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TRAMAS E RESISTÊNCIAS DA DIFERENÇA

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vaidosa ironia dele, insinuando o encontro óbvio, fracassava. O estrangeiro, atraído, olha para<br />

fora da janela do carro, surpreendendo-se mais uma vez; o acontecido ainda desencadeia cenas<br />

inesperadas. O rosto coberto pela maquiagem, a pele perfumada do corpo do nordestino,<br />

dissolvem-se. Não avista nem a face contraída que o encarava nem as vozes heterogêneas do<br />

nós nervoso, mas personagens, experiências, ruínas da cidade deslocando-se em ritmo<br />

cinematográfico. Ao contrário de Zora, o que ele vê desarruma-se, desloca-se, reveste o visível<br />

de assombro. São imagens urbanas perturbadoras, metamorfoses indutoras de forças que<br />

impossibilitam repouso ou distração.<br />

Crônicas de combates movendo idéias e nervos é o que presencia: cidades em ruínas apontando<br />

caminhos novos antes impossíveis de serem criados devido à ausência de tensas experiências<br />

compartilhadas; marroquinos, polacos, nigerianos, albaneses, peruanos, exibindo o rosto,<br />

dizendo os seus nomes contra abstrações produtoras de um nada amorfo sem história; memórias<br />

irradiando vigor combativo, destruindo compactos blocos de morte fixados ao presente eterno;<br />

ruas tatuadas pela estridente polifonia do dia-a-dia, enfrentando sombras do medo que ameaçam<br />

preenchê-las de vultos e assepsia; figuras humanas incapazes, desajeitadas, produzindo<br />

incômodo ao triunfalismo arrogante de uma felicidade plena ditada pelo mercado. Vislumbra a<br />

América do Sul, contando suas mazelas contrastantes, atravessada por narrações de outros<br />

continentes que recusam o fatalismo das suas dores e modos de combatê-las; vê também<br />

travestis assassinados, sem-terras, desaparecidos políticos, crianças exterminadas, criaturas<br />

infames soprando restos de vida, deixados na metade do caminho à espreita de infindáveis<br />

parcerias. A provisoriedade e a invenção do corpo-prótese presente naquele nós aturde o<br />

perceptível, desdobrando-o em obra aberta. O nós nervoso edita um Brasil onde suas dores e<br />

lutas incansáveis ampliam-se em imagens destituídas de uma mórbida familiaridade. Uma ira<br />

luminosa destrói formas sólidas de negros, criaturas invisíveis, palavras silenciadas, cadáveres<br />

do ontem e os de hoje, transformando-os em centelhas de fogo em movimento desordenado,<br />

compondo e recompondo intermináveis formas. Essa ira apresenta uma coreografia de guerra<br />

peculiar. A constelação composta por centelhas impele a história do Brasil, ou a do resto do<br />

mundo, a transfigurar-se na imensidão inconclusa de formas e vozes. O cometa, nesse momento,<br />

ganha mais vigor, ofuscandoo brilho triunfal do fascismo.<br />

Um carro pára, o rapaz brasileiro rapidamente retoca a maquiagem para prosseguir o trabalho. O<br />

ritmo noturno da metrópole romana não lhe permite pausa para pensar no desassossego indutor<br />

da mudança da voz ou do olhar. Desejos secretos necessitam descartáveis prazeres. O outro<br />

longe alguns quilômetros pergunta-se sobre o porque da solidão dos que agarram-se ao texto de<br />

um único personagem, representado no teatro vazio. Indaga sobre a eficácia mórbida das<br />

comunidades de iguais, fundadas no medo ou na segurança. Recorda preocupado dos coletivos<br />

fraternos, solidários dentro de suas fronteiras e genocidas quando os limites são interpelados. A

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