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Jornalismo e o mito da perfeição andrógina - Unirevista - Unisinos

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<strong>Jornalismo</strong> e o <strong>mito</strong> <strong>da</strong> <strong>perfeição</strong> <strong>andrógina</strong><br />

Marcia Benetti Machado e Sean Hagen<br />

texto, com pouco mais de 750 caracteres 12 , ressalta que “quem viu se espantou com a rara cena” ao<br />

encontrar o casal em um show.<br />

- Sempre discretos, recatados por natureza e avessos a ba<strong>da</strong>lações, principalmente depois do<br />

nascimento dos trigêmeos, o casal 20 do telejornalismo nacional caiu na farra e deixou de lado a<br />

postura formal [...] (CIRINO, 2003, Conta Mais!, grifo nosso).<br />

Os trechos “depois <strong>da</strong> farra”, “animadíssimos”, “suou e se esbaldou” são encontrados no texto, que encerra<br />

informando que Bonner e Bernardes “[...] voltaram para casa para matar as sau<strong>da</strong>des dos pimpolhos”<br />

(CIRINO, 2003, Conta Mais!). Ao confrontar termos de sentidos contrários como “farra”, que induz à<br />

acepção profana de “liberali<strong>da</strong>de”, e “sau<strong>da</strong>de dos pimpolhos”, que remete ao sentido de “responsabili<strong>da</strong>de<br />

familiar”, o sentido dominante é <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des que o casal possui, diferentemente do que outras<br />

celebri<strong>da</strong>des “flagra<strong>da</strong>s” nesse contexto poderiam aludir – mencionando bebi<strong>da</strong>s, drogas ou<br />

comportamentos excêntricos.<br />

Esse sentido de fama “correta”, encontrado na mídia, é reflexo dos sentidos reiterados pelo próprio casal de<br />

que a fama é um fardo que é necessário carregar. Dizem aceitar o papel de celebri<strong>da</strong>de em nome do bom<br />

trabalho realizado. “Ter virado celebri<strong>da</strong>de incomo<strong>da</strong>?” (ARAÚJO, 2002, IstoÉ Gente), pergunta o repórter.<br />

“Já tive dificul<strong>da</strong>de com isso [...]. Com o tempo aprendi a li<strong>da</strong>r [...]”, diz Bonner (idem, grifo nosso). Bonner,<br />

ao aceitar a fama apesar <strong>da</strong> “dor” que ela provoca, intensifica ain<strong>da</strong> mais o sentido de merecedor <strong>da</strong> mesma<br />

fama que desdenha. Essa postura humilde e resigna<strong>da</strong> torna-o ain<strong>da</strong> mais “brilhante”, já que libera sua<br />

intimi<strong>da</strong>de para os olhos ávidos dos fãs. “A modéstia sempre contribui para o <strong>mito</strong> <strong>da</strong> grandeza”, lembra<br />

Morin (1989, p. 60). A revista Caras não deixa de reforçar o sentido de “excepcionali<strong>da</strong>de” presente no casal.<br />

- É claro que, mesmo que queiram parecer pessoas comuns, os dois apresentadores do “Jornal<br />

Nacional” não passaram despercebidos entre outros [...] (BUENO, 2002, Caras, grifo nosso).<br />

Bernardes e Bonner insistem, de fato, em se dizerem comuns:<br />

- A fama veio e é boa, mas não deixo de fazer supermercado, levar as crianças na escola, ir ao<br />

cinema, ao parquinho ou an<strong>da</strong>r de bicicleta (BERNARDES apud DOMINGOS, 2003, Quem)<br />

- O carioca já está acostumado a me ver e eu posso fazer minhas corri<strong>da</strong>s pela praia ou caminhar no<br />

calçadão, sem problemas (BONNER apud ROSALEM, 1999, Istoé Gente).<br />

A revista Nova é peremptória: Bernardes não é uma pessoa comum, mesmo que queira ser. O texto é<br />

enunciado 13 <strong>da</strong> posição de fã, não de repórter, e por isso se autoriza a falar dessa maneira e contrariar<br />

12 A lau<strong>da</strong> padrão do jornalismo brasileiro tem 1.200 caracteres.<br />

13 A enunciação é um ato de fala que resulta em um texto que, ao mesmo tempo em que atua sobre determinados<br />

sentidos, é modificado por eles. A enunciação só acontece quando há o partilhamento de um ritual simbólico <strong>da</strong> linguagem<br />

entre interlocutores (DUCROT, 1987, p. 186), assim como acontece entre o jornalista e quem ele supõe ser seu público –<br />

e vice-versa. Antecipa<strong>da</strong>mente, o locutor que fala é legitimado pelo lugar que ocupa – jornalista – em relação ao público.<br />

O discurso jornalístico, ao proclamar como legítima e constitutiva de sua formação a “apropriação” de múltiplas vozes,<br />

apresenta-se como genuíno detentor do espaço que ocupa, onde a falta de um discurso “original” é substituí<strong>da</strong> pelo<br />

discurso de vários campos, resultando que o tom do discurso jornalístico, evidentemente, é <strong>da</strong>do pela perspectiva de<br />

enunciação. Por mais diferentes que sejam suas trajetórias ou formações, é ao ocupar esse espaço que os jornalistas se<br />

reconhecem como tais ao falar pela voz de um enunciador único: o jornalismo.<br />

UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006)<br />

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