rESPoNSABiLidAdE iNtErNACioNAL Por VioLAÇÕES dE dirEitoS ...
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APoNtAMENtoS SoBrE o <strong>dE</strong>VEr <strong>dE</strong> tUtELA do MEio AMBiENtE NA CriMiNALidA<strong>dE</strong> <strong>dE</strong> EMPrESA<br />
APoNtAMENtoS SoBrE o <strong>dE</strong>VEr <strong>dE</strong> tUtELA do MEio AMBiENtE NA<br />
CriMiNALidA<strong>dE</strong> <strong>dE</strong> EMPrESA<br />
renata Jardim da Cunha rieger<br />
Atualmente, não se concebe o homem<br />
como simples sujeito de direitos: ele é, simultaneamente,<br />
sujeito de deveres. Assim como<br />
tem o direito fundamental à proteção do meio<br />
ambiente, tem o dever fundamental de tutelálo.<br />
(1) Esse dever está consagrado no art. 225 da<br />
Constituição Federal e é destinado ao Poder<br />
Público e à coletividade, mas não se manifesta<br />
de forma idêntica para todos. Pelo contrário:<br />
apresenta conteúdo variável, conformando-se às<br />
características do destinatário e ao caso concreto.<br />
O dever fundamental de tutela ambiental<br />
apresenta diversos estratos, e o mais densificado<br />
deles corresponde ao “dever de garantia”. (2) Isso<br />
porque o “dever de garantia”, para além de se<br />
vincular ao direito penal, é atinente aos crimes<br />
omissivos, nos quais há uma ampliada restrição<br />
da liberdade da pessoa. (3) Mais: presente esse<br />
dever, tem-se uma omissão equiparável a uma<br />
ação positiva. Assim, à ampliada restrição de<br />
liberdade do cidadão, soma-se a gravidade da<br />
sanção que pode ser imposta.<br />
Não é exagero dizer que essa categoria jurídica<br />
(“dever de garantia”) é um dos conceitos mais<br />
tormentosos ao jurista. No histórico do instituto,<br />
doutrina e jurisprudência sempre discutiram<br />
– e ainda discutem – uma série de tópicos sem<br />
precisar suficientemente o fundamento e os<br />
limites do dever do garantidor. Fala-se muito da<br />
problemática da lei, do contrato, da ingerência,<br />
do monopólio, dos deveres de solidariedade<br />
e da relação de proximidade, mas, em regra,<br />
não se busca o porquê, o “sentido social” dessa<br />
responsabilização. No direito penal ambiental<br />
no âmbito da criminalidade de empresa, essa<br />
categoria jurídica torna-se ainda mais problemática.<br />
Isso porque a “posição de garantia”<br />
vem ganhando significativa exasperação (como<br />
decorrência direta da intensificação dos deveres<br />
do homem para com a natureza) e tem recebido,<br />
por vezes, contornos bastante artificiais.<br />
Faz-se necessária, então, uma cuidadosa releitura<br />
do instituto. Se é verdade que, nessa “nova<br />
criminalidade”, há quase uma segmentação dos<br />
conceitos de “ação” e de “responsabilidade”, (4)<br />
também é verdade que não é a ocupação de<br />
uma determinada posição na estrutura societária,<br />
ou a simples previsão de determinadas<br />
funções em um contrato social ou estatuto, que<br />
formará o “dever de garantia”. Também não é<br />
a lei – isoladamente – que gerará a posição de<br />
garantidor. Esses critérios - meramente formais<br />
- são insuficientes, fazendo-se necessária a busca<br />
de critérios materiais.<br />
Parece que os diferentes níveis do dever<br />
de tutela ambiental devem ser buscados na<br />
“desigualdade fática”, no “modo como o homem<br />
está no mundo”. O mundo é uma totalidade<br />
de relações de referências; e o homem está<br />
8<br />
nele sempre referido às suas próprias possibilidades.<br />
(5) Quando do tratamento da posição<br />
de garantia, importam os instrumentos – em<br />
sentido amplo – com que o homem se relaciona:<br />
o sujeito que exerce uma determinada<br />
função, que tem acesso a determinadas informações<br />
e que tem o “poder de decisão” passa<br />
a ter o “domínio do resultado”. (6) As demais<br />
pessoas da sociedade não têm esse domínio<br />
e podem, legitimamente, esperar que aquele<br />
que o detém e que goza do “poder de disposição”<br />
sobre a fonte de perigo evite o perigo e<br />
o dano dela derivados. (7)<br />
É importante observar que o “domínio do<br />
resultado” não está, necessariamente, associado<br />
aos mais altos cargos, à alta cúpula da empresa.<br />
A complexidade das estruturas empresariais<br />
demonstra haver, cada vez mais, divisões em<br />
departamentos, sendo cada setor responsável<br />
por assuntos específicos (com competências<br />
diferentes, portanto). Assim sendo, em médias<br />
e grandes empresas, é possível (e até provável)<br />
que o “domínio do resultado” esteja em uma<br />
unidade de comando específica, gerenciada por<br />
ocupantes de cargos de nível intermediário, de<br />
médio escalão.<br />
Se essa pessoa (do médio ou do alto escalão<br />
de uma empresa), além de ter o “domínio do<br />
resultado”, ainda for responsável, culposa ou<br />
dolosamente, por um perigo penalmente relevante,<br />
surge-lhe o dever de cuidado – cuidado<br />
consigo, com o outro e com a natureza – na<br />
forma mais densa, que legitima a responsabilidade<br />
por omissão e, também, a equiparação de<br />
uma omissão a uma ação. Em outras palavras: a<br />
conjugação dos dois critérios (“responsabilidade<br />
pelo perigo penalmente relevante” e “domínio do<br />
resultado”) “forma” a posição de garantia em<br />
delitos ambientais cometidos no âmbito da<br />
criminalidade de empresa.<br />
<strong>Por</strong> derradeiro, deve-se lembrar que, em<br />
matéria ambiental (âmbito no qual são necessários<br />
conhecimentos altamente especializados),<br />
é comum a delegação de funções, o que<br />
influencia na posição de garantia. É preciso ter<br />
claro, contudo, que não é qualquer delegação<br />
que implica a transferência de deveres. Mais: os<br />
deveres do delegante não são completamente<br />
extintos, apenas recebem outra conformação,<br />
transformando-se em deveres de vigilância e<br />
de controle. É interessante observar que esses<br />
novos deveres (de supervisão e de controle)<br />
convivem com a “confiança” que o delegante<br />
deposita no delegado: e é admitido – e até<br />
esperado – que aquele “confie” no regular exercício<br />
das atribuições deste. Assim, os deveres de<br />
supervisão e de controle não são ilimitados. Pelo<br />
contrário, o seu limite parece estar no princípio<br />
da confiança.<br />
BOlEtIm IBCCRIm - ANO 18 - Nº 219 - FEVEREIRO - 2011<br />
NOTAS<br />
(1) Não há necessária correspondência entre os deveres<br />
fundamentais e os direitos fundamentais. josé<br />
gomes canotilho observa que aqueles se recortam,<br />
na ordem jurídica, como categoria autônoma.<br />
Alguns deveres, contudo, são conexos a direitos<br />
fundamentais, e é o que acontece com o dever de<br />
defesa do meio ambiente, previsto no art. 66/1 da<br />
Constituição portuguesa, relacionado ao direito<br />
ao ambiente (canotilho, josé joaquim gomes.<br />
Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed.<br />
Coimbra: Almedina, 2003, p. 532 e s). No mesmo<br />
sentido, tratando do direito brasileiro e encontrando<br />
fundamento para o dever conexo no art. 225 da<br />
Constituição: fensterseifer, tiago. Direitos<br />
fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão<br />
ecológica da dignidade humana no marco jurídico<br />
constitucional do estado socioambiental de direito.<br />
<strong>Por</strong>to Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 202;<br />
meDeiros, fernanda luiza fontoura de. Meio<br />
ambiente: direito e dever fundamental. <strong>Por</strong>to Alegre:<br />
Livraria do Advogado, 2004, p. 129.<br />
(2) Para aprofundamento do tema: rieger, renata<br />
jardim da cunha. A posição de garantia no direito<br />
penal ambiental: o dever de tutela do meio ambiente<br />
na criminalidade de empresa. Dissertação (Mestrado<br />
em Ciências Criminais) – Faculdade de Direito, Pontifícia<br />
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, <strong>Por</strong>to<br />
Alegre, 2010, passim.<br />
(3) Essa “ampliada restrição” da liberdade é consequência<br />
da norma violada. Em um crime comissivo,<br />
viola-se uma norma proibitiva; em um delito omissivo,<br />
viola-se uma norma mandamental. A norma proibitiva,<br />
como se sabe, visa a impedir uma determinada ação<br />
positiva; a norma mandamental, por sua vez, ordena<br />
uma específica conduta e proíbe todas as outras que<br />
dela se diferenciem. Assim sendo, no delito omissivo,<br />
estão proibidos todos os comportamentos que se<br />
diferenciam daquele previsto na norma mandamental.<br />
O comportamento determinado, previsto, é o único<br />
admitido pelo ordenamento jurídico e o único a afastar<br />
a configuração da infração penal, daí a ampliada restrição<br />
da liberdade do sujeito (D’avila, fabio roberto.<br />
Ofensividade e crimes omissivos próprios: contributo<br />
à compreensão do crime como ofensa a bens jurídicos.<br />
Coimbra: Coimbra, 2005 [Stvdia Ivridica; 85],<br />
p. 250 e s.). Em sentido semelhante: Zaffaroni,<br />
eugênio raúl. Panorama atual da problemática da<br />
omissão. Tradução de josé carlos fragoso. Revista<br />
de Direito Penal e Criminologia, Rio de Janeiro, n. 33,<br />
p. 30-40, 1982 (p. 38); Zaffaroni, eugênio raúl;<br />
Pierangeli, josé henrique. Manual de direito penal<br />
brasileiro. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />
2007. v. 1, p. 463.<br />
(4) Em estruturas organizadas, baseadas na divisão de<br />
trabalho e na hierarquia, o conceito de “ação” – em<br />
geral, tão valorizado quando do estudo da criminalidade<br />
tradicional – parece esvaecer e perder a razão de<br />
ser. Nesse contexto, é ilustrativa a colocação de Bernd<br />
schünemann: se se quiser comparar um organismo<br />
natural que serve de base ao conceito de ação, os<br />
órgãos de execução seriam as extremidades, enquanto<br />
a direção da empresa seria o sistema nervoso. Ou<br />
seja: a “verdadeira influência do acontecimento”<br />
está na instância de direção, a qual dirige os órgãos<br />
de execução (exatamente como o sistema nervoso<br />
faz com as extremidades do corpo) (schÜnemann,<br />
Bernd. Los fundamentos de la responsabilidad penal<br />
de los órganos de dirección de las empresas. Buenos<br />
Aires: Rubinzal, 2009. t. 2, p. 163-193 [Colección<br />
Autores de derecho penal] [p. 165 e s.]).<br />
(5) vattimo, gianni. Introdução a Heidegger. 10. ed.<br />
Lisboa: Instituto Piaget, 1996, p. 28.