Sem título-5 - Nucleo de Humanidades
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1. Introdução<br />
O ingresso <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Sá-Carneiro nas letras portuguesas remonta ao<br />
livro Princípio, volume <strong>de</strong> “novelas” escrito entre os 18 e 22 anos, com publicação<br />
em novembro <strong>de</strong> 1912. As narrativas que o compõem (“Loucura”, “Sexto<br />
sentido”, “O incesto”, “Página <strong>de</strong> um suicida” ou “Felicida<strong>de</strong> perdida”) revelam<br />
alguns dos leitmotiven do futuro escritor <strong>de</strong> A confissão <strong>de</strong> Lúcio.<br />
Apesar da obtenção <strong>de</strong> certo êxito ao publicá-lo, Mário <strong>de</strong> Sá-Carneiro<br />
pairou sobre a crítica literária portuguesa da época como um escritor insólito,<br />
bizarro, diferente do “ramerrão das estréias literárias”, como atestou o jornal “O<br />
Século”, edição <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1912. Segundo este, “Princípio é o livro<br />
d’um homem do seu tempo, espírito formado no ambiente cético d’uma época<br />
positivista em que a análise é tudo. Em todas essas páginas palpita a alma d’um<br />
artista. Se foi esse o fim <strong>de</strong>sejado pelo sr. Sá-Carneiro, creia que o atingiu.” ( “O<br />
Século” apud GALHOZ, 1963)<br />
Por não se dirigir ao leitor que busca uma diversão fácil, Princípio se<br />
diferencia justamente por <strong>de</strong>ter em suas páginas almas angustiantes, ávidas por<br />
mundos fantásticos ou quiméricos, incapazes <strong>de</strong> sujeitarem-se ao real entediante<br />
e banal, massacrador do espírito raro e invulgar. A morte e o suicídio aparecem,<br />
pois, como válvulas <strong>de</strong> escape diante <strong>de</strong> tamanha insatisfação e <strong>de</strong>sajustamento.<br />
É, portanto, Princípio o princípio da carreira <strong>de</strong> um escritor que “não <strong>de</strong>ixará<br />
mais <strong>de</strong> escrever, <strong>de</strong> sonhar, <strong>de</strong> polir e <strong>de</strong> aperfeiçoar” (QUADROS apud SÁ-CAR-<br />
NEIRO, s/d, p. 16) tanto as narrativas, quanto a obra poética, procurando sempre<br />
atingir o auge, a “quimera <strong>de</strong> ouro”, numa consagração máxima da arte e do artista.<br />
Dentre as narrativas <strong>de</strong>ste livro, <strong>de</strong>stacamos a última, “O incesto”, escrita<br />
entre abril e julho <strong>de</strong> 1912, em Lisboa, por constituir-se numa das mais insólitas<br />
e misteriosas produções do autor, comparável, até certo ponto, com a sua<br />
principal e mais importante narrativa: A confissão <strong>de</strong> Lúcio.<br />
2 . O mistério esfíngico<br />
Com “O incesto” vemos, pela primeira vez em Mário <strong>de</strong> Sá-Carneiro,<br />
o afloramento do subconsciente e o <strong>de</strong>scerramento <strong>de</strong> uma personalida<strong>de</strong> às<br />
voltas com o seu <strong>de</strong>sconhecido mundo interior. Paira sobre a narrativa certo<br />
culto do inexplicável já no primeiro capítulo, em que algo nebuloso circunda<br />
o <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> Júlia – esposa <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong> Monforte, autor dramático<br />
e criador da peça “Doida”, interpretada por Júlia que, mais tar<strong>de</strong>, o troca<br />
por uma ligação medíocre, <strong>de</strong>ixando-lhe a filha Leonor. Sá-Carneiro,<br />
estranhamente, a qualifica <strong>de</strong> “perversa e linda”: “...<strong>de</strong>saparecera no turbilhão<br />
esfacelante duma vida arrebatadamente louca, tragicamente agitada”<br />
(SÁ-CARNEIRO, 1984, p. 07)<br />
180<br />
O incesto, <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Sá-Carneiro