Publicação da Associação Mineira - AMP
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Diretriz é o conjunto de instruções<br />
ou indicações para se traçar e<br />
levar a termo um plano, uma ação,<br />
é uma norma de procedimentos.<br />
Psiquiatria é a parte <strong>da</strong> medicina<br />
especializa<strong>da</strong> no estudo e no tratamento<br />
<strong>da</strong>s doenças mentais;<br />
estu<strong>da</strong>m-se, investigam-se sintomas,<br />
síndromes, doenças e seus<br />
tratamentos em to<strong>da</strong>s as áreas do<br />
saber pertinentes.<br />
A tarefa <strong>da</strong> psiquiatria tem sido<br />
hercúlea, <strong>da</strong><strong>da</strong> a complexi<strong>da</strong>de de<br />
seu campo de ação. A psiquiatria<br />
vem seguindo seu rumo através de<br />
águas revoltas e com ingerências<br />
de to<strong>da</strong> sorte, como as ideológicas,<br />
econômicas e políticas, internas e<br />
externas. Mas os pacientes estão<br />
aí, não há como negar o padecimento,<br />
a doença. E não há como<br />
lhes negar atenção <strong>da</strong> forma mais<br />
apropria<strong>da</strong>, conforme as diretrizes<br />
clínicocientíficas vigentes. É a<br />
tarefa <strong>da</strong> psiquiatria.<br />
Buscamos ca<strong>da</strong> vez mais insistentemente<br />
conhecimentos que<br />
nos iluminem em nossa tarefa. É<br />
impressionante o número de trabalhos<br />
científicos e a divulgação<br />
de textos em geral em psiquiatria.<br />
Já há especialistas em investigar<br />
investigações! As repercussões na<br />
mídia são até massacrantes. Os<br />
avanços são notáveis em to<strong>da</strong>s as<br />
direções, mas, claro, ninguém mais<br />
do que nós, psiquiatras, sabemos<br />
<strong>da</strong> incompletude e infinitude de<br />
nossa tarefa. Li<strong>da</strong>mos com a vi<strong>da</strong>,<br />
e com o que há de mais nobre e<br />
vivo na vi<strong>da</strong>.<br />
Feliz infinitude! Imaginem a<br />
cena: “Doutor, respondi to<strong>da</strong>s<br />
as questões do questionário e fiz<br />
aqueles exames. Está aqui, deu<br />
esquizofrenia D3SHT6XY.” “Ótimo”,<br />
diz o médico, “agora basta<br />
Uma tarefa hercúlea<br />
empregar a técnica de McJacobsohn<br />
associa<strong>da</strong> a uma intervenção<br />
combina<strong>da</strong> com raios neuroendoreguladores<br />
anti D3SHT6XY. Tome,<br />
faça isso que acor<strong>da</strong>rá amanhã<br />
muito bem!” É claro que nesse<br />
admirável mundo novo não haverá<br />
mais psiquiatras, para quê haveria?<br />
Mas não é só por interesses corporativistas<br />
que a infinitude é boa.<br />
Que mundo seria aquele? Ain<strong>da</strong><br />
acredito em Jaspers, quando diz:<br />
“Mas o conceito de enfermi<strong>da</strong>de<br />
psíquica adquire no homem uma<br />
dimensão completamente nova.<br />
No ser humano a sua incompletude,<br />
a sua abertura, a sua liber<strong>da</strong>de<br />
e as suas ilimita<strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des<br />
são o fun<strong>da</strong>mento mesmo do seu<br />
estar adoentado.” Quando tudo se<br />
limitar a um “D3SH <strong>da</strong>s quantas”,<br />
onde terão lugar a liber<strong>da</strong>de e as<br />
ilimita<strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des? Será a<br />
extinção do humano? Um mundo<br />
insosso.<br />
É complicado mesmo. E não<br />
acho que Freud explique. Não<br />
tem explicação, foge ao nosso<br />
alcance. Por que deveríamos ter<br />
explicação para tudo? Só em nossa<br />
imaginação fantasiosa, em nosso<br />
narcisismo.<br />
Certo, li<strong>da</strong>mos com o incomensurável.<br />
Mas há muito que fazer no<br />
âmbito de nossa tarefa. É o que,<br />
de imediato, interessa, estamos<br />
sintonizados nisso. Buscamos<br />
mesmo uma evidência científica<br />
arrasadora. Às vezes conseguimos<br />
– vencemos! – ou chegamos<br />
perto. É uma luta. Como dito, os<br />
avanços têm sido notáveis nesse<br />
sentido. Seria uma idéia em sentido<br />
kantiano, como diria Jaspers,<br />
um ponto futuro infinitamente<br />
distante, mas que nos indica frutífero<br />
e ver<strong>da</strong>deiro caminho de<br />
Maurício Viotti Daker<br />
investigação. Os resultados estão<br />
aí. Às vezes fazemos ver<strong>da</strong>deiros<br />
milagres em nossa clínica, mesmo<br />
que, quase sempre, não saibamos<br />
exatamente como aconteceram.<br />
Vamos no rumo, quando possível<br />
de forma mais precisa, com evidências,<br />
mas muitas vezes “pegando<br />
o boi pelo chifre”, ca<strong>da</strong> caso, um<br />
caso. Ciência, vivência, intuição,<br />
empatia, simpatia... Entra tudo.<br />
Diretrizes em psiquiatria: não<br />
resolverá tudo, mas, quanto mais,<br />
melhor. E claro, de quali<strong>da</strong>de, bem<br />
estabeleci<strong>da</strong>s! Implica reducionismo,<br />
não é possível “abraçar o<br />
mundo”. Atrevo-me a dizer que<br />
nunca, nunca mesmo, por princípio,<br />
tornaremos tudo em nossa<br />
área verificável. Mas quanto mais<br />
verificável e replicável, melhor, não<br />
resta dúvi<strong>da</strong>. Tudo isso suscita uma<br />
questão: e o que não é verificável<br />
e replicável? Que fazer com isto?<br />
O que não é evidente não está<br />
em evidência! Aquelas teorias<br />
fenomenológico-antropológicas,<br />
aqueles aprofun<strong>da</strong>mentos sintomatológicos<br />
psicopatológi cos,<br />
mesmo muito <strong>da</strong>s explicações<br />
freudianas, não os vejo mais em<br />
nossas produções especiali za<strong>da</strong>s<br />
psiquiátricas. O mundo acelerado<br />
de hoje não tem mais tempo para<br />
essas “divagações”? Divagação<br />
seria mesmo o contraposto de<br />
diretriz. Precisamos estar assim<br />
tão sintonizados no objetivável?<br />
E o resultado terapêutico, que<br />
interessa, no fim <strong>da</strong>s contas será<br />
melhor de um jeito, ou de outro?<br />
O subjetivo não é tão essencial em<br />
nossa prática?<br />
É complicado mesmo. Lembranos<br />
discussões seculares sobre a<br />
clínica e a pesquisa, sobre o humanismo<br />
e a ciência. Quem faz ciência<br />
“emburrece” para a clínica, quem<br />
clinica não vê sentido em tanta<br />
pesquisa “inútil” e nessa “bobice”<br />
de evidência pra tudo. É claro que,<br />
guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s as devi<strong>da</strong>s proporções e<br />
em que pese um fundo de ver<strong>da</strong>de,<br />
tudo isso é contornável. De na<strong>da</strong><br />
adianta uma coisa sem a outra.<br />
O fato, certamente, é que ninguém<br />
é capaz de tudo. Por isso<br />
somos uma socie<strong>da</strong>de (e temos<br />
uma associação). Tem soado mais<br />
elegante ser acadêmico e cientista.<br />
Seria uma forma de competente<br />
dedicação, até de sacrifício, em<br />
prol <strong>da</strong> maioria? Donde a boa receptivi<strong>da</strong>de?<br />
Os estabelecedores<br />
de diretrizes. Quando assim o<br />
são e não estereótipo em função<br />
de benefício próprio, na<strong>da</strong> mais<br />
meritório.<br />
Diretrizes, consensos... Não nos<br />
esqueçamos também: há que os<br />
a<strong>da</strong>ptar a nossas reali<strong>da</strong>des socioculturais<br />
e econômicas ou criá-los<br />
de acordo com elas, um belo papel<br />
para a nação psiquiátrica.<br />
Em conjunto, seguimos nosso<br />
rumo. Minas é palco propício tanto<br />
para diretrizes, para ciência e<br />
eficiência, como para divagações<br />
críticas numa boa conversa confidente.<br />
Vamos galgar montanhas,<br />
no topo de ca<strong>da</strong> uma delas uma<br />
vitória e a constatação de que no<br />
caminho há outras tantas, até<br />
de pedra, pedra no caminho. Na<br />
ver<strong>da</strong>de, são muitas as diretrizes<br />
possíveis, amplas em psiquiatria.<br />
Com os estimados colegas vamos<br />
passá-las a limpo!<br />
Prof. Adjunto Doutor do Departamento de Saúde<br />
Mental <strong>da</strong> FM-UFMG<br />
Presidente <strong>da</strong> <strong>Associação</strong> Acadêmica Psiquiátrica<br />
de Minas Gerais – AAPMG<br />
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