Publicação da Associação Mineira - AMP
Publicação da Associação Mineira - AMP
Publicação da Associação Mineira - AMP
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
ficas do diagnóstico<br />
Costa Pereira<br />
sistemas diagnósticos vigentes,<br />
reaparece aqui solicita<strong>da</strong> e valoriza<strong>da</strong>.<br />
Nesse sentido, o grande<br />
investimento de uma instituição<br />
psiquiátrica internacional do porte<br />
<strong>da</strong> WPA na elaboração do IGDA<br />
pode ser tomado como sintoma e<br />
como tentativa de resposta oficial<br />
aos impasses colocados pela ênfase<br />
quase exclusiva nos manuais diagnósticos<br />
e o conseqüente declínio<br />
<strong>da</strong> relevância <strong>da</strong> clínica psiquiátrica<br />
a que tal postura conduziu.<br />
O projeto IGDA constitui o resultado<br />
de uma déca<strong>da</strong> de trabalhos<br />
de uma força-tarefa cria<strong>da</strong> em<br />
1994 pela Seção de Classificação<br />
e Diagnóstico <strong>da</strong> WPA, composta<br />
por especialistas de várias nacionali<strong>da</strong>des<br />
“que representam várias<br />
correntes teóricas e sub-áreas <strong>da</strong><br />
psiquiatria”. Seu objetivo era o de<br />
estabelecer diretrizes gerais para<br />
o diagnóstico psiquiátrico a serem<br />
emprega<strong>da</strong>s em âmbito mundial,<br />
tendo como meta o estabelecimento<br />
de uma abor<strong>da</strong>gem sistemática,<br />
que associasse os avanços obtidos<br />
através dos métodos pragmáticos<br />
de diagnóstico, com uma atenção<br />
individualiza<strong>da</strong> a ca<strong>da</strong> paciente,<br />
fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na entrevista clínica aberta<br />
que levasse em consideração as<br />
dimensões pessoais, culturais, familiares<br />
e contextuais implica<strong>da</strong>s no<br />
processo psicopatológico (observase<br />
que ao longo de todo o texto do<br />
IGDA é continuamente sublinha<strong>da</strong><br />
a necessi<strong>da</strong>de de se estabelecer<br />
as nuances culturais relaciona<strong>da</strong>s<br />
ao processo do adoecer mental<br />
e às expectativas em relação ao<br />
tratamento).<br />
O IGDA opera referindose à<br />
seguinte definição de “Transtorno<br />
Mental”: “... [este] é concebido<br />
nestas diretrizes como um conjunto<br />
reconhecível de sintomas clínicos<br />
e comportamentos, associados na<br />
maioria dos casos com sofrimento,<br />
desarmonia psíquica e interferência<br />
no funcionamento a<strong>da</strong>ptativo e na<br />
participação social”. Não é o caso de<br />
realizarmos aqui o comentário de tal<br />
definição, bastandonos ressaltar<br />
que ela repousa implicitamente sobre<br />
uma certa concepção de sujeito,<br />
de linguagem e de valores sociais<br />
que estão longe de serem neutros<br />
ou assepticamente operacionais.<br />
Em particular, o fato de colocarem<br />
na mesma ordem de significância<br />
os elementos que dizem respeito<br />
aos interesses do sujeito e aqueles<br />
que se referem ao “funcionamento<br />
a<strong>da</strong>ptativo” no tecido social. Como,<br />
pois, pretender que um sistema de<br />
diagnósticos respon<strong>da</strong> simultaneamente<br />
a exigências tão díspares,<br />
senão contraditórias? Nisso o IGDA<br />
porta claramente as marcas de<br />
seu tempo: destituído de utopias,<br />
avesso aos radicalismos, ele tende<br />
a assimilar em pé de igual<strong>da</strong>de<br />
posições éticas e psicopatológicas<br />
inconciliáveis e visões do sofrimento<br />
humano irredutíveis, sem temer os<br />
impasses ou as contradições. Talvez<br />
pecando por um ecletismo acrítico<br />
e por um aplacamento de fortes<br />
tensões teóricas, o IGDA interpela<br />
os insatisfeitos a precisarem suas<br />
críticas e, sobretudo, a proporem<br />
melhores soluções para os problemas<br />
concretos a que ele tenta<br />
responder.<br />
O IGDA parte igualmente <strong>da</strong><br />
seguinte exigência fun<strong>da</strong>mental: “a<br />
avaliação do paciente psiquiátrico<br />
como um todo e não somente como<br />
um portador de doenças”. Dessa<br />
forma justificase a necessi<strong>da</strong>de<br />
de uma abor<strong>da</strong>gem diagnóstica<br />
abrangente que associe a avaliação<br />
padroniza<strong>da</strong> multiaxial com uma<br />
avaliação personaliza<strong>da</strong> ideográfica,<br />
tendo por pano de fundo a<br />
recomen<strong>da</strong>ção do uso de critérios<br />
diagnósticos culturalmente contextualizados.<br />
Já em sua “Introdução” é citado<br />
o filósofo e historiador <strong>da</strong> medicina<br />
Pedro Lain-Entralgo que argumenta<br />
que “o diagnóstico é mais do que<br />
apenas identificar uma doença<br />
(diagnóstico nosológico) e é mais<br />
do que distinguir uma doença de<br />
outra (diagnóstico diferencial); na<br />
ver<strong>da</strong>de, o diagnóstico consiste<br />
no entendimento amplo do que<br />
se passa na mente e no corpo <strong>da</strong><br />
pessoa que se apresenta aos cui<strong>da</strong>dos<br />
médicos. Esse entendimento<br />
deve ser considerado no contexto<br />
histórico e cultural de ca<strong>da</strong> paciente<br />
para ter sentido”.<br />
Essa mesma introdução deixa<br />
entender que a tarefa de se<br />
estabelecer bases confiáveis do<br />
diagnóstico estaria satisfatoriamente<br />
resolvi<strong>da</strong> no atual estado<br />
de desenvolvimento <strong>da</strong> nosografia<br />
psiquiátrica, colocando-se agora o<br />
desafio de se aumentar a vali<strong>da</strong>de<br />
dessas formulações, “levando-se<br />
em consideração símbolos e significados<br />
que sejam pertinentes à<br />
identi<strong>da</strong>de e às perspectivas dos<br />
pacientes”. Ou seja, tal proposta<br />
explicita uma sensibili<strong>da</strong>de à dimensão<br />
significante e subjetiva do<br />
adoecer mental, que examinaremos<br />
mais adiante.<br />
Em sua forma atual, o IGDA está<br />
constituído, além <strong>da</strong> “Introdução”,<br />
por dez capítulos nos quais são<br />
apresenta<strong>da</strong>s as diferentes diretrizes<br />
propostas para o diagnóstico<br />
psiquiátrico. Os aspectos contemplados<br />
são:<br />
1) Bases conceituais: perspectivas<br />
históricas, culturais e clínicas<br />
2) Entrevista clínica<br />
3) Uso de fontes adicionais de<br />
informação<br />
4) Avaliação dos sintomas e do<br />
estado mental<br />
5) Procedimentos complementares<br />
de avaliação relacionados a<br />
aspectos psicopatoló gicos, neuropsicológicos<br />
e físicos<br />
6) Procedimentos complementares<br />
de avaliação relacionados ao<br />
funcionamento, contexto social,<br />
cultura e quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong><br />
7) Formulação diagnóstica multiaxial<br />
padroniza<strong>da</strong><br />
8) Formulação diagnóstica ideográfica<br />
(personaliza<strong>da</strong>)<br />
9) Diagnóstico e plano de tratamento<br />
e<br />
10) Organização dos registros<br />
clínicos.<br />
São sugeridos ain<strong>da</strong> três modelos<br />
de formulários relacionados ao<br />
projeto de diagnóstico psiquiátrico<br />
ali explicitado:<br />
1) Formulário do diagnóstico<br />
multiaxial padronizado<br />
2) Formulário do diagnóstico<br />
ideográfico e<br />
3) Formulário do plano de tratamento.<br />
O elemento mais inovador do<br />
IGDA, em relação às tendências<br />
atuais do diagnóstico psiquiátrico,<br />
estão expressas no capítulo 8 sob<br />
o título de “Formulações ideográficas”.<br />
Estas se baseiam na entrevista<br />
com o paciente e, no nível de seu<br />
registro, devem ser expressas em<br />
um estilo narrativo e coloquial. A<br />
apresentação global dessa proposta<br />
é bastante sintética e vários elementos<br />
importantes encontram-se<br />
antes subentendidos do que teoricamente<br />
construídos. Reconhece-se,<br />
contudo, explicitamente a importância<br />
<strong>da</strong> perspectiva do paciente<br />
e <strong>da</strong> dimensão não-dedutiva do<br />
encontro clínico. Significantes como<br />
“intuição clínica”, “arte” médica e<br />
“contextualização” dos sintomas<br />
encontram-se claramente inscritos<br />
no texto.<br />
A ênfase na dimensão ideográfica<br />
PÁGINA 15