26.04.2013 Views

v - Jornal de Leiria

v - Jornal de Leiria

v - Jornal de Leiria

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

JORNAL DE LEIRIA | 12 DE JANEIRO DE 2006 | V | I | V | E | R | 2 |<br />

Abertura<br />

Descer por<br />

cordas ao fundo<br />

<strong>de</strong> grutas com<br />

mais <strong>de</strong> 100<br />

metros <strong>de</strong><br />

profundida<strong>de</strong>,<br />

rastejar pelo<br />

meio <strong>de</strong> lama e<br />

rochas <strong>de</strong><br />

arestas vivas e<br />

mergulhar em<br />

rios<br />

subterrâneos<br />

com água à<br />

temperatura <strong>de</strong><br />

quase<br />

congelação,<br />

po<strong>de</strong> parecer<br />

um <strong>de</strong>sporto<br />

radical<br />

praticado por<br />

quem não tem<br />

amor à vida.<br />

Mas a<br />

espeleologia é<br />

mais que isso.<br />

Quem pratica<br />

diz que não há<br />

melhor maneira<br />

<strong>de</strong> acabar com<br />

o stress urbano<br />

JACINTO SILVA DURO<br />

O Sol começa a aquecer o Parque<br />

Natural das Serras <strong>de</strong> Aire e<br />

Can<strong>de</strong>eiros (PNSAC). Carregado<br />

<strong>de</strong> cordas, capacetes, mosquetões<br />

e outras ferragens <strong>de</strong> todos os<br />

tamanhos e feitios, um jipe branco<br />

atravessa um dos planaltos<br />

daquela parte do Maciço Calcário<br />

Estremenho. Algures junto a<br />

uma oliveira raquítica e solitária,<br />

o veículo todo-o-terreno vira<br />

repentinamente para um caminho<br />

cheio <strong>de</strong> pedras, assustando<br />

uma cabra que foge seguida <strong>de</strong><br />

uma cria. Duas <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> metros<br />

mais à frente o carro pára. As portas<br />

abrem-se e um grupo <strong>de</strong><br />

homens e mulheres, vestidos com<br />

fatos <strong>de</strong> macaco, saem falando<br />

alto e rindo.<br />

Um dos elementos do grupo<br />

aproxima-se <strong>de</strong> uma pedra que<br />

escon<strong>de</strong> uma fenda no chão que<br />

mal dá para <strong>de</strong>ixar passar um corpo.<br />

As cordas são retiradas do jipe<br />

e preparadas para uma <strong>de</strong>scida<br />

<strong>de</strong> várias <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> metros até<br />

um mundo subterrâneo, on<strong>de</strong> as<br />

trevas permanentes imperam.<br />

A pouco e pouco, as chamas<br />

<strong>de</strong> acetileno presas aos capacetes<br />

dos “intrépidos exploradores”<br />

Toupeiras humanas<br />

vão iluminando as enormes naves<br />

<strong>de</strong> catedrais criadas pela Natureza,<br />

ao longo <strong>de</strong> milénios. Locais<br />

<strong>de</strong> beleza rara vedados à maioria<br />

dos mortais. Ao fim do dia,<br />

quando voltam a emergir do fundo<br />

da terra, cansados, imundos<br />

<strong>de</strong> lama e com alguns cortes e<br />

mazelas provocadas pelas arestas<br />

vivas das rochas, guardam no<br />

espírito imagens <strong>de</strong> um mundo<br />

estranho e único.<br />

Mas, afinal, quem são estas<br />

toupeiras que, ao fim-<strong>de</strong>-semana,<br />

<strong>de</strong>ixam o conforto do lar,<br />

namoradas, namorados e cônjuges<br />

para se <strong>de</strong>dicarem à paixão<br />

da espeleologia?<br />

ESPELEOLOGIA: S.F. GR.<br />

SPÉLAION, CAVERNA E<br />

LÓGOS, TRATADO<br />

No dicionário, espeleologia é<br />

uma disciplina que faz parte da<br />

Geologia e que se <strong>de</strong>dica ao estudo<br />

e exploração das cavida<strong>de</strong>s<br />

naturais, tais como a formação<br />

das grutas, cavernas, fontes e<br />

águas subterrâneas. Na prática é,<br />

assegura quem a pratica, um vício.<br />

“Entusiasma-me o facto <strong>de</strong> ser o<br />

primeiro a chegar a um <strong>de</strong>termi-<br />

“Espeleologia turística”<br />

Para aqueles que se sentem atraídos pelo<br />

mundo subterrâneo mas que não nutrem<br />

especial carinho pela espeleologia clássica,<br />

há sempre a alternativa <strong>de</strong> visitar uma das<br />

grutas do Maciço Calcário exploradas com<br />

fins turísticos. É o caso das grutas <strong>de</strong> Mira<br />

<strong>de</strong> Aire, consi<strong>de</strong>radas como as mais profundas<br />

<strong>de</strong> Portugal abertas ao público. Foram<br />

<strong>de</strong>scobertas em 1947 mas só em 1971 foi<br />

nado local”, diz José Artur Pinto,<br />

membro do NEL-Núcleo <strong>de</strong><br />

Espeleologia <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong>, associação<br />

criada em 1985 por um grupo<br />

<strong>de</strong> amigos. Praticante <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

os 13 anos, é a beleza e o sentimento<br />

que raia o sagrado que<br />

mais o atraí. “Descer a uma gruta<br />

é quase como entrar num templo”,<br />

conta.<br />

Na região, o NEL conta com<br />

cerca <strong>de</strong> 200 sócios divididos pelas<br />

várias activida<strong>de</strong>s que promove,<br />

da espeleologia, passando pela<br />

escalada, canoagem, arqueologia,<br />

BTT ou pe<strong>de</strong>strianismo. O seu<br />

espaço <strong>de</strong> actuação é, por excelência,<br />

a área das serras <strong>de</strong> Aire<br />

e <strong>de</strong> Can<strong>de</strong>eiros, conjunto que<br />

constituiu o Maciço Calcário Estremenho,<br />

um enorme monólito em<br />

calcário, cujo interior se assemelha<br />

a um queijo suíço, pleno <strong>de</strong><br />

cavida<strong>de</strong>s, algares, ribeiras subterrâneas,<br />

formações geológicas<br />

<strong>de</strong> beleza rara e ainda fauna e<br />

flora únicas no mundo. Ali a maior<br />

parte das grutas são algares conhecidos<br />

apenas pela população ou<br />

pelos espeleógos. Estas cavida<strong>de</strong>s<br />

verticais com várias <strong>de</strong>zenas<br />

<strong>de</strong> metros <strong>de</strong> altura, são criadas<br />

constituída uma socieda<strong>de</strong> concessionária<br />

que promoveu a cavida<strong>de</strong>. Mas, também<br />

houve impactos negativos com os potentes<br />

holofotes e criação <strong>de</strong> lagos e repuxos artificiais,<br />

introduzidos com a intenção <strong>de</strong> embelezar<br />

o espaço. Embora continuem a impressionar,<br />

a natureza da gruta foi alterada<br />

radicalmente e do ecossistema original pouco<br />

ou nada existe.<br />

por abatimentos do solo ou pela<br />

água da chuva carregada <strong>de</strong> dióxido<br />

<strong>de</strong> carbono que dissolve a<br />

rocha e que, por escorrência e<br />

acção da gravida<strong>de</strong> altera as entranhas<br />

da terra.<br />

“ESPELEOLOGIA NÃO É<br />

DESPORTO RADICAL”<br />

Progredir num meio hostil ao<br />

Homem como uma gruta é uma<br />

tarefa que requer formação, equipamentos<br />

especiais... “E respeito<br />

pela natureza e activida<strong>de</strong>”, acrescenta<br />

Pedro Ferreira. O presi<strong>de</strong>nte<br />

do NEL adianta que a espeleologia<br />

não é um <strong>de</strong>sporto radical.<br />

“Tentamos afectar aquele mundo<br />

o menos possível. Daí que fazer<br />

uma exploração só para chegar<br />

mais longe é perda <strong>de</strong> tempo.”<br />

Para acompanhar uma incursão,<br />

<strong>de</strong>vem estar presentes pessoas<br />

com valências ou interesses nas<br />

áreas da zoologia, botânica, antropologia,<br />

arqueologia e formação<br />

homologada pela Fe<strong>de</strong>ração Portuguesa<br />

<strong>de</strong> Espeleologia.<br />

Emanuel Santos, também membro<br />

do NEL, <strong>de</strong>scobriu a espeleologia<br />

aos 16 anos no escutismo.<br />

Actualmente, prefere a escalada,<br />

mas não <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nha uma <strong>de</strong>scida.<br />

Confessa, contudo, que não é<br />

homem para <strong>de</strong>ixar a namorada<br />

e ir para a serra... Prefere levá-la<br />

com ele. “Perceber os mecanismos<br />

que estão por <strong>de</strong>trás da criação<br />

das grutas e das formações<br />

que se encontram no interior é<br />

uma das razões que me impele”,<br />

explica. As cavida<strong>de</strong>s que elege<br />

como favoritas são o “Algar do<br />

Pena”, pelo tamanho e beleza das<br />

formações, e a “Falsa”, pelo comprimento<br />

e dificulda<strong>de</strong>, todas no<br />

PNSAC.<br />

Quase a dobrar o meio século,<br />

António Fael tinha 17 anos<br />

quando tirou um curso <strong>de</strong> espeleologia<br />

e a partir daí nunca mais

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!