Prosa 1 - Academia Brasileira de Letras
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mais pura”. 5 Po<strong>de</strong>r estético, que usa a aparência aureolada <strong>de</strong> beleza como<br />
arma <strong>de</strong> fascínio, a sedução é eminentemente feminina: 6 ao dar-se conta <strong>de</strong> que<br />
à sua frente estava uma bela jovem, o indivíduo do sexo masculino engaja-se<br />
imediatamente no processo da sedução sem dizer uma única palavra. E a câmera,<br />
sucedâneo ou substituto do olhar, acompanha-lhe o trajeto até a moça: acesa<br />
a chama, o primeiro levanta-se automaticamente para cumprir o mandado<br />
da atração, como se obe<strong>de</strong>cesse ao <strong>de</strong>stino, a um comando superior à vonta<strong>de</strong><br />
ou a um cálculo esotérico, em suma, ao instinto primitivo. Tudo se passa<br />
como no reino animal, em que o baile da sedução obe<strong>de</strong>ce a um ritual silencioso,<br />
mas eficiente.<br />
<br />
A ficção literária não chegou a tanto, pois necessita da palavra para se instaurar,<br />
mas não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> acompanhar <strong>de</strong> perto a tendência para o laconismo da sedução<br />
amorosa, com os instrumentos da concisão, não raro também lançando<br />
mão do diálogo entrecortado pelos olhares <strong>de</strong> praxe. Machado <strong>de</strong> Assis empregou<br />
vários expedientes, sempre em função do enredo e do clima das narrativas.<br />
Em Quincas Borba, Rubião e Carlos Maria disputam o amor <strong>de</strong> Sofia, mas esta se<br />
nega a um e a outro, fazendo jus ao seu nome (Sofia = sabedoria), não sem revelar<br />
a ironia intencional do narrador, e manifestando um caráter em que a coquetaria,<br />
o fingimento, o gosto da burla constituem traço marcante. E da mesma<br />
forma que consegue negacear a ambos, estes se empenham numa luta aberta, levando<br />
a tentativa da sedução aos limites da inconveniência, uma vez que não fazem<br />
segredo das suas intenções, cada qual à sua maneira. Enquanto Carlos Maria<br />
aproveita a ocasião para dizer a Sofia que o seu marido era “homem <strong>de</strong> mau gosto”<br />
e explica-lhe que assim pensa porque “tem este seu retrato na sala, continuou<br />
Carlos Maria; a senhora é muito bela, infinitamente mais bela que a pintura”<br />
5 Jean Baudrillard, op. cit., p. 87.<br />
6 I<strong>de</strong>m, p. 11.<br />
A retórica da sedução em “Missa do galo”<br />
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