R$ 5,90 - Roteiro Brasília
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luz câMERa ação<br />
Filosofia de<br />
eletrodoméstico<br />
Novo longa-metragem de André Klotzel retoma a atmosfera<br />
fantástica já experimentada em Memórias póstumas de Brás<br />
Cubas, sua adaptação para o clássico de Machado de Assis<br />
por sérgio moricoNi<br />
Apesar do preço salgado do ingresso<br />
no Brasil, não é difícil imaginar<br />
alguém se deixar levar e entrar na<br />
sala de cinema movido apenas pela curiosidade<br />
do cartaz de Reflexões de um liquidificador.<br />
Como assim? – ele diria para ele<br />
mesmo, observando a expressão de espanto<br />
da atriz Ana Lúcia Torre, vivendo<br />
dona Elvira, a protagonista, carregando o<br />
velho eletrodoméstico de cuja boca emerge<br />
o título mencionado acima e ainda a<br />
ressalva, igualmente insólita: “pensar é<br />
moer, moer é pensar!”. Estranho, muito<br />
estranho, não é mesmo? Especialmente<br />
num país onde o fantástico, o surrealismo<br />
e mesmo o macabro (apesar de Zé do Caixão/José<br />
Mojica Marins e Ivan Cardoso)<br />
não costumarem atrair o interesse nem serem<br />
levados muito a sério por nossos produtores<br />
e realizadores de filmes.<br />
Óvnis na cinematografia brasileira, Jo-<br />
sé Mojica Marins e Ivan Cardoso, marginais<br />
e independentes, podem ter deixado<br />
um improvável legado entre jovens cineastas<br />
saídos dos bancos das universidades,<br />
jovens com um background intelectual<br />
muito diferente do deles, mas que flertam<br />
com estéticas popularescas de gênero tentadas<br />
por Marins e Cardoso, assim como<br />
por centenas de cineastas espalhados por<br />
todo o mundo nos mais diversos períodos<br />
históricos. Aparentemente, as coisas podem<br />
estar mudando por aqui. Há pouco<br />
mais de um mês, a dupla carioca Felipe<br />
Bragança e Marina Meliande apresentou<br />
no Festival de <strong>Brasília</strong> o filme A alegria,<br />
terceira parte de uma trilogia fantásticoesotérica<br />
iniciada com Coração no fogo, seguida<br />
de A fuga da mulher gorila, reafirmando<br />
a viabilidade de uma tendência de<br />
filmes que procuram se afastar de uma<br />
narrativa realista strictu senso, preferindo<br />
investir fortemente na estranheza e na fantasia<br />
deslavada. Durval Discos, de Anna<br />
Muylaert, seria outro exemplo de filme<br />
que vai na mesma direção.<br />
Mais refinado, sutil e de outra geração,<br />
André Klotzel faz com Reflexões de um<br />
liquidificador uma fábula macabra divertidíssima.<br />
Independentemente de todos os<br />
méritos do filme – e eles são muitos – a<br />
interpretação de Ana Lúcia Torre, como<br />
dona Elvira, é simplesmente antológica.<br />
Dona Elvira, dizíamos, é a protagonista,<br />
uma senhora, dona de casa comum, subitamente<br />
preocupada com o sumiço do<br />
marido, seu Onofre (Germano Haiut),<br />
desaparecido há mais de uma semana. O<br />
casal não tem filhos, detalhe importante<br />
para a trama que envolve ainda a jovem<br />
vizinha (Fabíula Nascimento), o carteiro<br />
(Marcos Cesana, ator falecido no último<br />
mês de maio) e o investigador de polícia<br />
Fuinha (Aramis Trindade). De posse dessa<br />
pequena galeria de personagens, Klotzel<br />
vai aos poucos nos fazer ver o que de<br />
fato aconteceu com seu Onofre.<br />
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