Jornalismo e o mito da perfeição andrógina - Unirevista - Unisinos
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<strong>Jornalismo</strong> e o <strong>mito</strong> <strong>da</strong> <strong>perfeição</strong> <strong>andrógina</strong><br />
Marcia Benetti Machado e Sean Hagen<br />
mostra uma existência perfeita, sem máculas – e sem “vedetismos” –, exercitando valores absolutos, os<br />
olimpianos não se furtam de ter a imagem macula<strong>da</strong> pela exposição de fofocas e escân<strong>da</strong>los na mídia, desde<br />
que isso aumente o poder imagético que cultivam arduamente.<br />
A construção <strong>da</strong> imagem de Bernardes e Bonner também não deixa de se alimentar <strong>da</strong>quilo que os<br />
olimpianos têm de mais afinado com o espaço e tempo em que estão inseridos – e algo que,<br />
contraditoriamente, afastou estes mesmos olimpianos <strong>da</strong> concepção clássica de <strong>mito</strong>: a capaci<strong>da</strong>de de<br />
parecer humanos, apesar <strong>da</strong> absoluta <strong>perfeição</strong>. Mesmo construindo uma imagem aparentemente inatingível,<br />
desenvolve pontos de contato com o público, evitando estimular uma construção meramente ficcional que<br />
possa excluir o imaginário concernente à “reali<strong>da</strong>de”. “Na cultura de massa, a união entre o imaginário e o<br />
real é muito mais íntima do que nos <strong>mito</strong>s religiosos ou feéricos. O imaginário não se projeta no céu, fixa-se<br />
na terra” (MORIN, 1990, p. 169).<br />
O jornalismo como construção do real, mediado por variáveis sociais e culturais, expresso sobre uma base<br />
discursiva, ca<strong>da</strong> vez mais abre espaço para a subjetivi<strong>da</strong>de e a emoção em consonância com a objetivi<strong>da</strong>de.<br />
As construções míticas começam a ganhar relevância e legitimam que jornalistas e público, ao aceitarem a<br />
alteri<strong>da</strong>de necessária para a interação, divi<strong>da</strong>m uma mesma “visão de mundo”. A linguagem, materializa<strong>da</strong><br />
no discurso jornalístico, oferece o suporte para essas manifestações. Propondo uma negociação constante<br />
entre os diversos agentes sociais na produção de notícias, a teoria construcionista, à qual nos filiamos,<br />
indica que é preciso dissolver tensões e harmonizar duali<strong>da</strong>des dentro <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção para chegar até o produto<br />
final, a notícia. Por esta teoria, as rotinas de trabalho sistematiza<strong>da</strong>s e a biblioteca de modelos noticiosos em<br />
que o repórter encontra uma forma predefini<strong>da</strong> para contar histórias, permitem que os jornalistas transitem<br />
com maior segurança em um lugar de embate constante entre a liber<strong>da</strong>de e o cerceamento, o diferencial e o<br />
rotineiro, a quali<strong>da</strong>de em consonância com o tempo e a efetiva realização do trabalho em oposição aos<br />
custos de produção (TRAQUINA, 2001). É preciso compreender o jornalismo como construção a partir de<br />
possibili<strong>da</strong>des media<strong>da</strong>s, e nunca de afirmativas absolutas. Assim, resgatar o real valor <strong>da</strong> imagem e do<br />
simbólico nas mediações jornalísticas abre uma perspectiva não usual de compreensão <strong>da</strong> área.<br />
[...] o repórter utiliza os seus recursos mentais conscientes e racionais como também os impulsos<br />
inconscientes, as suas imagens mentais mais profun<strong>da</strong>s. Essas imagens projetam no seu consciente<br />
representações inatas universais e arquetípicas, às vezes superficialmente chama<strong>da</strong>s estereótipos,<br />
dos quais ele não pode se livrar. Essas imagens são como que “evoca<strong>da</strong>s” pelo consciente do<br />
repórter para ajudá-lo no seu esforço de interpretação (MOTTA, 2000, p. 1).<br />
Esse sentido preferencial é que diferencia Bernardes e Bonner de atores de TV, teatro ou cinema; de<br />
empresários alçados a personali<strong>da</strong>des; de desconhecidos que ocupam o espaço – momentâneo – de<br />
celebri<strong>da</strong>des. Enquanto esses se destacam por apenas um aspecto – sucesso profissional, sucesso através<br />
do casamento – ligado ao grau de espetacularização que podem agregar à razão de seu destaque, o casal de<br />
apresentadores mostra, na mídia, excelência em vários setores, seja profissional, amoroso ou familiar<br />
(HAGEN, 2004) 5 . Ao preencherem todos os espaços, não precisam criar fatos anômalos para abastecer a<br />
5 To<strong>da</strong>s essas variáveis estão exaustivamente analisa<strong>da</strong>s em pesquisa anterior (HAGEN, 2004). No recorte específico<br />
deste artigo, elegemos apenas a formação discursiva “sucesso” como objeto de reflexão.<br />
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006)<br />
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