Jornalismo e o mito da perfeição andrógina - Unirevista - Unisinos
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<strong>Jornalismo</strong> e o <strong>mito</strong> <strong>da</strong> <strong>perfeição</strong> <strong>andrógina</strong><br />
Marcia Benetti Machado e Sean Hagen<br />
A sujeição do indivíduo significa sua diluição num conjunto mais vasto, de que é apenas um<br />
elemento. Aí estão também compreendi<strong>da</strong>s as “celebri<strong>da</strong>des” de um momento já que o indivíduo<br />
vale menos para si próprio, ou em si próprio, que por estar ligado à alteri<strong>da</strong>de em geral, ou a um<br />
outro particular. Observemos também que, nos diversos domínios que citamos, a celebri<strong>da</strong>de que<br />
dura só garante sua sereni<strong>da</strong>de na medi<strong>da</strong> em que ela é um “tipo” que permite a participação<br />
mágica de ca<strong>da</strong> um (MAFFESOLI, 1996, p. 171).<br />
Ao incorporar os movimentos circunvolutórios presentes na espiral do <strong>mito</strong> <strong>da</strong> <strong>perfeição</strong>, o casal assegura<br />
um “tipo” passível de identificação em vários planos: torna-se a celebri<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s celebri<strong>da</strong>des. Duas<br />
seqüências extraí<strong>da</strong>s do site O Babado determinam esse sentido: o banal, transmutado em excepcional,<br />
sobrevive em uma estrutura cíclica e espirala<strong>da</strong> como o <strong>mito</strong>, sempre passível de repetição – como as <strong>da</strong>tas<br />
festivas no calendário.<br />
- Fátima Bernardes leva os trigêmeos ao cinema (FÁTIMA, [out.] 2002, O Babado)<br />
- Fátima Bernardes leva seus trigêmeos ao cinema, no Rio (FÁTIMA, 2003a, O Babado, grifo nosso).<br />
Com diferença de apenas três meses, o banal ato de ir ao cinema recebe destaque. E até o título é<br />
praticamente o mesmo 11 : reitera o sentido enquanto atualiza a espiral do <strong>mito</strong> com algo novo – em 2002, o<br />
filme era “Barbie como Rapunzel”; três meses depois, “Os Thomberrys”. A revista Caras já havia inaugurado<br />
a “fórmula” em 2000, quando reservou uma chama<strong>da</strong> de capa sobre o mesmo assunto: “Fátima Bernardes:<br />
ela leva os trigêmeos ao circo” (FÁTIMA..., 2000, Caras). O que essas seqüências discursivas nos mostram é<br />
que o casal empresta charme e glamour até àquilo que os mais comuns indivíduos fazem. Usando uma idéia<br />
de Gabler, Bernardes e Bonner fazem pelo Jornal Nacional aquilo que os atores fazem pelos filmes: “[...]<br />
levam consigo o poder do estrelato onde quer que apareçam” (GABLER, 2000, p. 85). A asserção proposta<br />
por Glaber já foi incorpora<strong>da</strong> pela mídia brasileira. Sem receio de fazer uma pergunta desproposita<strong>da</strong>, uma<br />
repórter questionou Bernardes um dia antes de a apresentadora estrear no JN: “Para um jornalista, virar<br />
apresentador do Jornal Nacional é como, para um ator, protagonizar a novela <strong>da</strong>s 8?” (APOLINÁRIO, 1998,<br />
O Estado de São Paulo, grifo nosso). Ao expressar uma comparação até pouco tempo impensável no jorna-<br />
lismo, a repórter credita ao JN uma distinção máxima, como se todo jornalista desejasse fazer parte <strong>da</strong><br />
equipe do telejornal. Compartilhando o mesmo sentido <strong>da</strong> repórter, Bernardes dá uma resposta que<br />
dispensa comentários: “Deve ser (risos)”. A analogia, por mais desloca<strong>da</strong> que possa parecer, se sustenta em<br />
outros momentos, como se pode perceber nesta seqüência: “Para um jornalista de televisão, trabalhar no<br />
‘Jornal Nacional’ é como, para um ator, participar <strong>da</strong> novela <strong>da</strong>s 8” (MARINELLI, 2002, Criativa).<br />
Com a notorie<strong>da</strong>de criando a base para a celebri<strong>da</strong>de, o casal de apresentadores se expressa<br />
“naturalmente”: eles aparecem diariamente na casa de aproxima<strong>da</strong>mente 40 milhões de telespectadores,<br />
estabelecendo uma familiari<strong>da</strong>de sem igual. Presente em todos os canais <strong>da</strong> mídia, esse poder imanente <strong>da</strong>s<br />
pessoas construí<strong>da</strong>s como “eleva<strong>da</strong>s” está presente <strong>da</strong> televisão às bancas de revistas. “As celebri<strong>da</strong>des<br />
11 Semelhante caso acontece com duas notas publica<strong>da</strong>s com apenas um dia de diferença. Em 21 de julho, o site O<br />
Babado estampou: “Fátima Bernardes e William Bonner em chamego no restaurante” (FÁTIMA..., 2003b, O Babado). No<br />
dia seguinte, o site O Fuxico publicou quase o mesmo título, apenas trocando um substantivo por um advérbio: “Fátima<br />
Bernardes e William Bonner num chamego só” (FÁTIMA..., 2003c, O Fuxico). O sentido do <strong>mito</strong> parece estar tão<br />
introjetado no imaginário dos jornalistas que é expresso praticamente com as mesmas palavras.<br />
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006)<br />
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