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18<br />

d e c i s õ e s h i s t ó r i c a s<br />

r e v i s t a t j d f t<br />

em que o "sexo genético" apresenta-se<br />

dissonante com o "sexo social" ou o "psicológico".<br />

Cabe uma abordagem voltada ao<br />

aspecto "saúde": é bom que se repise ,<br />

na esteira do que já fora dito pela douta<br />

Curadoria de Família, que a Resolução N.<br />

1.482/97, do Conselho Federal de Medicina,<br />

veio a pacificar a polêmica no meio<br />

médico, a respeito da licitude do procedimento<br />

cirúrgico de alteração das genitálias<br />

externas. Seguindo a tendência da<br />

melhor jurisprudência emanada dos tribunais<br />

pátrios, entenderam os médicos<br />

que tais cirurgias não mais poderiam ser<br />

tidas por lesões corporais ou mutilações,<br />

como se pensava em tempos passados.<br />

Tal mudança de mentalidade decorreu<br />

da constatação de que determinados<br />

indivíduos, para se sentirem adaptados<br />

à sua realidade psíquica, necessitariam<br />

submeter-se a tal cirurgia. Trata-se de<br />

decorrência óbvia, quando se busca a definição<br />

de saúde, a qual, segundo propõe<br />

a Organização Mundial de Saúde (OMS),<br />

"é um estado de completo bem-estar físico,<br />

mental e espiritual do homem, e não<br />

somente a ausência de afecções ou de<br />

enfermidade".<br />

Sob o ponto de vista jurídico, mas<br />

ainda movendo-se no tema "saúde" é<br />

bom lembrar que a Constituição de 1998<br />

inovou no tema, e pela primeira vez na<br />

história do País, elevou o direito à saúde<br />

ao status constitucional, estatuindo no<br />

art. 196 que a "saúde é direito de todos e<br />

dever do Estado, garantido mediante políticas<br />

sociais e econômicas que visem à<br />

redução do risco de doenças e de outros<br />

agravos e ao acesso universal igualitário<br />

às ações e serviços para sua promoção,<br />

proteção e recuperação". Não há, como<br />

se vê, qualquer distinção entre saúde<br />

psíquica ou física.<br />

Decorre daí que, se o indivíduo ostenta<br />

determinada realidade corporal,<br />

psíquica e social compatíveis com a condição<br />

feminina, impedir o reconhecimento<br />

social (pela mudança do nome e reconhecimento<br />

de seu sexo feminino) vem a<br />

comprometer sua saúde, ofendendo com<br />

isso a garantia constitucional da vida humana<br />

com dignidade e saúde. Porque se<br />

uma pessoa chega ao ponto de optar por uma mudança de sexo submetendo-se a<br />

procedimento cirúrgico delicado e até mesmo arriscado (como qualquer intervenção<br />

cirúrgica), torna-se óbvia a conclusão de que sua subjetivação não corresponda com<br />

sua realidade física, ou seja, sua imagem corporal não correspondia com sua imagem<br />

real, à semelhança do que ocorre, por exemplo, com alguém que sofra de anorexia.<br />

Feitas tais considerações, passa-se à análise da questão sob o aspecto puramente<br />

jurídico.<br />

Antes de mais nada, e na consideração de que a pretensão básica aqui deduzida<br />

volta-se à alteração do prenome da parte autora, cabe investigar a definição do próprio<br />

instituto.<br />

Do elegante ensinamento do mestre Pontes de Miranda:<br />

"Os nomes foram criações da vida, nomina signicandorum hominum<br />

gratia reperta sunt (& 29,I., de legatis , 2, 20); são elementos fáticos,<br />

de grande importância nas relações inter-humanas, ainda quando o<br />

direito os ignore, e.g., antes do registro do nascimento da criança,<br />

o nome, que se lhe dá e ainda é mutável, a designa e distingue das<br />

outras crianças, tal como a designa e distingue o seu número na casa<br />

de maternidade".<br />

Sócrates, no Kratylos de Platão, vê no nome meio de identificação. Para Goethe,<br />

nome é som e fumo (Name ist Schall un Rauch). Já em Wilhelm Meisters Wanderjahre,<br />

III, 13, o nome é sempre o mais belo e mais vivo representante da pessoa. Shakespeare,<br />

em Romeo and Juliet, Ato II, Cena 2, 42-44, 48 e 49, faz a Julieta dizer:<br />

"...O! be some other name :<br />

What’s in a name ? That wich we call a rose<br />

By any other name would smell as sweet;…<br />

……………………………………………..<br />

And for that name, wich is no part of thee,<br />

Take all myself."<br />

O nome, como se vê, é considerado, desde que o início da sociedade humana,<br />

meio distintivo social. Presta-se primariamente a identificar um indivíduo dentre os<br />

demais componentes do organismo social. Ou seja, fornece elementos para distinguir<br />

o seu portador dos demais integrantes deste organismo.<br />

Exatamente porque é um dos mais poderosos signos sociais, o nome traz embutido<br />

em si diversas informações de pronta identificação. Assim é que pelo nome<br />

se pode identificar a origem de seu portador (até mesmo o seu possível local de<br />

nascimento), de que família provém ou até mesmo o seu sexo, eis que, como se sabe,<br />

existem nomes próprios para homens e apara mulheres.<br />

Tratando-se de tão importante distintivo social, o direito do indivíduo a portar um<br />

nome que não lhe cause constrangimentos ou o exponha a ridículo é quase intuitivo,<br />

quando se recorda que a ordem jurídica tutela especialmente a dignidade da pessoa<br />

humana, sob todos os aspectos.<br />

Neste passo, alguém que tenha a aparência de mulher, sinta-se mulher, seja vista<br />

e tratada socialmente como mulher, mas que ostente um nome de homem, depara-se<br />

com evidente conflito entre sua personalidade social e jurídica. Um nome tipicamente<br />

de homem em uma mulher, e vice-versa, são hipóteses em que à toda evidência temse<br />

a exposição ao ridículo, pela flagrante assimetria entre fato e efeito.<br />

E a exposição de alguém a ridículo é algo veementemente repudiado pela ordem<br />

jurídica, eis que, repita-se, a dignidade da pessoa humana é fundamEnto da República<br />

Federativa do Brasil (Constituição Federal, art. 1º, III).<br />

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A dignidade da pessoa humana constitui-se, mais que mera norma condicional,<br />

um sobreprincípio, a pairar orientando toda a produção legislativa e aplicação do ordenamento<br />

jurídico. Trata-se, como afirma Uadi Lâmegos Bulos, de um "Valor constitucional<br />

suprEmo, que agrega em torno de si a unanimidade dos demais direitos<br />

e garantias fundamentais do homem, expressos nesta Constituição".<br />

O direito decorre do gênio humano, e foi criado não apenas como um sistema puro<br />

de controle e repressão social. Antes, presta-se a garantir a convivência harmônica<br />

entre os que estejam sob seu império, e distribuir a harmonia da felicidade. Embora<br />

seja às vezes utilizado como instrumento da opressão e da injustiça, em momentos<br />

distorcidos ou equivocados, o Direito foi criado para permitir ao ser humano que se<br />

volte à busca de sua realização pessoal, desde que isso não venha a prejudicar a<br />

mesma busca pelos semelhantes.<br />

A alteração do nome é legalmente possível, na forma do que dispõem os arts. 55,<br />

parágrafo único, e 58 da Lei N. 6.015/77, tanto para extirpar o que seja suscetível<br />

de expor seu portador a ridículo, como também para consolidar o uso de apelidos<br />

públicos notórios.<br />

Utilizando-se do vetor constitucional da garantia da dignidade da pessoa humana<br />

aos dispositivos da Lei dos Registros Públicos, ante o quadro fático constante destes<br />

autos, tem-se por induvidosa a Justiça da pretensão deduzida pela parte autora.<br />

Aliás, a orientação jurisprudencial tem se inclinado neste sentido, senão vejamos:<br />

"Registro Civil. Pedido de alteração do nome e do sexo formulado por<br />

transexual primário operado. Desentendimento pela sentença de primeiro<br />

grau ante a ausência de erro no assento de nascimento. Nome<br />

masculino que, em face da condição atual do autor, o expõe a ridículo,<br />

viabilizando a modificação para aquele pelo qual é conhecido (Lei<br />

6.015/73, art. 55, par. único, c.c. art. 109). Alteração do sexo que<br />

encontra apoio no art. 5º, X, da Constituição da República. Recurso<br />

provido para se acolher a pretensão. É função da jurisdição encontrar<br />

soluções satisfatórias para o usuário, desde que não prejudiquem<br />

o grupo em que vive, assegurando a fruição dos direitos básicos do<br />

cidadão" (TJSP, 5ª Câm. da Seção de Dir. Civ., Rel. Des. Boris Kauffmann,<br />

Ap. Civ. 165.157.4/5, j. 22-3-01)<br />

"Registro Civil. Transexualidade. Prenome. Alteração. Possibilidade.<br />

Apelido público e notório. O fato de o recorrente ser transexual e exteriorizar<br />

tal orientação no plano social, vivendo publicamente como<br />

mulher, sendo conhecido por apelido, que constitui prenome feminino,<br />

justifica a pretensão já que o nome registral é compatível com o sexo<br />

masculino. Diante das condições peculiares, o nome de registro está<br />

em descompasso com a identidade social, sendo capaz de levar seu<br />

usuário a situação vexatória ou de ridículo. Ademais, tratando-se de<br />

um apelido público e notório justificada está a alteração. Inteligência<br />

dos arts. 56 e 58 da Lei N. 6015/73 e da Lei N. 9708/98. Recurso provido".<br />

(TJRS, 7ª Cam.Civ., Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcelos<br />

Chaves, Ap.Civ. 70000585836, julg. em 31-5-00)<br />

‘É preciso, inicialmente, dizer que o homem e mulher pertencem à raça humana.<br />

Ninguém é superior. Sexo é uma contingência. Discriminar um homem é tão abominável<br />

como odiar um negro, um judeu, um palestino, um alemão ou um homossexual.<br />

As opções de cada pessoa, principalmente no campo sexual, hão de ser respeitadas,<br />

desde que não façam mal a terceiros. O direito à identidade pessoal é um dos direi-<br />

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d e c i s õ e s h i s t ó r i c a s<br />

r e v i s t a t j d f t<br />

tos fundamentais da pessoa humana. A<br />

identidade pessoal é a maneira de ser,<br />

como a pessoa se realiza em sociedade,<br />

com seus atributos e defeitos, com suas<br />

características e aspirações, com sua<br />

bagagem cultural e ideológica, é o direito<br />

que tem todo o sujeito de ser ele mesmo.<br />

A identidade sexual, considerada<br />

como um dos aspectos mais importantes<br />

e complexos compreendidos dentro da<br />

identidade pessoal, forma-se em estreita<br />

conexão com uma pluralidade de direitos,<br />

como são aqueles atinentes as livre<br />

desenvolvimento da personalidade etc.,<br />

para dizer assim, ao final: se bem que<br />

não é ampla nem rica a doutrina jurídica<br />

sobre o particular, é possível comprovar<br />

que a temática não tem sido alienada<br />

para o direito vivo, quer dizer para a jurisprudência<br />

comparada. Com efeito em<br />

direito vivo tem sido buscado e correspondido<br />

e atendido pelos juízes na falta<br />

de disposições legais e expressa. No<br />

Brasil, aí esta o art. 4° da Lei de Introdução<br />

ao Código Civil a permitir a equidade<br />

e a busca da justiça. Por esses motivos<br />

e de ser deferido o pedido da retificação<br />

do registro civil para alteração de<br />

nome e de sexo. (resumo) Caso Rafaela".<br />

(TJRS, 3ªCâm.Civ., Rel Des. Luiz Gonzaga<br />

Pila Hofmeister, Ap. Civ. 593110547, julg.<br />

em 10-3-94)<br />

Em face do exposto, julgo procedentes<br />

os pedidos contidos na inicial, para<br />

determinar a alteração no registro de<br />

nascimento lavrado junto ao 3º Ofício<br />

de Registro Civil de Taguatinga, termo<br />

21277, à Fl. 143 do Livro A-28, da pessoa<br />

inscrita sob o nome rodolfo rodriguEs<br />

gonçalVEs, o qual deverá ser<br />

substituído por Vittória VEnturini<br />

rodriguEs gonçalVEs. Do mesmo<br />

modo, deve ser alterada a referência<br />

ao sexo naquele registro, passando de<br />

"masculino" para "feminino". Passada em<br />

julgado, expeça-se o mandado de averbação.<br />

Sem custas e sem honorários.<br />

P.R.I.<br />

Brasília/DF, 15 de abril de 2002.<br />

Carlos Frederico Maroja de Medeiros<br />

Juiz de Direito Substituto<br />

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