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| V | I | V | E | R | 12| JORNAL DE LEIRIA | 12 DE JANEIRO DE 2006 Eventos Guilherme Valente e Henrique Neto analisam cultura científica no Café das Quintas Facilitismo prejudica desenvolvimento do País A falta de cultura científica aliada a uma política de facilitismo no ensino foram alguns dos problemas apontados por Guilherme Valente, editor da Gradiva, e por Henrique Neto, administrador do Grupo Ibermoldes, durante o último Café das Quintas, em que esteve em debate “O ensino da ciência em Portugal”. “A nossa natureza não é científica. Há falta de disciplina e de método. Sou empresário. Tenho dezenas de engenheiros nas várias empresas que têm conhecimento científico, mas não têm a cabeça arrumada. Não têm cultura científica”, lamentou Henrique Neto. Favorável ao rigor crítico e à procura do erro, o empresário da Marinha Grande contou que tem um funcionário numa das empresas que tem o hábito de procurar os erros, pelo que se tornou altamente incómodo para toda a gente. “Os governos, os partidos políticos tentam convencer-nos que vão resolver os problemas. Detestam os senhores Mendes que andam por aí, que têm rigor crítico. Só podemos Um recital clássico de marimba, pelo músico Pedro Carneiro, é a proposta do Teatro Miguel Franco, Leiria, para o próximo dia 28 (domingo), às 21:30 horas. O preço dos bilhetes é de dez euros, com descontos de 50 por cento para portadores de cartão jovem e mais de 65 anos. Percussionista, compositor e chefe de orquestra, Pedro Carneiro é um dos raros instrumentistas de percussão a dedicar-se por completo a uma carreira de solista. O seu percurso revela-o na ascensão no circuito internacional. As suas interpretações expressivas pautam-se por uma criatividade que, a par do desempenho técnico, têm vindo a cativar plateias por todo o mundo, na Europa, na Ásia e nos USA. Aos 30 anos já tocou, em estreia absoluta, mais de 70 obras. Trabalha regularmente com um leque variado de prestigiados instrumentistas e compositores dos mais variados campos musi- RICARDO GRAÇA resolver os problemas se acreditarmos que existem”, afirmou. Uma problema que, segundo os convidados de Carlos André, afecta também o sistema de ensino. Guilherme Valente considerou que o que tem sido feito nos últimos 25 anos em Portugal é um “autêntico assassínio em série” de milhões de Recital clássico em Leiria A marimba de Pedro Carneiro DR cais. Os seus companheiros de música de câmara e compositores com quem tem vindo a trabalhar incluem a cravista Elisabeth Chojnacka, os pianistas Valentina Lisitsa, Alexei Kuznetsoff, Ruben Alves, Artur Pizarro e Filipe Pinto-Ribeiro, os quar- GUILHERME VALENTE, CARLOS ANDRÉ E HENRIQUE NETO jovens. “Como é que se chuta 48 por cento dos alunos para fora da escola? Em vez de se enfrentar o pior da cultura, foise reproduzir o pior em todo o seu esplendor. Não há nada mais frustrante para o professor do que ver os alunos saírem sem saberem nada”, disse. “O pior disso é a ideia que se tenta vender de que o estudo não comporta esforço e trabalho. Escolheu-se a via da facilidade, da indisciplina, de que não é preciso exames. Se fossem mais exigentes, os professores chumbavam mais e passavam a trabalhar mais”, acrescentou o empresário. Guilherme Valente atribuiu ainda os elevados tetos Shanghai e Chilingirian, Steve Reich, James Dillon, Emmanuel Nunes, Egberto Gismonti e Django Bates. Pedro Carneiro estudou piano, violoncelo e trompete desde os cinco anos de idade. Começou na Academia Luísa Todi em índices de abandono escolar ao facilitismo. “A nossa escola é sentida pelas crianças como uma inutilidade.” A este propósito, Henrique Neto defendeu que o conhecimento tem que ter utilidade. “As pessoas estudam, mas não têm objectivo de utilizar o que estão a estudar.” Alexandra Barata Setúbal e no Conservatório de Lisboa com o seu pai, para depois, como bolseiro da Fundação Gulbenkian no Guildhall School of Music and Drama, estudar com David Corkhill (timpanos e percussão) e Alan Hazeldine (Direcção de Orquestra. Terminou a sua licenciatura em 1997 com a distinção Head of Department Award. Estudou também, como bolseiro do Centro Acanthes, com o percussionista Sylvio Gualda e mais tarde em Londres, com o marimbista Leigh Howard Stevens. Pedro Carneiro venceu inúmeros prémios: Hattori Foundation for Young Musicians e Park Lane Young Artists Auditions, em Londres, Jovens Músicos, Maestro Silva Pereira, distinção do Orfeão de Leiria, medalha de honra da Cidade de Setúbal, distinção pelo Presidente da República, em Abril de 2004, e Revelação de Música Clássica, na Gala Comemorativa do 12º aniversário da SIC.
Evasões Há ondas de mar aberto desenhadas nas tuas calçadas; há âncoras, há sereias. O convés, em praça larga com uma rosa-dos-ventos bordada no empedrado, tem a comandá-lo duas colunas saídas das águas que fazem guarda de honra à partida para os oceanos. José Cardoso Pires, Lisboa - Livro de Bordo Poucos serão os portugueses que ao ouvirem o nome de "Evaristo" não se lembrem do famoso complemento da frase "tens cá disto?" e das imagens que abrilhantavam o dito zombeteiro, com o actor mais gordo pegando na enfiada de rolos de papel higiénico pendurada na porta da mercearia de um bairro lisboeta. Os actores eram Vasco Santana e António Silva, que formaram a mais famosa parelha cómica que Portugal conheceu na primeira década do século passado. E mais populares se tornavam quando a azougada Beatriz Costa se lhes juntava. Há quem chame a esses anos, que vêm desde os anos trinta até à década de sessenta, a época de ouro do cinema português, o que não deixa de ter a sua lógica quando se conhece a fama que as fitas desse tempo gozaram, de um modo tal que ainda hoje são apreciadas, quando a maior parte das figuras famosas de então desapareceram do número dos vivos. Esse cinema popular, chamemos-lhe assim, tinha um público extremamente fiel que não se radicava apenas em Lisboa. Enchia as salas de espectáculo de todo o país, arrancando gargalhadas aos mais taciturnos, aos mais ferozes e sorumbáticos. O cinema português constituiu, por esses tempos, um enorme êxito de bilheteira, bastando-se a si próprio sem recorrer à dependência do subsidio estatal, que hoje mantém em estado de letargia a maioria das fitas portuguesas incapaz de gerar uma receita digna desse nome. Mas falemos de coisas alegres, embora por esses dias também se produzissem filmes dramáticos que não conseguiram, longe disso, disputar a primazia dos favores do público, como foi apanágio da comédia à portuguesa. De tal modo fruíram a sua fama estes filmes, a maioria deles feitos com pouco dinheiro e uma economia de meios raiando a pobreza franciscana, que chegaram aos nos- A comédia portuguesa sos dias capazes, ainda, de obrigarem o espectador desprevenido a largar sonora gargalhada, mesmo quando as piadas estão irremediavelmente corroídas e datadas pela patine de mais de meio século. Não se ficaram os actores desse tempo pelo sucesso e fama dos três actores já referidos. Muitos outros fizeram o mesmo trajecto, trocando episodicamente o palco pelas fitas. Ribeirinho, Milú, Maria da Graça, Fernando Curado Ribeiro, Eugénio Salvador e tantos outros engrossaram esse honroso grupo, dignificando-o com o seu talento, a sua arte e dignidade capazes de contornar a censura. A CANÇÃO DE LISBOA Em 1933, há 72 anos, estreava-se "A Canção de Lisboa", o primeiro filme sonoro português gravado totalmente nos estúdios nacionais. Era seu realizador Cottinelli Telmo e tinha a colaboração de alguns nomes que se tornaram dos mais importantes na cultura portuguesa. Entre eles destacava-se, naturalmente, o multifacetado Almada Negreiros, o poeta José Gomes Ferreira e Manoel de Oliveira, que viria a tornar-se no mais conhecido dos realizadores portugueses vivos. O contexto dos anos trinta era marcado pela emergência do nazismo alemão e do fas- cismo italiano. Em Portugal, a ditadura salazarista trilhava os primeiros passos da longa caminhada que viria a desembocar no 25 de Abril de 1974. A década era marcada pelo namoro do regime à pequena burguesia que ia sendo aliciada com promessas de emprego, nomeadamente na função pública. O regime, numa táctica imutável, impunha-se pela criação de clientelas aliciadas pelas garantias de trabalho regular na máquina estatal. Todavia a "política do espírito", promovida por António Ferro e pelo SNI (Secretariado Nacional de Informação), não partilhava do prazer que as comédias da época proporcionavam aos seus espectadores. A sua sátira social, apesar de leve e limitada pela acção da censura fascista, não era vista com bons olhos pelos responsáveis do regime. Nesta situação não é de estranhar que António Ferro, na cerimónia de atribuição dos prémios de cinema de 1947, afirme, sobre os filmes cómicos, que "Este é o cancro do cinema nacional, afora duas ou três excepções. Todos conhecemos estes filmes, com indiscutível e lamentável êxito, onde se procurava fazer espírito com a matéria, com o que há de mais inferior na nossa mentalidade, com gestos, ditos e expressões que não precisavam, sequer, de ter pornografia para serem grosseiros, reles e vulgares". O tempo encarregou-se de resolver o problema e hoje ninguém se lembra da acção do SNI e do seu mentor, enquanto a comédia, inevitavelmente datada e ultrapassada, continua a ter admiradores e tornou-se, para muitos, objecto de culto. "A Canção de Lisboa" é um caso paradigmático. A sua recriação no palco do Teatro Politeama, em Lisboa, por Filipe La Féria, tornou-se num sucesso notável com alguns meses de enchentes sucessivas. Num país cinzento e triste, miserável nas expectativas que lhe criaram, é bom e saudável rir de gargalhada solta com a crítica algo ingénua que os nossos comediantes conseguiram fazer, toureando a censura abjecta do salazarismo. A fruição que esta comédia proporciona a públicos tão diferenciados, como existem nos nossos dias, mostra que o português não é tão triste e estúpido como o querem tornar e, há muito, deixou de ser o "Zé Povinho". Cantando, com marcha, arquinho e balão, lá vai lançando para trás das costas as catástrofes anunciadas. Que Deus o proteja! Orlando Cardoso orlccardoso@clix.pt | V | I | V | E | R | 13 | JORNAL DE LEIRIA | 12 DE JANEIRO DE 2006
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