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Apostila 2 o passo História de Quem Conta - Portal SME

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Equipe <strong>de</strong> Leitura – <strong>SME</strong>/ D.C.<br />

Junho <strong>de</strong> 2012<br />

Denominávamos <strong>de</strong> “arquivo vivo” nosso processo <strong>de</strong> pesquisa: arquivo por causa dos registros or<strong>de</strong>nados <strong>de</strong><br />

todo o material recolhido, e vivo pelo fato <strong>de</strong> vivenciarmos o referido material. O termo “arquivo vivo” refere-se então à<br />

apreensão <strong>de</strong> diversas formas musicais tradicionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> através da troca <strong>de</strong> experiências, do<br />

tocar junto aos cantadores, violeiros, sanfoneiros e percussionistas levando nossos instrumentos e permutando-os com<br />

os <strong>de</strong>les. O resultado <strong>de</strong>sta troca era um arranjo musical espontaneamente criado, acrescido do que nós, enquanto<br />

músicos profissionais, adquirimos com o nosso trabalho e do que aquelas pessoas nos ensinavam pela maneira intuitiva<br />

<strong>de</strong> tocar, dançar, cantar e contar. O intercâmbio <strong>de</strong>stas experiências artísticas nos <strong>de</strong>ixou um legado rico <strong>de</strong> influências<br />

culturais que pu<strong>de</strong>mos transmitir posteriormente em espaços cênicos e também no contexto <strong>de</strong> nossas práticas na área<br />

da educação.<br />

No ano <strong>de</strong> 1974 fui conhecer a Festa do Divino <strong>de</strong> São Luís do<br />

Paraitinga, no interior <strong>de</strong> São Paulo. Era uma gran<strong>de</strong> feira on<strong>de</strong> coexistiam<br />

torneio <strong>de</strong> moda <strong>de</strong> viola, cerâmica <strong>de</strong> Taubaté, jongo, catira, Moçambique,<br />

cavalhada e seus palhaços, missa, procissão, circo, parque <strong>de</strong> diversão...<br />

O Divino <strong>de</strong>sceu do céu<br />

Nesta hora <strong>de</strong> alegria<br />

Para abençoar o povo<br />

Que veio festejar seu dia<br />

Assim dizia um dos inúmeros versos <strong>de</strong> “Toada do Divino”<br />

cantados pela Companhia <strong>de</strong> Seu João, que ecoava pelas ruas da cida<strong>de</strong>. Os<br />

festejos do Divino duravam <strong>de</strong>z dias e mobilizavam toda a população <strong>de</strong><br />

São Luís e arredores, pobres e ricos, usufruindo das ofertas que eram arrecadadas pelos “foliões”. Assim eram<br />

chamados os integrantes da Folia do Divino, que cantavam e arrecadavam <strong>de</strong> casa em casa, a exemplo da Folia <strong>de</strong> Reis,<br />

bois, porcos e galinhas, que <strong>de</strong>pois eram cozidos em enormes tachos <strong>de</strong> cobre e transformados no “afogado”, como é<br />

chamado este prato típico. Ele era servido diariamente para todos, junto com paçoca, macarrão, feijão e arroz. Nesta<br />

ocasião conheci o João Tartaruga, contador <strong>de</strong> histórias e artista do barro que esculpia <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> pequenas cabaças.<br />

Eram miniesculturas que ele vendia após contar a história que nela estava<br />

contida:<br />

Faço arte <strong>de</strong> barro, lindas paisagem <strong>de</strong> verda<strong>de</strong><br />

A minha fama <strong>de</strong> artista está correndo cida<strong>de</strong> em cida<strong>de</strong><br />

E com essa teligência me ajuda a nececida<strong>de</strong><br />

Serviço <strong>de</strong> pega na enchada a muito tempo já fui<br />

Hoje sou cabroco <strong>de</strong> gosto faço pintura na cuia<br />

Quando esto fazendo verço<br />

Quanto mais obra eu faço<br />

Mais dinheiro <strong>de</strong>sluia<br />

(João Tartaruga, 1974, em texto registrado pelo próprio na entrada <strong>de</strong> sua oficina)<br />

Bloco da Palhoça<br />

Em meio às apresentações musicais e teatrais, formei-me em<br />

musicoterapia e licenciatura em educação artística. Tornei-me professora <strong>de</strong> educação musical e fui trabalhar em várias<br />

escolas, procurando conjugar a arte <strong>de</strong> contar com a <strong>de</strong> cantar, tocar e criar para crianças. Com as crianças em sala <strong>de</strong><br />

aula, pu<strong>de</strong> observar o quanto a música e a narrativa se completavam: os processos criativos meus e das crianças<br />

geravam novos poemas, canções, histórias e dramatizações a partir <strong>de</strong> matrizes e exemplos vindos da tradição oral,<br />

como brinca<strong>de</strong>iras, parlendas, trava-línguas, adivinhações, contos populares, literatura <strong>de</strong> cor<strong>de</strong>l, enfim, todo o material<br />

que já pertencia à pesquisa que eu vinha <strong>de</strong>senvolvendo anteriormente. Observei que as crianças tinham vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

recontar uma história ou canção que haviam acabado <strong>de</strong> ouvir, e eu propunha uma ativida<strong>de</strong> usando uma forma <strong>de</strong><br />

expressão artística semelhante à <strong>de</strong> João Tartaruga, transformando em maquetes o cenário principal da narrativa ou<br />

registrando em <strong>de</strong>senhos e colagem seus principais personagens. Depois, com seu trabalho na mão, as crianças<br />

contavam à sua maneira, acrescida <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes ou fazendo uma síntese <strong>de</strong> sua própria criação.<br />

A pesquisa que realizei pertencendo aos grupos Quintal e Bloco da Palhoça se <strong>de</strong>sdobrou em diversas<br />

abordagens <strong>de</strong>ntro da arte <strong>de</strong> contar e cantar histórias, pois levei esta experiência para a TV, para o rádio, para o teatro<br />

e para a educação. Em todos os formatos e suportes citados lá estavam impressas as marcas da tradição oral, na escolha<br />

do repertório <strong>de</strong> contos e canções, <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras e jogos, <strong>de</strong> adivinhações e brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> roda e cirandas. São<br />

canções que contam histórias ou histórias que trazem canções. Ouvidas em outros tempos, transmitidas oralmente,<br />

registradas na escrita literária ou musical, e finalmente gravadas a partir da possibilida<strong>de</strong> dos suportes eletrônicos.<br />

Músicas para brincar e cantar. <strong>História</strong>s para ouvir, contar e sonhar.<br />

BEDRAN BIA. A arte <strong>de</strong> cantar e contar histórias – Narrativas orais e processos criativos,<br />

Editora Nova Fronteira.<br />

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