11 expedições científicas para cole-<br />
ta <strong>de</strong> material zoológico, sendo oito <strong>de</strong>ssas, na região Amazôni-<br />
ca.<br />
Querido <strong>de</strong> seus alunos, foi sempre lembrado como paraninfo,<br />
patrono ou homenageado especial dos formandos <strong>de</strong> Medicina,<br />
Psicologia, Ciências Biológicas, Farmácia, Bioquímica ou Odon-<br />
tologia. Também foi homenageado por diversos pesquisadores<br />
na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> espécies novas <strong>de</strong> libélulas, borboletas, formi-<br />
gas, percevejos, besouros, pemilongos e até duas varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
pererecas, a Amphibia alientia. Sua curiosida<strong>de</strong> em relação aos<br />
pequenos animais vem <strong>de</strong> sua infância, influenciado por seu pai.<br />
Virou uma paixão. Seu trabalho não coube mais nos limiteis da<br />
aca<strong>de</strong>mia e junto com alguns amigos, criou a Fundação<br />
Biodiversitas, ONG <strong>de</strong>dicada à conservação da natureza.<br />
Em seu primeiro trabalho <strong>de</strong> campo, em uma fezenda <strong>de</strong> proprieda-<br />
<strong>de</strong> pmada, a no\^ entida<strong>de</strong> estudou, planejou e fez funcionar a primei-<br />
ra Reserva Particular <strong>de</strong> Patrimônio Natural, conceito novo que ensejou<br />
ao Ibama a regulamentação <strong>de</strong> mais essa unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação. Den-<br />
tre as mais <strong>de</strong> 150 publicações que resultaram <strong>de</strong> seu trabalho intelectu-<br />
ai, ressaltam-se: a literatura infantil <strong>de</strong> "O menino e o rio", adaptado<br />
para oteatro em 1992, a aventura Amazônica <strong>de</strong> "O velho e amonta-<br />
nha" e a mensagem <strong>de</strong> educação ambiental em "A barba do velho da<br />
barba" e"Qiapeuzinho vermelho e o lobo-guará".<br />
Por sua vida <strong>de</strong>dicada ao estudo eà pesquisa, por seu estilo silenci-<br />
oso e insistente, por sua participação em diversas entida<strong>de</strong>s científicas e<br />
conseivacionistas, por seu incansável trabalho <strong>de</strong> retaguarda, oferecen-<br />
do os subsídios acadêmicos <strong>de</strong> que tanto carecem os ecologistas mili-<br />
tantes, o professor Ângelo Machado é Gente do Meio e, por justiça<br />
tPfriie a hometwpem da erniine. da Folha (In Mrin A mhipntp.