TRAMAS E RESISTÊNCIAS DA DIFERENÇA
TRAMAS E RESISTÊNCIAS DA DIFERENÇA
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PRÓLOGO<br />
Este ensaio é fruto da pesquisa: “A Cidade e as Intervenções sobre o Diverso: contribuições da<br />
desinstitucionalização italiana”, realizada na Universidade de Roma e no Serviço de Saúde<br />
Mental de Imola, Itália, no período de 1995 a 1997. O objetivo deste projeto de pós-<br />
doutoramento visava conhecer a vida social dos ex-pacientes psiquiátricos no dia-a-dia das<br />
cidades após o cumprimento da lei 180, conquistada pela Reforma Psiquiátrica italiana, que teve<br />
como protagonista o psiquiatra Franco Basaglia. O projeto objetivava investigar os desafios<br />
políticos advindos da presença destes agora cidadãos no cotidiano urbano; desejava detectar as<br />
práticas de poder sobre a diferença nas metrópoles do capitalismo contemporâneo. Durante a<br />
pesquisa, novos personagens entravam na investigação, ampliando e desdobrando o foco inicial.<br />
Apesar das práticas peculiares de exclusão social vividas pelos usuários dos serviços de saúde<br />
mental na cidade, neles eram investidos processos excludentes similares aos de outros grupos,<br />
tais como emigrantes, negros, homossexuais, entre outros. A metrópole do capitalismo<br />
contemporâneo fazia das suas diferenças marcas de pertencimento a comunidades fechadas em<br />
si mesmas, onde não haveria escolha para entrar ou sair; incluía-os em destinos inexoráveis,<br />
fazendo de suas vidas um território impermeável, que nada teria a dizer ou a interpelar sobre a<br />
barbárie de um mundo do qual todos compartilhamos. A cidade acolhia-os, mas aniquilava o<br />
vigor político da alteridade na construção de um mundo por vir.<br />
Neste ensaio, versão modificada de um capítulo do livro “O Veludo, O Vidro e o Plástico:<br />
Desigualdade e Diversidade na Metrópole”, ainda não publicado, o personagem central é um<br />
jovem nordestino brasileiro que trabalha nas ruas de Roma usando uma saia de veludo. Este<br />
tecido seria uma alegoria utilizada por Walter Benjamin (1975) para caracterizar as tensões da<br />
burguesia européia nos oitocentos: a busca desesperada dos citadinos em preservar suas<br />
identidades frente ao mundo onde “tudo que é sólido se desmancha no ar” das cidades da<br />
modernidade. O veludo deixava em sua superfície os rastros ou as marcas de quem o tocasse. O<br />
uso deste tecido no ensaio adverte-nos para a produção e intervenção do capitalismo<br />
contemporâneo sobre o diverso. Três personagens fazem parte deste ensaio: o pesquisador-<br />
narrador, o travesti brasileiro e o motorista de taxi antropólogo defensor da pós-modernidade e<br />
da globalização. Nesta trama-ensaio, inspirado no legado benjaminiano que nos oferece a<br />
literatura como forma de pensamento e de intervenção no real, uma saia de veludo vive uma<br />
cena urbana de combate contra o fascismo da atualidade que se manifesta no brilho da<br />
espetacularização da diferença. O que tem a nos dizer o rapaz da saia de veludo em uma noite<br />
fria do inverno romano?