Publicação da Associação Mineira - AMP
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a pós-moderni<strong>da</strong>de parece reencontrar<br />
o fracasso que a moderni<strong>da</strong>de<br />
prometia ter deixado, uma vez por<br />
to<strong>da</strong>s, para trás.<br />
Asfixiados pela massificação,<br />
torna-se inútil o movimento que<br />
procura desprender-nos <strong>da</strong> multidão,<br />
<strong>da</strong> poluição e <strong>da</strong> transmissão<br />
globaliza<strong>da</strong>, em todos os setores <strong>da</strong><br />
comunicação. Lutamos uma batalha<br />
venci<strong>da</strong> e convivemos impotentemente<br />
com inúmeros descalabros.<br />
O panegírico <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de humana<br />
ain<strong>da</strong> provoca apupos, quando transparece<br />
o registro fúnebre depositado<br />
no fosso <strong>da</strong> história <strong>da</strong> civilização:<br />
a miséria, a fome, a violência, as<br />
epidemias mortíferas, as catástrofes<br />
ecológicas e as guerras.<br />
O colapso <strong>da</strong> ordem agora parece<br />
manifestarse em todos os níveis –<br />
global, nacional, institucional, teórico<br />
e ambiental – configurandose ca<strong>da</strong><br />
vez mais a ausência do consenso e<br />
a falência de uma ordenação conceitual.<br />
Deste momento em diante, ser<br />
livre significa não acreditar em na<strong>da</strong>,<br />
numa atitude niilista em que prevalece<br />
a expiração <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de<br />
e a recusa diacrônica <strong>da</strong> história.<br />
Nesta direção, o que atualmente<br />
se mostra sempre permaneceu no<br />
mesmo lugar. Por conseguinte, onde<br />
Aristóteles situara o Bem Supremo,<br />
Kant instalara a razão pura e Hegel,<br />
o ápice <strong>da</strong> espiral dialética do saber,<br />
à pósmoderni<strong>da</strong>de só restava escavar,<br />
em sua coleção de instantâneos,<br />
a face terrível de um limite onde<br />
qualquer forma do Absoluto se esvai.<br />
Nesta degra<strong>da</strong>ção de todo princípio<br />
unificador e no declínio paulatino<br />
de to<strong>da</strong> espécie de proteção,<br />
ao sucessor do homem “liberado”<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de moderna cabe agora,<br />
fun<strong>da</strong>mentalmente, o desamparo<br />
desta nova posição. No além do oco<br />
escavado, o desespero - revigorado<br />
pelo sepulcro vazio de Deus - revela<br />
o que sempre se manifestou como a<br />
eminente ameaça <strong>da</strong> morte no processo<br />
de civilização. Quanto a isto,<br />
vale lembrar que Freud, apropriandose<br />
do pensamento de sua época e<br />
<strong>da</strong> tradição de um longo passado,<br />
teve a ver<strong>da</strong>deira audácia dos que<br />
reconduzem o saber ao lugar <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de.<br />
Daí ele nunca ter se esquivado<br />
em transmitir no circuito racional<br />
<strong>da</strong> ciência que quanto ao desejo,<br />
destacado e decantado <strong>da</strong>s ordens<br />
míticas e do sentido, no limite em<br />
que a vi<strong>da</strong> se conjuga com a morte,<br />
na<strong>da</strong> há senão falta.<br />
Seguramente adentramos numa<br />
nova era. A tecno-ciência, sustenta<strong>da</strong><br />
em infinitas interfaces e nos instantes<br />
eternizados por minúsculos chips, é<br />
capaz de nos seduzir com uma nova<br />
arquitetura <strong>da</strong> informação. Em futuro<br />
breve, estaremos num tempo ain<strong>da</strong><br />
mais acelerado, quando a fita binária<br />
do micropro cessa dor de silício e o bit<br />
forem substituídos pela seqüência<br />
giratória de átomos e o qubit do<br />
holograma quântico na computação.<br />
Por conseguinte, os conceitos de<br />
identi<strong>da</strong>de, autonomia e liber<strong>da</strong>de<br />
exigem desde já uma reformulação.<br />
Certamente a vi<strong>da</strong> moderna<br />
preparou o terreno para qualquer<br />
coisa, menos para o que permaneça<br />
imóvel. Numa dimensão de ver<strong>da</strong>deira<br />
heterogenei<strong>da</strong>de, tudo é rapi<strong>da</strong>mente<br />
engolfado, numa dinâmica<br />
aparentemente dispersa e destituí<strong>da</strong><br />
de direção. Progressivamente<br />
desaparece o que outrora permitia<br />
decidir qual o movimento, seja para<br />
frente, seja o de retira<strong>da</strong>. Então, é<br />
preciso também apontar uma outra<br />
novi<strong>da</strong>de desta nossa época: agora<br />
já nem parece mais haver meios de<br />
uma adequação para os momentos<br />
de catarse. Entramos no domínio <strong>da</strong><br />
veloci<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> precipitação, numa<br />
direção díspar <strong>da</strong> compreensão.<br />
Enquanto isto, um jato contínuo<br />
de morte e destruição, em cenas<br />
mais multiplica<strong>da</strong>s, apresenta-se<br />
nas ruas, noticiários, cinemas e<br />
televisão. Como atores céticos,<br />
naufragamos nesta on<strong>da</strong> de agressão<br />
generaliza<strong>da</strong> e, sobretudo,<br />
atordoamo-nos com o sumo temor<br />
<strong>da</strong> nossa eliminação. Na<strong>da</strong> mais favorável<br />
para um retorno às sombras<br />
e ilusões. Neste panorama de laços<br />
rotos e desintegrados, <strong>da</strong> instalação<br />
progressiva de um permanente estado<br />
de pânico, estratégias remotas<br />
de dominação emergem revitaliza<strong>da</strong>s<br />
como recursos de salvação.<br />
Nesta perspectiva, mesmo que<br />
desacredita<strong>da</strong>s, as religiões continuam<br />
inabaláveis. Mais que isso, o<br />
mundo parece mais religioso do que<br />
costumava ser, mas de uma maneira<br />
diferente <strong>da</strong> tradicional. Por um lado,<br />
no ocidente, um ver<strong>da</strong>deiro véu de<br />
opaci<strong>da</strong>de opera, em nome de Deus,<br />
a favor de uma pseudolegitimação<br />
<strong>da</strong> ganância facilita<strong>da</strong>. A fraudulência,<br />
disfarça<strong>da</strong> em promessas<br />
impossíveis, torna-se encantamento<br />
convincente. A relação com a ver<strong>da</strong>de<br />
recebe <strong>da</strong>í o desprezo, pois mais<br />
vale cultivar a artimanha de sempre<br />
enganar o outro, em prol <strong>da</strong> razão<br />
nunca confessa<strong>da</strong> que mantém assegurado<br />
um Bem do tipo umbilical.<br />
Desta maneira, em renova<strong>da</strong>s práticas<br />
neopentecostais, a nostálgica<br />
generosi<strong>da</strong>de do “transcendental”<br />
mais apurado converte-se numa<br />
maniqueísta e proveitosa prática de<br />
manipulação.<br />
Por outro lado, no mundo islâmico,<br />
a situação se tornou bastante<br />
dramática. A moderni<strong>da</strong>de, técnica<br />
e competitiva, avassalou e aniquilou,<br />
como um tufão, leal<strong>da</strong>des e<br />
soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>des. Ao mesmo tempo,<br />
assolou identi<strong>da</strong>des primordiais,<br />
assenta<strong>da</strong>s em valores consagrados<br />
pela tradição. Nesta ruína dos anteparos<br />
sociais, o fun<strong>da</strong>mentalismo<br />
lançou sua semeadura, florescendo<br />
como um violento processo de<br />
retribalização. Como decorrência,<br />
a paz, a tolerância e a liber<strong>da</strong>de<br />
tornaram-se as primeiras vítimas<br />
num confronto inevitável, instalado<br />
entre esta radical retoma<strong>da</strong> de um<br />
eixo <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de islâmica e a Nova<br />
Ordem Mundial, manti<strong>da</strong> por um<br />
capitalismo imperialista, grosseiro<br />
e neoconservador. Se os tratados e<br />
organizações internacionais são ignorados<br />
e sacrificados pela utilização<br />
bilateral do terror, injustiça e força<br />
brutal, pouco importa. O que parece<br />
contar é o domínio de certos valores,<br />
seja o apelo crítico que desintegra<br />
os fun<strong>da</strong>mentos de algumas crenças<br />
e religiões, seja a distorção <strong>da</strong><br />
ver<strong>da</strong>de em sua versão monolítica<br />
e peremptória de revelação.<br />
Enquanto isto, nos altares laboratórios<br />
a ciência persegue desenfrea<strong>da</strong>,<br />
extremamente otimista, tudo o<br />
que não vai bem e não funciona, o<br />
que se opõe à vi<strong>da</strong> e as agruras que<br />
devemos enfrentar. Somos assim<br />
pressionados, num afrontamento<br />
inesgotável. Com o discurso <strong>da</strong> ciência,<br />
o Real é tratado numa perspectiva<br />
vertiginosa e interminável<br />
que se propaga num funcionamento<br />
infinitesimal e, ao mesmo tempo,<br />
ilimitado. Desta maneira, nesta mesma<br />
direção, a tecno-ciência parece<br />
edificar seu sarcófago. O fascinante<br />
e avançado desenvolvimento tecnológico<br />
que envolve as descobertas e<br />
invenções compassa também com<br />
o horror: o êxito de uma conquista<br />
acaba sendo também acompanhado<br />
por desdobramentos incon troláveis,<br />
formando uma ver<strong>da</strong>deira mortalha<br />
com os desastres que acarretou.<br />
Claro, podemos celebrar, pois não<br />
morremos mais tão facilmente como<br />
os antigos. To<strong>da</strong>via, temos que nos<br />
curvar agora às novas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des<br />
que causam o término <strong>da</strong> nossa existência:<br />
superbactérias, vírus imbatíveis,<br />
déficits ecológicos irreversíveis<br />
como o buraco <strong>da</strong> cama<strong>da</strong> de ozônio.<br />
Ou ain<strong>da</strong>, se a isto sobrevivermos,<br />
caberá restar como um dos experimentos<br />
médicos que efetivamente só<br />
mantém a putrefação em vi<strong>da</strong> tardia,<br />
tal como uma versão tecnológica do<br />
conto de Allan Poe, “O caso do Sr.<br />
Valdemar”.<br />
O Outro decomposto e estilhaçado:<br />
eis a herança moderna! Nesta<br />
direção, a fissura exposta pela pósmoderni<strong>da</strong>de<br />
articula-se ao ponto<br />
limite <strong>da</strong> falta a Ser e do desamparo.<br />
Mal-estar, desconforto!<br />
Como já dizia Freud, é bem provável<br />
que a condição humana não<br />
tenha se tornado somente agora mais<br />
frágil e errática, mas que o processo<br />
de civilização tenha produzido, em<br />
to<strong>da</strong>s as épocas, o que hoje apenas<br />
se revela de maneira bem mais<br />
contundente.<br />
Psiquiatra, Psicanalista, Diplomado em Estudos<br />
Avançados de Filosofia do Direito, Moral e Política,<br />
pela Universi<strong>da</strong>de Complutense de Madrid<br />
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