Publicação da Associação Mineira - AMP
Publicação da Associação Mineira - AMP
Publicação da Associação Mineira - AMP
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Alguns movimentos contemporâneos se<br />
deram conta de que na Psiquiatria o consenso<br />
não é fácil. Trouxeram a tona uma<br />
crítica positivista ao discurso psiquiátrico,<br />
propondo que o mesmo se reduzisse a<br />
uma espécie de língua bem fala<strong>da</strong>, taxonômica,<br />
sob as bases de uma simplificação<br />
a-teórica, desprovi<strong>da</strong> <strong>da</strong> densi<strong>da</strong>de teórica<br />
basea<strong>da</strong> na filosofia. Acusa<strong>da</strong> de imprecisão,<br />
a Psiquiatria Clássica, viu aportar no<br />
seu âmago o ideal cientificista, fez parceria<br />
com a biologia e com a epidemiologia. Mas<br />
será que assim poderíamos apostar numa<br />
espécie de vale-tudo, onde o que conta é<br />
a eficiência e a eficácia <strong>da</strong> prática?<br />
A idéia de que a Psiquiatria do discurso<br />
morreu ou morrerá faz com que vivamos<br />
diante de um caos irredutível. Curioso.<br />
Atualmente a nossa crise quer saber qual<br />
o marco teórico que nos concerne e se a<br />
neurociência nos salvará <strong>da</strong> imprecisão<br />
conceitual, e colocará fim aos erros <strong>da</strong><br />
prática clínica e reduzirá to<strong>da</strong> disfunção<br />
causal. Estaria decretado o fim de to<strong>da</strong><br />
crise? Impossível deixar de reconhecer que<br />
apesar de tanta pretensão, a crise nunca<br />
passa, mas, sustentamos que mesmo no<br />
reino do caos há inércia ou oportunismo em<br />
que diz que não é possível distinguir o certo<br />
do errado, ou que não se pode distinguir a<br />
Psiquiatria do que não é Psiquiatria. Devemos<br />
acreditar que o pensamento reflexivo<br />
e crítico pode nos <strong>da</strong>r direção, construirá<br />
a Psiquiatria como práxis, permitindo uma<br />
reflexão sobre o papel e a prática.<br />
Pensar é ansioso e onde a ansie<strong>da</strong>de está<br />
ausente não se pode fazer existir a Psiquiatria.<br />
O pensar reflexivo e a ansie<strong>da</strong>de são<br />
PÁGINA 8<br />
Diretrizes instáveis<br />
Hélio Lauar<br />
produtos de um mal-estar provocado por<br />
uma práxis em permanente crise, instável,<br />
questionável e capaz de questionar Se ela<br />
passa a ser aceita e a dispensar justificativas,<br />
se tornando estabeleci<strong>da</strong> e inquestionável,<br />
ela deixa de ser um Psiquiatria de<br />
quali<strong>da</strong>de. Na Psiquiatria importa menos<br />
o seu último produto e mais o que a problemática<br />
e as questões levanta<strong>da</strong>s pelos<br />
seus processos de criação legou ao estado<br />
<strong>da</strong> arte. Psiquiatria é essencialmente um<br />
processo, e é esse processo que lhe confere<br />
seu significado e valor. Em Psiquiatria,<br />
como na filosofia grega, pensar é agir. A<br />
Psiquiatria deve ser toma<strong>da</strong> portando como<br />
um modo reflexivo de ação, e este processo<br />
é capaz de criar uma consciência histórica<br />
e de orientar eticamente to<strong>da</strong> novi<strong>da</strong>de. Ë<br />
justamente esta instabili<strong>da</strong>de que permite<br />
a ela ser rigorosa.<br />
Não existe Psiquiatria estabeleci<strong>da</strong> ou<br />
inquestionável. Ou se é Psiquiatria ou se é<br />
inquestionável. Não se pode pretender os<br />
dois lugares. É constrangedor a mera repetição<br />
de modelos consagrados no passado<br />
como modelos de conformi<strong>da</strong>de, rebeldia,<br />
ou inovação, sem a devi<strong>da</strong> critica a estas<br />
formas e ao seu tempo. A Psiquiatria deve<br />
estar sempre pronta a <strong>da</strong>r respostas aos<br />
problemas do seu tempo, e para isso deve<br />
saber romper com o pré estabelecido, e<br />
aprender a observar o presente. O novo é<br />
antes de tudo uma ampliação, que transforma<br />
a Psiquiatria e o próprio Psiquiatra,<br />
num ritmo de descontinui<strong>da</strong>de permanente,<br />
onde o passado é apenas um referente.<br />
De na<strong>da</strong> adianta repetir conforma<strong>da</strong>mente<br />
o mesmo que já foi feito ou dito para se<br />
garantir pertencimento e aprovação corporativa.<br />
É preciso escrever de um jeito<br />
diferente, de um jeito ain<strong>da</strong> desconhecido,<br />
e ain<strong>da</strong> assim contribuir para a escrita <strong>da</strong><br />
Psiquiatria como um universal compartilhado,<br />
sem se desviar. Assim é preciso<br />
contribuir para uma ver<strong>da</strong>deira guerra de<br />
idéias, fazendo parte de um contexto social,<br />
cultural e histórico determinado. Aquele<br />
que se agarra ao estabelecido, como uma<br />
bóia de salvação, numa tentativa de se<br />
furtar à crise, ignora a história. A grandeza<br />
de uma época está em não permitir que a<br />
Psiquiatria confronta<strong>da</strong> com a ansie<strong>da</strong>de e<br />
com a instabili<strong>da</strong>de que lhe caracterizam,<br />
prefira <strong>da</strong>r meia volta e recorrer, ain<strong>da</strong> que<br />
sem saber, à segurança degenerativa <strong>da</strong>s<br />
coisas estabeleci<strong>da</strong>s.<br />
Porque apostar em diretrizes para a<br />
psiquiatria, se to<strong>da</strong> diretriz é instável e<br />
portanto, transitória? Uma diretriz é sempre<br />
uma Utopia, um ideal político e social de<br />
difícil ou impossível realização. É preciso<br />
confiar à Utopia, tal como Conte, a tarefa<br />
de melhorar as instituições políticas e de<br />
desenvolver a idéias científicas. Ela não<br />
pode se constituir num modelo teórico que<br />
se presta meramente a comparar intervenções<br />
e seus resultados, medindo nelas o<br />
bem e mal que elas contem. Ela deve se<br />
construir como expressão instável de um<br />
grupo social, pronto para transformá-la,<br />
se opondo a ideologia que produz ver<strong>da</strong>de<br />
onde há não saber. Ao contrário <strong>da</strong> ideologia,<br />
a Utopia deve guar<strong>da</strong>r para si a sua<br />
condição de irrealizável, e nesse sentido o<br />
fun<strong>da</strong>mento de uma constante renovação.<br />
Utopia é correção, mas não deve ser redu-