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www.nead.unama.br<br />
A experiência havia-lhe dito que, em matéria <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> matrimonial, tudo<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do esposo. E como estava certo <strong>de</strong> que nenhum esposo seria mais<br />
vigilante, casou-se com Leléa Borges, rapariga <strong>de</strong> vinte e dois anos, que andava,<br />
também, à procura <strong>de</strong> marido.<br />
— Olha, minha filha — confessou o Cabreira, dois meses <strong>de</strong>pois do<br />
casamento: — nós casamos em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições: tu eras, já, uma rapariga<br />
experiente; eu, com a existência que levei, um homem perfeitamente vivido.Temos,<br />
pois, todos os elementos para ser feliz.<br />
— Isto era quando nos casamos, Otaviano! — protestou a moça, fazendo-lhe<br />
uma festo no rosto cavado pelo tempo. — Hoje, a nossa situação é muito diferente.<br />
E com um biquinho <strong>de</strong> zanga, num amuo gracioso:<br />
— Tu enganas por aí muito marido; e eu?<br />
E concluiu, queixosa:<br />
— Eu, pobrezinha <strong>de</strong> mim! Só engano um...<br />
CAPÍTULO XVIII<br />
"Profiteur!"<br />
O velho <strong>de</strong>sembargador Bonifácio da Rocha é o que se po<strong>de</strong> chamar um<br />
puritano. As modas e os costumes atuais põe-lhe tremores nas mãos e na voz,<br />
fazendo-o agitar o bengalão <strong>de</strong> peroba, numa formidável ameaça coletiva.<br />
— Só, mesmo, chuva <strong>de</strong> enxofre!... — exclama, ao ver, no bon<strong>de</strong>, uma<br />
senhora, ou uma senhorita, <strong>de</strong> manga mais curta, ou <strong>de</strong> vestido mais <strong>de</strong>cotado.<br />
E se vê um pelintrote, um "maricas", um "almofadinha":<br />
— Só, mesmo, chumbo <strong>de</strong>rretido! Isto é um escândalo!...<br />
Como as moedas sejam, hoje, muito diferentes das do seu tempo, e o<br />
<strong>de</strong>sembargador esteja com a moralida<strong>de</strong> apurada no cadinho da velhice, tudo, aos<br />
seus olhos, constitui in<strong>de</strong>cência, imoralida<strong>de</strong>, presente ou futura.<br />
Uma <strong>de</strong>stas tar<strong>de</strong>s ia o velho magistrado tomar o seu bon<strong>de</strong> das Águas<br />
Férreas, quando, ao entrar no refúgio da Galeria Cruzeiro, <strong>de</strong>scobriu ali, em um dos<br />
bancos, uma mulher do povo, portuguesa, que amamentava <strong>de</strong>spreocupadamente o<br />
filhinho. Camiseta acima do umbigo, o pirralhinho, que estava quase nu, sugava com<br />
avi<strong>de</strong>z o seio materno, agitando as perninhas gorduchas, os olhos quase fechados,<br />
numa <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> indizível contentamento.<br />
Ao dar com os olhos naquele grupo comovente <strong>de</strong> simplicida<strong>de</strong>, o<br />
<strong>de</strong>sembargador ficou rubro.<br />
— Sim, senhor! — exclamou. — Que geração, essa, que vem aí!<br />
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