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Jornalismo e o mito da perfeição andrógina - Unirevista - Unisinos

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<strong>Jornalismo</strong> e o <strong>mito</strong> <strong>da</strong> <strong>perfeição</strong> <strong>andrógina</strong><br />

Marcia Benetti Machado e Sean Hagen<br />

O discurso de Bonner, em nome <strong>da</strong> correta construção do <strong>mito</strong>, nunca é contestado, mas o olhar sobre<br />

apenas uma revista – Caras – contraria o sentido de “privaci<strong>da</strong>de às crianças”. Quatro meses após o<br />

nascimento, a revista estampou a seguinte manchete de capa: “William Bonner e Fátima Bernardes revelam<br />

sua rotina com os trigêmeos” (WILLIAM..., 1998). Em seis páginas rechea<strong>da</strong>s de fotos no quarto dos bebês,<br />

na sala e outros ambientes, temos uma descrição do dia-a-dia do casal – assim como temos reportagens de<br />

capa em todos os aniversários <strong>da</strong>s crianças, com fotos posa<strong>da</strong>s e meticulosamente produzi<strong>da</strong>s. Bonner, no<br />

entanto, ao “recusar” ver os filhos na mídia, está assumindo o papel de “bom” pai que não quer expor os<br />

filhos no circo <strong>da</strong> comunicação de massa. Bernardes, que parece circular com mais desenvoltura na “roupa”<br />

de celebri<strong>da</strong>de, atenua o discurso do marido, naturalizando o contato que as crianças têm com a fama.<br />

- Outro dia a Laura perguntou por que me pedem para escrever meu nome no papel. Mas eles não<br />

ligam para o assédio. De vez em quando até posam para as fotos e acham a maior graça nisso<br />

(BERNARDES apud BUENO, 2002, Caras)<br />

- Até as crianças já estão se acostumando com o fato de terem pais tão famosos (BUENO, 2002,<br />

Caras, grifo nosso).<br />

A tensão encontra<strong>da</strong> nesse movimento de se expor e resguar<strong>da</strong>r, sem que os sentidos contrários ocupem o<br />

mesmo espaço no texto, acaba por migrar para o mesmo efeito de sentido: a reafirmação <strong>da</strong> fama presente<br />

em qualquer momento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do casal, incluindo os filhos. Se em algum instante essa ação constrange, em<br />

outro gratifica. “O assédio comporta assim uma dupla característica: se, por um lado, é desagradável porque<br />

invasor <strong>da</strong> privaci<strong>da</strong>de do artista, por outro é atraente, pois lhe dá a medi<strong>da</strong> de sua própria singulari<strong>da</strong>de,<br />

desejo que, no fundo, aproxima fãs e ídolos [...]” (COELHO, 1999, p. 97). Mais do que constranger, a fama<br />

parece dominar a pauta do casal. Se “não” querem o assédio para as crianças, não fazem na<strong>da</strong> para impedir<br />

que eles mesmos sejam assediados.<br />

Por fim, Um<br />

A construção <strong>da</strong> imagem de Bernardes e Bonner está calca<strong>da</strong> em um movimento “de fora para dentro”: ao<br />

contrário <strong>da</strong>s celebri<strong>da</strong>des fugazes de hoje, eles foram “descobertos”, não fizeram na<strong>da</strong> intencionalmente<br />

para chegar onde estão, é uma conseqüência do processo “natural” <strong>da</strong> trajetória de suas vi<strong>da</strong>s. Isso cria um<br />

<strong>mito</strong> de <strong>perfeição</strong> fascinante: dá características divinas a seres humanos e estabelece um ideal quase<br />

impossível de ser alcançado. “Devido à impossibili<strong>da</strong>de de se encontrar <strong>perfeição</strong> ou plenitude nesta vi<strong>da</strong>, o<br />

ser humano cai, então, na procura. O amor ou a contemplação mística do êxtase são dos raros momentos<br />

de plenitude” (TÁVOLA, 1985, p. 14).<br />

A plenitude encarna<strong>da</strong> pelo casal, que remete a uma idéia original e transcendente de androginia, conecta o<br />

ser humano com o desejo de recuperar “a uni<strong>da</strong>de”, uma espécie de uni<strong>da</strong>de pré-lógica em que o mistério<br />

sobrevive na convivência dos contrários, em que o mal é parte do bem e o masculino é enraizado no<br />

feminino. O dois que se torna Um, o casal perfeito que não seria perfeito apenas como soma de dois<br />

indivíduos isolados, o <strong>mito</strong> do andrógino como esta consciência perfeita apolar é um tema arcaico que<br />

atravessa a história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de:<br />

UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006)<br />

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