Prosa 1 - Academia Brasileira de Letras
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A retórica da sedução em “Missa do galo”<br />
Conceição toma a palavra sem intervalo algum para dizer que ela, ao invés,<br />
“per<strong>de</strong>ndo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja,<br />
hei <strong>de</strong> passar pelo sono”, – uma informação em que a peçonha retórica se infiltra<br />
na sinuosa exibição que faz da sua privacida<strong>de</strong>, justamente aquela ligada à<br />
sedução em andamento. A chamada indireta para o interior do seu mundo <strong>de</strong><br />
alcova atinge o clímax com a observação feita como que <strong>de</strong> passagem e sem<br />
propósito algum: “Mas também estou ficando velha”, diz ela, sem muita convicção,<br />
para maquiavelicamente espicaçar o moço, mais do que enleado na armadilha<br />
bem montada.<br />
Como <strong>de</strong> hábito em casos que tais, a afirmativa, ou <strong>de</strong>ixa transparecer o seu<br />
antônimo, ou induz o interlocutor, refém duma conversa dissonante, a empregá-lo,<br />
ainda que tão-somente em nome da boa educação. E esta não <strong>de</strong>mora<br />
mais que um segundo para se apresentar com toda a carga possível, como se,<br />
levado pelo embalo do discurso retórico que ambos iam costurando com <strong>de</strong>spretensiosa<br />
naturalida<strong>de</strong>, não quisesse o moço per<strong>de</strong>r a chance <strong>de</strong> ser cortês<br />
para com a sua hospe<strong>de</strong>ira: “– Que velha o quê, D. Conceição?”. E ao dizê-lo<br />
por meio <strong>de</strong> uma interrogativa, veiculava qualquer coisa como uma resposta simétrica<br />
à pugna retórica que ambos representavam na calada da noite: Nogueira<br />
corteja Conceição sem o perceber, engolfado pela onda argumentativa que<br />
lhe arrebata a vonta<strong>de</strong> e o raciocínio, impulsionada pelos instintos afiados,<br />
postos a funcionar pela primeira vez, da mulher do Meneses.<br />
Nogueira lembra que “tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir”, um<br />
sorriso <strong>de</strong> vitória retórica, mas nem por isso menos significativo, a dizer que<br />
ela já po<strong>de</strong>ria consi<strong>de</strong>rar-se senhora da situação ou em vias <strong>de</strong>. Agora, o embate<br />
ganha um compasso precipitado. E do sorriso ao movimento do corpo que lhe<br />
fizesse coro, é um átimo só: Conceição, que “<strong>de</strong> costume tinha os gestos <strong>de</strong>morados<br />
e as atitu<strong>de</strong>s tranqüilas; agora [...] ergueu-se rapidamente, passou<br />
para o outro lado da sala e <strong>de</strong>u alguns passos, entre a janela da rua e a porta do<br />
gabinete”. Como um comandante em revista às tropas antes <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar o ataque<br />
às forças inimigas, põe-se a medir o terreno do encontro retórico para avistar<br />
o local em que po<strong>de</strong>ria dar-se, em plenitu<strong>de</strong>, a batalha final e a consumação<br />
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