TRAMAS E RESISTÊNCIAS DA DIFERENÇA
TRAMAS E RESISTÊNCIAS DA DIFERENÇA
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classes sociais ou polarização entre esquerda e direita. O seu pós faz do passado o reservatório<br />
de fantasmas desnecessários. Antenado ao contemporâneo, confere ao futuro o mesmo sentido.<br />
Fascinam-no as pluralidades, as tribos urbanas em profusão, as alteridades. Pertencer à<br />
comunidade européia idem. A globalização econômica do capitalismo flexível, diz ele, dá ao<br />
mundo uma promissora competitividade. O pós do antropólogo-taxista, inspirado na velocidade<br />
do mercado, expurga tempos desnecessários. O mercado do mundo sem fronteiras, as novas<br />
tecnologias desacomodariam a inércia dos isolamentos culturais, promovendo um planeta mais<br />
democrático. Agora temos que conviver e aprender com as diferenças. A modernidade está<br />
radicalmente morta. A história também.<br />
Tolerância, competitividade, integração democrática fundamentam o seu projeto político, e mais<br />
nada. Porém, aquilo na calçada destoa do perfil da “cultura brasileira”. As próteses de silicone,<br />
transgredindo destinos, identidades culturais, naturezas, aturdiam-no. Uma coisa exótica? efeito<br />
da fome? um problemático sexual? indaga curioso. Segundo o pesquisador amante das<br />
peculiaridades dos povos, o mundo é composto por reluzentes paisagens étnicas diversificadas.<br />
Relativizar é o seu instrumento político para o fortalecimento de uma sociedade democrática<br />
sem preconceitos. Margareth Tatcher, a “Dama de Ferro” inglesa, que decretou o fim da<br />
sociedade e das classes sociais colocando no lugar apenas homens, famílias, culturas, parece<br />
inspirá-lo. Essências culturais em constante movimento no mundo globalizado fazem parte do<br />
seu projeto de pesquisa. O elogio às diferenças das tribos urbanas também. Aquele estrangeiro<br />
ambíguo, cheirando a perfume barato, que não é uma coisa nem outra, estimula a sarcástica<br />
ironia do pesquisador italiano.<br />
Um vento cortante acentua o desagradável frio da noite escura. O passageiro se recusa a<br />
compartilhar do turismo antropológico, entre símbolos e relativizações culturais. Irônico, o<br />
antropólogo insinua que seu parceiro irá finalmente concretizar o esperado encontro. Roma<br />
espreita o encontro insólito, onde nada será o mesmo depois do ocorrido.<br />
O diálogo é curto, ausente de qualquer calmaria. O travesti pergunta ao interlocutor o que<br />
deseja, em italiano, de jeito sedutor e profissional. O outro responde em português que estava<br />
conhecendo a cidade; pergunta-lhe como está, se mora há muito tempo em Roma. Perguntas<br />
tolas, ditas desajeitadamente para escapar da situação. Alguns segundos de silêncio e<br />
constrangimentos, e os dois olham-se inseguros. O rapaz da saia de veludo parece primeiro<br />
surpreso, diante da recusa daquele homem em entrar no script; em seguida, desconcertado por<br />
encontrar alguém fazendo-o lembrar do seu país. A face maquiada sinaliza lacunas; ele não sabe<br />
o que fazer. A do outro não consegue refletir nada que ofereça segurança ou paz. Para o travesti,<br />
ouvir de um desconhecido frases inseguras, fora do estilo dos seus freqüentadores costumeiros,<br />
dilui suas fronteiras trazendo um tenso vazio: semelhante ao do ator, quando esquece o texto em<br />
cena; ao do acrobata, no salto sem proteção ao encontro do trapézio. Ali onde tudo é sólido,