rESPoNSABiLidAdE iNtErNACioNAL Por VioLAÇÕES dE dirEitoS ...
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ACordo <strong>dE</strong> CooPErAÇÃo BrASiL / EUA: iNCoNStitUCioNALidA<strong>dE</strong>S... dirEito PENAL E doPiNG<br />
A ação típica deveria ser algo como participar<br />
de competição esportiva profissional.<br />
<strong>Por</strong> fim, é de atentar-se para uma série de<br />
considerações de natureza pragmática, que dizem<br />
respeito à implementação do dispositivo<br />
e que inserem a criminalização do doping em<br />
um dilema. O uso dos resultados de exames<br />
antidoping como prova poderá esbarrar no<br />
princípio do nemo tenetur se ipsum accusare.<br />
Existe ainda o problema do ne bis in idem<br />
material no caso de se perseguir criminalmente<br />
um atleta já punido severamente<br />
após o término do procedimento disciplinar<br />
interno. (10) Há a séria possibilidade de que<br />
a criminalização permaneça de todo ineficiente,<br />
não passando, nas palavras com que<br />
avalia Roxin o correspondente dispositivo<br />
alemão, de “letra morta”. (11) Caso se queria<br />
ultrapassar estes obstáculos, talvez se tenha de<br />
montar um verdadeiro aparato bélico, como<br />
a previsão de delação premiada ou de um<br />
regime especial para organizações criminosas<br />
Em 1997 o Brasil assinou com os EUA<br />
acordo de assistência judiciária em matéria<br />
penal, promulgado entre nós por meio do<br />
Decreto nº 3.810, de 02 de maio de 2001.<br />
Trata-se de acordo do tipo MLAT (Mutual<br />
Legal Assistance Treaty), cujo modelo é sugerido<br />
pelo escritório em drogas e crime da ONU<br />
(United Nations Office on Drugs and Crime<br />
- UNODC) (1) , e que o Brasil vem celebrando<br />
(via acordos bilaterais) com diversos países<br />
nas últimas duas décadas. No Acordo Brasil<br />
e EUA, a tomada de depoimento ou declarações<br />
de pessoas aparece como a primeira<br />
forma de cooperação possível, no seu art. I,<br />
nº 2, alínea “a”.<br />
Na sua consecução (que ocorre por meio<br />
de autoridades centrais: MJ no Brasil e<br />
Procuradoria-Geral – Attorney General – nos<br />
EUA), entretanto, têm surgido dois problemas<br />
essenciais: (i.) no acesso pela defesa à<br />
produção de provas com base no Acordo; e,<br />
(ii.) na forma de cumprimento da cooperação<br />
pelos EUA, no que toca à coleta de depoimentos<br />
de testemunhas.<br />
Quanto ao primeiro ponto, os EUA, por<br />
interpretação da sua autoridade central (supostamente<br />
derivada do sistema da Common<br />
Law, onde às partes incumbe recolher a sua<br />
prova oral, diretamente: por interrogatories<br />
– respostas escritas às perguntas; ou, por<br />
depositions – oitiva privada da testemunha<br />
com a presença da parte contrária; apenas<br />
admitindo-se a intervenção judicial para a<br />
12<br />
no esporte, (12) o que é de todo inaceitável.<br />
NOTAS<br />
(1) Segundo o jornal Gazeta do Povo (Curitiba, 29 de<br />
dezembro de 2009).<br />
(2) O Brasil ratificou sem ressalvas a Convenção<br />
da UNESCO contra o Doping no Esporte, em<br />
26.10.2007. A aprovação ocorreu através do Decreto<br />
Legislativo n. 306, e essa obrigação é expressamente<br />
assumida no art. 1º do Decreto 6.653/08, relativo à<br />
internalização da Convenção da UNESCO.<br />
(3) A Alemanha ainda não criminaliza autonomamente o<br />
doping. Em detalhes roxin, Doping e direito penal,<br />
e leite, O doping como suposto problema jurídicopenal:<br />
um estudo introdutório, in roxin/l. greco,<br />
Doping e direito penal, tradução e introdução de<br />
alaor leite, São Paulo: Atlas, 2011, no prelo.<br />
(4) Detalhes em leite, O doping..., 3. Ver também<br />
schmitt De Bem, A intervenção penal no doping<br />
desportivo, in Curso de direito desportivo sistêmico,<br />
v. II, coord. rubens approbato machado (et al.). São<br />
Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 423-439.<br />
(5) Cf. l. greco, Um panorama da teoria da imputação<br />
objetiva, 2. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007,<br />
p. 62 e ss.<br />
produção de prova em caso de desentendimento<br />
entre os envolvidos) (2) , vêm sustentando<br />
que só é possível a cooperação por meio<br />
do Acordo se a prova visada for do interesse<br />
da acusação ou do juiz (!?) (3) .<br />
Ou seja, se a defesa requerer a<br />
oitiva de pessoa(s) nos EUA<br />
nos termos do Acordo em<br />
foco (cujo texto, em parte<br />
alguma, veda que o faça (4) ),<br />
no interesse, por óbvio, do<br />
acusado, só logrará êxito em<br />
realizar a medida se, concomitantemente,<br />
o magistrado,<br />
ou o agente ministerial,<br />
registrar que também tem<br />
interesse na prova.<br />
Faz-se, então, por uma indevida<br />
interpretatio restritiva<br />
contra reo garantidora do seu<br />
uso unilateral pelo acusador,<br />
ou pelo juiz, o Acordo não<br />
apenas pouco cooperativo<br />
mas, sobretudo, tornam-se<br />
materialmente inconstitucionais no Brasil<br />
todas as provas acusatórias por ele obtidas.<br />
Tais provas, sempre que não se permita à<br />
defesa a busca de contraprovas pela exata<br />
mesma via, terão sido obtidas em detrimento<br />
da garantia pétrea à ampla defesa e ao<br />
contraditório (consagrando o inverso, uma<br />
inexistente ampla acusação!?) e, assim, por<br />
violação de direito fundamental, devem ser<br />
BOlEtIm IBCCRIm - ANO 18 - Nº 219 - FEVEREIRO - 2011<br />
(6) Sobre esse problema, extensamente, roxin, Doping<br />
e direito penal, e greco, Sobre a legitimidade da<br />
punição do autodoping nos esportes profissionais,<br />
ambos no livro citado acima, nota 3.<br />
(7) leite, O doping…, 5.3.<br />
(8) Nesse sentido, roxin, Doping..., V, e greco, Sobre<br />
a legitimidade..., B III.<br />
(9) Ver greco, Sobre a legitimidade…, C.<br />
(10) Em detalhes, por exemplo, sobre os problemas do<br />
nemo tenetur se ipsum accusare e do ne bis in idem,<br />
roxin, Doping…, III, e leite, O doping…, 5.5.<br />
(11) roxin, Doping…, III.<br />
(12) Como faz a legislação portuguesa (leite, O doping…,<br />
3).<br />
Luís greco<br />
Dr. em direito pela Universidade Ludwig Maximilians,<br />
de Munique, Alemanha. Mestre pela mesma instituição.<br />
Wissenschaftlicher Assistent junto à cátedra do<br />
prof. dr. dr. h. c. mult. Bernd Schünemann.<br />
Alaor Leite<br />
Mestrando em Direito na Universidade Ludwig<br />
Maximilians, de Munique, Alemanha, sob orientação<br />
do prof. dr. dr. h. c. mult. Claus Roxin<br />
ACordo <strong>dE</strong> CooPErAÇÃo BrASiL / EUA:<br />
iNCoNStitUCioNALidA<strong>dE</strong>S E PErSPECtiVAS NA CoLEtA <strong>dE</strong> ProVA<br />
tEStEMUNHAL EM tErritÓrio NortE-AMEriCANo.<br />
rodrigo Moraes de oliveira<br />
O.MJ.brasileiro,.<br />
por.seu.turno,.<br />
vem.sustentando.<br />
a.validade.da.<br />
prova.resultante:.<br />
“admissível.em.<br />
território.nacional,.<br />
observando-se.os.<br />
termos.do.artigo.13.<br />
da.Lei.de.Introdução.<br />
ao.Código.Civil.<br />
brasileiro”.<br />
reputadas ilícitas, bem como todas as demais<br />
evidências delas derivadas.<br />
Para solucionar o impasse, o caminho<br />
evidentemente mais simples é o da admissão<br />
do uso defensivo do Acordo<br />
para coleta de prova oral (ou de<br />
qualquer outra espécie prevista).<br />
Se se quiser, porém, manter a<br />
complicação, parecem restar<br />
duas alternativas: (a.) dever<br />
do juiz (razoável a prova (5) ) de<br />
requerer a sua coleta nos EUA,<br />
afirmando também o seu interesse<br />
na medida (6) ; e, não sendo<br />
assim, (b.) admissão da coleta da<br />
prova testemunhal necessária à<br />
defesa pela via da carta rogatória<br />
acompanhada da exclusão dos<br />
autos de todas as provas obtidas<br />
pela acusação com base no<br />
mesmo Acordo (imposição do<br />
princípio da igualdade de armas):<br />
se o instrumento não vale<br />
para ambas as partes, não pode<br />
valer para nenhuma delas. Enfim, admitir-se<br />
a via expressa do Acordo para socorro das<br />
pretensões acusatórias impondo-se à defesa a<br />
via – crucis – da rogatória não é, à evidência,<br />
solução razoável.<br />
Acrescente-se, contudo, diante da última<br />
opção, que o MJ brasileiro entende que já<br />
não subsiste o modelo da carta rogatória<br />
com os EUA a partir do momento em que