Jornalismo e o mito da perfeição andrógina - Unirevista - Unisinos
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<strong>Jornalismo</strong> e o <strong>mito</strong> <strong>da</strong> <strong>perfeição</strong> <strong>andrógina</strong><br />
Marcia Benetti Machado e Sean Hagen<br />
de um imaginário determina a existência de conjuntos de imagens. A imagem não é o suporte, mas o<br />
resultado” (MAFFESOLI, 2001, p. 76). No âmbito do imaginário amoroso não importa a forma ou o conteúdo<br />
com que o casal se apresenta, todos os sentidos 8 migram para a mesma acepção. “O amor é por si só um<br />
<strong>mito</strong> divinizador: amar é idealizar e adorar. Nesse sentido, todo amor é uma fermentação mítica” (MORIN,<br />
1989, p. 27). Essa idéia de um “amor pleno” que resulta no casamento, união eterna de contrários, na<strong>da</strong><br />
mais é do que um constructo cultural, em que apontar casais modelo de uma forma de amar indica como<br />
deve ser o amor nos casais que buscam um exemplo para se espelhar.<br />
Além disso, aprender que os amores históricos ou lendários são aquilo que devemos sentir, integra a<br />
habili<strong>da</strong>de de ver o amor como algo grandioso, mágico, que atravessa o tempo e o espaço com a<br />
força de um bem extra-humano e extramun<strong>da</strong>no. Saber amar é reconhecer no que se sente os senti-<br />
mentos dos heróis e heroínas dos enredos amorosos exemplares. Do contrário, o que sentimos não é<br />
o “ver<strong>da</strong>deiro amor” e sim uma contrafação, um pálido reflexo do que sentiremos quando o amor,<br />
genuinamente, nos tocar (COSTA, 1999, p. 13-14).<br />
Na mídia, onde é comum encontrar comportamentos liberais e fugazes – olimpianos – em relação ao<br />
casamento e ao amor, Bernardes e Bonner agem como um modelo difícil de questionar. Superam as<br />
diferenças pessoais e profissionais e estabelecem uma união de aparente estabili<strong>da</strong>de e amor, algo que<br />
fascina e reforça o axioma de que isso só acontece a pessoas especiais.<br />
Temos de encarar a agonia e o êxtase de sermos humanos – algo em que não somos tão eficientes<br />
nesta cultura. Muitas pessoas não querem ser humanas; preferem viver à base de idealizações e <strong>da</strong><br />
<strong>perfeição</strong>. Não querem assumir a responsabili<strong>da</strong>de pelas próprias vi<strong>da</strong>s porque é muito mais fácil<br />
embarcar na viagem do espírito e tentar viver na prática um sonho arquetípico (WOODMAN, 2003, p.<br />
25).<br />
Quimera ou não, a busca pelo amor perfeito continua a dominar o imaginário, sendo alimenta<strong>da</strong><br />
incessantemente pelos meios de comunicação e pela cultura de nosso tempo em consonância com os ideais<br />
Românticos, em que<br />
[...] o amor como ideal de <strong>perfeição</strong> ética ou estética se impõe através do fascínio e dos paradoxos<br />
de que são feitos todos as grandes <strong>mito</strong>s culturais. O fascínio do amor-paixão romântico, como<br />
ilustra Péret, é prometer um tipo de felici<strong>da</strong>de na qual os indivíduos encontrariam a completude<br />
numa perfeita adequação física e espiritual ao outro (COSTA, 1999, p. 70).<br />
O senso comum, talvez como forma de aproximar o sentido de “<strong>perfeição</strong>” <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
cotidiana, tende a desconfiar do pleno sucesso, conferindo êxito exclusivamente a uma área – a carreira<br />
exclui a vi<strong>da</strong> e a vi<strong>da</strong>, a carreira. A beleza exclui a inteligência e a inteligência, a beleza. Os indivíduos que<br />
aparentemente conseguem reunir em maior número esses ideais de <strong>perfeição</strong> conseguem destaque – e<br />
8 O jornalismo é o lugar onde circulam e se “materializam” os sentidos míticos que buscamos compreender, e para isso<br />
utilizamos a Análise de Discurso de linha francesa como referencial e como método. Compreendemos a análise como um<br />
movimento permanente entre descrever e interpretar, em que nos responsabilizamos, como pesquisadores, por nossos<br />
gestos de leitura. Não pretendemos delimitar um sentido único e ver<strong>da</strong>deiro na interpretação, mas explicitar que posições<br />
tomamos em relação à pergunta que queremos responder. Do mesmo modo, mobilizamos apenas os conceitos<br />
necessários à compreensão do método.<br />
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006)<br />
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