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Edição completa - Revista de Ciências Sociais

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Carpentier, consi<strong>de</strong>rando como barroco o «legítimo estilo atual» do romance latino-americano, amplia essa<br />

perspectiva em seu ensaio El barroco americano, para afi rmar que o estilo barroco é ontologicamente inerente<br />

à natureza americana: «Nossa arte sempre foi barroca: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a esplêndida escultura pré-colombiana, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

barroco dos códices, até a melhor novelística atual da América, passando pelas catedrais e mosteiros coloniais<br />

<strong>de</strong> nosso continente. Até o amor físico torna-se barroco na encrespada obscenida<strong>de</strong> dos guacos 16 peruanos.<br />

Não temamos, pois, o barroquismo no estilo, na visão dos contextos, na visão da fi gura humana» 17 .<br />

60 REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS v. 39 n. 1 2008<br />

II<br />

O BARROCO COMO MATRIZ DE NOSSO ÊTHOS CULTURAL?<br />

«O ser cultural é fundamentalmente estético»<br />

LEZAMA LIMA<br />

Não pretendo ir aqui além <strong>de</strong> meras notas sobre minha hipótese <strong>de</strong> trabalho acerca <strong>de</strong> uma das fontes<br />

<strong>de</strong> interpretação do Brasil na suposição da existência <strong>de</strong> uma matriz barroca que modula nossa formação<br />

histórico-social, a partir do que tenho conseguido colher nos materiais que fui acumulando ao longo do tempo.<br />

O presente trabalho constitui, na verda<strong>de</strong>, simples divulgação ainda hesitante <strong>de</strong> resultados preliminares <strong>de</strong><br />

uma pesquisa exploratória em andamento e mesmo numa fase bem inicial, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> meditação<br />

sobre a temática apoiada nesses suportes.<br />

Meus primeiros contactos com a presença real da cultura barroca no Brasil datam <strong>de</strong> um passado distante,<br />

quando ainda jovem estudante <strong>de</strong> Letras, mediante um conhecimento basicamente livresco, me <strong>de</strong>i<br />

conta do espanto que me causava o silêncio ou a ausência <strong>de</strong> uma refl exão analítica sobre seu signifi cado<br />

histórico mais profundo como possível chave <strong>de</strong> interpretação do Brasil. Mas também essa ausência po<strong>de</strong>ria<br />

ser fruto <strong>de</strong> minha ignorância. É bem verda<strong>de</strong> que nesse tempo longínquo já <strong>de</strong>spertara em mim forte<br />

curiosida<strong>de</strong> pelos estudos históricos e neles não constatara a presença <strong>de</strong> tal preocupação, a não ser nalguns<br />

raros ensaios que compunham a história da literatura brasileira. Por esse tempo, <strong>de</strong>cidi fazer uma exposição<br />

ainda meio <strong>de</strong>sarticulada sobre o Barroco para os membros <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> alunos <strong>de</strong> Letras da<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofi a da UFC. Não logrei nenhum êxito em conseguir convencê-los da relevância do tema<br />

e fui mesmo recebido com algum grão <strong>de</strong> malícia galhofeira dos mais amigos. Ao evocar isso agora, lembro<br />

que o fi lósofo espanhol Eugenio D’Ors, no seu célebre ensaio Lo Barroco, confessa candidamente nas suas<br />

primeiras palavras: «Este livro é um romance, romance autobiográfi co: aventura <strong>de</strong> um homem que se <strong>de</strong>ixa<br />

lentamente apaixonar por uma idéia. » [1985: 11]. E, no entanto, esta sua obra constitui um ensaio rigoroso,<br />

<strong>de</strong> uma textura argumentativa consistente, apoiada numa erudição extraordinariamente fl uente. Mutatis<br />

mutandi, e guardadas todas as proporções diferenciais, a minha aventura <strong>de</strong> garimpeiro nos veios do Barroco<br />

possui algo <strong>de</strong> semelhante.<br />

Na primeira parte <strong>de</strong>sta comunicação, busquei sintetizar num <strong>de</strong>senho geral o conjunto <strong>de</strong> teorias que<br />

se ocuparam da caracterização e reavaliação do Barroco, e resumir as principais questões daí <strong>de</strong>correntes.<br />

Creio ter fi cado clara a minha preferência pela corrente que, embora reconhecendo a existência do Barroco<br />

como fenômeno artístico historicamente datado e com suas fronteiras geográfi cas mais ou menos precisas,<br />

se inclina por superar essas limitações <strong>de</strong> método e enxerga, subjacente às suas manifestações <strong>de</strong> época, uma<br />

como constante do Barroco como estilo <strong>de</strong> vida e visão <strong>de</strong> mundo, a qual se encarna periodicamente noutros<br />

tempos e noutros lugares. Não estou só neste cometimento e ao longo <strong>de</strong>sta exposição mencionei alguns<br />

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