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Apostila 2 o passo História de Quem Conta - Portal SME

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Equipe <strong>de</strong> Leitura – <strong>SME</strong>/ D.C.<br />

Junho <strong>de</strong> 2012<br />

ser escritora profissional viver disso. Ainda mais sendo mulher. Minhas avós, por exemplo, não tiveram<br />

diante <strong>de</strong> si essa escolha. Minha avó materna nasceu na roça, nunca foi à escola, só foi ler e escrever <strong>de</strong>pois<br />

que casou. Minha avó paterna, que estudou no Colégio Sion, falava francês correntemente e era apaixonada<br />

por literatura, bem que tentou escrever, mesmo com sete filhos pra criar. Foi uma pioneira corajosa –<br />

mantinha uma coluna regular num jornal <strong>de</strong> Petrópolis. Mas assinava com pseudônimo, porque moça <strong>de</strong><br />

família não faz essas coisas. E, evi<strong>de</strong>ntemente, escrevia <strong>de</strong> graça – porque o atraso sempre acha que trabalho<br />

intelectual não precisa ser remunerado, já basta a honra <strong>de</strong> ser prestigiado.<br />

Nesse ponto, eu <strong>de</strong>i muita sorte. Por isso, pu<strong>de</strong> escrever – e este é um<br />

porquê importantíssimo. Descobri que era escritora <strong>de</strong>pois que uma geração <strong>de</strong><br />

mulheres (a quem rendo homenagem e gratidão) já tinha aberto as primeiras<br />

portas da imprensa e da literatura. E num momento em que o mercado editorial<br />

brasileiro começava a se ampliar. Foi graças a ele que eu pu<strong>de</strong> existir como autora.<br />

Em 1969, a Editora Abril lançou a revista infantil Recreio. Fui convidada a<br />

colaborar. Em pouco tempo, chegavam a ven<strong>de</strong>r 250 mil exemplares semanais,<br />

quando as histórias eram assinadas por mim ou por Ruth Rocha. Com esse<br />

sucesso, cada vez mais pediam textos nossos. Em início <strong>de</strong> 1970, eu partira para o<br />

exílio e, lá longe, inventava histórias para meu filho. Depois as mandava pra<br />

Recreio. A acolhida dos leitores era a minha garantia.<br />

Escrevo hoje porque eles me profissionalizaram, me permitiram escrever –<br />

mesmo obras aparentemente áridas, como meu primeiro livro, Recado do nome,<br />

um ensaio sobre Guimarães Rosa. Depois fui começando a publicar contos e novelas infantis em livros. Só<br />

pu<strong>de</strong> continuar escrevendo porque os leitores me leram, os críticos me premiaram, os editores me <strong>de</strong>ram<br />

espaço. A eles também <strong>de</strong>vo gratidão e reconhecimento. Sem essa preciosa ajuda, não dava para continuar.<br />

Em 1983, ousei publicar meu primeiro romance, Alice e Ulisses, guardado na gaveta havia cinco anos.<br />

Des<strong>de</strong> então venho alternando obras para crianças, jovens e adultos – leitores <strong>de</strong> qualquer ida<strong>de</strong>, sem os<br />

quais o livro não existe. Escrevo porque eles me leem. E me aflige muito pensar na quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escritores<br />

que não conseguem chegar aos leitores, no número <strong>de</strong> livros que não furem o bloqueio e ficam encalhados,<br />

sem serem lidos, mortos... Por isso, também, sou uma militante da leitura. Fui livreira, editora, vivo fazendo<br />

palestra e dando curso <strong>de</strong> promoção da leitura por este Brasil afora. Também é por isso que escrevo: porque<br />

amo os livros, <strong>de</strong>vo tanto a eles, quero colaborar na expansão <strong>de</strong>sse<br />

universo.<br />

Já disse isso antes, mas não me incomodo <strong>de</strong> repetir:<br />

À medida que o tempo passa e vou amadurecendo e entendo melhor<br />

todo esse processo, constato que escrever, para mim, se liga a dois impulsos.<br />

O primeiro é uma tentativa <strong>de</strong> fixar uma experiência passageira e, assim,<br />

viver a vida com mais intensida<strong>de</strong>, apreen<strong>de</strong>r nela aspectos que me<br />

passavam <strong>de</strong>spercebidos, compreen<strong>de</strong>r seu sentido. O outro é a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

compartilhar, <strong>de</strong> oferecer aos outros essa visão e essa compreensão, para<br />

que <strong>de</strong> alguma forma isso fique, para que minha passagem pelo mundo –<br />

ainda efêmera – não seja inútil. Na trajetória da escrita à leitura, a palavra se<br />

multiplica e se reproduz, fecundante <strong>de</strong> criação compartilhada. ²<br />

Por que escrevo? Simplesmente porque é da minha natureza, é isso<br />

que sei fazer direito. Se fosse árvore, dava oxigênio, fruto, sombra para todo<br />

mundo. Mas só consigo mesmo é fazer brotar palavra, história e i<strong>de</strong>ia, para<br />

dividir com todos.<br />

Junto da estátua <strong>de</strong> Hans Christian<br />

An<strong>de</strong>rsen, em Nova Iorque.<br />

¹ Depoimento para a série “Encontro com o Escritor”, do Instituto Moreira Salles, junho <strong>de</strong> 2000.<br />

² Esta força estranha, Editora Atual, 1996.<br />

MACHADO, ANA MARIA. Texturas sobre leituras e escritos,<br />

Editora Nova Fronteira.<br />

Imagens: http://www.anamariamachado.com<br />

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