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o bolo dos ricos - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro

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CADERNO DO CEAS nÇlU<br />

OS FLUXOS E<br />

REFLUXOS DA CRISE<br />

INo terceiro ano da "Nova Repúbli-<br />

ca", aparecem <strong>de</strong> forma inequívoca<br />

os frutos da transição negociada,<br />

que viabilizou a transferência do<br />

po<strong>de</strong>r conservador do velho para o "novo"<br />

regime. Iludiu-se quem acreditou na pos-<br />

sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformações a partir do<br />

projeto <strong>de</strong> consenso entre as elites transa-<br />

cionado no colégio eleitoral ou quem<br />

apostou no avanço, no interior do gover-<br />

no, das posições mais progressistas. Entre<br />

estes, o <strong>de</strong>sencanto é gran<strong>de</strong>.<br />

Figuras eminentes <strong>dos</strong> governos militares<br />

ocupam os principais postos da "Nova<br />

República", a começar por José Samey,<br />

presi<strong>de</strong>nte do PDS na época da campanha<br />

pelas diretas, ao lado <strong>de</strong> seus antigos<br />

companheiros da ARENA, como Antônio<br />

Carlos Magalhães e Prisco Viana e outros<br />

burocratas "feijâo-com-arroz".<br />

A maioria da população permanece on<strong>de</strong><br />

sempre esteve: na lama das invasões, <strong>de</strong>-<br />

sabando pelas encostas junto com seus<br />

barracos, nas filas <strong>dos</strong> <strong>de</strong>semprega<strong>dos</strong>,<br />

subnutrida, mergulhada numa vida coti-<br />

diana on<strong>de</strong> predomina a incerteza sobre o<br />

dia <strong>de</strong> amarihS. Incerteza que assume um<br />

caráter dramático entre ò imenso universo<br />

<strong>dos</strong> sem-trabalho. Apesar do discurso fan-<br />

tasioso <strong>de</strong> Sarney por ocasião do 19 <strong>de</strong><br />

maio, basta sair às ruas para perceber a<br />

<strong>de</strong>cadência da população. Segundo a<br />

UNICEF, existem no pais 16 milhões <strong>de</strong><br />

crianças carentes: morrem 380.000 por<br />

ano - mais <strong>de</strong> 1.000 por dia - <strong>de</strong> doen-<br />

ças <strong>de</strong>rivadas da subnutrição.<br />

Apesar da redução <strong>dos</strong> salários, caminha-se<br />

para a hiperinflaç9o. Mantidas as taxas<br />

atuais, a inflação <strong>de</strong>ve alcançar 800% até<br />

<strong>de</strong>zembro. Enquanto to<strong>dos</strong> os preços da<br />

economia (câmbio, aplicações financeiras,<br />

preços comerciais e industriais e tarifas)<br />

são corrigi<strong>dos</strong> por índices que refletem a<br />

inflação, a URP repõe os salários apenas<br />

pela média da inflação trimestral. A infla-<br />

ção ascen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ve ampliar as perdas sa-<br />

lariais, face ao aumento do diferenciai<br />

entre a inflação e o reajuste nominal <strong>dos</strong><br />

salários.<br />

A reHução do po<strong>de</strong>r aquisitivo <strong>dos</strong> assala-<br />

ria<strong>dos</strong> retroalimenta o efeito <strong>de</strong>pressivo<br />

sobre a <strong>de</strong>manda interna, agravando a<br />

tendência recessiva da economia. Segundo<br />

a FIESP, a indústria em São Paulo, hoje,<br />

absorve menos gente do que em 1980. O<br />

quadro recessivo vai se configurando pela<br />

paralisação <strong>dos</strong> investimentos, on<strong>de</strong> se<br />

conjugam a incapacida<strong>de</strong> financeira do<br />

Estado e o esgotamento das fontes <strong>de</strong> fi-<br />

nanciamento assentadas no crédito exter-<br />

no, que se orienta para o âmbito <strong>dos</strong> pró-<br />

prios países <strong>ricos</strong>.<br />

O governo tem se limitado a ajustar as<br />

medidas econômicas ao receituário do<br />

FMI, ao tempo em que amplia as conces-<br />

sões aos credores internacionais. Promove<br />

a suspensão <strong>de</strong> investimentos na área so-<br />

cial, afetando principalmente os setores<br />

<strong>de</strong> educação e saú<strong>de</strong>.<br />

Com o objetivo <strong>de</strong> conter o déficit públi-<br />

co, o governo, através <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto-lei, sus-<br />

pen<strong>de</strong> o pagamento da URP para os fun-<br />

cionários públicos. Além <strong>de</strong> arbitrária e<br />

discriminadora, é uma medida ineficaz<br />

face a origem e a natureza <strong>dos</strong> <strong>de</strong>sequilí-<br />

brios das finanças públicas. A partir da se-<br />

gunda meta<strong>de</strong> <strong>dos</strong> anos 1970, a política<br />

econômica do governo foi condicionada<br />

pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> captação <strong>de</strong> divisas<br />

para fechar o balanço <strong>de</strong> pagamentos e<br />

manter as reservas em nível elevado. O in-<br />

gresso <strong>de</strong> recursos foi facilitado pelas con-<br />

dições favoráveis no mercado <strong>de</strong> emprés-<br />

timos até 1979. Para enxugar o excesso<br />

<strong>de</strong> liqui<strong>de</strong>z resultante da conversão <strong>dos</strong><br />

dólares em cruzeiros, o governo fomentou<br />

a dívida pública, através da colocação <strong>de</strong><br />

títulos públicos. A maior parte do déficit,<br />

hoje, <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> seu custo financeiro, que<br />

cresce sem controle, tornando inútil o es-<br />

forço <strong>de</strong> ajustamento através do corte do<br />

gasto corrente, do gasto com investimen-<br />

to ou <strong>dos</strong> expedientes para aumentar a<br />

arrecadação fiscal. Consequentemente, o<br />

financiamento do déficit público tem im-<br />

plicado uma bruta] transferência <strong>de</strong> renda<br />

do conjunto da população para os possui-<br />

dores <strong>de</strong> títulos da dívida pública.<br />

O retrato mais visível <strong>de</strong>sta política é a<br />

fome do povo. Uma família <strong>de</strong> assalaria-<br />

<strong>dos</strong> <strong>de</strong> cacau, que em 1987 comprava 16<br />

quilos <strong>de</strong> farinha para passar a semana, no<br />

mês <strong>de</strong> maio <strong>de</strong>ste ano só comprava 10<br />

quilos. Em toda parte, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>scobrir<br />

sinais dramáticos da <strong>de</strong>terioração da qua-<br />

lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida do brasileiro.<br />

2 No mês <strong>de</strong> maio, o governo reuniu<br />

to<strong>dos</strong> os governadores em Brasília<br />

- não compareceram apenas Waldir<br />

Pires, da Bahia e Fernando Collor,<br />

<strong>de</strong> Alagoas - anunciando em gran<strong>de</strong> esti-<br />

lo, um novo programa econômico <strong>de</strong><br />

emergência. O cenário solene, entretanto,<br />

foi insuficiente para disfarçar uma fragili-<br />

da<strong>de</strong> básica, ou seja, o programa anunciado<br />

não comporta, a ngor, nenhuma medida<br />

nova ou objetiva. Limita-se a repetir uma<br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> intenções no sentido <strong>de</strong> re-<br />

duzir o déficit público, ao lado <strong>de</strong> pro-<br />

messas <strong>de</strong>sgastadas como o aumento <strong>de</strong><br />

recursos para a área social.<br />

A novida<strong>de</strong> viria logo em seguida, com a<br />

divulgação <strong>de</strong> uma política industrial mais<br />

ao gosto <strong>dos</strong> credores externos, que pro-<br />

pugnam uma modificação do papel do Es-<br />

tado na economia e uma maior exposição<br />

da indústria às forças da concorrência in-<br />

ternacional. As medidas anunciadas englo-<br />

bam a redução das tarifas na área das im-<br />

portações, a diminuição das exigências<br />

para autorizar as exportações e a conces-<br />

são <strong>de</strong> incentivos fiscais visando a estimu-<br />

lar os projetos industriais na área da tec-<br />

nologia mo<strong>de</strong>rna e aqueles volta<strong>dos</strong> prio-<br />

ritariamente para as exportações.<br />

A viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer projeto, entre-<br />

tanto, permanece comprometida enquan-<br />

to não for a<strong>de</strong>quadamente tratada a ques-<br />

tão do financiamento, e isso pressupõe a<br />

superação das restrições impostas pela dí-<br />

vida externa. Segundo o Banco Central, o<br />

país remeteu para o exterior 55 bilhões<br />

<strong>de</strong> dólares como pagamento <strong>dos</strong> juros da<br />

dívida externa, entre 1980 e 1985.<br />

Hoje, a economia brasileira enfrenta uma<br />

<strong>de</strong> suas mais sérias crises. 0 padrão <strong>de</strong> fi-<br />

nanciamento que marcou a industrializa-<br />

ção do país está visivelmente esgotado<br />

Além da <strong>de</strong>fasagem tecnológica, os efeitos<br />

da crise recaem principalmente sobre os<br />

assalaria<strong>dos</strong> e a gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong> traba-<br />

lhadores subremunera<strong>dos</strong> e <strong>de</strong> emprego<br />

incerto, retroalimentando uma estrutura<br />

<strong>de</strong> repartição da renda já altamente con-<br />

centrada e o empobrecimento absoluto da<br />

maior parte da população.<br />

O crescimento econômico do país. com a<br />

melhoria das condições <strong>de</strong> vida da popu-<br />

lação, está vinculado não apenas à <strong>de</strong>fini-<br />

ção <strong>de</strong> um novo padrão industrial, mas à<br />

transformação do padrão <strong>de</strong> consumo da<br />

população, ou seja. <strong>de</strong>ve estar ancorado<br />

numa política <strong>de</strong> redistribuição da renda<br />

O país necessita crescer incorporando o<br />

gran<strong>de</strong> universo <strong>de</strong> marginaliza<strong>dos</strong> ao<br />

mercado <strong>de</strong> trabalho, com salário ou ron-<br />

da suficientes para assegurar uma qu:ili-<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida compatível com os requisi-<br />

tos da socieda<strong>de</strong> no limiar do século XXI<br />

30 governo fe<strong>de</strong>ral prossegue na sua<br />

política <strong>de</strong> retaliação, consolidando<br />

seu po<strong>de</strong>r através do jogo da aloca-<br />

ção <strong>de</strong> verbas e das <strong>de</strong>missões/no-<br />

meações. Quando o governo estadual não<br />

fecha com o Planalto, o dinheiro para<br />

programas <strong>de</strong> habitação, saú<strong>de</strong>, saneamen-<br />

to e educação é repassado diretamente<br />

aos municípios <strong>de</strong> oposição <strong>de</strong>ntro do Es-<br />

tado, enquanto projetos tecnicamente<br />

aprova<strong>dos</strong> pelas comissões competentes<br />

continuam engaveta<strong>dos</strong>. É o caso típico<br />

da Bahia. Os Ministros mais chega<strong>dos</strong> ao<br />

Presi<strong>de</strong>nte, como Antônio Carlos Maga-<br />

lhães e Prisco Viana, esvaziam a populari-<br />

da<strong>de</strong> do Governador Waldir Pires, tentan-<br />

do <strong>de</strong>smoralizar suas propostas e sua atua-<br />

ção com discursos do tipo; "ele não faz<br />

nada. Quem consegue dinheiro para obras<br />

do interesse do povo sou eu".<br />

Com alguma freqüência, falava-se <strong>de</strong> uma<br />

"crise <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong>" do governo. Con-<br />

tudo, há uma significativa diferença entre<br />

a <strong>de</strong>slegitimação sofrida por um governa-<br />

dor como Waldir Pires e um Presi<strong>de</strong>nte<br />

como José Sarney. Quando o representan-<br />

te do po<strong>de</strong>r é associado a expectativas <strong>de</strong><br />

mudanças mais substanciais, a <strong>de</strong>silusão<br />

<strong>de</strong> amplos setores populares po<strong>de</strong> vir a ser_

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