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FiXAÇÃo do VALor MÍNiMo do dANo No CPP: dA iNtErPrEtAÇÃo tELEoLÓGiCA À iNtErPrEtAÇÃo... FiXAÇÃo do VALor MÍNiMo do dANo No CPP: dA iNtErPrEtAÇÃo tELEoLÓGiCA À iNtErPrEtAÇÃo “CoNSEQUENCiALiStA”? raquel Lima Scalcon O inciso IV do art. 387 do CPP, introduzido pela Lei 11.719/08, inovou ao disciplinar a fixação do valor mínimo do dano na sentença penal. Decorridos mais de dois anos da sua vigência, inúmeras controvérsias acerca da sua interpretação e da sua aplicação ainda não foram solvidas. Exemplificativo, nesse sentido, é o resultado de pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça, com magistrados de todos os Estados da Federação, sobre os motivos de eventual não fixação do dano mínimo em julgamentos proferidos entre agosto de 2008 e agosto de 2009: (a) 19% entenderam que sua incidência significaria uma retroatividade de norma penal in malam partem; (b) 18% afirmaram inexistir prova do dano; (c) 13% sustentaram a ausência de pedido; (d) 7% alegaram que o réu era “pobre”; e (e) 49% informaram possuir motivos outros para não o fixar. (1) Pois bem, diante de tal quadro, algumas ponderações acerca dessa inovação legislativa são fundamentais. Antes, contudo, uma advertência é necessária. Quando se pretende analisar, com a profundidade merecida, o problema da fixação do valor mínimo do dano, não se pode negligenciar as normas constitucionais que incidem na espécie, ainda que o próprio Código de Processo Penal já tenha disciplinado a questão a partir de uma regra, isto é, de uma norma que descreve uma conduta a ser adotada pelo aplicador. A razão é simples: conquanto as regras exijam do intérprete, como dever fundamental, o respeito estrito ao seu comando, elas também requerem, como dever secundário, a compatibilidade da sua aplicação, no caso concreto, com os princípios e as regras sobrejacentes. (2) Por conseguinte, um exame acerca da determinação do inciso IV do art. 387 do CPP demanda, necessariamente, um questionamento acerca de quais princípios e de quais regras constitucionais ali estão implicados e um esforço de compatibilização daquele com estes. É esta a finalidade deste breve escrito. Diferentes nódulos problemáticos acerca do conteúdo normativo do texto legal ora sob exame poderiam ser aqui explorados. Contudo, será trabalhado aquele que, em nossa opinião, reveste-se de maior relevo: a definição do quando da incidência da norma relativamente aos fatos penais. Trata-se, assim, de uma discussão de direito intertemporal. Se considerarmos a assertiva antes exposta, a partir da qual se sustentou que a aplicação e a interpretação da regra do inciso IV do art. 387 do Código de Processo Penal devem ser compatibilizadas com os princípios sobrejacentes, então a resposta ao problema suscitado pressupõe o exame da fixação do valor do dano à luz da regra constitucional da irretroatividade (art. 5º, XL, da CF88). Inicialmente, importa 4 observar que se trata de uma regra (não de um princípio), pois ela exige o respeito estrito ao seu comando, sendo inconstitucional uma norma que a contrarie, bem como nula uma decisão que a viole. Dito isso, resta perguntar qual seria, afinal, o conteúdo normativo do art. 5º, XL, mais conforme à Constituição? Entende-se aqui que a expressão “lei penal” que integra tal texto não pode ser interpretada de forma reducionista, sob pena de chegar-se à conclusão de que “lei penal” é aquela que está no Código Penal ou, de forma negativa, não são aquelas do Código de Processo Penal. Tal leitura topológica, tão simplória, não se sustenta. Defende-se, assim, que a expressão “lei penal” se refere a toda norma integrante do Sistema Jurídico-Penal (independentemente do seu locus – seja o CP, seja o CPP, sejam leis esparsas) cujo conteúdo normativo atue sobre direitos fundamentais do acusado, especialmente os de liberdade (em sentido amplo) e os de propriedade. A razão de ser ou a finalidade da regra constitucional do art. 5º, XL, é exatamente a proteção do réu contra uma aplicação retroativa de normas que restrinjam tais direitos. Já se a nova normativa, ao invés de reduzir, ampliar o âmbito ou o conteúdo dos direitos fundamentais do acusado, deverá retroagir em seu benefício. Essa é a interpretação que nos parece conferir maior eficácia ao dispositivo em questão, o que é nosso dever buscar enquanto intérpretes da Constituição. Partindo-se, pois, dessa interpretação acerca da proibição da retroatividade da “lei penal” in malam partem, deve-se concluir que a regra da fixação do dano integra o conteúdo de sentido da expressão “lei penal”. Isso porque a aplicação do inciso IV do art. 387 do CPP, inegavelmente, produz restrição de liberdade e de propriedade em relação ao réu, haja vista permitir, já na sentença penal, a sua condenação ao pagamento de uma indenização mínima pelo dano oriundo do delito, a qual, após o trânsito em julgado, pode ser imediatamente executada pela vítima. Por tal razão, essa disposição normativa não pode incidir sobre fatos penais cuja ocorrência tenha sido anterior ao seu ingresso no ordenamento jurídico através da Lei 11.719/08. BOlEtIm IBCCRIm - ANO 18 - Nº 219 - FEVEREIRO - 2011 Interpretações. das.normas.do. Sistema.Jurídico- Penal.cada.vez. menos.teleológicas,. porém.mais.e.mais. “consequencialistas”.. Dito.de.outro.modo,. passou-se.da.procura. e.da.promoção. da.finalidade.da. norma.(interpretação. teleológica).à.busca. e.à.promoção.da. finalidade.(com. seu.respectivo. efeito.prático).que se quer atribuir.à. norma.(interpretação. “consequencialista”).. Ainda que consideremos a argumentação aqui exposta suficiente para afastar qualquer possibilidade de aplicação retroativa do art. 387, IV, do CPP, verifica-se, em diversos Tribunais do País, decisões sustentando o oposto. (3) Nelas há, por vezes, fixação do valor mínimo do dano desde logo, mesmo em recurso exclusivo da defesa, sem que nada – absolutamente nada – acerca do ponto tenha sido objeto de debate durante o processo. Assim, não só há uma aplicação retroativa da regra, contrariando a determinação do art. 5º, XL, da Constituição, como também há uma profunda violação ao direito fundamental ao contraditório (art. 5º, LV, da Constituição). Isso, conquanto nos cause tristeza, não nos gera estranheza. Ora, já advertia Canotilho acerca do Direito Penal: ele parece transportar “a cruz da ruptura antropológica” (4) que o dilacera. É dizer: ele tende a recepcionar e a traduzir as questões mais profundas da nossa humanidade como, de um lado, a demanda por segurança e, de outro, o desejo de punição. De qualquer sorte, impressiona que uma norma cuja finalidade é a reparação da vítima seja desviada a ponto de ser utilizada como irrefreável instrumento de punição do réu. Outra razão não explica que uma regra como essa, que é restritiva de direitos fundamentais do acusado, seja tranquilamente aplicada a fatos passados. Outra razão não explica, também, que seja tão ignorado o direito ao exercício do contraditório pelo réu quando da fixação do dano mínimo pelo Judiciário. E o que vemos, afinal? Interpretações das normas do Sistema Jurídico-Penal cada vez menos teleológicas, porém mais e mais “consequencialistas”. Dito de outro modo, passou-se da procura e da promoção da finalidade da norma (interpretação teleológica) à busca e à promoção da finalidade (com seu respectivo efeito prático) que se quer atribuir à norma (interpretação “consequencialista”). Trocou-se “o fim da norma” pelo “fim que se quer dar à norma”, o “efeito da norma” pelo “efeito que se deseja extrair da norma”. O grande problema é que tudo isso acaba por violar inúmeros direitos fundamentais. Direitos, esses, cuja conquista – nunca se esqueça - demandou séculos de lutas e cuja mantença exigirá a sua contínua reafirmação. Deve-se lembrar,
com Hesse, (5) que o texto constitucional, por si só, não possui força normativa, estando sempre a depender da vontade de Constituição de seus intérpretes e de seus aplicadores. Assim, o que está em questão quando da fixação da indenização mínima no processo penal são direitos fundamentais que, como tais, pertencem à própria história da evolução humanizatória da civilização ocidental. Pois bem, em Miranda v. Arizona (384 U.S 436 –1966), já se afirmava ser possível mensurar o quão civilizada é uma nação pelos métodos que ela utiliza para aplicar o Direito Penal. (6) Considerando o exposto, pergunto: seremos cúmplices desse retrocesso civilizacional? NOTAS (1) Disponível em: www.conjur.com.br/dl/pesquisa-fgv- mj-medidas-constrit.pdf. Acesso em: 20.07.2010. (2) ávila, humberto. Teoria dos princípios. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 78. (3) Ver, exemplificativamente, os seguintes acórdãos: TRF da 3ª Região – ACR 2005.61.02.008675-0 e ACR 2004.03.99.004012-7. (4) canotilho, josé joaquim gomes. Justiça constitucional e justiça penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n. 58, p. 329-45, jan./fev. 2006 (p. 329). (5) hesse, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: SAFe, 1992, p. 24. (6) No original: “The quality of a nation’s civilization can be largely measured by the methods it uses in the enforcement of the criminal law” (Miranda v. Arizona, 384 U.S. 436 – 1966). raquel Lima scalcon Mestranda em Ciências Criminais pela PUCRS. Graduada em Direito pela UFRGS 17ª EdIçãO dO SEmINÁRIO INtERNACIONAl dE CIÊNCIAS CRImINAIS 23 A 26 dE AgOStO dE 2011. SAIBA COmO SER NOSSO pARCEIRO. Escritórios de advocacia de todo o Brasil apoiam todos os anos a realização dos Seminários Internacionais do iBCCriM. Você também pode ser nosso parceiro na 17ª edição do evento, que acontecerá entre os dias 23 e 26 de agosto de 2011. 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ProDução gráfica: Ameruso Artes Gráficas - (11) 2215-3596 E-mail: ameruso@ameruso.com.br imPressão: Ativaonline - Tel.: (11) 3340-3344 “O Boletim do iBccrim circula exclusivamente entre os associados e membros de entidades conveniadas”. “As opiniões expressas nos artigos publicados res - ponsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto”. tiragem: 11.000 exemplares corresPonDÊncia iBccrim Rua Onze de Agosto, 52 - 2º andar CEP 01018-010 - S. Paulo - SP Tel.: (11) 3105-4607 (tronco-chave) atenDimento Digital seções: Telefonista ..................................................... 0 Associação, pagamentos, recebimento de materiais ............................... 2 Cursos, Seminários, Publicações ................... 3 Pós-Graduação, Laboratório Mesa de Estudos e Debates ........................... 4 Biblioteca ....................................................... 5 Site ................................................................ 6 Comunicação e Marketing .............................. 7 Núcleo de Pesquisas ...................................... 8 Diretoria e Presidência .................................... 9 www.ibccrim.org.br E-mail: ibccrim@ibccrim.org.br e boletim@ibccrim.org.br BOlEtIm IBCCRIm - ANO 18 - Nº 219 - FEVEREIRO - 2011 5
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