Publicação da Associação Mineira - AMP
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zi<strong>da</strong> a uma aspiração, a um sonho genérico,<br />
uma apologia do ideal que se distancia <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de vivi<strong>da</strong>. Ela deve se empenhar<br />
em ser uma força transfor-madora <strong>da</strong><br />
própria reali<strong>da</strong>de e dos seus mecanismos<br />
de estagnação. Na antigui<strong>da</strong>de, cruzar o<br />
Rio Rubicão era atravessar <strong>da</strong> Itália para<br />
a Gália Cisalpina. Daí a idéia de que a<br />
to<strong>da</strong> travessia é uma ultrapassagem, uma<br />
descontinuação, um rompimento, um novo<br />
caminho assumido. Ultrapassado o umbral<br />
na<strong>da</strong> mais será o mesmo, nem a reali<strong>da</strong>de<br />
nem aquele que a transformou. Uma diretriz<br />
deve enfrentar o obstáculo, o que impede<br />
ou dificulta o movimento ou progresso <strong>da</strong><br />
práxis. Atravessar o rubicão. Ela deve ser<br />
o ato que ultrapassa o umbral, o rubicão, e<br />
que ganha corpo e consistência, no desejo<br />
inovador e na ação que busca os meios<br />
desta renovação. Ultrapassar é uma decisão<br />
revolucionária, ato de insubordinação<br />
com o enfrentamento <strong>da</strong>s consequências<br />
que podem <strong>da</strong>í advir.<br />
Uma diretriz, assim pensa<strong>da</strong>, é uma<br />
construção político-social utópica que visa<br />
transformar a instituição psiquiatria, e o<br />
próprio psiquiatra, de modo a torna-los<br />
capazes de responder às questões do seu<br />
tempo. To<strong>da</strong> resposta é o possível, o fruto<br />
<strong>da</strong> escolha do momento na intercessão de<br />
discursos, um calculo baseado no modelo<br />
e não o modelo em si mesmo. Um modelo<br />
é a potência para a ação e o acolhimento<br />
ético do seu efeito.<br />
Apontar uma diretriz é tentar responder<br />
a pergunta: que ética para a Psiquiatria? Ao<br />
trabalhamos esta questão, nos <strong>da</strong>mos conta<br />
que é preciso pensar a ética para além <strong>da</strong><br />
ética corporativa, queremos a Ética como<br />
um norte, uma diretriz para a clínica, para<br />
os trabalhos institucionais, e intervenções<br />
em geral. Poderíamos retomar o debate<br />
entre a virtude e a moral para nos aproximar<br />
do tema, tal como ele é tratado pela<br />
filosofia, como uma ciência <strong>da</strong> conduta.<br />
Existem duas concepções fun<strong>da</strong>mentais<br />
para esta ciência: a primeira que a considera<br />
ciência do fim que norteia a conduta<br />
dos homens, e dos meios para atingir tal<br />
fim; e a segun<strong>da</strong>, que a considera como<br />
ciência do móvel <strong>da</strong> conduta humana e<br />
procura determinar esse móvel com vistas<br />
a determinar ou disciplinar a mesma<br />
conduta. Estas duas concepções fazem<br />
interagir o mundo antigo e o moderno, e<br />
falam linguagens diferentes e diversas. A<br />
primeira fala a linguagem do ideal a que<br />
o homem está dirigido pela sua natureza,<br />
e por conseguinte, fala <strong>da</strong> sua essência. A<br />
segun<strong>da</strong> fala dos motivos, <strong>da</strong>s causas, ou<br />
forças que determinam o homem, e pretende<br />
ater-se ao conhecimento dos fatos.<br />
A confusão que lhes permeia se atém ao<br />
tratamento que dão ao bem. Justamente<br />
aí é que as concepções de Ética demarcam<br />
suas maiores e significativas diferenças.<br />
A análise <strong>da</strong> concepção do bem demonstra<br />
pelo menos duas grandes concepções<br />
distintas: a noção do bem como reali<strong>da</strong>de<br />
perfeita, ideal ou a noção do bem como<br />
objeto do desejo.<br />
Em 1992, A<strong>da</strong>uto Novaes organizou<br />
uma coletânea sobre Ética, na qual se<br />
perguntava como pensa-la a partir <strong>da</strong>s<br />
contradições de um mundo que produz<br />
uma ciência e seus intelectuais dedicados<br />
a pesquisar, no mesmo espaço e ao mesmo<br />
tempo, princípios de vi<strong>da</strong> e armas de morte;<br />
progressos nas comunicações e mecanismos<br />
sutis e aberrantes de censura? Eis as<br />
questões: falso bem, falsa justiça, falsa<br />
liber<strong>da</strong>de, falsa virtude que, ao criarem o<br />
homem <strong>da</strong> concórdia, <strong>da</strong> submissão e <strong>da</strong><br />
boa-fé o tornam duas vezes escravo: <strong>da</strong><br />
superstição e <strong>da</strong>s convenções. Ele propõe<br />
pensar as razões pelas quais os homens se<br />
comportam de determina<strong>da</strong> maneira e por<br />
que <strong>da</strong>s doutrinas morais conserva vestígios<br />
de servidão, no momento mesmo em que<br />
promete instaurar a liber<strong>da</strong>de.<br />
Uma diretriz será Ética se ela não se fizer<br />
entrincheira<strong>da</strong> em argumentos morais, se<br />
o seu preceito universal não for impeditivo<br />
de singulari<strong>da</strong>des responsáveis, tanto<br />
do psiquiatra quanto do sujeito que lhe<br />
deman<strong>da</strong> atendimento. Badiou, 1995, no<br />
debate sobre a Ética, recusa a noção de<br />
homem universal, e ao em vez de estabelecer<br />
padrões conservadores e ou narcísicos,<br />
produz um inconformismo ativo, produtivo,<br />
expresso em palavras e atos. Esta seria uma<br />
nova concepcão de Ética, capaz de nomear<br />
o vazio, esse núcleo em torno do qual de<br />
organiza a situação, perfurando saberes<br />
estabelecidos, nomeando o não-saber,<br />
abrindo o campo para novos saberes, conferindo<br />
a eles os poderes transformadores<br />
do acontecimento. Uma Ética que incita à<br />
reflexão e ao debate.<br />
Psiquiatra, Mestre em Psicologia Social UFMG, Professor Assistente<br />
III PUC MINAS, Preceptor Chefe <strong>da</strong> Residência de Psiquiatria do<br />
Instituto Raul Soares FHEMIG, Membro <strong>da</strong> COCIEM XXIII Congresso<br />
Brasileiro de Psiquiatria <strong>da</strong> ABP.<br />
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