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Apostila 2 o passo História de Quem Conta - Portal SME

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Construindo sentidos e significados...<br />

LITERATURA: LEITURA DE MUNDO, CRIAÇÃO DE PALAVRA<br />

Bartolomeu Campos <strong>de</strong> Queirós<br />

Equipe <strong>de</strong> Leitura – <strong>SME</strong>/ D.C.<br />

Junho <strong>de</strong> 2012<br />

Se a literatura é uma extensão do autor, a mim ela surge<br />

pela falta. Meu <strong>de</strong>sejo é talvez <strong>de</strong> contar para os mais jovens<br />

aquilo que gostaria que fosse narrado a mim. Mas o ato <strong>de</strong><br />

escrever dá sentido ao meu cotidiano. Na medida em que<br />

escrevo e me surpreendo com aquilo que eu não sabia que sabia<br />

eu me torno mais amigo meu. Não sei se crio para estar com o<br />

outro ou pela sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong> minha infância e, quem sabe, pela<br />

alegria <strong>de</strong> ter vencido aquele tempo.<br />

Des<strong>de</strong> o momento do convite me pus a perseguir uma<br />

i<strong>de</strong>ia sobre o que escrever, eu que cada dia <strong>de</strong>scubro, perplexo<br />

diante do universo, que nada sei. A cada dia que vivo mais tomo<br />

posse do tanto ainda por saber. E o meu exercício <strong>de</strong> vida tem sido o <strong>de</strong> estar procurando o que não foi feito<br />

ainda, o que ainda não sei fazer. Só me interesso pelo que me falta. E falta tanto... O que sei não me basta ou<br />

satisfaz. Isso por acreditar, com convicção, que o mundo só muda quando acrescentamos a ele o nosso po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> reinventar a vida com seus tantos significantes. Acredito <strong>de</strong>mais na capacida<strong>de</strong> inventiva do homem.<br />

Posso afirmar que pela criação tanto o sujeito se redimensiona como também se acrescenta ao mundo. Criar,<br />

para mim, é a alternativa <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira para abrandar o peso do não-sabido. E eu tenho um <strong>de</strong>sejo imenso <strong>de</strong><br />

alterar a comunida<strong>de</strong> em que vivo.<br />

Não que eu tenha uma proposta para ser cumprida. Mas é na medida em que travamos um profundo<br />

diálogo entre o nosso ser real e nosso ser i<strong>de</strong>al que <strong>de</strong>terminamos a crença, a i<strong>de</strong>ologia, o mundo a ser<br />

sonhado. Eu gostaria <strong>de</strong> viver em uma socieda<strong>de</strong> mais reflexiva, em que o silêncio fosse um pré-requisito<br />

essencial para toda ação, assim como ele existe no ato da criação. Almejo estar entre pessoas amantes <strong>de</strong> sua<br />

origem, capazes <strong>de</strong> ler o mundo com a mesma sensibilida<strong>de</strong> com que o tempo acaricia os anos com suas<br />

estações. Gostaria <strong>de</strong> viver numa socieda<strong>de</strong> em que não fôssemos dirigidos pelos caprichos <strong>de</strong> alguns, mas<br />

num movimento estabelecido pela soma <strong>de</strong> todos nós. Num mundo pleno <strong>de</strong> dúvidas, numa vez que para<br />

mim a dúvida nos torna mais cuidadosos, mais cautelosos, mais <strong>de</strong>licados com as relações. <strong>Quem</strong> supõe ter<br />

encontrado a verda<strong>de</strong>, passa a um estado <strong>de</strong> fanatismo. E isso no exercício do po<strong>de</strong>r é muito perigoso. Meu<br />

sofrimento advém <strong>de</strong> estar e viver numa socieda<strong>de</strong> tão injusta, em que as diferenças não concorrem para o<br />

enriquecimento, mas a diferença é apenas uma maneira arbitrária <strong>de</strong> dividir os homens em classe. Sofro por<br />

viver em uma comunida<strong>de</strong> analfabeta, como eu, marcada pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler o seu entorno. Uma<br />

socieda<strong>de</strong> em que o sofrimento nos impossibilita <strong>de</strong> participar da poesia existente. Uma vez que as<br />

necessida<strong>de</strong>s básicas são mais prementes.<br />

Mas o tema que me proponho pensar é: “A literatura e o encontro <strong>de</strong> dois mundos”, e me conduz a<br />

dois entendimentos. É que a literatura <strong>de</strong>stinada aos mais jovens é uma conversa entre dois mundos: o<br />

mundo adulto e o mundo da criança. É uma longa distância. E essa literatura (mais uma vez posso dizer a<br />

partir <strong>de</strong> mim) acontece quando uma nostalgia me ameaça, trazida pela minha infância irremediavelmente<br />

perdida. É uma literatura difícil <strong>de</strong> ser construída. Ao configurar meu trabalho me vem sempre o medo <strong>de</strong><br />

estar querendo amadurecer a criança mais cedo, roubando <strong>de</strong>la a infância e colocando-a do meu lado para<br />

não me sentir ameaçado por ela. Esses dois mundos contidos na escrita – a infância vivida e a infância ainda<br />

por viver – me envolvem <strong>de</strong> cuidados. É que cada sujeito, para mim, é proprietário <strong>de</strong> uma vida, um único fio<br />

que não <strong>de</strong>ve ser cortado para que o tecido não apresente falhas.<br />

E <strong>de</strong>pois, a vida para mim nunca foi um processo <strong>de</strong> soma, mas sim, <strong>de</strong> subtração. Viver um dia é ter<br />

menos um dia. Nesse sentido eu, como adulto, já subtraí bastante e sei que concretamente a criança tem mais<br />

vida a viver do que eu. Diante da infância eu tenho que ser humil<strong>de</strong> o suficiente para reconhecer esses dois<br />

mundos.<br />

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