REVISTA NDHIR - Especial - Portal da Universidade Federal de ...
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<strong>REVISTA</strong> ELETRÔNICA EDIÇÃO ESPECIAL DOCUMENTO MONUMENTO<br />
À GUISA DE INTRODUÇÃO<br />
Publicamos aqui o relato <strong>de</strong> Francisco Palacio, que faz parte<br />
do acervo do Instituto <strong>de</strong> Estudos Brasileiros – IEB-USP (Yan 31).<br />
Trata-se <strong>de</strong> um roteiro <strong>de</strong> viagem dirigido àqueles que no<br />
início do século XVIII quisessem se <strong>de</strong>slocar <strong>de</strong> São Paulo para as<br />
novas Minas do Cuiabá. Na<strong>da</strong> sabemos sobre o seu autor, além do<br />
que o mesmo permite antever no seu texto.<br />
O conteúdo <strong>de</strong>ixa ver que ao redigir seu relato, Palacio<br />
estava em Cuiabá, portanto, havia realizado a viagem que<br />
<strong>de</strong>screve. Isto fica patente também na riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes,<br />
mostrando que, além <strong>da</strong> própria experiência, o autor <strong>de</strong>ve ter<br />
conversado com práticos e pilotos que conheciam mais<br />
intensamente os difíceis meandros <strong>da</strong>quele aci<strong>de</strong>ntado caminho<br />
fluvial. Embora o relato traga em seu título o ano <strong>de</strong> 1726, <strong>de</strong>ve ter<br />
sido escrito posteriormente, possivelmente no final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
1730, pois Palacio faz várias referências às dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s vivi<strong>da</strong>s por<br />
outras caravanas fluviais <strong>de</strong>ste período. Quiçá a <strong>da</strong>ta <strong>de</strong> 1726<br />
tenha sido a <strong>da</strong> sua própria viagem.<br />
Comparando-se o conteúdo <strong>de</strong>ste manuscrito com os<br />
roteiros que Afonso <strong>de</strong> E. Taunay publicou na sua clássica obra<br />
“Relatos Monçoeiros”, se fez possível perceber que o documento<br />
guar<strong>da</strong>do no IEB é uma versão mais <strong>de</strong>talha<strong>da</strong> <strong>da</strong> “Notícia 8ª.<br />
Prática exposta na cópia <strong>de</strong> uma carta escrita do Cuiabá aos<br />
novos preten<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong>quelas Minas” (TAUNAY 1953, pp. 160-181),<br />
cujo original faz parte <strong>da</strong> Coleção do padre Diogo Juares,<br />
conservado na Biblioteca <strong>de</strong> Évora. Nesta publicação, entretanto,<br />
o documento aparece como anônimo. E embora o historiador<br />
paulista qualifique esta Notícia 8ª como “extensa”, ela é bem<br />
menor do que a versão que está sob a guar<strong>da</strong> <strong>da</strong> USP. Falta ao<br />
texto evorence partes significativas do relato, principalmente no diz<br />
respeito ao estilo pessoal do seu autor. Através do manuscrito<br />
paulista, Palacio mostra-se possuidor <strong>de</strong> um invejável bom humor,<br />
sendo capaz <strong>de</strong> fazer hilariantes jogos <strong>de</strong> linguagem para tratar<br />
dos inumeráveis perigos que atravessam aqueles que se<br />
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR<br />
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aventuravam, em suas palavras, àquela “tão fúnebre viagem”.<br />
Seu texto é <strong>de</strong>nso e não me<strong>de</strong> adjetivos para expressar o<br />
horror que os inumeráveis perigos prometiam ao <strong>de</strong>sventurado<br />
passageiro <strong>de</strong> uma monção, principalmente durante o curso do<br />
Tietê. Ali, entre outras tantas escaramuças, está o que qualificou <strong>de</strong><br />
“cal<strong>de</strong>ira infernal, don<strong>de</strong> me parece está uma Legião <strong>de</strong> Demônios<br />
esperando por almas; por que a canoa que chega a por a proa<br />
encima <strong>de</strong>sta foi ao fundo per omnia secula seculorum”.<br />
Mas que fazer? Afinal, o monçoeiro está ali por vonta<strong>de</strong>,<br />
então, como aconselha Palácio, “ten<strong>de</strong> paciência: ninguém vos<br />
obrigou a que cá viesses”.<br />
Tal como os outros tantos relatos monçoeiros, este também<br />
traz uma geografia viva, mapas falados (COSTA 1999, p. 183-190),<br />
nos quais até mesmo os topônimos usados <strong>de</strong>latam as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
do caminho; trata-se <strong>de</strong> uma rota <strong>de</strong> morte. Uma cachoeira<br />
chama-se Canguera, porque nela se achou uma caveira; outra,<br />
Ivan Garcia, “por nela morrer um homem <strong>de</strong>ste nome”, mais<br />
adiante está a Ana Pires, “por nela emborcar uma mulher <strong>de</strong>sse<br />
nome” e assim por diante.<br />
Estas explicações foram <strong>da</strong><strong>da</strong>s pelo autor à margem do seu<br />
texto. São notas que complementam e enriquecem o conteúdo e<br />
que não constam <strong>da</strong> versão que foi publica<strong>da</strong> por Taunay.<br />
Em alguns momentos, nosso autor estabelece um dialogo<br />
fictício com o seu leitor. Nestes trechos, fica claro ao escrever que<br />
era um homem culto, trazendo ao seu enredo personagens <strong>da</strong><br />
mitologia clássica, referindo-se a heróis e a lugares cantados por<br />
Homero e Virgílio. Estes servem <strong>de</strong> contraponto à geografia<br />
monçoeira. Palacio pretendia, <strong>de</strong> fato, criar um manual didático<br />
para aqueles viajantes. Escreve como se estivesse no lugar, sentido<br />
a correnteza, ouvido o ronco <strong>da</strong> cachoeira e amedrontando-se<br />
com a presença <strong>de</strong> indígenas, e assim indica qual o melhor<br />
caminho a seguir, que atitu<strong>de</strong> tomar, on<strong>de</strong> se escon<strong>de</strong>r ou achar<br />
alimentos, entre outras informações práticas.<br />
Esta <strong>de</strong>nsa escrita possibilita que hoje possamos nos<br />
aproximar <strong>da</strong>queles lugares aci<strong>de</strong>ntados e ao menos vislumbrar os<br />
tantos <strong>de</strong>safios aos quais os viajantes do setecentos enfrentaram