rESPoNSABiLidAdE iNtErNACioNAL Por VioLAÇÕES dE dirEitoS ...
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<strong>dE</strong>SAPArECiMENto ForÇAdo <strong>dE</strong> PESSoAS, VErdA<strong>dE</strong> E MEMÓriA<br />
<strong>dE</strong>SAPArECiMENto ForÇAdo <strong>dE</strong> PESSoAS, VErdA<strong>dE</strong> E MEMÓriA<br />
Camila Akemi Perruso<br />
O Estado brasileiro foi condenado pela<br />
Corte Interamericana de Direitos Humanos<br />
(CIntDH), em sentença proferida em 14 de<br />
dezembro de 2010, no caso da Guerrilha<br />
do Araguaia, pelo desaparecimento forçado<br />
de 70 pessoas. Considerou esse tribunal<br />
internacional que o Brasil descumpriu sua<br />
responsabilidade internacional por graves<br />
violações de direitos humanos empreendidas<br />
durante o regime ditatorial e pela consequente<br />
falta de processamento e apuração<br />
dos fatos até os dias atuais.<br />
O desaparecimento forçado de pessoas<br />
constitui-se em uma das mais graves violações<br />
de direitos humanos e caracterizou-se<br />
como tal a partir de sua prática sistemática<br />
durante as ditaduras da América Latina. Ele<br />
é definido pelo sequestro, detenção ilegal<br />
e arbitrária, realizado por agentes estatais<br />
ou com sua aquiescência, e a consequente<br />
privação de informações acerca do paradeiro<br />
da vítima, geralmente culminando na morte<br />
e ocultação de seus restos mortais, violando<br />
o direito à liberdade e à segurança pessoal,<br />
o direito de não ser preso arbitrariamente, o<br />
direito a um julgamento justo, o direito de<br />
ser reconhecido como pessoa perante a lei, o<br />
direito a condições mínimas de tratamento<br />
na prisão e de não ser submetido à tortura e<br />
a outros tratamentos cruéis e degradantes e o<br />
direito à vida. (1) Ademais, viola a integridade<br />
da família do desaparecido, seu direito ao<br />
luto, na medida em que a obriga a ficar em<br />
um estado de espera interminável, sendo<br />
que geralmente a verdade relativa aos fatos<br />
acontecidos não aparece na cena pública.<br />
O direito à verdade está intrinsecamente<br />
relacionado ao desaparecimento forçado<br />
de pessoas, e, ao longo dos anos, passou a<br />
se considerar a necessidade de que ele seja<br />
garantido em todas as situações de graves<br />
violações de direitos humanos. Isso porque,<br />
quando se trata de crimes de direitos humanos,<br />
a verdade deve ser entendida de modo<br />
diferente dos crimes comuns, pois nesses o<br />
objetivo é verificar a culpa ou a inocência<br />
de algum indivíduo pela prática de um<br />
ato, configurando uma justiça retributiva a<br />
um ato proibido e sancionado por uma lei<br />
penal. Já os objetivos de se encontrar a verdade<br />
quando se trata dos crimes de direitos<br />
humanos dizem respeito à restauração e à<br />
manutenção da paz e ao processo de reconciliação<br />
nacional. (2)<br />
Dessa maneira, há mais interesse por trás<br />
de seu desvelamento que a mera declaração<br />
da culpa ou inocência do agente violador de<br />
direitos humanos. Isso porque tal declaração<br />
está muito mais relacionada<br />
à justiça restaurativa que à<br />
retributiva. Não se trata, desse<br />
modo, de revelar a verdade<br />
para punir o culpado apenas,<br />
mas de conhecer os fatos, as<br />
circunstâncias das violações<br />
de direitos, para que o tecido<br />
social possa se reconciliar. O<br />
direito à verdade divide os<br />
princípios e valores de um<br />
direito internacional penal,<br />
pois favorece a restauração e<br />
manutenção da paz, facilita<br />
o processo de reconciliação,<br />
contribui para a erradicação da<br />
impunidade, reconstrói a identidade<br />
nacional (3) e possibilita<br />
a construção de uma verdade<br />
histórica ou oficial a partir<br />
de um debate público, e não<br />
imposta por algum “vencedor”.<br />
Outra questão que prejudica diretamente<br />
na promoção do direito à verdade<br />
diz respeito à aplicação da anistia quando<br />
ela exclui a possibilidade de julgar os perpetradores<br />
de graves violações de direitos<br />
humanos. Ela é proibida pelo Direito<br />
Internacional justamente porque impossibilita<br />
a verdade e a responsabilização dos<br />
culpados pelas violações. Casos em que a<br />
anistia é legítima, como um recurso para<br />
a responsabilização e reconciliação, como<br />
instrumento de uma justiça restaurativa<br />
– a exemplo da África do Sul – a verdade<br />
assume um valor jurídico e não meramente<br />
moral ou individual. (4)<br />
Nessa perspectiva, a sentença da CIntDH,<br />
que condena o Brasil pelo desaparecimento<br />
forçado de pessoas no caso da Guerrilha do<br />
Araguaia, que obriga o Estado a adotar medidas<br />
reparatórias às vítimas, especialmente<br />
no sentido de esclarecimento da verdade,<br />
contribui não só para o desenvolvimento<br />
e a qualificação dos instrumentos jurídicos<br />
e políticos do País relativos ao respeito aos<br />
direitos humanos, mas, sobretudo, organiza<br />
uma apuração dos fatos, dando publicidade<br />
e esclarecendo o ocorrido por meio do processo<br />
e julgamento.<br />
Assim, para além do âmbito privado –<br />
aqui constituído pelos grupos de familiares<br />
O.direito.à.verdade.<br />
está.intrinsecamente.<br />
relacionado.ao.<br />
desaparecimento.<br />
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em.todas.as.<br />
situações.de.graves.<br />
violações.de.direitos.<br />
humanos..<br />
que portam a preservação e a constituição<br />
de suas memórias em cena pública – é necessário<br />
tratar do possível impacto dessas<br />
memórias em toda a sociedade.<br />
É relevante para todos saber<br />
dos fatos relacionados a graves<br />
violações de direitos humanos,<br />
das estratégias empreendidas<br />
no cometimento de tais violações,<br />
de seus fundamentos<br />
e características, com vistas<br />
a uma não repetição. Saber<br />
pelo que passaram as vítimas<br />
do passado é atividade importante,<br />
não só devido à<br />
solidariedade humana, mas,<br />
sobretudo, porque é maneira<br />
de se reconhecer em situação<br />
pela qual não se quer passar<br />
no presente, considerando<br />
o marco valorativo de uma<br />
existência humana alinhado<br />
aos princípios de direitos humanos.<br />
Desse modo, lembrar<br />
do passado não se configura<br />
tão somente rememorar as atrocidades para<br />
que estas não caiam no esquecimento e para<br />
que os sujeitos se mantenham em seus papéis<br />
de vítimas ou algozes, mas para transcender e<br />
fazer com que algo semelhante não aconteça,<br />
para que algo assim não se repita. (5)<br />
NOTAS<br />
(1) De acordo com a Convenção Interamericana sobre<br />
Desaparecimento Forçado de Pessoas, adotada em<br />
âmbito da OEA em 1994, em seu art. 2º, “entendese<br />
por desaparecimento forçado a privação de<br />
liberdade de uma pessoa ou mais pessoas, seja<br />
de que forma for, praticada por agentes do Estado<br />
ou por pessoas ou grupos de pessoas que atuem<br />
com autorização, apoio ou consentimento do Estado,<br />
seguida de falta de informação ou da recusa<br />
a reconhecer a privação de liberdade ou a informar<br />
sobre o paradeiro da pessoa, impedindo assim<br />
o exercício dos recursos legais e das garantias<br />
processuais pertinentes”.<br />
(2) naqvi, Yasmin. The right to the truth in international<br />
law: fact or fiction?, in International Review of the<br />
Red Cross, vol. 88, n. 862, jun. 2006, p. 246.<br />
(3) Idem, p. 247.<br />
(4) Idem, p. 267.<br />
(5) gagneBin, jeanne marie. Lembrar escrever<br />
esquecer. São Paulo: 34, 2006, p. 100.<br />
Camila Akemi Perruso<br />
Mestre em Direito Internacional pela USP.<br />
Pesquisadora do Instituto Norberto Bobbio – Cultura,<br />
democracia e direitos humanos.<br />
Você, que não concordou com o ponto de vista exposto no Boletim, por que não escreve, fundamentando sua divergência?<br />
Para propiciar espaço aos outros colaboradores, sintetize sua participação em 6.700 toques, em trabalho inédito.<br />
BOlEtIm IBCCRIm - ANO 18 - Nº 219 - FEVEREIRO - 2011 17