15.04.2013 Views

Grãos de Mostarda - Unama

Grãos de Mostarda - Unama

Grãos de Mostarda - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

lhe pranto do coração. E, por isso, não compreendia aquela exigência da velha mãe,<br />

a <strong>de</strong>sventurada. Dona Eleonora, or<strong>de</strong>nando-lhe que não pusesse pé fora <strong>de</strong> casa<br />

antes do <strong>de</strong>senlace do drama.<br />

Esse se<strong>de</strong>ntarismo revoltava a rapariga. E foi revoltada que ela, um dia, se<br />

vestiu à vonta<strong>de</strong>, pôs o chapéu, e saiu para a cida<strong>de</strong>, a escandalizar as amigas, e os<br />

conhecidos, com aquela obesida<strong>de</strong> insolente.<br />

À tar<strong>de</strong>, voltou. E foi uma tempesta<strong>de</strong>.<br />

— Minha filha da minh'alma, — gemia a pobre mãe, <strong>de</strong>solada. — Que é que<br />

tu foste fazer?... Tu estás maluca, minha filha?...<br />

— Ora, mamãe! — retrucou a moça, estabanada. — Eu não fiz nada <strong>de</strong> mais.<br />

E as mãos nos quadris ondulados, a carinha transformada numa careta:<br />

— Eu fui levar o seu netinho para passear...<br />

CAPÍTULO CXXIX<br />

Pobreza<br />

Foi em um baile <strong>de</strong> subúrbio que o pintor Abelardo Gomes viu, pela primeira<br />

vez, a Cleonices. Com a segurança <strong>de</strong> vista peculiar aos artistas, compreen<strong>de</strong>u o<br />

que havia <strong>de</strong> brilho, <strong>de</strong> graça, e <strong>de</strong> elegância naquela espada <strong>de</strong> carne mesmo<br />

olhada, assim, através da bainha ed seda daquele vestido. Estatura mediana, corpo<br />

harmonioso, tinha o busto firme, o pescoço direito e, nos olhos ver<strong>de</strong>s, um mistério<br />

<strong>de</strong> oceano. A boca abria-se-lhe vermelha como um cravo, e a cabeleira abundante,<br />

que a sua coquetaria infantil alvoroçava, era como um turbilhão <strong>de</strong> ouro fervente,<br />

que as brisas agitavam.<br />

Impressionado com aquela harmonia <strong>de</strong> formas, com aquela graça <strong>de</strong><br />

maneiras, com aquela singeleza <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s, o pintor Abelardo pediu, instou, rogou,<br />

para que ela fosse ao seu "atelier", dar-lhe o mo<strong>de</strong>lo para uma obra imortal.<br />

E ali estava a moça, tão pudica, tão branca, tão linda, diante do artista<br />

glorioso! De pé, uma toalha passada em torno do busto, a cabeleira fulva em<br />

<strong>de</strong>salinho elegante, ia fornecendo ao gran<strong>de</strong> mestre o mol<strong>de</strong>, a imagem, para uma<br />

gran<strong>de</strong> tela imperecível. O rosto, os cabelos, o pescoço, os braços mo<strong>de</strong>lares,<br />

haviam sido, já, apanhados pelo <strong>de</strong>senho. O seio níveo, que pulara, como um<br />

pássaro, das dobras da felpa, estava reproduzindo, já, no esboço do quadro<br />

maravilhoso. E ia <strong>de</strong>scer a toalha para mostrar o ventre liso, <strong>de</strong> virgem, quando ficou<br />

toda vermelha, como um fruto sazonado <strong>de</strong> súbito.<br />

— Ah, professor, perdoe! Mas, eu sou pobre!... — gemeu.<br />

Pousando o pincel na paleta, o artista olhou-a, sem compreen<strong>de</strong>r. E<br />

Cleonices, toda envergonhada, e ainda mais vermelha, cobrindo as faces <strong>de</strong> rosa<br />

com os dois alvos lírios das mãos:<br />

— Eu não tinha mais água oxigenada...<br />

106

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!