Jornalismo e o mito da perfeição andrógina - Unirevista - Unisinos
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<strong>Jornalismo</strong> e o <strong>mito</strong> <strong>da</strong> <strong>perfeição</strong> <strong>andrógina</strong><br />
Marcia Benetti Machado e Sean Hagen<br />
imprensa: são <strong>mito</strong>s <strong>da</strong> <strong>perfeição</strong> em relação a um universo predominantemente olimpiano e<br />
demasia<strong>da</strong>mente “mun<strong>da</strong>no” – escân<strong>da</strong>los, exageros de comportamento, troca constante de parceiros. “A<br />
individuali<strong>da</strong>de humana afirma-se segundo um movimento do qual participa a aspiração de viver à imagem<br />
dos deuses, e de igualá-los, se possível” (MORIN, 1989, p. 21).<br />
Frente à grande oferta de informações sobre a vi<strong>da</strong> de celebri<strong>da</strong>des, o diferencial de Bernardes e Bonner<br />
está no “pacote” com to<strong>da</strong>s as opções que encerram. Como <strong>mito</strong> de <strong>perfeição</strong>, em que múltiplos campos são<br />
expressos em um único casal, fornece modelos em diferentes áreas; o reforço desse “poder” se dá nos<br />
veículos <strong>da</strong> mídia em que transitam, e a imagem primorosa com que são incessantemente descritos reforça<br />
o sentido de que a plenitude só é possível na união dos contrários – o casal –, sem abandonar a proposição<br />
de que também se apresentam como perfeitos quando em espaços individuais.<br />
A repetição temporal, o exorcismo do tempo, tornou-se possível pela mediação dos contrários, e é o<br />
mesmo esquema mítico que subentende o otimismo romântico e o ritual lunar <strong>da</strong>s divin<strong>da</strong>des<br />
<strong>andrógina</strong>s (DURAND, 1997, p. 294).<br />
O andrógino, “símbolo <strong>da</strong> união” (DURAND, 1997, p. 292) entre homem e mulher, carrega o sentido de<br />
<strong>perfeição</strong> presente no casal Bernardes e Bonner. Apresenta uma dupla sexuali<strong>da</strong>de que nos remete à<br />
catástrofe e reconstrução, ao fim e começo, a um tempo eterno que só tem sentido na união dele e sua<br />
antítese. Se na mídia fora do Jornal Nacional encontramos o “andrógino” materializado no casal perfeito –<br />
Bernardes e Bonner –, em que homem e mulher se fundem como se quisessem estancar o tempo e<br />
proporcionar um momento de plenitude 6 infinita, a imagem que passam no telejornal os remete novamente<br />
à reali<strong>da</strong>de, inserindo-os no campo <strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de. O sentido de ambigüi<strong>da</strong>de que o andrógino encerra na<strong>da</strong><br />
mais é do que a base do <strong>mito</strong>. No andrógino, encontramos uma intermediação entre dois opostos, seja no<br />
espaço, seja no tempo. É o ser que Lévi-Strauss denominou de trickster, “[...] um mediador, e esta função<br />
explica porque ele retém qualquer coisa <strong>da</strong> duali<strong>da</strong>de que tem por função superar. Donde seu caráter<br />
ambíguo e equívoco” (1996, p. 261).<br />
As várias “cama<strong>da</strong>s” que compõem o <strong>mito</strong>, com a repetição de seqüências e variações em sua narrativa,<br />
aju<strong>da</strong>m a “[...] fornecer um modelo lógico para resolver uma contradição (tarefa irrealizável, quando a<br />
contradição é real) [...]. O <strong>mito</strong> se desenvolverá como em espiral, até que o impulso intelectual que o<br />
produziu seja esgotado” (LÉVI-STRAUSS, 1996, p. 264-265). Bernardes e Bonner, como a “essência” do<br />
andrógino, funcionam como mais uma “cama<strong>da</strong>”, trazendo novas perspectivas ao <strong>mito</strong> ao mesmo tempo em<br />
que interagem com as “cama<strong>da</strong>s” anteriores.<br />
O lugar mítico que Bernardes e Bonner ocupam nos dias de hoje já pertenceu a outros casais, com as<br />
particulari<strong>da</strong>des concernentes ao tempo em que isso ocorreu, sejam eles fictícios ou reais, independente do<br />
desfecho de suas histórias de amor 7 : Adão e Eva, Romeu e Julieta ou Lampião e Maria Bonita. “A existência<br />
6 Eliade (1991, p. 102) lembra que a idéia do andrógino como “um hermafrodita no qual os dois sexos coexistem<br />
anatômica e fisiologicamente” ou “uma suposta <strong>perfeição</strong> sensual, resultante <strong>da</strong> presença ativa dos dois sexos” é uma<br />
concepção simbólica degra<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> androginia ritual. O andrógino é dois que se tornam Um, recriação perfeita do<br />
masculino e do feminino, produção de uma “nova consciência apolar” (p. 103).<br />
7 Não pretendemos alçar Bernardes e Bonner ao mesmo nível de casais que vêm alimentando o imaginário amoroso há<br />
tanto tempo, muito menos garantir sua presença a longo prazo nesse imaginário. Apenas buscamos ressaltar que nos dias<br />
de hoje a dupla de apresentadores se apropria de alguns sentidos já cristalizados por essas uniões.<br />
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006)<br />
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